Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
Espaços de memória e pessoas com deficiência
Silvia Sertorio; Cassia Sofiato
Silvia Sertorio; Cassia Sofiato
Espaços de memória e pessoas com deficiência
Práticas Educativas, Memórias e Oralidades, vol. 5, núm. 1, pp. 1-18, 2023
Universidade Estadual do Ceará
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Na cidade de São Paulo existem muitos equipamentos culturais e atualmente um dos desafios é torná-los espaços compatíveis às pessoas com deficiência. Ademais, a captação deste público depende de vários fatores, tais como a organização da instituição, acessibilidade, entre outros. Assim sendo, o objetivo deste estudo foi apresentar uma reflexão sobre museus e espaços de memória que, por natureza, guardam construções de importância cultural e social na cidade de São Paulo e que contemplam pessoas com deficiência. Foi realizada uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica. Por meio do estudo verificamos que São Paulo possui poucos espaços que compreendem narrativas de pessoas com deficiência em seu material expositivo e salvaguarda de suas memórias.

Palavras-chave: Memória,Pessoas com deficiência,Espaços culturais,Acessibilidade.

Abstract: In the city of São Paulo, there are many cultural facilities and currently one of the challenges is to make them a compatible space for people with disabilities. Furthermore, attracting this demographic depends on several factors such as the organization of the institution, the accessibility of the spaces, and more. The objective of this study was to present a brief analysis of museums and memorials that by nature preserve cultural and social importance in the city of São Paulo and that serve people with disabilities. Qualitative bibliographic research was carried out and verified that São Paulo has few spaces that include narratives of people with disabilities in their exhibition material and safeguard their memories.

Keywords: Memory, People with disability, Cultural spaces, Accessibility.

Carátula del artículo

Artigo

Espaços de memória e pessoas com deficiência

Silvia Sertorio
Universidade de São Paulo, Brasil
Cassia Sofiato
Universidade de São Paulo, Brasil
Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
ISSN-e: 2675-519X
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 5, núm. 1, 2023

Recepção: 01 Junho 2023

Aprovação: 29 Setembro 2023


1 Introdução

Museus e espaços de memória são lugares que, por natureza, se caracterizam como construções de importância cultural e social na cidade de São Paulo. Nesse sentido, o presente artigo apresenta uma reflexão a respeito dos equipamentos desse tipo que contemplam pessoas com deficiência. Tanto os espaços de memórias quanto os museus são locais que atuam com temas de grande relevância para a constituição de um povo e de sua identidade (MACHADO, 2009). A partir de uma análise mais profunda, constata-se que existe um número reduzido desses locais que incluam determinadas narrativas e temas, sobretudo os ligados a pessoas em situação de vulnerabilidade às que compõem as chamadas minorias.

Considerando as diretrizes à luz de uma nova museologia, os espaços de memória e os museus têm grande relevância e possibilidade de transformação e de ressignificação social, seja pela forma como divulgam seus conteúdos para distintos públicos e como atuam na comunidade, seja pelas escolhas dos temas apresentados e trabalhados de modo a valorizar determinadas narrativas, sujeitos e histórias. Neste estudo, foram levantados os números de museus, locais de exposição e de memória da cidade de São Paulo, seguidos de uma breve análise do que neles é apresentado. Além disso, também foram aferidos o número de instituições e sua temática principal, objetivando entender se nelas são contempladas narrativas de pessoas com deficiência.

Partindo do princípio de que os museus são espaços de grande relevância e de construção simbólica, é importante considerarmos que não fazer parte desses espaços, ou fazer parte de uma forma distorcida, pode colaborar com a falta de engajamento e de inclusão de determinados grupos sociais. Um exemplo de instituições que incluem tais grupos de forma distorcida são as que expõem vestimentas/acessórios de pessoas que viveram em determinado local e sofriam com acromegalia, uma doença rara que tem como característica o crescimento exagerado de pés, mãos e outros membros. Nesses locais, esses objetos são tratados como raridades e como elementos exóticos, ainda que, no fundo, façam parte de um contexto que traz, inclusive, sofrimento psíquico.

