Resumo: A aprendizagem é uma construção pessoal mediada intersubjetivamente. Relata-se a experiência como cursista da disciplina Construtivismo, aprendizagem e competência comunicativa num Programa de Pós-Graduação em Ensino. Para tanto, discutiu-se a bibliografia disciplinar (OLIVEIRA, 2003; HABERMAS, 1990; FREITAG, 2005; ILLERIS, 2013; MORETTO, 2013; GROSSI, 2009) e descreveu-se a metodologia empregada por seu professor. Além disso, insere a análise de nossas aprendizagens com base no instrumento de autoavaliação. A construção da competência comunicativa pelo construtivismo resultou em perspectivas provisórias sobre a aprendizagem: 1) o educando e o professor devem assumir papéis de falantes e ouvintes, evitando-se o de observadores; 2) na aprendizagem deve-se incluir a dimensão da personalidade. Diante disso, a aprendizagem insere a compreensão do Eu como um ser em formação no meio da intersubjetividade, das experiências que ele vivência em sua interação com o Outro.
Palavras-chave: Identidade do Eu,Agir comunicativo,Jurgen Habermas,Formação Humana.
Abstract: Learning is an intersubjectively mediated personal construction. The experience as a course participant in the discipline Constructivism, learning and communicative competence in a Postgraduate Program in Teaching is reported. Therefore, the disciplinary bibliography was discussed (OLIVEIRA, 2003; HABERMAS, 1990; FREITAG, 2005; ILLERIS, 2013; MORETTO, 2013; GROSSI, 2009) and the methodology used by his teacher was described. In addition, it includes the analysis of our learning based on the self-assessment instrument. The construction of communicative competence by constructivism resulted in provisional perspectives on learning: 1) the student and the teacher must assume the roles of speakers and listeners, avoiding the role of observers; 2) the personality dimension must be included in learning. In view of this, learning inserts the understanding of the Self as a being in formation in the midst of intersubjectivity, of the experiences that he experiences in his interaction with the Other.
Keywords: Self Identity, Communicative act, Jurgen Habermas, Human formation.
Artigo
Ser pessoa e a disciplina “construtivismo, aprendizagem e competência comunicativa”
Recepção: 10 Setembro 2022
Aprovação: 20 Novembro 2022
Ao cursar disciplinas na pós-graduação em ensino, o professor de Geografia pode construir novos modos de observação e de compreender o contexto espacial escolar, em específico o nível básico, assim como, também, pode reconstruir sua identidade profissional.
Para tanto, a aprendizagem constitui o centro dessas reconstruções, um ponto focal de sua interpretação de mundo, um centro de comunicação com o outro por meio de atitudes contextualizadas e para além do pensar com base em paradigmas normativos da ciência positivista.
Dito isso, este ensaio proposto visa as seguintes questões: quais os princípios comunicativos que modificam constantemente minha vida enquanto docente sempre em formação? Como posso ser um bom docente formador de pessoas que conheçam e compreendam qualitativamente as verdades, as singularidades e desigualdades do seu próprio cotidiano e das suas geografias?
Nesse sentido, buscou-se relacionar a concepção de aprendizagem na teoria da ação comunicativa e o desenvolvimento da competência comunicativa na escola às teorias contemporâneas da aprendizagem. A ligação, em todo o caso, o construtivismo.
Organizou-se as ideias em três momentos: primeiro – O que os autores disseram – numa menção à revisão das concepções de aprendizagem durante a experiência acadêmica vivenciada na disciplina. Segundo – O que a disciplina me disse - numa descrição dos momentos vividos no decurso das metodologias de ensino interativa. Terceiro - O que eu digo - no qual o autor deste texto expressa-se, e, ao mesmo tempo, relata sobre o que aprendeu no curso (disciplina).
