Artículos de revisión y reflexión

A questão ambiental à luz de Tieta

La cuestión medioambiental bajo la luz de Tieta

The environmental issue on the spotlight of Tieta

Bárbara Pelacani
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil
Bruna E. F. De Araújo
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil
Fernanda M. Lourenço
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Carolina A. G. De Oliveira
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Samira L. Da Costa
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Celso Sánchez Pereira
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro , Brasil

PERSPECTIVAS EDUCATIVAS

Universidad del Tolima, Colombia

ISSN: 2027-3401

Periodicidade: Anual

vol. 10, núm. 1, 2020

eduperspectivas@ut.edu.co

Recepção: 09 Novembro 2020

Aprovação: 19 Novembro 2020



Resumen: Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre el encuentro entre la educación ambiental y el tema de género a través de la Literatura. Realizamos un análisis del trabajo “Tieta do Agreste” de Jorge Amado con el fin de observar la posición política de las mujeres en los movimientos comunitarios frente a los conflictos socioambientales. Como las mujeres son las más afectadas por la crisis ambiental, se necesita una educación que trabaje en sentido contrario a la opresión de los sujetos. Se hace énfasis en la centralidad de la mujer frente a posiciones políticas y pedagógicas en defensa de la vida en Educación Ambiental que traen importantes conexiones con el campo de la ecología política. Así, se enfatiza el enfoque en el tema de género como un enfoque que permite entrelazar dichas dimensiones. Una visión tan compleja es lo que nos enseña la Luz de Tieta.

Palabras clave: Conflicto socioambiental, Resistencia comunitaria, Movimientos de mujeres, Educación ambiental, Ecología Política.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo refletir sobre o encontro da educação ambiental com a questão de gênero por intermédio da Literatura. Realizamos a análise da obra “Tieta do Agreste” de Jorge Amado com o objetivo de observar o posicionamento político das mulheres nos movimentos comunitários diante dos conflitos socioambientais. Como são as mulheres as mais afetadas pela crise ambiental é necessária uma educação que trabalhe no caminho oposto da opressão dos sujeitos. Destaca-se a centralidade das mulheres diante de posicionamentos político e pedagógicos em defesa da vida na Educação Ambiental que trazem importantes conexões com o campo da ecologia política. Assim, ressaltase o enfoque para a questão de gênero como uma abordagem que permite entrelaçamento de tais dimensões. Tal visão complexa é o que nos ensina a Luz de Tieta.

Palavras-chave: Conflito socioambiental, Resistência Comunitária, Movimentos das Mulheres, Educação Ambiental, Ecologia Política.

Abstract: This article aims to reflect on the encounter between environmental education and the gender theme through literature. We carried out an analysis of the work “Tieta do Agreste” by Jorge Amado in order to observe the political position of women in community movements in the face of socio-environmental conflicts. As women are badly affected by the environmental crisis, an education is needed that works against the oppression of subjects. There is an emphasis on the centrality of women in the face of political and pedagogical positions in defense of life in Environmental Education that bring important connections to the field of political ecology. Thus, the focus on the gender theme is emphasized as an approach that allows interweaving of these dimensions. A vision so complete is what gives us the Light of Tieta.

Keywords: Social and Environmental Conflict, Community Resistance, Women’s Movements, Environmental Education, Political Ecology.

Introduçâo

“Tieta toma a defesa do povo de Agreste, humanidade sofrida, condenada à miséria, cujos filhos não conhecem outros brinquedos além de bruxas de pano e caminhões feitos com restos de madeira, tampas de cerveja no lugar de rodas” Jorge Amado em Tieta Do Agreste

Jorge Amado, importante escritor brasileiro nos traz na personagem de Tieta, uma possibilidade para olhar para os conflitos socioambientais, atravessado pelas questões de gênero. A inspiração na Literatura brasileira pode nos ajudar na elaboração de um pensamento ambiental atento às dimensões de conflitos e injustiças ambientais, elementos importantes no campo da ecologia política. Esse é o objetivo deste artigo.