Falando especificamente dos grupos de pessoas com deficiência, as instituições museais ainda colaboram com uma construção não positiva dessas pessoas, relacionando-as a determinadas características e, muitas vezes, a alegorias pejorativas. Nesse sentido, Martins (2017), tomando Richard Sandell explica que:

O discurso que o museu incorpora através de práticas expositivas ou de representação cria e gera efeitos sociais. Historicamente, os museus têm contribuído para o desenvolvimento de impressões negativas sobre a deficiência, excluído e expondo imagens redutoras da deficiência. Ao longo dos tempos, as pessoas com deficiência foram representadas para evocar ideias negativas para expressar sentimentos de medo, de piedade, de castigo ou de carácter sobrenatural. Sendo assim, utilizadas como objetos culturais, não participando ativamente no processo criativo da cultura da deficiência e na sua comunicação. Esta situação tem corroborado na construção de relações sociais entre pessoas com e sem deficiência baseadas em valores culturais preconceituosos e discriminatórios (MARTINS, 2017).

Ainda hoje, é possível encontrar em espaços museais figuras e objetos representativos de pessoas com características distintas de grande parte da população e fora de algo construído como socialmente aceito. Além disso, esse material é colocado dentro de um discurso de distorção da humanidade ali presente. Poucos são os museus que, tendo como base um discurso de construção cultural e social, se debruçam sobre a trajetória histórica das pessoas com deficiência. Em direção diversa, entretanto, cabe notar que, com a questão da educação inclusiva e das políticas de acessibilidade, os espaços museais também têm passado por um processo de ressignificação para a captação de diferentes públicos e atendimento adequado à população antes excluída da vida cultural, como cita Sarraf (2018):

O desenvolvimento de ações de acessibilidade para pessoas com deficiência e novos públicos em espaços e produções culturais é uma demanda que vem se tornando cada vez mais presente no universo da cultura. Museus, teatros, salas de cinema, centros culturais e casas de espetáculos espalhados pelos cinco continentes, dos mais conhecidos aos recém-abertos, passaram a considerar as pessoas com deficiência, os idosos, as famílias com bebês e crianças pequenas, as pessoas com doenças graves e sofrimento psíquico como parte importante de seu público; e, para garantir o acolhimento e a fidelização dessas pessoas, esses lugares passaram a propor novas formas de concepção de espaços, estratégias de comunicação e mediação que tornem suas ofertas mais equitativas (SARRAF,2018, p. 26).

Na cidade de São Paulo, localizamos dois espaços que contemplam narrativas de pessoas com deficiência, com material expositivo que leva em conta sua necessidade e importância e que possuem, também, salvaguarda de patrimônio afim. São eles, o Museu da Inclusão, que está ligado à Secretaria Estadual da Pessoa com Deficiência, e o Centro de Memória Dorina Nowill, que faz parte da instituição Fundação Dorina Nowill para Cegos. Tais espaços comportam, ainda, atendimento ao público e contam com serviço educativo e acervo.

Muitos museus concentram acervos que contemplam as linguagens de Arte, as diferentes tecnologias, as invenções, a economia, os artistas e personagens considerados históricos, a educação, a história geral e brasileira, a antropologia, a religião, o patrimônio imaterial, as ciências, a biologia, entre outros. Todos esses locais apresentam temas extremamente relevantes no que tange ao desenvolvimento cultural, social e educacional da cidade e da história da população. No entanto, se pensarmos o número de pessoas que vivem na cidade de São Paulo e toda a concentração populacional adjacente, fica claro que a existência de apenas duas instituições que contemplam narrativas de pessoas com deficiência representa um número pouco expressivo.

