Artigo

Contribuições da indissociabilidade ensino-extensão-pesquisa com grupos ECOSOL para a formação dos estudantes do ETIM

Tatiana Losano de Abreu
nstituto Federal da Paraíba, Guarabira, Brasil
Wiliane Viriato Rolim
Instituto Federal de Minas Gerais, Ouro Preto, Brasil

Práticas Educativas, Memórias e Oralidades

Universidade Estadual do Ceará, Brasil

ISSN-e: 2675-519X

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 5, núm. 1, 2023

rev.pemo@uece.br



Resumo: Os Institutos Federais (IFs) oferecem o chamado Ensino Técnico Integrado ao Médio – ETIM, como educação profissional ampla, integral, para a formação cidadã (MACHADO, 2008). A construção e organização desta modalidade de ensino perpassa pela práxis do conjunto ensino-extensão-pesquisa, sendo a extensão capaz de romper os muros da instituição e atingir a comunidade, como por exemplo, os trabalhadores da Economia Solidária – ES. Grupos produtivos das classes populares que encontram na ES uma forma de produzir com base em princípios específicos. Os projetos desenvolvidos com eles constituem-se como espaços de construção do saber também para os discentes envolvidos. Buscou-se, a partir do olhar dos egressos dos cursos ETIM e ex participantes de um núcleo de extensão em ES, dialogar sobre essa experiência para a formação profissional deles. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e foi possível perceber a importância da efetiva práxis da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão para a formação profissional de caráter emancipatório.

Palavras-chave: Ensino técnico integrado ao médio, Indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, Economia Solidária, Formação Profissional.

Abstract: The Federal Institutes of Education, Science and Technology - FIs, offer the so-called Technical Education Integrated to the High School - TEIHS, a broad, comprehensive professional education for citizenship formation (MACHADO, 2008). The construction and organization of this type of education permeates the praxis of the teaching-extension-research tripod, being an extension capable of breaking through the walls of the institution and reaching Solidarity Economy – SE workers, for example. They are productive groups of the popular classes that will find in SE a way of producing based on specific principles. The projects developed with them are also spaces for the construction of knowledge for the students involved. We sought to discuss this experience for their professional formation from the point of view of graduates of TEIHS courses and former participants of an extension group in SE. It is a qualitative research and it was possible to perceive the importance of the effective praxis of the tripod for the professional formation of emancipatory Character.

Keywords: Technical Education Integrated to the High School, Teaching-extension-research tripod, Solidarity Economy, Professional Formation.

1 Introdução

A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica está imersa no contexto de disputa por um projeto educacional para a classe trabalhadora. Seu surgimento marca um cenário da valorização do caráter instrumental da educação, baseado na formação de trabalhadores polivalentes, flexíveis, criativos e participativos no limiar dos interesses e da lógica do capital. Trata-se da educação para desenvolvimento de competências ditadas pelo mundo do trabalho - ou melhor dizendo do emprego.

Os Institutos Federais (IFs), ao oferecer Educação Profissional Tecnológica (EPT), sofrem influência e pressão de setores produtivos e do status quo, que buscam uma educação tecnicista, fragmentada e superficial (SOUZA, 2013) para produzir e reproduzir trabalhadores com domínio da técnica, porém “desprovidos da capacidade de construir saberes que lhes possibilitem uma visão ampliada da realidade social, política, econômica e cultural em que estão inseridos” (SILVA, 2016, p. 174). Ainda, é possível entender a importância da oferta da educação profissional via esfera pública, já que o espaço institucional público é capaz de propiciar a realização dos interesses coletivos, com um mínimo de autonomia e potencial de superação das contradições sociais (SOUZA, 2013).

Logo, vê-se a educação profissional oferecida pelos IFs como espaço propenso para a defesa e realização de uma educação pública, estatal, democrática e emancipatória, na perspectiva de possibilitar o domínio consciente e coletivo dos homens sobre a sua autoconstrução, com vistas a tornarem-se os verdadeiros protagonistas dos seus destinos (PORTELA, 2014).