Assim, assumimos a percepção de que a problemática ambiental inclui diferentes dimensões. E que, entre elas, a face histórica, política e cultural implica na distribuição desigual do acesso aos bens e serviços ambientais, assim como há uma profunda desigualdade distributiva dos danos e das responsabilizações sobre os danos ambientais. É neste sentido que um determinado problema ambiental não está descolado dos diferentes grupos e segmentos sociais que o compõe. É justamente nesta dimensão que se percebem os conflitos socioambientais provocados por formas desiguais de apropriação da natureza. Como consequência desta desigualdade e da capacidade destrutiva de alguns grupos e setores, vivemos injustiças socioambientais[8], em sua grande maioria, situações resultantes da industrialização, do desenvolvimento e das mudanças climáticas que, por sua vez, provocam desterritorialização, falta de recursos naturais e morte. Essa visão nos obriga a não aceitar determinadas abordagens sobre as questões ambientais, muitas vezes lidos como fenômenos dados, sem processos históricos, políticos e até culturais que os constituem. Atualmente, por exemplo, sofremos com a pandemia do vírus COVID-19, o coronavírus, que ameaça a vida de milhões de pessoas no mundo, de forma profundamente assimétrica, em especial a vida de determinados grupos marginalizados, pobres, pretos, indígenas, mulheres, são as maiores vítimas da virulência dessa enfermidade que vitimiza desigualmente essas parcelas que Eduardo Galeano chamou de “los nadies”[8]. Dessa forma, “os ninguéns” nos ajudam a compreender que:

Analisar os conflitos socioecológicos com essa perspectiva nos permite não apenas visualizar os impactos diferenciados dos megaprojetos sobre homens e mulheres, mas também compreender que as atividades extrativistas estão associadas a um processo de (re) patriarcalização de territórios. Referimo-nos aqui ao território não apenas como espaços biofísicos e geográficos, mas também como espaços de vida social e corporal. Em outras palavras, o extrativismo conforma nos territórios uma nova ordem patriarcal, que se enraíza nas relações machistas prévias, aprofunda e ritualiza sua existência. (Garcia-Torres, et al., 2017. Tradução nossa).

Para tal reflexão vamos dialogar com a Educação Ambiental Crítica (EAC) e com a Educação Ambiental de Base Comunitária (EABC). O conflito, portanto, torna-se conceito central para compreender o funcionamento e os efeitos da estrutura do sistema capitalista sobre a dominação da natureza, bem como sobre a subjugação e exploração de populações e segmentos sociais. É nessa perspectiva que os debates de gênero oxigenam uma compreensão amplificada da questão ambiental e, portanto, da educação ambiental, e é também neste entendimento que e a proposta de dialoga com a Literatura que retrata os povos oprimidos como uma aposta para aprofundar a reflexão da educação ambiental atenta aos conflitos e injustiças ambientais.

Propomos a Literatura, com o livro “Tieta do Agreste” de Jorge Amado, para identificar o posicionamento político das mulheres nos movimentos comunitários diante dos conflitos socioambientais, trazendo a luz de Tieta para inspirar a EABC. No livro “Tieta do Agreste”, o autor escreve sobre/ para os marginalizados da sociedade, Jorge Amado nos apresenta uma protagonista mulher, forte e articulada. Tieta torna-se a liderança de um movimento comunitário de pescadores e da população do agreste que estão em luta contra a poluição de uma indústria que pretende se instalar em seu território. Sendo assim, compomos nossos objetivos da seguinte forma: Reconhecer as contribuições da Literatura de Jorge Amado, com o livro “Tieta do agreste”, para a EABC, para a Ecologia Política e para os movimentos Feministas; Identificar como a questão de gênero se complementa com a EABC a partir da resistência empreendida pela figura de Tieta diante de um conflito socioambiental; Estimular que a Educação Ambiental esteja em contato com as contribuições dos estudos feministas e da Literatura para compreensão dos conhecimentos que emergem das comunidades.

Para percorrer tais objetivos vamos apresentar nossa perspectiva de educação e seus meandros, interligando os conflitos à questão de gênero. Seguiremos em uma proposta que traz a Literatura para o diálogo com a ecologia política. A descrição e análise da obra “Tieta do Agreste” de Jorge Amado aparecem através da pesquisa conceitual e da caracterização do posicionamento das mulheres diante do conflito ambiental retratado na história. Descrevemos o encontro das resistências comunitárias com a Luz de Tieta para fortalecer a Educação Ambiental.

Metodologia de pesquisa

Este trabalho foi realizado a partir de duas ações, a primeira foi realizar uma revisão bibliográfica com o intuito de compreender melhor os conceitos fundamentais da pesquisa: educação ambiental; ecologia política, conflito socioambiental; Literatura e questões de gênero. Através de uma revisão nas bases de dados científicos identificamos diversos trabalhos acadêmicos, que abordam a relação entre os temas, que nos apontaram para caminhos e lacunas.

Em seguida realizou-se uma análise do livro “Tieta do Agreste”, de Jorge Amado (1977) escolhido para a pesquisa. Para identificar a presença de temáticas relacionadas aos conflitos socioambientais, resistência comunitária e da luta das mulheres, utilizamos da metodologia de Análise de Conteúdo (Bardin, 2011). Foi observado ao longo do texto como o conflito socioambiental foi abordado pelo autor, foi analisado o comportamento dos personagens e sua atuação dentro dos conflitos.