2 Metodologia

O presente estudo tem uma abordagem qualitativa e é do tipo bibliográfico. Com relação a esse tipo de pesquisa, Gil (2004, p. 44) menciona que ela “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Para sua realização, foram utilizadas referências específicas das áreas da museologia e da educação patrimonial, além de dados estatísticos e de informações presentes em duas bases de dados, SISEM-SP e Plataformas de Museus – IBRAM, repositórios que possuem um levantamento de museus e espaços de memória tanto do estado de São Paulo como ibero-americanos. O ano de busca foi 2023, sem que fossem estabelecidos recortes temporais.

3 Resultados e Discussão
1- 3.1 Pessoas com deficiência

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) relativa ao ano de 2022 mostrou que o Brasil possui cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência, número que representa 8,9% da população (BRASIL, 2023). De acordo com o mesmo estudo, a região que concentra a maior quantidade de pessoas com deficiência é o Nordeste, com cerca de 10,3% do total, enquanto a região Sudeste possui 8,2% daquele percentual. Também a respeito desses dados, Gomes (2023) cita que a população com deficiência também é a que menos tem acesso ao mundo do trabalho formal e à educação e, por consequência, é a que tem menor acesso à renda. Esses dados indicam que a população com deficiência do país está bem longe de uma inclusão social. Frente a isso, o fato de possuirmos apenas duas instituições que abordam a trajetória histórica desse grupo social, equipamentos que, inclusive, estão localizados em uma única região do país e que apresentam esse percurso histórico de forma fragmentada, pode indicar camadas de invisibilidade ainda mais subjetivas.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, lei nº 13.146 de 2015 (BRASIL, 2015), traz uma série de garantias para o público com deficiência em seus abrangentes capítulos, entre os quais consta o direito à cultura e o acesso a bens culturais em formato acessível. Ademais, cabe ao poder público trabalhar no sentido de eliminar barreiras para a promoção do acesso a todo patrimônio cultural. A mobilização em torno da busca da efetivação dos direitos previstos por lei deve ser constante e deve congregar atores sociais do setor da cultura e pessoas com deficiência também ligadas a esta vertente.

2- 3.2 Quem tem direito à memória?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) afirma que: “todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”. Isso quer dizer que, independentemente das características físicas, psíquicas, sensoriais, de classe ou raça, todos têm o direito ao acesso à cultura e os benefícios que ela pode trazer. Fischer (1987) também afirma que a Arte é necessária ao homem, pois, de acordo com ele, o ser humano anseia por tornar social sua individualidade, e isso pode dizer muito tanto sobre a necessidade de garantir direitos conquistados, quanto a respeito da valorização das pessoas com deficiência e de sua história na luta pela inclusão. Lembrando que, aqui, a Arte não diz respeito somente a uma linguagem artística, mas se refere a um conjunto de valores e de obras que representam um povo e suas manifestações culturais e históricas.

Ao utilizar a palavra inclusão, temos que partir, empiricamente, do pressuposto de que existe a exclusão, ou seja, de que algo está fora, não participa, não usufrui. De acordo com Veiga-Neto e Lopes (2011, p. 122), “excluídos refere-se àqueles que, de alguma maneira, são discriminados pelo Estado e/ou pela sociedade”. Essa afirmação problematiza muito do que vários espaços museais enfrentam, não apenas pela questão do que se refere à acessibilidade, mas também em relação a seu conteúdo e ambiente, além do que é determinado e autorizado a fazer parte do museu e a ter direito à memória. Neste contexto também fazemos uso do conceito de exclusão mencionado por Aidar (2002) e que foi importado para a museologia:

Fundamentalmente, o conceito de exclusão social refere-se aos processos pelos quais um indivíduo, ou um grupo de indivíduos, encontra-se com acesso limitado aos instrumentos que constituem a vida social e são, por isso, alienados de participação plena na sociedade em que vivem. As principais áreas onde essa alienação pode ocorrer são aquelas relacionadas a três níveis: 1) exclusão dos sistemas políticos, o que resulta na perda de direitos; 2) exclusão de mercados de trabalho e redes de assistência social, cujo resultado é a perda de recursos; 3) exclusão de elos familiares e comunitários, resultando na deterioração das relações pessoais (AIDAR, 2002, p. 54).