Especificamente a educação profissional de nível médio, chamada de Ensino Técnico Integrado ao Médio – ETIM, tem especial relevância entre o leque de modalidades de ensino oferecidas pelos IFs. Tem-se o entendimento que o ETIM é fruto das demandas da própria sociedade e carrega a possibilidade de proporcionar uma educação integral aos futuros trabalhadores (MOURA; LIMA FIHO; SILVA, 2015). Deste modo, tem-se o compromisso de pensar a educação para além das demandas mercadológicas, caminhando na direção do oferecimento de uma educação profissional ampla, integral, de modo a propiciar ao discente o desenvolvimento de uma visão reflexiva e crítica do mundo do trabalho, das motivações para a evolução dos sistemas tecnológicos, guiados pela essência das relações de trabalho capitalistas (MACHADO, 2008), ou seja, uma educação que incorpore, de forma indissociável, a ciência, o trabalho, a tecnologia e a cultura, com um olhar sobre os problemas comunitários (MOURA, 2008).

Tem se visto que o desenvolvimento de atividades para além da sala de aula traz benefícios para a formação de todos os envolvidos, com destaque aos discentes. E, em se tratando especificamente da educação profissional, Gasparotto et al. (2018) destacam que essas atividades, chamadas de extensão, possibilitam o desenvolvimento de um olhar reflexivo sobre o contexto profissional, além de permitir a interação, intervenção e transformação do espaço social, estimulando aspectos cognitivos, afetivos, psicomotores e de cidadania. Tais experiências, defendidas aqui, estão relacionadas à prática da indissociabilidade entre ensino, extensão e pesquisa, um dos pilares da educação profissional oferecida pelos IFs.

No Instituto Federal da Paraíba, campus Guarabira tem-se um exemplo de um núcleo formalizado na Pró Reitoria de Extensão que busca colocar em prática esta indissociabilidade. Trata-se do Núcleo Catalisador de Empreendimentos Solidários – NUCAES que, desde 2015, desenvolve projetos de fortalecimento da Economia Solidária - ES na cidade de Guarabira-PB e região através do envolvimento de estudantes dos cursos ETIM em contabilidade, informática e edificações e os trabalhadores da Economia Solidária do território. Vale destacar que o público da ES é heterogêneo e as demandas que provocam os projetos desenvolvidos são diversas, de modo que a atuação para/com esse público é rica em vivência e desafios.

Diante do exposto, questiona-se: Qual(is) a(s) contribuição(ões) do desenvolvimento dos projetos do NUCAES para a formação profissional dos discentes envolvidos? Buscou-se, a partir do olhar dos egressos dos cursos ETIM e ex participantes do NUCAES, dialogar sobre as contribuições da prática da indissociabilidade ensino-extensão-pesquisa com grupos de Economia Solidária para a formação profissional dos estudantes do ETIM.

2 Formação profissional de cunho emancipatório do ETIM e a práxis do ensino-extensão-pesquisa com os trabalhadores da Economia Solidária.

A relação entre trabalho e educação pode ser considerada um fator existencial da raça humana. Já que está marcada na história da nossa evolução a reciprocidade entre as atividades desempenhadas para a sobrevivência (trabalho), e o consequente efeito sobre valores, personalidade, hábitos, habilidade e competências dos homens. Tendo como pano de fundo a concepção dialética entre trabalho e educação, a sociedade formula projetos pedagógicos a fim de atender as demandas formativas oriundas do trabalho. E, em se tratando do trabalho desempenhado como emprego no mercado capitalista, são consideradas as demandas formativas se direcionam para a maior eficiência da acumulação de capitais e fortalecimento da sociedade de classes.

Os projetos pedagógicos, por estarem imersos nessa sociedade, resultam da dicotomia de classes. Assim, é possível observar a implementação, no decorrer da história da educação brasileira, de projetos antagônicos a depender do público a ser atingido. Caires e Oliveira (2016) observaram, no decorrer da história da educação profissional brasileira, a existência de dois percursos formativos diferenciados a depender da função a ser exercida na economia: um que dará acesso a uma escola direcionada aos dirigentes, e outro que oferece formação aligeirada e modulada ao interesse do mercado de (força de) trabalho.

