Artigo
O papel social da escola na construção da cultura de paz
Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
ISSN-e: 2675-519X
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 4, núm. 1, 2022
Resumo: A escola é um dos mais importantes espaços de promoção à cultura, à autonomia, à diversidade, à educação formal, composta por sujeitos e pelas relações estabelecidas entre eles. O objetivo da pesquisa foi analisar a concepção dos profissionais da educação sobre o papel social da escola na construção da cultura de paz, tendo, como ponto de partida, a discussão sobre as práticas de construção de cultura de paz no contexto escolar. A metodologia esteve pautada na abordagem qualitativa e na pesquisa exploratória. O instrumento de coleta de dados foi o questionário, por meio do Google Forms, contando com sete participantes. Os principais resultados apontaram que a escola exerce papel importante no processo de construção da cultura de paz, pois ela é a protagonista na formação intelectual, social, política e ética dos indivíduos, responsável por todos os elementos educativos presentes em seu contexto.
Palavras-chave: Papel Social da Escola, Cultura de Paz, Práticas Educacionais.
Abstract: The school is one of the most important spaces for promoting culture, autonomy, diversity, formal education, made up of subjects and the relationships established between them. The objective of the research was to analyze the conception of education professionals about the social role of the school in the construction of a culture of peace, having, as a starting point, the discussion about the practices of construction of a culture of peace in the school context. The methodology was based on a qualitative approach and exploratory research. The data collection instrument was the questionnaire, through Google Forms, with seven participants. The main results showed that the school plays an important role in the process of building a culture of peace, as it is the protagonist in the intellectual, social, political and ethical formation of individuals, responsible for all the educational elements present in its context.
Keywords: Social Role of the School, Culture of Peace, Educational Practices.
1 Introdução
As reflexões postas no presente trabalho surgiram de experiências vivenciadas no estágio supervisionado III, do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas, realizado em escola pública municipal, em uma turma de 2º ano do ensino fundamental, na qual foi possível observar e vivenciar episódios em que ocorreram agressões verbais e físicas entre as crianças. O estágio consistiu na observação, planejamento e aplicação de encontros voltados para a alfabetização e letramento, em que foram trabalhados os gêneros textuais notícia e reportagem, abrangendo a interpretação de textos e a ortografia.
Após a vivência de episódios de violência física e simbólica na sala de aula, surgiram reflexões acerca de diversas questões, destacando-se as motivações que levavam as crianças a essas agressões, as circunstâncias e os contextos envolvidos, bem como o papel da escola e dos profissionais acerca das devidas ações e intervenções necessárias diante da realidade de violência no ambiente escolar. Esta última foi a que causou maior inquietação, instigando a pesquisa sobre a cultura de paz, assim como sobre a função social da escola, especialmente no que diz respeito à construção de um ambiente escolar sem violência, respeitoso e integrador.
Entende-se que a atuação da escola sobre as situações de violência é fundamental, pois, enquanto humanizadora e formadora de sujeitos, ela deve intervir sobre os diversos tipos de violência presentes em seu ambiente, visto que tudo o que está inserido no ambiente escolar faz parte do processo pedagógico e deve despertar para a vivência dos direitos humanos. A escola é um dos principais espaços em que o sujeito constrói-se, por meio das múltiplas experiências.
Conforme Dupret (2002), a construção de uma cultura de paz está ligada à compreensão de princípios e de valores voltados para a justiça, a democracia, os direitos humanos e o respeito. Na escola, dessa forma, significa ter uma concepção de educação capaz de estimular e conscientizar humanizando e desenvolvendo a afetividade, promovendo o desenvolvimento de novos comportamentos e ações voltados à tolerância, à não violência, à solidariedade, formando pessoas compreensivas e dialógicas.
Neste sentido, o objetivo da pesquisa foi analisar a concepção dos profissionais da educação sobre o papel social da escola na construção da cultura de paz, tendo, como ponto de partida, a discussão sobre as práticas de construção de cultura de paz no contexto escolar. O texto está estruturado em duas seções. Na primeira, foi apresentada uma discussão sobre o papel da escola e os desafios da cultura de paz. E, por fim, os possíveis caminhos para a construção da cultura de paz, a partir das vozes dos participantes da pesquisa.