Este conceito de exclusão, criado no Reino Unido junto ao partido dos trabalhadores, não necessariamente serve apenas para as estruturas museológicas (AIDAR, 2002). Ao analisarmos conceitos de exclusão, quando os colocamos nos exemplos de vida prática, verificamos que cada um carrega, em si, muitas formas de supressão. Assim, a partir de alguns deles, optamos pelo que diz respeito a representações simbólicas e de construção cultural de pessoas com deficiência, o que indica que tais pessoas, muitas vezes, são marginalizadas de processos de construções de identidade e de memória social.

Fazendo uma breve revisão do que, tradicionalmente, foi considerado relevante na museologia, vemos que muitas são as formas de exclusão praticadas nos espaços museais, o que se dá em diversos países no mundo e em diferentes períodos históricos. Alguns momentos são marcados pela frequência, nos espaços reservados à memória e à contemplação, apenas de pessoas das elites, já em outros, as narrativas presenciadas nesses espaços referem-se a personalidades ligadas ao poder econômico e social de determinada época. Como diz Tolentino, citando Walter Benjamin:

Walter Benjamin (1994) afirma que é preciso escovar a história a contrapelo, pois o passado como o conhecemos não é de fato como ele foi. Ele é uma construção. É a narração dos vencedores, de classes hegemônicas e dominantes em seu cortejo triunfal. É preciso, portanto, ouvir os ecos das vozes que emudeceram. Os ecos das vozes do limbo do esquecimento, mas que resistem em ser ouvidas. Com o patrimônio cultural acontece o mesmo. É preciso escová-lo a contrapelo. É preciso também fazer ressurgir as vozes por ele emudecidas (TOLENTINO, 2019, p. 147).

É importante ter em mente a função e o poder que as instituições exercem sobre a construção da memória e das identidades e, também, sobre as relações históricas das pessoas, para, assim, analisar como, de fato, elas julgam e preservam as culturas que fazem parte da mesma nação. Bourdieu (1989), na obra O poder simbólico (p. 12), também traz uma contribuição analítica e prática a respeito da formação da cultura, descrevendo a situação e os comportamentos macros que determinam a sociedade e mostrando como eles se manifestam dentro das instituições. Esse panorama não fica apenas dentro da escola, mas está presente, igualmente, no interior de outras instituições públicas e privadas. A nova museologia tem como potencial uma construção cultural mais democrática, envolvendo as diversas vozes que formam a população de um país, além de um certo “dever” com relação a isso. Neste momento, muitos museus começam a investir em novas diretrizes para atendimento de públicos que antes eram excluídos dos espaços museológicos, como: pessoas com deficiência, pessoas com vulnerabilidades sociais e outros grupos, em especial os socialmente marginalizados. Estes espaços passam a ser instigados com vistas a um envolvimento e compromisso institucional, o que ocorre para eles cumprirem um acordo com a chamada transformação social, como afirma Machado (2009):

Significa dizer que, se os museus cumprem a função de manutenção da cultura e das relações sociais dominantes, podem também contribuir para a sua transformação, ao buscar possibilidades de construir, no âmbito das contradições e dos limites do sistema capitalista, propostas e situações educativas que favoreçam a construção de relações sociais voltadas para um outro tipo de sociedade (MACHADO, 2009, p. 11).

Entende-se, mais do que nunca, a importância de que as narrativas perpetuadas pela história e pelos museus se modifiquem e contemplem o cumprimento dos direitos sociais, abrangendo todas as pessoas e dando a oportunidade para a fruição e participação nestes espaços.