A proposta de um projeto de educação integral, que rompa com o condicionamento histórico de oferecimento de educação tecnicista, aligeirada e fragmentada para a classe trabalhadora ganha força através da proposta de Educação Profissional Tecnológica – EPT oferecida pelos Institutos Federais - IFs. A integralidade da formação desejada baseia-se, aqui, no seu aspecto intelectual, cultural, físico e tecnológico (MOURA; LIMA FIHO; SILVA, 2015), de caráter unitário, na perspectiva de dominação intelectual das técnicas ou, de outra forma, o domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas, a politecnia (SAVIANI, 2003). Assim, tem-se o entendimento que a utopia de uma educação integral voltada para a classe trabalhadora tem sua gênese na EPT, com destaque no ETIM oferecido nessas instituições.

As condições econômicas da classe trabalhadora têm exigido dos jovens a inserção precoce no mercado de força de trabalho e o ETIM é uma resposta necessária, dada pela esfera pública a essa realidade. Diferente do oferecimento da formação puramente tecnicista, tem-se o potencial de superação para uma formação integral. Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p.43):

Se a preparação profissional no ensino médio é uma imposição da realidade, admitir legalmente essa necessidade é um problema ético. Não obstante, se o que se persegue não é somente atender a essa necessidade, mas mudar as condições em que ela se constitui, é também uma obrigação ética e política garantir que o ensino médio se desenvolva sobre uma base unitária para todos. Portanto, o ensino médio integrado ao ensino técnico, sobre a base unitária de formação geral, é a condição necessária para se fazer a “travessia” para uma nova realidade.

Assim, podemos considerar a EPT, e o ETIM, sua principal modalidade, como instrumento contra hegemônico, que possibilita aos discentes, “mesmo numa realidade que lhe é adversa, uma formação científica, técnica e política cujo conteúdo, método e forma expressem uma direção antagônica à perspectiva de subordinação unidimensional às relações sociais e educativas capitalistas” (FRIGOTTO, 2009, p.76).

Para Rays (2003) a concepção de formação humana integral precisa se dar em consonância com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Podemos entender o ensino enquanto ações intencionais de aprendizagem para a construção do conhecimento, a pesquisa como ato de criação de novos conhecimentos e a extensão representa, não só o compartilhamento/troca do conhecimento, mas a redescoberta e reconstrução dele como fruto da interação com outros agentes. Assim, “uma vez que, ao pesquisar, alimento o ensino e a extensão; ao ensinar, posso estimular a pesquisa e a extensão; e ao praticar a extensão posso instrumentalizar a pertinência do ensino e a relevância e o direcionamento da pesquisa” (LORENZET; ANDREOLLA, 2020, p. 12).

Trata-se de três elementos da educação que, vistos e praticados separadamente, constituem uma educação fragmentada, mas, como indissociáveis, possibilitam romper com o paradigma da separação entre teoria e prática, ciência e senso comum, aproximando o “homem que pensa” do “homem que executa”, promovendo uma ruptura na concepção dual, histórica, ligada à educação da classe trabalhadora (RAMOS, 2016).

No que tange à constituição das Instituições de Ensino Superior e, especificamente, os Institutos Federais, tem-se a indissociabilidade ensino, extensão e pesquisa enquanto premissa para a educação profissional, científica e tecnológica, tratando-se, inclusive, de um comprometimento institucional (PACHECO, 2016). Longe de procurar criar um rank de importância entre os três componentes da tríade, entende-se a extensão enquanto elo mobilizador, articulador e promotor da indissociabilidade, já que representa o processo educativo, político, social, cultural, científico e tecnológico que possibilita a interação dialógica e transformadora da sociedade (FORPROEXT, 2015).

Vale lembrar aqui que o caminho em direção da formação profissional integral perpassa pela aproximação crítica da realidade. A contribuição da prática da extensão, através do envolvimento em projetos que, indissociados da pesquisa e do ensino, estejam voltados aos problemas comunitário, possibilitando um efetivo rompimento dos muros da educação formal e aproximação dos discentes da realidade desmistificada. Para Santos (2010) a extensão tem a contribuição primordial de propiciar o desenvolvimento da consciência cidadã e ética como prática e exercício. Gasparotto et al. (2018) defendem que projetos de extensão fornecem subsídios para que o profissional não se restrinja tão somente aos aspectos técnicos, mas desenvolva o olhar reflexivo. Nas palavras deles:

A formação profissional aliada à experiência em projetos de extensão proporciona estímulos cognitivos, afetivos, psicomotores e também de cidadania. Essas competências permitem, entre outros aspectos, a maior compreensão sobre questões éticas e desafios profissionais diante da aproximação com a sociedade (GASPAROTTO et al., 2018, p. 03).