Educação ambiental, ecologia política e gênero

O debate sobre Educação Ambiental (EA), tal qual concebemos, é recente, nasceu da chamada crise socioambiental no início do século XX, mais especificamente a partir da década de 1960. Essa crise “suscitava a necessidade de novos padrões de relacionamento com a natureza e seus recursos” (Muniz, 2009: 182). Sendo assim, era preciso mudar o modo de vida e de pensamento, já que “a crise ambiental não é crise ecológica, mas crise da razão” (Leff, 2001: 217). Embora possamos admitir que uma dimensão ambiental da educação sempre esteve presente em sociedades antigas ecologicamente dependentes como povos ribeirinhos por exemplo (Rufino, Renaud e Sanchez, 2020).

Conforme se consolidou, a EA se tornou um campo de disputas permeado por diferentes concepções (Layrargues & Lima, 2014). Optamos pela Educação Ambiental Crítica (Guimarães, 2004), visto que ela oferece as condições para pensar o ambiente e suas problemáticas integrando questões sociais, históricas e políticas. A EAC compreende que a relação de opressão das elites com os marginalizados será relevante para compreender as decisões políticas diante dos impactos socioambientais.

A educação ambiental crítica é aquela que busca pelo menos três situações pedagógicas: a) efetuar uma consistente análise da conjuntura complexa da realidade a fim de ter os fundamentos necessários para problematizar as contradições e questionar os condicionantes sociais historicamente produzidos que implicam a reprodução social e geram a desigualdade e os conflitos ambientais; b) trabalhar a autonomia e a liberdade dos agentes sociais ante as relações de expropriação, opressão e dominação próprias da modernidade capitalista; c) implantar a transformação mais radical possível do padrão societário dominante, no qual se definem a situação de degradação intensiva da natureza e, em seu interior, da condição humana (Layargues & Loureiro, 2013: 231).

Além disso, a EAC está envolvida com os ideais de Paulo Freire, pois busca uma educação transformadora da realidade social, com a emancipação dos sujeitos (Loureiro, 2004). Provoca a formação de cidadãos, criadores de suas próprias histórias de vida, recheados de saberes próprios e plenos de significados. O que se encaixa perfeitamente com a ideia de uma Educação Ambiental de Base Comunitária (EABC), Trabalhada Por SILVA, J., 2016;

Camargo, 2017; Pelacani, 2018; OLIVEIRA, Et Al., 2019a; Oliveira, et al., 2019b; Sarria et. al. 2018, uma vertente da EAC que parte da compreensão da importância da organização popular e do diálogo com os movimentos sociais. A EABC “se constrói para e com as comunidades, atenta ao fortalecimento de suas territorialidades e do cuidado com o bem comum”. (Sarria et al. 2019).

Os saberes populares são centrais para a EABC, e para uma prática pedagógica que parte destes sujeitos para se pensar uma crítica radical ao sistema capitalista. É nessa organização coletiva que práticas, saberes e culturas populares aparecem e devem ser valorizados e trabalhados enquanto ciência. Tais conhecimentos são chave na atuação no enfrentamento dos conflitos socioambientais. O conflito é um conceito central para a EAC e para EABC, devido sua capacidade de explicitar as injustiças socioambientais, os atores em disputa e as possibilidades de luta.

Os conflitos socioambientais

Surgem a partir da disputa pelo acesso aos bens e serviços ambientais, ou seja, são conflitos travados em torno dos problemas do uso e da apropriação dos recursos naturais; confronto entre atores sociais que defendem diferentes lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum (MUNIZ, 2009: 181).

Tais conflitos, sobretudo na América Latina, estão relacionados à instalação de empreendimentos que causam grande impacto socioambiental e fazem emergir a luta de movimentos onde as mulheres assumem um papel central. A organização e resistência das mulheres em face da defesa dos bens naturais comuns e da sobrevivência das comunidades vem, cada vez mais, se intensificando a medida que seus territórios e suas comunidades são ameaçadas pelas políticas neoliberais extrativistas (Merlinsk, 2017). Inclusive, suscitaram uma série de movimentos feministas ao longo dos anos, com características distintas e diversas. Muitas lutam por uma qualidade ambiental e, consequentemente, de vida, de modo que seus saberes e práxis sejam valorizados, contrastando totalmente com uma racionalidade poluidora, opressora e machista (Oliveira, et al., 2019a).

A experiência socioambiental destas atrizes sociais, em meio às resistências comunitárias, aponta uma série de reflexões, práticas e teorias, que dialogam com a perspectiva de EABC, uma vez que trazem questionamentos radicais ao pensamento (ambiental e econômico). Estas críticas se voltam para construção de outras racionalidades onde o foco do pensamento ambientalista se distancia das esferas puramente econômicas (desenvolvimento sustentável) e individuais (cada um faz sua parte) e se voltam para o bem-estar da comunidade; e a manutenção das formas de reprodução da vida aparece como prioridade (Oliveira, et al., 2019a).