3- 3.3 Cidade de São Paulo e espaços de memória

A cidade de São Paulo é considerada uma das maiores da América do Sul, com 11.451.245 de habitantes, e fica situada no estado mais populoso do Brasil (IBGE, [2023]). No site do Sistema Estadual de Museus (SISEM-SP), é possível fazer um levantamento do número de locais cadastrados, filtrando-se, por exemplo, pela cidade. Os locais não necessariamente estão vinculados a instâncias estaduais e, infelizmente, nem todos estão presentes no cadastro. Um exemplo disso é o Centro de Memória Dorina Nowill, uma instituição da iniciativa privada, sem fins lucrativos, que, no entanto, não aparece nesse sítio eletrônico, assim como outros centros de memória de referência.

Na plataforma de cadastro de museus do Estado de São Paulo (SISEM-SP) estão inscritos 314 locais de cultura, dos quais 65 fazem parte da cidade de São Paulo. Se incluirmos a grande São Paulo, que contempla mais 23 pequenos municípios, o número sobe para 96 instituições e, somando-se com a baixada santista, que é formada por nove municípios, esse quantitativo chega a 115 (SISEM, [2023a]). Assim, mais de um terço dos locais dedicados à memória se concentram na região da cidade de São Paulo e adjacências.

Já no site do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), os dados e o formato de navegação estavam desatualizados, mas o portal disponibiliza um painel analítico, o qual, porém, trouxe informações diferentes daquelas apresentadas pelo SISEM-SP. A exemplo disso, o cadastro de espaços museais no estado de São Paulo, de acordo com as informações fornecidas pelo IBRAM, inclui locais abertos, em implantação, fechados e extintos, o que eleva o total de instituições para 748. No entanto, nessa fonte, não é possível filtrar os dados por cidade do estado São Paulo, mas o quadro (Figura 1) permite fazer relatório e download dos dados, trazendo informações como a de que: dos 643 locais abertos, 308 dizem não possuir acessibilidade, 42 não informaram, oito possuem corrimão e rampas e oito possuem vagas exclusivas de estacionamento para idoso. Essas informações dialogam com o público com deficiência e vulnerabilidade, porém a acessibilidade acaba ficando em torno dos aspectos mais físicos/arquitetônicos, o que não garante a fruição e a interação do público com deficiências sensoriais, por exemplo, como surdos ou pessoas cegas.



Figura 1 – Quadro analítico IBRAM
Museusbr ([2023]).

Para a aferição de mais alguns dados, recorremos ao site do Registro de Museus Ibero Americanos, que apontou que no Brasil existem 3.013 instituições cadastradas (REGISTRO DE MUSEUS IBERO-AMERICANOS, [2023]). De todos os países que compõem o registro e que fizeram parte do mapeamento, o Brasil é o que mais concentra instituições desta natureza. Ainda utilizando os dados do registro, constatamos que, na região Sudeste do país, onde está localizada a cidade de São Paulo, existem 1.191 locais mapeados. Essa região é formada por quatro estados e é a segunda menor do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023).

4- 3.4 Museu da Inclusão

Atualmente o Museu da Inclusão, localizado na cidade de São Paulo, é uma unidade museológica que pertence à Secretaria de Estado das Pessoas com Deficiência. Foi inaugurado em 2009 como Memorial da Inclusão e tem por missão “preservar, pesquisar e comunicar a memória de luta do movimento social e político das pessoas com deficiência no estado de São Paulo e suas ressonâncias no Brasil” (SISEM, [2023b]). O museu traz, em suas exposições de longa e curta duração, documentos e registros ligados ao movimento social das pessoas com deficiência e a luta pelo reconhecimento de seus direitos. O local também apresenta, além de lideranças do movimento social das pessoas com deficiência, que em sua maioria são pessoas com alguma deficiência, o fomento à discussões e ações ligadas às narrativas museológicas e de inclusão social. Seu acervo material possui materiais abarcando todos os tipos de deficiência. O espaço possui acessibilidade arquitetônica, comunicacional e metodológica.