Deste modo, o desenvolvimento de projetos de extensão pode ser considerado a mola propulsora da visão crítica do mundo e fomento da cidadania, principalmente se os projetos forem voltados para públicos marginalizados que colocam em prática princípios contra hegemônicos, como é o caso dos trabalhadores da Economia Solidária (ES). Esse público é extremamente heterogêneo. São grupos produtivos que, vinculados a algum setor econômico, organizam-se na busca pela subsistência do grupo. A organização da produção e das instâncias de decisão baseiam-se na cooperação, na autogestão e na propriedade coletiva dos meios de produção, aspectos que representam uma quebra de paradigmas em relação ao modelo produtivo vigente.

Os Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) constituem-se, portanto, de grupos que carregam, na sua origem, a marginalização e estão na construção da ES como um meio efetivo de vida. Na prática, são vários os desafios que permeiam a ES, desde dificuldades operacionais, relacionadas à gestão do empreendimento, até mesmo de educação básica, visto que muitos não têm letramento, e ainda de caráter ideológico, visto que estão cotidianamente combatendo comportamentos individualistas e desagregadores, que historicamente foram estimulados. Segundo Singer (2005), é necessária a reeducação daqueles que foram formados no capitalismo, para internalizar os princípios da solidariedade, coletividade e autogestão.

Os olhares dos pesquisadores do Núcleo Catalisador de Empreendimentos Solidários – NUCAES, núcleo de extensão vinculado ao Instituto Federal da Paraíba – IFPB, campus Guarabira se voltam, desde o seu surgimento em 2015, para esses grupos. No decorrer da sua história desenvolveu cerca de 20 (vinte) projetos que buscam contribuir com o fortalecimento da ES da região e com a formação dos pesquisados envolvidos na perspectiva da formação cidadã.

Os projetos fomentados pelo NUCAES corroboram a proposta de oferecer a práxis da extensão enquanto processo formativo do profissional formado na EPT.

3 Metodologia

Este estudo tem caráter exploratório e descritivo. Seu caráter exploratório se dá pela proposta de explorar a relação entre a prática do tripé ensino-extensão-pesquisa e a formação profissional dos egressos do ETIM. Tem caráter também descritivo porque os fatos foram observados, analisados e interpretados (ANDRADE, 2010). Como procedimento técnico, foi realizada uma pesquisa de campo para conseguir informações diretamente com os envolvidos (PRODANOV; FREITAS, 2013).

Em relação à abordagem do problema, esta pesquisa caracteriza-se como predominantemente qualitativa, por possibilitar o levantamento de opiniões, de crenças e de significados nas palavras dos participantes da pesquisa (VIEIRA, 2008). Para a efetivação da pesquisa qualitativa, foi empregada a análise de discurso, seguindo a linha francesa. Em geral, a análise de discurso é a prática de análise que considera que o discurso do sujeito não é transparente, mas efeito da história (GUIMARÃES, 2015). Em relação à linha francesa de interpretação, esta caracteriza-se por articular o aspecto logístico com o social e o histórico (PÊCHEUX, 2002).

Para a coleta dos dados da pesquisa foi aplicado um formulário (GoogleForm) de elaboração própria composto por 21 questões que trataram das seguintes temáticas: dados gerais do participante; Experiência profissional; Experiências a partir do desenvolvimento de projetos no Núcleo Catalisador de Empreendimentos Solidários – NUCAES, vinculado ao IFPB – Campus Guarabira. Os participantes da pesquisa foram os discentes egressos dos cursos ETIM oferecidos pelos supracitados campuses (de informática, edificações e contabilidade) e que participaram de ao menos um projeto de pesquisa/extensão oferecido pelo NUCAES. Através do acesso aos projetos desenvolvidos pelo NUCAES disponível no Sistema Unificado de Administração Pública – SUAP, foi levantado um total de 15 possíveis participantes desta pesquisa. Todos foram contatados e deste total, 7 responderam o formulário, sendo 01 ex aluno(a) do ETIM em informática, 02 ex alunos(as) do ETIM de edificações, e 04 ex alunos(as) do ETIM de contabilidade. Todos foram cientes do objetivo da pesquisa, do anonimato das respostas e autorizaram o uso das informações para publicações acadêmicas.