2 Metodologia
A metodologia da pesquisa esteve centrada na abordagem qualitativa, em uma perspectiva exploratória. O estudo foi realizado em uma única escola que oferta a educação infantil e o ensino fundamental I. A técnica de coleta de dados foi a aplicação de questionário semiestruturado, com questões abertas e fechadas, on-line, devido ao isolamento social[1], sendo aplicado no período de 19 de janeiro a 3 de fevereiro de 2021, socializado por meio do Whatsapp com a gestora da escola, que compartilhou com os demais profissionais da educação. As perguntas do questionário estavam direcionadas para a compreensão dos objetivos propostos na pesquisa, as quais estarão explícitas na apresentação dos resultados.
A análise dos dados foi desenvolvida a partir da análise de conteúdo, na perspectiva de Bardin (2002), tendo, como categorias, papel social da escola, cultura de paz e práticas educacionais. A construção das análises foi desenvolvida a partir das respostas dos participantes, distribuídas pelas categorias citadas, na intenção de construir um conjunto de elementos que pudessem dar sustentação as dimensões exploradas.
A escola em que a pesquisa foi realizada compõe a rede pública municipal de educação de Maceió e está localizada na parte alta do município. A instituição atende aproximadamente 540 estudantes no período da manhã e da tarde, distribuídos em turmas da educação infantil e ensino fundamental I. A gestão é composta pela diretora, vice-diretora e dois coordenadores, já a quantidade de professores, no período pesquisado (ano letivo 2021), era 29. De acordo com as respostas dos participantes, o perfil da comunidade é de pessoas carentes e a maior dificuldade é trazer os pais para a escola. Para maior visualização do desenho dos participantes da pesquisa, segue o quadro 1:
CARGO | TEMPO NA ESCOLA | CODIFICAÇÃO |
Coordenador | + 6 anos | C1 |
Coordenador | 5 anos | C2 |
Professor | 2 anos | P1 |
Professor | 3 anos | P2 |
Professor | 4 anos | P3 |
Professor | + 6 anos | P4 |
Professor | + 6 anos | P5 |
3 Resultados e Discussão
3.1 O papel social da escola e os desafios da cultura de paz
A escola, como dimensão sociocultural, é um espaço que deve dispor de recursos básicos, formado por agentes mediadores do conhecimento, promotores de aprendizagens e desenvolvimento cognitivo, intelectual e cidadão, abrangendo os valores morais e éticos.
A escola é um dos mais importantes espaços de promoção à cultura, à autonomia, à diversidade, à educação formal, composta por sujeitos e pelas relações estabelecidas entre eles. De acordo com a Constituição Federal de 1988, artigo 205, “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O papel da escola na vida dos estudantes, da família e da comunidade é o de promover o conhecimento pela via do acesso, do direito, possibilitando ao discente a construção do saber cognitivo, assim como o seu desenvolvimento em uma perspectiva formativa que estabeleça diferentes saberes. A escola tem o papel de proporcionar a formação do indivíduo enquanto ser social conhecedor, pensante, crítico, participante e ativo nos diversos contextos sociais nos quais os envolvidos estejam inseridos, assim, apresenta-se o papel de, em meio aos conflitos, intervir, mediar e orientar para o convívio e o relacionamento a partir dos valores morais e éticos.
Na visão de Dusi (2006), a vivência da coletividade e das múltiplas experiências contribui para a concretização dos cenários de emancipação dos sujeitos, favorecendo autonomia, participação social, conhecimento da realidade e atitude para realizar possíveis transformações da realidade. A cultura de paz contribui, neste sentido, para a existência da função social da escola pautada na perspectiva democrática e humanizadora.
A função social da escola não está ligada somente aos saberes sistematizados, mas à formação integral do sujeito abrangendo o desenvolvimento pessoal, a cidadania e a profissionalização. Trata-se de um espaço em que os valores mediados e vividos na escola devem ter tanta relevância quanto os conhecimentos. A escola é responsável por todos os elementos educativos presentes em seu contexto, pois eles refletem na aprendizagem e na construção de um ambiente de paz.