Este local destaca-se, ainda, pelo seu acervo material, que contém audiovisual, manuscritos, fotografias, documentos e memorial oral de pessoas e de acontecimentos em torno da inclusão e visibilidade de pessoas com deficiência. Além disso, ele contou, desde o início, com a participação de pessoas com deficiência para criação de um espaço de homenagem e de conscientização das vivências do público com deficiência. Atualmente essa unidade museológica se encontra temporariamente fechada para visitação, porém não deixa de representar um importante conjunto arquivístico de referência para pesquisa do movimento de inclusão social do público com deficiência e suas ressonâncias no país.

5- 3.5 Centro de Memória Dorina Nowill

O Centro de Memória Dorina Nowill faz parte do patrimônio institucional da Fundação Dorina Nowill para cegos. Tem como missão apresentar a história da luta das pessoas cegas e com baixa visão no Brasil e no mundo, bem como a trajetória de vida da educadora Dorina Nowill, que perdeu sua visão aos dezessete anos de idade. A instituição, que hoje leva seu nome, foi criada por ela e por algumas amigas em 1946, com o nome de Fundação para o Livro do Cego no Brasil (FLCB) e, desde o início, teve a intenção de apoiar o desenvolvimento educacional e social do público com deficiência visual no país.

Entre muitas ações importantes que marcam a instituição e a história da educadora, podemos destacar, em 1953, a criação das chamadas classes braille no Estado de São Paulo, projeto criado e liderado pela educadora Dorina Nowill, que implementou salas para o ensino do sistema braille em escolas estaduais, as quais acabaram, com o tempo, evoluindo para salas de apoio pedagógico de crianças com deficiência. A educadora atuou, também, como secretária nacional da pessoa com deficiência por cerca de 12 anos consecutivos, além de ter ocupado cargos junto à Organização das Nações Unidas (ONU) e como Presidente da União Mundial de cegos.

Institucionalmente, Dorina ajudou a criar o primeiro serviço de reabilitação para pessoas com deficiência visual no país e, por meio de parcerias, automatizou todo o processo de impressão da Imprensa Braille da Fundação Dorina Nowill para cegos, que hoje está entre uma das maiores da América Latina (NOWILL, 1996). A educadora faleceu aos 91 anos, em 2010, e deixou, além da instituição que leva seu nome, uma enorme marca no imaginário e na memória de pessoas cegas que puderam estudar nesse país utilizando livros impressos da Fundação Dorina.

Fundado em 2002, o Centro de Memória da Fundação considera a cultura da deficiência visual como um patrimônio histórico e apresenta pessoas com deficiência como sujeitos históricos. O local possui acessibilidade e recebe visitas de público externo. Além de conhecer partes importantes da vida e obra de Dorina Nowill, é possível conhecer o trabalho realizado até hoje pela instituição em prol da inclusão social de pessoas cegas e com baixa visão.

O que é importante ressaltar, e que também vale para contextos museológicos e educacionais, é que quanto maior o envolvimento político e de autoridades no compromisso de uma mudança cultural efetiva, maior é a possibilidade de adesão por demais sujeitos da sociedade e maior o impacto da mudança.

o século XX o olhar para os direitos humanos ganhou muito mais ênfase e a construção de identidades segue atrelada a questões sociais. Um marco histórico importante foi o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência, proclamado pela Organização das Nações Unidas em 1981, que serviu para chamar atenção da situação das pessoas com deficiência no mundo. A data foi também um grande marco simbólico para que acordos internacionais começassem a pensar cada vez mais em políticas públicas para a integração das pessoas com deficiência na vida social.

Vale ressaltar que, como documento oficial, criado em 1994 e instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Declaração de Salamanca trouxe, como diretriz aos países signatários, a obrigatoriedade de discutir as questões relacionadas aos direitos das pessoas com deficiência, procurando criar políticas públicas para a garantia dos referidos direitos

Vale ressaltar que, como documento oficial, criado em 1994 e instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Declaração de Salamanca trouxe, como diretriz aos países signatários, a obrigatoriedade de discutir as questões relacionadas aos direitos das pessoas com deficiência, procurando criar políticas públicas para a garantia dos referidos direitos.