4 Resultados e Discussão

Nesta pesquisa, procuramos obter dados pontuais tais como as características dos participantes (idade, gênero, curso, período de atuação) e outras questões de resposta SIM ou NÃO. Mas, principalmente, nos pautamos em questões de respostas de redação própria a partir de relatos de experiências, posicionamentos e justificativas. Assim foi possível associar certas características dos participantes a determinados posicionamentos ou mesmo á clareza das ideias e ao aprofundamento nas exposições. Os participantes de faixa etária mais alta, que se encontram mais adiantados nos estudos (há quem já esteja cursando o mestrado) ou com maior experiência profissional e os que tiveram um maior tempo de participação no NUCAES desenvolveram textos mais extensos e se aprofundaram mais em seus relatos e justificativas do que os alunos de faixa etária menor e com um tempo menor de participação. Não foi possível verificar diferenciações ao se considerar gênero e curso. Tanto uns quanto outras, assim como alunos dos três cursos ETIM (Informática, Contabilidade e Edificações), tiveram atuações (em relação às respostas) que não permitem diferenciações por gênero e curso.

Já em relação aos projetos em que cada um participou, as diferenças foram marcantes. Alunos que estiveram nos projetos de extensão por mais tempo e que participaram de um maior número e de uma maior variedade de projetos relatam uma gama mais diversificada de habilidades desenvolvidas. Alunos que participaram somente de projetos específicos (como no caso do Papo Reto) desenvolveram habilidades próprias daquele projeto e tiveram estas habilidades bem marcadas (escuta atenta, olhar aguçado para os problemas dos outros). Para além destes recortes por características dos participantes, foi possível verificar dados relativos a todo o universo dos entrevistados.

Considerando os relatos sobre conhecimentos e habilidades adquiridos a partir da participação no NUCAES, especificamente na extensão, mas também na pesquisa, os dados referentes às habilidades de Comunicação foram os mais citados: lidar com pessoas, falar em público, relações interpessoais, perceber o outro, respeito às diferenças e ao tempo de cada um foram habilidades que a maioria dos respondentes citou. Ainda no campo da comunicação e expressão, a escrita acadêmica foi muito lembrada: aprender a escrever artigos científicos, fazer fichamentos, resumos, elaborar projetos e apresentar trabalhos em congressos.

Em segundo lugar, o trabalho em equipe foi o que nossos egressos mais aprenderam. Citado por praticamente todos os participantes, termos como proatividade, liderança, cooperação e união apareceram repetidas vezes. A produção de eventos foi referida por todos os participantes do Integrasol (evento realizado anualmente por nosso núcleo e que envolve todos os seus integrantes) e por aqueles que ajudaram na organização das feiras de Economia Solidária. Foi interessante verificar como foi pontuado o conhecimento da própria Economia Solidária: os entrevistados mostraram que no currículo escolar, nos conteúdos das disciplinas, jamais teriam aprendido o que é Economia Solidária. Somente a prática extensionista permitiu que viessem a ter um conhecimento de tal envergadura, capaz de mudar sua visão de mundo e de levá-los a perceber e apreender uma realidade social a que jamais teriam acesso.

Em relação aos valores da Economia Solidária que praticam em sua vida profissional e estudantil pós IFPB, a autonomia (capacidade de participar da tomada coletiva de decisões), a solidariedade (significando responsabilidade compartilhada) e a noção de coletivo foram as mais citadas. Igualdade, participação, união e empatia também foram bastante lembradas, assim como, o cuidado com o meio ambiente e o respeito às diversidades. Todos afirmaram ter pensamento crítico procurando ver além das aparências, conhecer os diversos ângulos da questão, aprofundar seus conhecimentos sobre os fatos e ter posicionamento próprio. Quanto ao engajamento político, somente um participante respondeu não ter engajamento político. Os demais justificaram seu engajamento trazendo à baila a consciência política e a consciência da relação patrão/empregado, pautas de interesse coletivo, políticas públicas e causas mais específicas como a causa LGBTQIAP+.