Essas indagações surgiram na disciplina Construtivismo, aprendizagem e competência comunicativa, ministrada no semestre 2019.1 do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), nos meses de maio e junho de 2019, com 30 horas de duração. Trata-se de reflexões conjuntas de um cursista/professor que tem algo a ensinar e em cooperação com o professor/ministrante da disciplina que tem algo a aprender.
O conteúdo da disciplina foi encadeado nos temas: 1. Competência comunicativa e os estágios do desenvolvimento moral e da Identidade do Eu (Jurgen Habermas); 2. Concepções de aprendizagem compiladas na obra do Knud Illéris, e adentrando no referencial construtivista; 3. O contexto das discussões pós-piagetianas compiladas em Esther Pillar Grossi e Jussara Bordin.
Evitou-se, do ponto de vista metodológico, a aula expositiva. Assim como, inovou-se com a abordagem dos pressupostos pragmáticos do agir comunicativo para a sala de aula. Buscou-se, com isto, dar conta de uma Ética da Discussão e criar as condições ideais de fala. (CARNEIRO, 2019).
Os processos de comunicação entre as pessoas em espaços-tempos se dão por meio da socialização, no que pode ser chamado de relação subjetividade-intersubjetividade. Nessa relação, os falantes, com seus discursos, interagem precisando, para tanto, da compreensão do que é dito. Logo, as conexões humanas interativamente e socioculturalmente são pedagógicas (OLIVEIRA, 2003).
Jürgen Habermas (2016) baseando-se em Lawrence Kohlberg, afirma que a aprendizagem estaria associada a três níveis de desenvolvimento: nível pré-convencional da criança em formação, baseado em punições ou recompensa da ação; nível convencional da ação no mundo social organizado das regras e expectativas reciprocas dos grupos; nível pós-convencional pautado na concepção de uma identidade do Eu como liberdade interior e de normas convencionadas.
Nisso, para Illeris (2013), a aprendizagem pode ser dimensionada pelo conteúdo – como a totalidade de conhecimentos apreendidos em termos de ação e valores de vida, nos quais eles operam com as construções de significados no tocante ao seu cotidiano; incentivo - enquanto função das emoções, e motivações para que os sujeitos aprendam algo no/do mundo; interação – na forma de união das pessoas a comunidades de interação comunicativa e socialidade experiencial.
A aprendizagem ao longo da vida acontece a partir das práticas experienciais dos sujeitos com o mundo da vida do qual fazem parte. Por isso, ela ocorre pela linguagem e pelo social (JARVIS, 2013) ou pela relação entre os objetos de conhecimento do sujeito (KEGAN, 2013), para com sua epistemologia referenciada de saberes e narrativas anteriores e futuras de mundo.
Complementando essa concepção, Engeström (2013) e Elkjaer (2013) respondem que as atividades, nas quais os sujeitos estão racionalmente e culturalmente envolvidos na vida escolar, modelam um tipo de aprendizagem chamada de expansiva, a qual os sujeitos buscam apreender seu mundo por meio de outras práticas curriculares e culturais do próprio cotidiano.
Essas condições vão ao encontro da cooperação dos sujeitos no processo do aprender, nos quais eles modificam seus modelos de cultura e linguagem, as expectativas no entorno da inclusão, diferença e emoção com o outro. Enfim, as ações para entender as decisões, disposições e ideias que os possam transformar instrumentalmente e comunicativamente (MEZIROW, 2013).
Freitag (2009) delineia que a aprendizagem é existente pela capacidade do sujeito de construir formas de inserções no mundo, por meio dos domínios do pensar, julgar e argumentar. Dependendo para isso de agentes sociais, psicológicos e racionalidades intersubjetivas.
Logo, o construtivismo pós-Piaget pontua a inteligência e seus sentidos de ligação intersubjetiva, a contextualização local/global da democracia e solidariedade planetária (MORIN, 2009). Já Stein (2009) assinala que o ato de educar pós-piagetiano, isto é, a evolução das aprendizagens seria a sobrevivência social e ética dos indivíduos com o outro. Nesse contexto, a identidade do sujeito aprendiz se sobressai a partir de conhecimentos do passado e do presente (PAIN, 2009), e incorpora saberes e habilidades por meio de sua interação com o professor e outros agentes do mundo da vida escolar (GROSSI, 2009).