Diante de conquistas sociais determinantes, ocorridas, a partir da década de 1990, com o estabelecimento de políticas públicas, que, no Brasil, são em grande número, pessoas com deficiência ocupam um outro papel social. Colocá-las como pessoas dignas de patrimônio cultural e memória é mostrar um profundo respeito e alinhamento com um futuro mais inclusivo, democrático, diverso e acessível. Tolentino (2019) refere que:

o início da criação do Iphan, nos anos 1930, até os dias atuais o campo do patrimônio se expandiu e novas vozes, de resistência inclusive, passaram a reivindicar a legitimação de suas referências culturais como importantes para a memória e identidade da nação. Ancorado, sobretudo, no conceito antropológico de cultura, que compreende todo o complexo de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade, a concepção de patrimônio cultural, pelo Estado brasileiro, passou a considerar o conjunto de saberes, fazeres, expressões, práticas e produtos dos diferentes grupos e segmentos sociais formadores da sociedade brasileira (TOLENTINO, 2019, p. 138).

O respeito aos diversos sujeitos e suas distintas características é um fator que baliza a evolução de uma nação. Em muitos setores da sociedade, vemos lacunas, não só históricas, mas de ações mais afirmativas para valorizar e resgatar a dignidade de uma parcela da sociedade que continua tendo, infelizmente, uma existência cerceada. Pensar que as instituições museológicas podem e devem reconhecer essa luta por direitos das pessoas com deficiência, nos faz entender uma fala de Rússio (1980) acerca tantos dos museus como do seu rico potencial de colaborar com a evolução de uma sociedade: “os museus são filhos da sociedade que os engendra... e, como todos os filhos, servem para ajudar os “pais” no seu processo de atualização, de reciclagem do mundo (p. 240)”.

4 Considerações finais

Ao longo do percurso deste estudo foi possível perceber que tanto a cidade como o estado de São Paulo são locais que concentram o maior número de equipamentos culturais de natureza museológica. No caso da cidade, ela é, também, um dos únicos locais no país que possui espaços expositivos dedicados, exclusivamente, a divulgar a trajetória e memória histórica de pessoas com deficiência.

Apesar disso, por meio das informações trazidas, percebe-se, ainda, que os espaços que contemplam a história das pessoas com deficiência e a salvaguarda de materiais afins são escassos na cidade, sendo que, neste estudo, foram destacados dois que assumem um importante papel social. A pesquisa também revelou o papel decisivo das políticas públicas no sentido de garantir o acesso a bens culturais e a participação das pessoas com deficiência em espaços, antes, não frequentados. Porém, o desafio de ampliar o acesso e a participação das referidas pessoas ainda se faz presente e nos impele a mobilizar tais ações em âmbito nacional.

Ademais, contar com a presença de pessoas com deficiência nestes espaços é fundamental, pois a força dos movimentos sociais tem mobilizado o campo e a luta pelos mais distintos direitos, ação que ainda se faz necessária numa sociedade que não é culturalmente inclusiva.

Existem elos entre o cumprimento dos direitos humanos e os direitos de acesso a espaços museológicos, uma vez que o perfil excluído da sociedade é o mesmo excluído dos museus e espaços de memória. De forma alguma a pesquisa pode se esgotar aqui, mas é necessário aprofundar a construção das referências, que infelizmente ainda se mostram desorganizadas e não padronizadas em todas as regiões do país, sobretudo em relação a dados referentes às instituições museológicas.

A humanidade não chegou até aqui apenas pelos feitos e descobertas de autovalorização de uma elite dominante. A história prova que esses sempre foram a exceção da tessitura humana. Rever a história e incluir todos que ajudaram a construí-la é um compromisso não apenas com o passado, mas com o presente e com a construção de um futuro, para que ele seja muito mais inclusivo e democrático.