5 Considerações

Nossa pesquisa procurou verificar como a participação nos trabalhos de extensão e pesquisa realizados pelo Núcleo Catalisador de Empreendimentos Solidários do Campus Guarabira do Instituto Federal da Paraíba provocou mudanças na vida profissional daqueles egressos – estudantes que já formaram e saíram da instituição – que fizeram parte de seus quadros. Partimos da premissa de que a prática pedagógica fundada na indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão tem rendimentos mais profícuos na formação dos cursos de ensino médio integrados ao técnico. Isso significa dizer que alunos que participam de atividades de extensão e pesquisa são mais propensos a aprender melhor, a desenvolver capacidade crítica e se tornarem cidadãos mais participativos e conscientes.

Segundo o Plano Nacional de Educação “A extensão se coloca como prática acadêmica que objetiva interligar a IES, em suas atividades de ensino e pesquisa, às demandas da sociedade.” A lei federal 11.892/2008 que criou a Rede Federal de Ensino Técnico e Tecnológico afirma que “Entre as finalidades dos IFs encontra-se o desenvolvimento de programas de extensão que promovam a emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento local e regional.” A análise dos dados coletados através da aplicação dos questionários possibilitou ratificar nossa hipótese de que a prática pedagógica que envolva ensino, pesquisa e extensão, necessariamente virá a realizar o propósito do PNE assim como as finalidades dos IFs tal como deliberado em sua lei de criação. No caso do NUCAES, ao participar de um projeto de extensão, o estudante participa de reuniões, tanto de planejamento e avaliação do projeto, quanto formativas sobre conceitos e teorias que o fundamentam. Todo projeto, ao terminar precisa gerar um artigo científico que deverá ser publicado e apresentado em seminários e congressos. Para a produção de um artigo científico faz-se necessário a realização de uma pesquisa teórica para o embasamento das discussões levantadas no texto a ser produzido e publicado. O aprendizado adquirido através da pesquisa, fichamento e resumo de textos, levantamento de dados em campo, observação das ações de extensão, produção de textos, digeridos em rodas de conversas, reuniões, debates, apresentações e arguições em seminários e congressos mostra-se de um vigor bem superior ao transmitido na sala de aula.

O contato com a realidade social nas comunidades, em campo, nas associações, cooperativas empreendimentos permite uma experiência inédita na vida do estudante, levando-o a conhecer facetas da sociedade em que vive e que, no entanto, não lhe são acessíveis pelos vários fatores de invisibilidade que os véus da cultura e das diferenças escondem. Estas experiências facultam o desenvolvimento de raciocínios, percepções e compreensões que os muros da escola resguardam daqueles que não passam por elas.

A comunicação é a grande estrela desse processo. Participar de reuniões, de rodas de conversa com grupos sociais os mais diversos. Conversar tanto com pessoas em estado de vulnerabilidade social quanto com as autoridades do município propondo soluções para as questões sociais, políticas, econômicas que envolvem cidadãos em situações tão díspares desenvolve competências comunicativas e relacionais requisitadas pelo mundo múltiplo e em processo de transformação como este em que vivemos. Falar em público, falar com públicos variados e em situações diversas e adversas, contatar pessoas diferentes, conhecer espaços sociais distintos, desde museus, universidades, até recantos nas periferias das cidades e no entorno da vida no campo, no meio rural promove uma riqueza de experiências que a sala de aula só permitiria através da tela ou da imaginação.

A noção de coletivo é outra pérola que o trabalho da extensão, nos termos do NUCAES, desenvolve necessariamente. Como o princípio fundamental da Economia Solidária é a autogestão, ou seja, a tomada de decisões em que todos os envolvidos têm direito a voz e voto, nossa prática então pauta-se nesse princípio. Os alunos são levados a participarem de uma hierarquia horizontal, em regime de corresponsabilidade e a terem uma atuação proativa tanto nas ações quanto nas decisões e nas reflexões. Assim, o individualismo dá lugar ao exercício do coletivo que, pela prática, é internalizado, promovendo a consciência do sujeito cooperativo e solidário.

As respostas dos questionários trouxeram elementos que possibilitaram verificar essas situações acima relatadas nas narrativas de nossos egressos. Uma política de educação que possibilite a prática integradora entre o ensino, a pesquisa e a extensão e, mais que isso, que promova uma formação para esta prática faz-se necessária se quisermos formar cidadãos conscientes, críticos e capazes de uma atuação libertadora tano no mundo do trabalho quanto em todos os espectros da vida social.

Referências

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