Partilhando desse pensamento, Freire (2009) aponta que os grupos nas escolas são de fundamental importância para os discentes, pois quando passam a ter um educador presente, rotinas de trabalhos e ritmos na aprendizagem, educadores e educandos lidam com o inusitado das situações e conflitos cotidianos. Além disso, Buarque (2009) conclama que uma educação construtivista pós-piagetiana trabalha pela mudança do estado-nação; educar com as sinergias dos laços humanos, das pessoas e seus territórios de vida; ter sempre o prazer de conhecer e compreender o que são as pessoas e conceitos de um país.
Porquanto, Moretto (2011) sintetiza que o aprender construtivista tem como base a relação entre o professor enquanto mediador-facilitador do processo de aprendizagem do estudante, e o aluno enquanto agente da produção, interpretação e reconhecimento dos saberes socialmente compostos. Em síntese, essa reflexão se inteirou de uma pedagogia da aprendizagem, que na perspectiva de Libâneo (2005), educadores e práticas de ensino devem se ocupar da responsabilidade em formar identidades e pessoas numa perspectiva multidimensional.
Nesse propósito, iremos discutir, a seguir, as experiências práticas da disciplina Construtivismo, aprendizagem e competência comunicativa do PPGE, citando, mas sem detalhar, alguns dos autores e teorias que debatemos nesta seção.
A disciplina Construtivismo, aprendizagem e competência comunicativa teve como meta debates acerca de uma dimensão intersubjetiva de aprendizagem. Para tanto, a sua trajetória foi dividida entre momentos práticos (onde se implementou dinâmicas acerca de seu conteúdo) e teóricos (nessa parte uma discussão sobre conceitos e temas sobre a aprendizagem no mundo contemporâneo)
O primeiro encontro foi iniciado com a dinâmica de autoapresentação dos estudantes. Teve como objetivo destacar que o início para uma boa formação de pessoas que compartilham trajetórias e saberes do mundo, começa com a interação perceptiva, não propriamente visual, e comunicativa, construtivista entre sujeitos, a qual pode se iniciar através de uma descrição dos mesmos.
Subsequente, foi feita uma discussão compartilhada da dissertação de mestrado A competência comunicativa como um telos para o agir comunicativo, do autor Oliveira (2003), que discute sobre uma aprendizagem a ser prescindida dos atos e ações de falas democraticamente constituídos das pessoas enquanto falantes e ouvintes ativos do espaço-tempo da escola.
No segundo encontro, foi realizada a leitura coletiva de um dos capítulos da obra Para reconstrução do materialismo histórico (HABERMAS, 2016), que apresenta considerações sobre conhecimentos e experiências acerca dos estágios do desenvolvimento do Eu com os presentes que estavam inscritos na disciplina.
Ou seja, empregar o que foi escrito por Jürgen Habermas no texto sobre a identidade do sujeito e seus percursos pré-convencionais, convencionais e pós-convencionais, através da dinâmica “pegadas da identidade”, que consiste num percurso de pegadas feitas com folha sem pauta, agregadas a sala de aula em formato de estrada. Nisso, os alunos iam se movimentando pelos percursos das pegadas, mostrando quem eram nas suas fases de vida infantil, adolescente e adulta.
No terceiro encontro, ocorreu a interpretação de seis textos da obra Teorias contemporâneas da aprendizagem (ILLERIS, 2013), contemplando diversas concepções de aprendizagem em Elkjaer; Engeström; Illeris; Jarvis; Kegan; Mezirow os quais apresentam como convergência sobre a aprendizagem: ela é dependente da forma como o ser humano aprende por meio de experiências, como, também, de fatos e fenômenos singulares que transformam sua identidade.