Material suplementar
Referências
ABREU, Elza Maria de Araújo Carvalho, SANTOS, Fernanda Christina, FELIPPE, Maria Cristina Godoy Cruz e OLIVEIRA, Regina Fátima Caldeira. Braille!? O que é isso? São Paulo, Fundação Dorina Nowill para Cegos, 2018. 2ª edição.
AIDAR, Gabriela. Acessibilidade em museus: ideias e práticas em construção.ReDoc. Rio de Janeiro, 2019. v. 3, no.2.
AIDAR, Gabriela. Museus e inclusão social. In: Patrimônio e Educação. Ciências & Letras. Porto Alegre: Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras, n. 31, 2002
BRASIL. Presidência da República. Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da pessoa com deficiência). Disponível em:http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm Acesso em: 22 ago. 2023.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 1989.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS (1948) disponível em: Declaração Universal dos Direitos Humanos (unicef.org) Acesso em: 28/08/2023
DUARTE, Alice. Nova Museologia: os pontapés de saída de uma abordagem ainda inovadora. p. 99-117. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, v. 6, n. 1, 2013.
FISCHER, Ernst. A Necessidade da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. 9ª edição.
FUNDAÇÃO DORINA NOWILL PARA CEGOS. Disponível em: Centro de Memória - Fundação Dorina Nowill para Cegos (fundacaodorina.org.br) Acesso em: 22 ago. 2023.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2023.
INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). Rede Nacional de Identificação de Museus. disponível em: Cadastro Nacional de Museus – Instrumento para conhecer e mapear os museus brasileiros. Acesso em: 28 ago. 2023.
GOMES, Irene. Pessoas com deficiência têm menor acesso à educação, ao trabalho e à renda. Agência Brasil, 2023. Disponível em:Pessoas com deficiência têm menor acesso à educação, ao trabalho e à renda | Agência de Notícias (ibge.gov.br) Acesso em: 23 ago. 2023.
MACHADO, Maria Iloni Seibel. O papel do setor educativo nos museus: análise da literatura (1987-2006) e a experiência do Museu da Vida. UNICAMP: Campinas, 2009 (Tese de Doutorado).
MARTINS, Patricia Roque. Os museus e as histórias não ditas da deficiência. Revista Museu Cultura levado a sério. Disponível em: Os museus e as histórias não ditas da deficiência (revistamuseu.com.br) Acesso em: 18 maio 2023.
NOWIIL, Dorina de Gouvêa. E Eu venci mesmo assim... Editora Totalidade. São Paulo, 1996.
REGISTRO DE MUSEUS IBERO-AMERICANOS. Disponível em: rmiberoamericanos.org Acesso em: 28 ago. 2023.
RUSSIO, Waldisa. Conceito de cultura e sua interrelação com património cultural e a preservação. In: Cadernos Museológicos, 3. São Paulo: USP disponível em: Cat WALDISA vol 1 miolo marco 2018.indd (sisemsp.org.br) Acesso em: 28 ago.2023
SISTEMA ESTADUAL DE MUSEUS DE SÃO PAULO (SISEM-SP) Disponível em: Cadastro Estadual de Museus de São Paulo (CEM-SP) (sisemsp.org.br). Acesso em: 22 ago. 2023.
SARRAF, Vivane Panelli. Acessibilidade cultural para pessoas com deficiência – Benefício para todos. REVISTA DO CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO do SESC / Nº 6, junho 2018. Disponível em: 183d6c085449.pdf (sescsp.org.br) Acesso em: 27 ago. 2023.
TOLENTINO, A. B. Educação Patrimonial e construção de identidades: diálogos, dilemas e interfaces. Revista CPC-USP, São Paulo, n. 27, especial, 2019.
VEIGA-NETO,Alfredo; LOPES, Maura Corcini. Inclusão, exclusão, in/exclusão. 2011. Disponível em:https://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/view/14886/11118 Acesso em: 31 ago. 2023.
Notas


Figura 1 – Quadro analítico IBRAM
Museusbr ([2023]).
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor móvel gerado a partir de XML JATS4R