A cultura de paz trata-se de um modo de vida necessário e que deve ser permanente entre os seres humanos, partindo do princípio do aprender a ser e, consequentemente, aprender a conviver, a partir dos valores morais e éticos (DUSI, 2006). A educação deve contemplar uma aprendizagem que envolva os direitos humanos, a pluralidade cultural, os valores e a cidadania.
Ao refletir sobre as práticas tradicionais de educação, entende-se que são práticas marcadas pela promoção do individualismo, da competitividade, da passividade e da dependência, por meio de processos pedagógicos rígidos, autoritários e de escuta unilateral. Muitos aspectos desse contexto educacional podem ser observados na escola atual, o que é contrário à ideia de promover uma cultura de paz.
A Base Nacional Comum Curricular (2018), por meio das competências gerais da Educação Básica, afirma que a escola deve assegurar ao estudante o acesso aos conhecimentos historicamente construídos, o exercício do pensamento científico, crítico e criativo, a valorização da diversidade cultural, o estímulo da comunicação em suas variadas formas, a apropriação da cultura digital, a compreensão do mundo do trabalho e de projeto de vida, o desenvolvimento da argumentação, o autoconhecimento e o autocuidado, o exercício da empatia e da cooperação, assim como da responsabilidade e da cidadania.
Essas referências estão relacionadas a um contexto educativo que desenvolve valores. Sendo assim, a escola é responsável por promover um processo pedagógico que reflita os valores da paz, da acolhida, da ajuda mútua, do respeito, da solidariedade, da empatia, entre outros aspectos. Dusi (2006, p. 50) afirma que:
[...] os valores são apontados como componentes necessários à educação para a paz, devendo ser abordados e vivenciados por meio de práticas que favoreçam o exercício da solidariedade, da tolerância, da fraternidade, da ética, da justiça, do respeito e da dignidade entre todos, repercutindo nas relações entre as pessoas, os grupos e as nações.
Até hoje, a cultura de paz trata-se de um tema cujas discussões têm se dado de forma recorrente em função da sua relevância na contemporaneidade, a partir de outras questões pensadas e discutidas em prol da efetivação da cultura da paz, enquanto mecanismo para regular os conflitos, transformar a realidade por meio de estratégias políticas, almejando a construção de um mundo melhor, mais justo, solidário e fraterno.
Segundo Rabbani (2003, p. 65), a cultura da paz teve sua origem pós-segunda guerra mundial, quando pensadores começaram a refletir sobre as possíveis causas da guerra no intuito da conquista pela paz. Assim, originou-se o termo “cultura da paz”, sendo este pensado a princípio para o âmbito da educação escolarizada e, logo após, para os demais contextos, inclusive, em nível de fronteiras entre os países do mundo. A cultura da paz, no campo do pensamento e das ideias, foi ganhando proporções, tornando-se alvo de discussões, sendo assim, propagada e atraindo muitos adeptos. Entende-se que o seu surgimento teve, como objetivo, ser instrumento mediador no combate à violência, a qual deixou suas marcas e até hoje continua sendo disseminada nos diversos contextos existentes e em todas as classes sociais.
Compreende-se a violência como tudo o que impossibilita o desenvolvimento humano nos diversos aspectos. Esse conceito pode ser ampliado às guerras e homicídios, à pobreza e às privações materiais, à repressão e à privação dos direitos humanos, bem como à alienação ou à negação das necessidades pessoais (DUSI, 2006, p. 17). A partir dessa ideia, constata-se que, em se tratando da violência, ela apresenta-se através de mais de um tipo, como física, por meio da força, provocando danos corporal ou psicológico, de forma verbal e violência cultural, dando-se por meio de atos de destruição de símbolos culturais.
Atualmente, especificamente no âmbito educacional, tem-se discutido muito a respeito da pluralidade cultural, tratando, assim, das diferenças entre as pessoas nos mais variados aspectos e, principalmente, no que diz respeito à cultura, enquanto prática na vida do indivíduo, como resultado dos diversos contextos em que esteve inserido. A ausência de compreensão para com as distinções existentes entre as pessoas gera a não aceitação dos sujeitos e do seu modo de vida, o que faz com que a sociedade torne-se um terreno fértil para gerar o preconceito, a intolerância, o desrespeito e os diversos outros tipos de violência.