Portanto, é preciso resgatar e enaltecer as práticas e os conhecimentos femininos, na intenção de reconhecimento de suas identidades e no empoderamento enquanto força motriz de suas vidas e da vida dos seus. As mulheres aparecem como lideranças e articuladoras sociais diante dos conflitos socioambientais. Elas defendem não só suas comunidades, seus territórios, mas também o ambiente, fortalecendo as identidades comunitárias e a sobrevivência das comunidades tradicionais, periféricas, marginalizadas (Oliveira et al., 2019b).

Lembrando que diante de conflitos socioambientais e intensificação das mudanças climáticas, as mulheres são as que mais sofrem com a limitação do acesso aos recursos e precarização da manutenção da vida (GarciaTorres, et al., 2017). Ainda, segundo essas autoras, a instalação de grandes empreendimentos nas comunidades, além dos prejuízos ambientais, propicia o que vão chamar de “repatriarcalização do território”. Esse processo se configura em várias esferas (social, econômica, cultural) trazendo como consequências: a destruição das condições ambientais para o trabalho de subsistência desempenhado pelas mulheres; a supervalorização da mãode-obra masculina, em detrimento da feminina; o aumento da prostituição e da violência contra as mulheres e a intensificação dos estereótipos de gênero (homem provedor, mulher dependente).

Destacamos também o contexto contemporâneo no caso da pandemia mundial do vírus COVID-19, o coronavírus, uma pandemia na qual os principais atingidos passam por um recorte de classe, gênero e raça demarcados, as mulheres são as mais afetadas (Harvey, 2020). No Brasil, por exemplo, os noticiários mostraram a grande vulnerabilidade das famílias das periferias e favelas, com a falta de água e a impossibilidade de compra de materiais de limpeza e mesmo de itens básicos para alimentação. Como anuncia Carneiro (2011), as famílias mais pobres do país ainda são aquelas chefiadas pelas mulheres negras, que assumem a maior parte do trabalho doméstico terceirizado, que é mal remunerado e fragilmente regulamentado.[9]

Simone de Beauvoir (1980), em O Segundo Sexo, nos explica que a humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele, ou seja, ela não é considerada um ser autônomo. Segundo a autora, na lógica patriarcal, a mulher é percebida como a oposição do homem, o inessencial, “o Outro”.

Ela não é senão o que o homem decide que seja; daí dizer-se o “sexo” para dizer que ela se apresenta diante do macho como um ser sexuado: para ele, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o sujeito, o Absoluto; ela é o Outro (Beauvoir, 1980: 10).

É importante ressaltar que essa realidade exposta por Beauvoir é ainda mais dura com as mulheres não brancas, o que não aparece na obra da autora que trata apenas de gênero e não aborda as questões de raça que denotam privilégios sociais. As mulheres não brancas reivindicam a compreensão de processos de exclusão, por estarem em situação oposta ao patriarcado e à branquitude[10]. Tal posição de subalternidade difícil de ser ultrapassada é abordada pela artista, a professora e escritora Grada Kilomba. Em alguns momentos, tanto a mulher branca como o homem negro podem ser vistos como sujeito, diferente da mulher negra que, de acordo com Kilomba, seria “o outro absoluto” (Ribeiro, 2016). De acordo com a Carta Denúncia do

Coletivo de Mulheres Negras Nzinga (1984, s/n),

[...] numa sociedade onde o racismo e o sexismo, como fortes sustentáculos da ideologia de dominação, fazem dos negros e das mulheres cidadãos de segunda classe, não é difícil visualizar a terrível carga de discriminação a que está sujeita a mulher negra. A dimensão racial impõe-nos uma inferiorização ainda maior, já que sofremos como as outras mulheres, os efeitos da desigualdade sexual. Na verdade, ocupamos o polo oposto da dominação, representado pela figura do homem branco e burguês. Por isso mesmo, constituímos o setor mais oprimido e explorado da sociedade brasileira.

À medida que percebemos que a diminuição da qualidade ambiental afeta mais drasticamente as mulheres que estão na base da nossa pirâmide social, ou seja, as mulheres negras e indígenas das classes populares; podemos atentar para o fato de que as injustiças ambientais se constituem a partir da sobreposição das injustiças de raça, gênero e classe (Layrargues, 2009). A relação entre a opressão das mulheres e a exploração da natureza vem sendo abordada pela perspectiva ecofeminista desde a década de 70 (Puleo, 2017). Dentro deste pensamento, existem diferentes vertentes e concepções (Cabrejas, 2017)[11]. O ponto de convergência entre os ecofeminismos é de que tanto a opressão das mulheres, quanto a dominação e exploração da natureza são legitimados por uma lógica antropocêntrica, patriarcal e capitalista (Puleo, 2017).