Para essa aula, a dinâmica dos “Espaços Públicos de Comunicação Concêntricos” (Foto 01): os participantes em dois círculos, um interno com pessoas que se mantiveram na perspectiva do observador até o segundo encontro, e outro externo, formado pelos que contribuíram comunicativamente; cada participante tirou de “caixas do conhecimento” (Foto 02) trechos das obras mencionadas anteriormente. O foco foi promover um espaço de no qual as pessoas com dificuldade de expressão de pensamento e uso da fala, pudessem ativar tais habilidades.
suppl1.jpg (jpeg, jpg) Fotos 01 e 02 - Espaços Públicos de Comunicação Concêntricos; Caixas do Conhecimento
No quarto encontro, ponderamos sobre os textos Construtivismo: a produção do conhecimento em sala de aula (MORETTO,2013) e Sedução e alienação no discurso construtivista (ROSSLER, 2009). Discutimos a concepção de aprendizagem em bases construtivistas e fundamentos comunicativos, através de uma aula de campo na Escola Nossa Senhora do Carmo, na cidade de Bananeiras – PB, buscando uma maneira de educar voltada para formação de princípios de interação, convergência entre conhecimentos e cotidianos, e interesses de saber dos educandos. Uma escola da Ponte no interior da Paraíba!
O último encontro foi permeado por dois grandes momentos. Apresentação de “Painéis: A trajetória do Eu” (Foto 03, 04 e 05), elaborados com materiais diversos, conforme criatividade dos cursistas, contendo a trajetória de desenvolvimento do seu Eu, da infância a fase adulta, passando por momentos, grupos ou pessoas que os fizeram romper com os papeis determinados pelas normas sociais, para se tornarem indivíduos[1] que se expressam por princípios universais.
suppl2.jpg (jpeg, jpg) Foto 03, 04 e 05 - Apresentação de Painéis: a trajetória do eu
Discussão democrática dos textos que debatem um pensamento pós-piagetiano, centrado entorno de uma lógica educacional, onde o aprender deve atender a um processo de reflexão acerca de como, para quê, quais as competências, e que tipos de construções simbólicas, experimentais e psicológicas o sujeito pode conceber como parte de seu “eu” em devir, durante a estruturação de suas formas de pensar, argumentar, julgar e interpretar, tanto os mundos sociais, quanto os subjetivos e intersubjetivos que o cercam.
Pensando nisso, no último diálogo da disciplina, a percepção interpretativa é de que a aprendizagem advém de interações mediadas por diversos fatores, entre eles, relações próximas com o coletivo; a construção de uma razão fundamentada na linguagem; a dialética entre as diversas identidades; a emoção é uma inspiração conectiva aos conhecimentos que se aprende; o falar, o ouvir pressupõe a descolonização pessoal e profissional, o movimento da nossa imaginação racionalidade.
A última seção do texto, se constitui pela interpretações do primeiro autor deste texto, acerca do que descobriu, entendeu e compreendeu em relação a quem é e que tipo de sujeito poderá ser, antes e após cursar a referida disciplina. Para tanto, utilizo textos de minha própria autoavaliação.
Durante o transcorrer das discussões, tentei superar o meu medo, muitas vezes coercitivo do agir e ação de respostas diante do falado, porque utilizei de um pressuposto do argumentar que estava implícito na metodologia habermasiana da disciplina, do seu tempo da espera e da lentidão, os quais mostram que todos poderão usar a voz para opinar, por meio do exercício de reflexão entorno do saber que quer integrar ao conhecimento científico já estabelecido.
Em se tratando da minha posição de ouvinte, escutando o próximo em suas argumentações sobre construtivismo, aprendizagem e competência comunicativa, conseguia perceber que se trata de uma pessoa ativa nos processos de aprendizagem ao interagir com o outro, por meio de situações dialógicas no processo de conhecer o que se estava intencionando entender em sala de aula.