A violência invadiu também o ambiente escolar e se constitui num problema que necessita ser amplamente discutido para que sejam encontradas soluções ou alternativas para o controle desse difícil agente perturbador da vida escolar e familiar. É necessário que se busque reverter esta situação através de alternativas educacionais, éticas e afetivas que possam vir a contribuir, efetivamente, para a construção de uma cultura da paz (ATAÍDE, 2000, p. 13).
O presente contexto social complexo e desafiador pede uma mudança a partir da quebra de paradigmas como a concepção de um modelo único de cultura, de sujeito padrão, com a finalidade de que haja uma harmonia quanto à convivência positiva entre as pessoas a partir das diferenças. É necessário que a implantação da cultura da paz, enquanto principal ferramenta didático-pedagógica social, continue sendo trabalhada a partir de todos os investimentos políticos públicos em prol da construção de uma cultura de paz, por meio da qual se dará o desenvolvimento humano.
A violência pode decorrer da não mediação dos conflitos (DUSI, 2006), dessa forma, pode-se deduzir que onde existe a diferença, o pensamento minimizado e a ausência de diálogo, consequentemente, haverá conflitos. Na verdade, o conflito está presente em todos os contextos e relações humanas. Com a finalidade de compreender, com clareza, o conceito de conflito, ressalta-se que Galtung (1978, p. 486 apud DUSI, 2006, p.16) define-o como incompatibilidade entre objetivos e valores assegurados por atores em um sistema social. No entanto, o conflito para fins de implantação da cultura da paz, a partir do âmbito educacional, apresenta-se como meio principal pelo qual os profissionais da educação terão acesso para observar, fazer a mediação e, como decorrência, formar e, juntamente com as políticas públicas, intervir por meio da adoção de medidas as quais possam impactar nos diversos outros contextos da criança, como familiar, econômico e social.
Com isso, o conflito é o principal meio de acesso, área de atuação de todos que estejam na incumbência de ser mediador nas situações diversas, manifestas entre os estudantes e as demais outras pessoas com os seus pares. É possível perceber que se trata também de um dos principais desafios para a construção de uma cultura de paz, visto que é fácil notar a falta de habilidade para resolver conflitos no ambiente escolar, a partir das observações feitas no estágio supervisionado.
Assim sendo, refletir sobre esse desafio permite notar uma série de dificuldades presentes no contexto escolar que impedem a concretização de uma cultura de paz, como a formação profissional, a falta de condições de trabalho e de ensino, a falta de políticas públicas, os modelos de gestão, assim como os diversos contextos que interferem nos processos educativos, organizacionais e culturais.
3.2 Os possíveis caminhos para a construção da cultura de paz: a escuta das vozes dos participantes
Ao serem questionados se já presenciaram algum episódio de violência entre as crianças na escola, 1 (um) professor respondeu que não e os demais participantes afirmaram que sim.
Brincadeiras violentas, violência física (C1).
Agressão física, bullying, preconceito racial, menosprezo (C2).
Na educação infantil, os alunos não sabem lidar com a partilha de objetos e brinquedos, aí às vezes brigam (P2).
Violência física e bullying (P3).
Verbal e física (P4).
Contextualizando a violência em uma perspectiva histórica, pode-se perceber que há cenários históricos que foram palco de violência, como os holocaustos que marcaram a primeira e segunda guerra mundial, somando-se com os problemas atuais que retratam os mais diversos tipos de violência divulgadas por meio das mídias. Essa propagação não afeta somente ideologias e interesses próprios, mas é possível perceber que há influência direta no âmbito familiar e contexto social, levando o indivíduo a interiorizar a violência. Quando não, a violência está presente no próprio âmbito familiar e no contexto social do sujeito, que a tem como comportamento natural (DUSI, 2006).