Uma das vertentes ecofeministas traz um olhar bastante especial para a experiência das mulheres das classes populares dos países subdesenvolvidos. Cabrejas (2017) denominou-a como “ecofeminismo espiritualista dos países empobrecidos”. Como uma das principais defensoras desta vertente, a ecologista ecofeminista indiana, Vandana Shiva (1993) argumenta que além da discriminação racial e étnica que sofrem estas mulheres no sistema capitalista patriarcal ocidental, também enfrentam a destruição de suas fontes ambientais de subsistência, a deslegitimação de seus conhecimentos e a dessacralização de seus territórios. Motivo pelos quais se engajam em resistências socioambientais pela sobrevivência material de suas comunidades e pelo direito de continuidade de seus modos de vida.

Literatura, jorge amado e tieta do agreste

Por ser considerada ficção pela ciência, a Literatura demorou a ser reconhecida como um campo de estudo. Em alguns países, ainda que timidamente, era possível observar algumas áreas da ciência, sinalizando a relevância de se apropriar da Literatura e sua linguagem (Marandola & Gratão, 2010). Ainda segundo os autores, no Brasil, é a partir da década de 70 que a utilização da obra literária por outras ciências passa a ganhar uma maior amplitude. Começou-se a reconhecer que as obras literárias possuem um entendimento racional e crítico. Afirmam ainda que uma das grandes virtudes da Literatura é a sua capacidade de ir do particular em direção ao universal.

Entre seus muitos gêneros, a Literatura tem acompanhado a humanidade ilustrada por meio de suas descobertas, sonhos, desejos e pecados. Ela não tem poupado aos homens de cortar-lhes a própria carne, de mostrar seus desígnios maléficos e ao mesmo tempo em que busca a exaltação de suas virtudes (Marandola & Gratão, 2010: 7).

Nessa percepção, reconhece-se a obra literária como documento de certa realidade, pois esta não é desprovida de contexto histórico, cultural, ambiental, social, econômico. Ou seja, a linguagem literária reflete uma visão de vida, de espaço, de ser humano e de lugares de uma determinada sociedade em certo período de tempo. A Literatura, ao comunicar aspectos da realidade da experiência humana, serve à interpretação do mundo e do ser humano no mundo. De acordo com Chiapetti e Gratão (2010), a ciência literária é outra maneira de ler o espaço, interpretar a cultura e compreender a natureza e a sociedade expressas por meio da linguagem e/ou imagem, criadas por autores e artistas.

Na obra literária, o autor discorre sobre sua perspectiva experiencial com o mundo vivido, e a partir daí, constrói sua narrativa, trata-se de um exercício de reflexão do literato sobre sua espacialidade e o que a compõe. Possibilitando indagações, críticas ou sugestões para a transformação da realidade, tornando-a essencial à existência do ser humano, pois além de contar e preservar nossa história, também instiga nossa capacidade de análise e reflexão.

Para Evaristo (2019) o discurso literário serve como base para pensar a história da nação, então a Literatura no Brasil precisa ser diversa e representar a multiculturalidade do país. Assim, o fazer literário reflete as culturas em confronto, as culturas em diálogo e as culturas que se complementam. Existem vários fazeres literários, muitos não são visibilizadas para todas as pessoas, para todos os grupos e todos os coletivos, o que nos deixa com um vazio, segundo a autora.

O texto literário também está determinado pelo racismo estrutural que impera na sociedade contemporânea na disputa por narrativas. Por estar em um país diverso, urge uma Literatura plural que incorpore e reconheça a legitimidade literária de vozes excluídas e historicamente invisibilizadas. Um caminho que deve ser fortalecido para que os sujeitos marginalizados sejam retratados em suas nuances com respeito aos seus processos históricos no Brasil (Evaristo, 2019).

As obras de Jorge Amado têm por característica expor e denunciar questões políticas e principalmente dar voz aos excluídos e marginalizados. Critica através deles a exclusão e o descaso, um posicionamento com base no seu engajamento político. O poeta escreveu a respeito do povo e para o povo, sendo considerado como o poeta das putas e vagabundos (Rodrigues, 2011). Neste caminho, apresentamos no presente trabalho a obra “Tieta do Agreste”, um romance em cinco sensacionais episódios, escrito por Jorge Amado e publicado em 1977. Trata-se de uma das obras mais populares do escritor, sendo transmutada para a televisão em 1989 e também para o cinema em 1996.