É possível perceber, a partir das respostas dos pesquisados, que a violência está presente na escola. Esse ambiente pode ser influenciado pelas práticas violentas que os estudantes estão inseridos, como também pode estar reforçando e incitando essas práticas por meio dos comportamentos externos e internos ao ambiente escolar.
Em relação à realização de intervenções nos episódios de violência presenciados, 5 (cinco) professores afirmaram já terem realizado.
Levar o caso ao conhecimento da direção escolar. Chamar os pais e/ou responsáveis para tomar conhecimento da ação violenta, etc. (C1).
Conversar com as crianças envolvidas, refletir sobre o ocorrido; chamar os pais ou responsáveis para estarem cientes e ajudarem seus filhos; acompanhá-los por um determinado tempo com ações e atividades que os ajudem a mudar suas atitudes de forma consciente (C2).
Tento ajudar na solução através do diálogo e reflexão (P2).
Conversando e separando brigas (P3).
Diálogo (P4).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 73), “cabe à escola empenhar-se na formação moral de seus alunos”. Regras, livros didáticos, formas de avaliação, organização institucional, gestão escolar, entre outros, refletem os valores e os princípios que influenciam a vida e a formação dos estudantes. Com isso, a escola tem papel fundamental no trabalho desses valores. Observando as estratégias desenvolvidas pelos envolvidos, nota-se a importância de estabelecer um diálogo entre todos que formam a escola, na perspectiva de resolução de conflitos.
Com relação às intervenções nos episódios de violência, Dusi (2006, p. 59) aponta que “[...] os problemas metodológicos que os professores enfrentam para trabalhá-los inviabilizam a tarefa por não saberem como abordá-los no cotidiano, resultando na deficiência de modelos educativos capazes de sensibilizar, estimular ou orientar as atitudes individuais ou coletivas”. Compreende-se, então, que a dificuldade de intervir nos episódios de violência decorre de questões metodológicas enfrentadas pelos educadores no trabalho de educação para a paz no cotidiano.
Em relação aos conflitos existentes na escola entre os estudantes, os sujeitos da pesquisa analisaram:
Diante do meio externo à escola, os estudantes convivem com inúmeros atos de violência (sociedade), e tendem a externar tais atos nos momentos em que estão na escola (C1).
O que pesa muito é a questão social, as experiências familiares que na maioria das vezes não são nada boas, dentre outras questões (C2).
Que na maioria das vezes são fáceis de solucionar através do diálogo (P2).
Preocupante (P3).
De forma geral, os conflitos são reflexos das adversidades existentes, das vivências, das defesas ou de atos vividos (P5).
É necessário ter o entendimento de que os conflitos originam-se das diferenças entre as pessoas. São as divergências de pensamentos, contextos, valores, interesses que geram conflitos entre os indivíduos e isso traz desenvolvimento pessoal. Eles são inevitáveis, porém a maneira com a qual os conflitos serão mediados é que poderá defini-los como positivos ou negativos e, a partir disso, gerar ou não a violência.
Callado (2004 apud DUSI, 2006, p. 16) afirma que “numa perspectiva positiva de paz, o conflito deixa de ser evitado para definir-se como um fato consubstancial e necessário às relações interpessoais”. Nessa perspectiva, cabe evidenciar que a cultura da paz pode ser construída com estratégias que possibilitem a resolução de conflitos, por meio de diálogos, reflexões, negociações e mediação dos profissionais da educação para com os estudantes, de modo que, aos poucos, essa cultura seja instaurada na escola, a partir de vivências.
Sobre as compreensões acerca da cultura de paz, os profissionais destacaram:
Uma cultura onde se estabelece um convívio social harmonioso, de respeito mútuo, espírito solidário (C1).
Atitudes estabelecidas e que favoreçam experiências de paz e não de violência. Mudança de comportamento, a partir de reflexões que levem o indivíduo a se perceber como também a entender e decidir viver com a natureza e os seus semelhantes de modo a disseminar a paz (C2).
É o diálogo como pacificador de conflitos (P1).
Que todos devem respeitar o outro como ele é. E que, através do diálogo e do respeito, podemos evitar a violência tornando o mundo melhor (P2).
Conviver em um ambiente de respeito (P3).
Diz respeito a propor uma mediação, diálogo, tentando resolver conflitos, ações violentas e respeitando a diversidade dos modos de agir e pensar (P4).
Promover momentos de prevenção de conflitos a partir do desenvolvimento das relações humanas (P5).
Com base nos depoimentos dos participantes, é perceptível uma compreensão sobre a cultura de paz, a qual se aproxima da problemática que vem sendo discutida e defendida pelos pesquisadores da área (ATAÍDE, 2006; DUSI, 2006). No entanto, a cultura de paz está pautada em valores humanos, os quais necessitam ser colocados em prática no âmbito escolar, a fim de passarem de um estado de intenção (discurso) para o exercício da ação (prática), sendo que isso depende do comprometimento das pessoas.
É relevante e necessário que a formação dos educadores prescinda de reflexões em busca de saberes instrumentais, considerando o ensino dos conteúdos de forma articulada à formação integral do educando. O modelo de educação para a paz requer a informação sobre a paz e um reposicionamento quanto ao processo de ensino e de aprendizagem, conformando-se com os valores da paz, estabelecendo coerência entre o discurso e a ação pedagógica.
Quanto à possibilidade da construção da cultura de paz na escola, os participantes da pesquisa trouxeram as possíveis ações ou práticas que podem promover essa construção no cotidiano escolar
Promovendo trabalhos voltados para consolidação da paz entre os estudantes e toda a equipe escolar. Mantendo sempre diálogos construtivos de paz, promovendo palestras de natureza educativa com relação à harmonia, paz e relações interpessoais (C1).
Implementar a semana da paz na escola; promover palestras interessantes para estudantes e familiares com o tema; promover atividades lúdicas que tenham como pano de fundo a cultura da paz, como gincanas, torneios esportivos, etc.; projetos pedagógicos que envolvam o tema; depoimentos de pessoas que viviam em uma cultura de violência, mas que, em um determinado momento da vida, decidiram mudar de time e hoje vestem a camisa da cultura de paz; não só trabalhar o tema com os estudantes, mas principalmente com todos os funcionários e professores para que esses sejam os primeiros a darem os bons exemplos e assim inspirarem nossas crianças (C2).
Intervenção de possíveis conflitos através do diálogo e do incentivo ao respeito às diferenças (P1).
Através de projetos voltados ao tema da violência (P2).
Com brincadeiras e eventos propondo o respeito e união (P3).
Primeiro, em todas as escolas deveria ter uma psicóloga, oficinas construtivas para os alunos (P4).
Através do planejamento pedagógico, incluindo a diversidade cultural e importância de cada indivíduo no processo (P5).
As estratégias evidenciadas pelos profissionais da educação são caminhos importantes para a concretização da cultura de paz na escola, especialmente pela compreensão de que a escola é formada por diferentes pessoas, as quais têm papéis relevantes a serem cumpridos no âmbito social. Desse modo, salienta-se que a construção da cultura de paz é uma tarefa de todos.
Em relação à visão sobre a relação do papel social da escola e à construção da cultura de paz, os profissionais destacaram:
A escola é uma instituição determinante de construção do processo de convívio social em detrimento a vida pacífica (C1).
Compreendo essa relação muito favorável para promover a educação pela paz (C2).
A escola, por si, já exerce um papel de mediador e transformador social, a escola pública é palco de grandes diversidades (P1).
A escola tem fundamental importância nesse processo da construção de um mundo melhor, mais justo. Onde todos se respeitam e valorizam o outro como ele é (P2).
Uma boa maneira de poder compreender ao aluno e ajudar em seu comportamento (P3).
Promovendo palestra, convidando pessoas para seres mediadores (P4).
O papel social da escola é fundamental, pois ao trabalhar as particularidades humanas e suas variantes na escola, mostrando o quanto cada um pode contribuir para a melhoria de todos, fará com que a cultura da paz seja difundida (P5).
A cultura de paz é um tema significativo e necessário para a construção de um modelo de sociedade inclusivo e democrático, tendo, como principal solo promissor, a escola, que agrega uma diversidade social e cultural. A cultura de paz requer um trabalho de forma integrada, partindo de todo o corpo profissional da escola, envolvendo os pais e a comunidade, a fim de conduzir o trabalho pedagógico para as mudanças de comportamentos dos envolvidos.