É através da diferença entre excluídos e dominantes que Jorge Amado demonstrou não só sua opinião acerca dos problemas da sociedade e de quem os reitera, mas também sua opinião acerca da sua esperança de mudança, depositando-a nos marginalizados (Rodrigues, 2011: 89).

Jorge Amado subvertia o espaço reservado às elites na Literatura. Utilizando as vozes dos personagens para denunciar injustiças socioambientais e a exclusão das comunidades dos processos decisórios (Rodrigues, 2011). Existe uma forte crítica ao seu fazer literário, por ser um homem, branco e rico, sua obra acaba reproduzindo o modelo social vigente machista e patriarcal. Não nos opomos e nem invisibilizamos tal fato no presente trabalho, apenas damos destaque para a visão transformadora que o autor nos aponta para repensar a questão ambiental. Identificamos no discurso de Jorge Amado caminhos viáveis através do posicionamento de suas personagens diante do conflito, o que é relevante para os campos com os quais dialogamos, por ser uma inspiração criativa da Literatura para EABC.

Passaram algumas décadas desde que os seus livros foram lançados e mesmo assim pouco se transformou quanto à situação dos excluídos. Independente da manutenção da situação global, os leitores de Jorge Amado experimentam a transformação de sua visão e atuação no mundo. Este é o principal ponto de relevância da Literatura do escritor de Gabriela, Cravo e Canela; de Capitães da Areia; de Dona Flor e seus dois maridos; de Subterrâneos da Liberdade; entre tantos outros.

Em Tieta do Agreste a história se passa na cidade fictícia de Sant’Ana do Agreste e na vila de Mangue Seco, palco dos momentos mais conflituosos do livro. A protagonista é Antonieta Cantarelli, mais conhecida como Tieta, uma mulher nordestina, prostituta e cafetina. Uma personagem completamente fora dos padrões impostos pela sociedade patriarcal à mulher. Numa crítica à branquitude (Silva, 2017) posicionamos a Tieta enquanto mulher não branca[12], já que no texto é descrita como mulata.

É interessante ressaltar que a obra foi publicada na década de 70, período em que o Brasil estava enfrentando o auge da Ditadura Empresarial Militar, estrutura político-administrativa que objetivava o crescimento econômico acelerado. “Tieta do Agreste” conectada com seu tempo, descreve o conflito da Companhia Brasileira de Titânio S.A., Brastânio, com a população da cidade fictícia de Sant’Ana do Agreste e de Mangue Seco.

Com enredo envolvente, Jorge Amado conta o que é de profundo interesse para o presente trabalho: as mulheres a frente do movimento de resistência comunitária diante do conflito socioambiental. O autor descreve a atuação dos pescadores, da população do agreste e, em especial, das mulheres, com destaque para a protagonista Tieta. Desta forma, desvela as reentrâncias dos movimentos populares e da atuação política e econômica das grandes empresas, demonstrando o jogo ao qual o ambiente e a sociedade são submetidos.

A luz de tieta e a resistência comunitária

Jorge Amado apresenta em seu livro as negociações políticas para a instalação da Brastânio na praia de Mangue Seco. Por se tratar de uma das indústrias mais poluentes, a notícia da autorização do governo brasileiro para a instalação de uma indústria desse ramo causa indignação ao Comandante Dário, importante personagem na luta contra a instalação da Brastânio.

As autoridades do eixo centro-sul do país não permitiram o estabelecimento da fábrica em seus estados então foi escolhido o Nordeste, mais precisamente o estado da Bahia para sua instalação. A população de Agreste vai tomar conhecimento desta escolha através de uma crônica de Giovanni Guimarães, publicada no jornal A Tarde. O cronista faz uma série de denúncias sobre os perigos da instalação da indústria.

Teu paraíso está ameaçado de morte, poeta, a Magra busca instalarse nas águas do rio Real, nas ondas de Mangue Seco, corveja sobre campos e dunas. Para transformar o diáfano céu azul em poluída mancha negra, para envenenar as águas, matar os peixes e pássaros, reduzir os pescadores à miséria, substituir a saúde por enfermidades novas de imprevisíveis consequências. Sabes tu, meu poeta, que no mundo inteiro existem apenas seis fábricas de dióxido de titânio? Que recentemente um juiz condenou à prisão os diretores de uma delas, na Itália, pelo mal causado ao Mediterrâneo, pela poluição das águas e destruição da flora e da fauna marítimas? Sabes que nenhum país civilizado aceita em seu território essa monstruosa indústria? Que a empresa, cuja presença ameaça o Brasil, não obteve autorização para erguer suas chaminés malditas na Holanda, no México, no Egito? Vade retro! Exclamaram os governantes recusando os imensos capitais, não somente por estrangeiros mas sobretudo por assassinos da atmosfera e das águas (Amado, 1977: 311-312).