O distanciamento da cultura de paz, ainda presente, persiste como um entrave no rumo da educação fundamentada na paz e isso se dá em função de uma carência na formação dos profissionais da educação. A escola exerce papel crucial na formação intelectual e moral dos indivíduos, uma vez que ela é uma das principais instituições para contribuir com a formação para a paz, visto que “o convívio escolar configura-se como elemento-chave na formação ética dos estudantes e, ao mesmo tempo, como o instrumento mais poderoso que a escola tem para cumprir sua tarefa nesse aspecto” (DUSI, 2006, p. 74).
Ao serem questionados acerca da contribuição do PPP, do currículo e do modelo de gestão para a implantação da cultura de paz e de que forma há essa consolidação, os profissionais afirmaram:
Sim. Dentro de suas construções afirmadas num determinante de elaborações das ações estruturantes no processo organizacional e desenvolvimento pedagógico (C1).
Com toda certeza. Com sua visão de mundo, sociedade, educação, homem fundamentados numa educação pela paz. E assim o PPP, o currículo e o modelo de gestão estarão todos com suas ações contribuindo para a cultura de paz tão almejada (C2).
Sim, desde o momento em que contempla a colorização de cada um para a construção de uma sociedade mais justa (P2).
Sim, com projetos e planejamentos direcionados (P3).
Sim, quando ele é pensado no todo, desde a comunidade a qual a escola está inserida, até na realidade das famílias dos alunos, visando ao desenvolvimento pessoal e intelectual dos alunos, pois são pessoas que têm histórias, culturas e realidades diferentes e que precisam ser contempladas (P5).
Ao analisar as respostas dos educadores, depara-se com afirmativas em comum quanto à certeza da contribuição do PPP, do currículo e do modelo de gestão educacional vigente. No entanto, por se tratar de instrumentos pedagógicos determinantes para a consolidação de uma educação humanizadora, apenas duas respostas contemplam com inteireza a questão da construção do PPP, adaptação do currículo e alteração do modelo vigente de educação. Desse modo, percebe-se que é fomentando a consciência crítica que se favorece a transformação social e, em vista disso, o processo educativo passa a ser responsabilidade não apenas das pessoas envolvidas diretamente com o corpo docente da escola, mas também de toda a comunidade envolvida.
A realidade quanto ao público presente nas escolas é de que são pessoas divergentes quanto à etnia, à situação social, à renda familiar, à escolaridade dos pais, à expectativa de futuro, entre outros. O principal compromisso da escola é educar para a vida e formar cidadãos, sendo fundamental a criação de espaços, projetos, atividades e oportunidades através dos quais os educandos aprendam a dialogar, respeitar o próximo, conviver com as diferenças, lidar com os conflitos, trabalhar em grupo e controlar os impulsos agressivos. Quando o trabalho docente não conta com participação coletiva, a transmissão de qualquer conteúdo resulta em uma prática violenta, ainda que se apresente sob o rótulo de ciência.
Ao serem questionados se os estudantes da escola são esclarecidos explicitamente sobre as regras disciplinares e de relação interpessoal e de que forma isto ocorre, os profissionais afirmaram:
Através de atividades voltadas para a prática da paz, conversas formais e informais com os estudantes para sua conscientização a respeito de suas ações, com intuito de formar o senso de amor ao próximo e convívio harmonioso (C1).
Sim. Principalmente construindo as próprias regras de convivências em sala de aula e em toda a escola junto com o professor. Os professores de educação física como o de música também os submetem a entender que é necessário ter regras para gerar bons resultados. Conversando com os alunos de forma individual e coletiva, indo até as turmas, observando-os e mantendo diálogo (C2).
Sim, desde que se inicia o ano letivo, o professor trabalha em sala de aula temas voltados às relações humanas dentro da sala de aula e escola (P2).
Sim, conversas e cartazes (P3).
Sim, em sala de aula, em dinâmica, aula de música (P4).
Quanto à prática pedagógica voltada para a humanização por meio de regras disciplinares e de relação interpessoal, são positivos os apontamentos dos participantes, em coerência com o que a cultura de paz designa. A cultura de paz propõe considerar o combate à violência como prioridade educacional devido à sociedade ver-se “encurralada” pela presença constante dos diversos tipos de violência. Partindo do princípio de que a violência é complexa e sistêmica para a implantação da cultura de paz, faz-se necessário o diagnóstico realista, análise, planejamento com capacidade de aplicação, avaliação processual dos resultados negativos e positivos.
Sobre a abordagem de assuntos como paz, ética, cidadania, tolerância e diversidade cultural nas salas de aula junto aos estudantes, os sujeitos da pesquisa destacaram:
A cultura de paz para ser alcançada nos mais variados níveis de relações sociais requer um esforço a fim de tornar as pessoas conscientes quanto à existência da multidimensionalidade humana, o objetivo da sua existência e o seu destino. Sendo assim, educar para paz precisa estar presente em todas as ideias, palavras, atitudes e em todos os momentos, pois toda ação educativa pretende alcançar um objetivo envolvendo os diferentes elementos que permeiam o cotidiano educacional, interferindo diretamente na construção e vivência da paz no âmbito escolar.
Acerca do protagonismo discente e da busca da escola por parceria com os estudantes na solução de problemas e dificuldades apresentadas, os profissionais responderam:
Sim, através do diálogo, da confiança e do respeito (C2).
Sim, trazendo a família para entender o motivo pelo qual o aluno está passando. Através da assistência social da escola, trabalhar juntos para ajudar o aluno a superar suas dificuldades de relacionamento (P2).
Tentar da melhor forma com diálogo e ajuda da família (P4).
Observando as respostas, pode-se perceber a ausência dessa parceria com os discentes. Buscar esse envolvimento junto a eles permite torná-los mediadores aos demais, facilitando o trabalho de conscientização. Dusi (2006, p. 167) destaca, como ação específica favorável à construção da paz no âmbito educacional e intra-escolar, o “estímulo ao protagonismo dos alunos no cuidado com a instituição escolar, por meio de campanhas e vivências que favoreçam a conscientização e a construção do sentimento de pertencimento ao espaço da escola”.
4 Considerações finais
O cenário de violência presente na sociedade é uma problemática universal que extrapola o ambiente escolar, mas a escola é um dos principais espaços em que essa realidade pode ser trabalhada, pois é, nela, que o sujeito constrói-se, por meio das múltiplas experiências. Sendo assim, compreende-se o seu papel de formar o indivíduo enquanto ser social conhecedor, pensante, crítico, participante e ativo nos diversos contextos sociais, intervindo, mediando e orientando em meio aos conflitos, a fim de construir um ambiente escolar sem violência, respeitoso e integrador.
As vozes dos participantes desta pesquisa demonstraram a necessidade de uma maior valorização desse tema no âmbito escolar, de forma que haja uma conscientização e modificação nas ações e intervenções no sentido de construir uma cultura de paz não apenas com foco na ausência da violência, mas com a presença do respeito, da tolerância, da solidariedade, da democracia e do diálogo, na resolução dos conflitos e no convívio de toda a comunidade escolar.
Ficou evidenciada a necessidade de estabelecer uma construção coletiva com participação dos pais, estudantes, professores, gestores e demais funcionários da escola, por meio de uma gestão democrática; uma maior qualificação profissional em relação ao tema visando aos meios de intervenção adequados; à idealização de projetos e ações voltados para a cultura de paz; à construção de um ambiente de paz no cotidiano escolar com coerência entre a teoria e a ação pedagógica.
Por fim, entende-se que a escola exerce papel importante no processo de construção da cultura de paz, pois ela é a protagonista na formação intelectual, social, política e ética dos indivíduos, responsável por todos os elementos educativos presentes em seu contexto e uma das principais instituições que pode contribuir com a formação para a paz. A construção da cultura de paz é uma responsabilidade de todas as esferas sociais, no entanto, a escola, por protagonizar as ações educativas básicas, destaca-se nesse complexo papel.
Referências
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BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
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