Já os empresários trazem a visão do empreendimento como algo positivo, que gera desenvolvimento, apoia a urbanização e a estruturação da cidade. A empresa tem como discurso a “redenção do agreste” para superar o “atraso sertanejo”. Se autointitula responsável por reerguer a região, com promessas de riqueza e progresso. Já uma parte da comunidade vê a chegada da fábrica de dióxido de titânio de outra forma, os moradores afirmam “Nosso paraíso vai virar uma lata de lixo”.

Esta divergência, ou mesmo disputa entre interesses e visões de mundo – com relação aos territórios e seus bens naturais – são a base do surgimento dos conflitos ambientais (Acselrad et. al., 2011). Interessante perceber que nesta disputa, os interesses privados do empresário se contrapõem aos interesses comunitários locais. A mobilização desencadeada na comunidade conta com a liderança feminina de Tieta, mas se dá de forma coletiva. Estes são processos bastante observados e valorizados dentro da EABC.

A partir desses diferentes posicionamentos sobre a Brastânio, vai ocorrer uma “divisão” na cidade entre os que acreditam que ela simboliza o progresso, grupo composto por Ascânio, secretário da prefeitura que exerce função de prefeito, e alguns eleitores; e os que acreditam que ela simboliza a destruição de Agreste, grupo composto por Tieta, Dona Carmosina, Comandante Dário, os pescadores de Mangue Seco, Ricardo e o engenheiro Pedro.

O argumento do aumento de empregos e a modernização da região, com a chegada dos empreendimentos é um discurso recorrente em nossa realidade brasileira, onde o desemprego e a pobreza são muito disseminados, funcionando muitas vezes como uma chantagem ambiental, ou seja, a oferta de empregos em troca da qualidade de vida e do viver (Acselrad et. al. 2011). No entanto, como vimos, nem sempre essa promessa se concretiza da melhor forma. Os empregos que exigem baixa escolaridade são provisórios, e a modernização pode representar aumento da poluição e destruição de ecossistemas importante. No caso das mulheres, como analisaram Garcia-Torres et al. (2017) a chegada dos empreendimentos traz também força de trabalho masculina externa, que muitas vezes representa um fator de insegurança e o aumento da exploração sexual.

A indústria, desde sua fase de instalação, reconhece que as resistências comunitárias a vencer serão grandes. Eles sabem que o empreendimento será questionado pela população do Agreste. O que de fato se desenrola ao longo da história de “Tieta do Agreste”, o povo se levanta. Como afirma um dos personagens do movimento comunitário: “- Vou cumprir o meu dever. É nossa obrigação, a minha, a sua, a dos que sabem o que significa essa indústria. Mesmo se tivesse que ficar brigando sozinho... Eu lhe disse, se lembra, que farei tudo para evitar a poluição do Agreste.” (Amado, 1977: 531). Assim como em Mangue Seco foi noticiado o vigoroso movimento de massas trabalhadoras, com conotação reivindicativa e militante que atua diante do conflito socioambiental.

O surgimento da consciência crítica, a partir da experiência refletida coletiva é um dos pontos-chave dentro da pedagogia freiriana (Freire, 1987). Da mesma forma é considerada essencial nas resistências ambientais comunitárias. Os aprendizados que surgem destas estratégias coletivas nutrem a EABC.

Quando os técnicos da Brastânio chegaram a Mangue Seco para realizar as últimas análises da área, os pescadores realizaram uma espécie de “sequestro” com o intuito de assustá-los e garantir que não voltariam mais. Com o apoio de Tieta e Ricardo, os pescadores colocaram os técnicos nas lanchas e os levaram para área mais violenta da praia. Esta ação pode ser encarada como uma ação estratégica compreendida pelo grupo como necessária naquele momento.

Nas lanchas, ouvem-se gritos, choros, pedidos de socorro, de piedade pelo amor de Deus. Indiferentes, os pescadores penetram por entre as ondas descomunais, atravessam no espaço mínimo onde elas se alteiam imensas e se rebentam furiosas contra as dunas. Encharcados, chegam com as embarcações onde só mesmo eles, os ali nascidos e criados, conseguem chegar. Eles e os tubarões (Amado, 1977: 448-449).

Por fim, a indústria não se instala em Mangue Seco, pois consegue a autorização governamental para estabelecer suas duas fábricas de dióxido de titânio em Arembepe, o que deixa a população de Agreste aliviada. Esta vitória se dá devido às múltiplas formas de resistência do movimento comunitário e do envolvimento com Tieta. A liderança percebe que os impactos da indústria serão inúmeros o que a leva a demarcar um posicionamento efetivo. O autor nos brinda com uma análise concreta e material do desenvolvimentismo e da situação de marginalização que as comunidades sofrem em um conflito ambiental com a instalação de empreendimentos poluidores.

Tieta conserva na retina a paisagem de aço e concreto traçada no desenho: os edifícios das fábricas, as chaminés, as residências de técnicos e administradores, as casas dos operários, e, mais longe, nas proximidades dos cômoros, a suntuosa vivenda, reservada sem dúvida para os diretores da indústria. O cimento armado substituíra os coqueiros, o mangue desaparecera sob o asfalto da estrada vinda de Agreste. As choupanas tinham sumido, a população deixara de existir, em lugar das canoas, embarcações carregadas com tonéis. Extintos, os caranguejos e os pescadores (Amado, 1977: 495).

A visão de Tieta expõe as contradições impostas pelo modelo de desenvolvimento que coloca em oposição natureza e cultura, atraso e desenvolvimento, coletivo e privado, rural e urbano. Tais dicotomias, segundo a perspectiva ecofeminista, fazem parte do modelo de pensamento dominante, que estabelece uma hierarquia entre eles, da mesma forma que hierarquiza as relações entre homens e mulheres (Cabrejas, 2017).

Tieta do agreste e o patriarcado

É interessante observar que Tieta é descrita como uma mulata voluptuosa, bela, sedutora, sensual e fogosa. Essa descrição nos faz pensar que se trata mais uma vez de uma demonstração estereotipada e preconceituosa da mulher “mulata” na Literatura (Nascimento, 2008). No entanto, Jorge Amado deixa explícito que Tieta está longe de ser apenas desejável, mas que também possui seus desejos e tem força para realizá-los. Vale salientar que em uma sociedade patriarcal a mulher não possui desejos, vontades e sempre terá sua existência submissa aos homens. Retomando nosso referencial teórico, com os aportes de Beauvoir (1980) e Grada Kilomba (Ribeiro, 2016), tal contexto reflete o processo de subtração da autonomia das mulheres, em especial das mulheres não-brancas.

A concepção de papéis de gênero deterministas – mulher restrita ao ambiente privado doméstico, homem mais capaz de atuar do âmbito público – acaba invisibilizando e subestimando a participação das mulheres na esfera política. Quando Tieta passa da mulher que é objeto manipulado pelo homem a sujeito do seu próprio destino, ela ultrapassa a lógica patriarcal, muito provavelmente, surpreendendo os homens engravatados. Uma das situações que Tieta mostra estar fora dos padrões impostos pela sociedade patriarcal é quando ela utiliza sua influência e consegue trazer luz elétrica para Sant’Ana do Agreste,

Os últimos céticos redem-se à evidência: mais duas semanas e Agreste estará consumindo força e luz da hidrelétrica do São Francisco. Energia capaz de mover indústrias, luz forte e brilhante, (...). A luz de Tieta. O nome da benfeitora passa de boca em boca, em louvor e admiração. Todos sentem orgulho da riqueza e importância, do prestígio e poderio da conterrânea, patrona da cidade e do município, filha pródiga e predileta. A ela, apenas a ela, deve-se aquele milagre – verdade proclamada pelo próprio engenheiro-chefe (Amado, 1977: 524).

Ou, quando sua decisão sobre quem apoiaria para candidato a prefeitura influenciaria todo o povo de Sant’Ana do agreste “- Se a gente contar com o apoio de Dona Antonieta. Tendo Santa Tieta do Agreste de nosso lado, pedindo votos para o Comandante, é barbada” (Amado, 1977: 522). Assim como na seguinte passagem: “O sucesso da campanha depende de Tieta” (Amado, 1977: 433).

Nesses dois momentos, ela ultrapassa o poder do secretário da prefeitura, Ascânio Trindade, que exercia a função de prefeito. A força política descrita por Jorge Amado é retrato de nossa sociedade, onde muitas mulheres exercem papel de liderança e são parte de movimentos comunitários na busca da manutenção do seu modo de vida e dos cuidados com seu território (Shiva, 1995; Silva et. al., 2009; Garcia-Torres et al., 2017). Como salienta Shiva (1995) a preservação destes modos de vida está intimamente ligada à preservação da biodiversidade, que por gerações é mantida pelas comunidades tradicionais[13], principalmente pelas mulheres. A objetificação da mulher também é bastante retratada na obra de Jorge Amado, como parte dos traços culturais da nossa sociedade. As mulheres são tratadas pelos personagens do livro como objeto para pousar os olhos. O patriarcado do Agreste posiciona a mulher como alguém que precisa ser ensinada a respeitar o homem, “andar na linha”. Tieta transpõe tal padrão de submissão todo o tempo, como relata o autor “(...) Tieta, aquela menina das cabras que brigava com a polícia ao lado dos pescadores (Amado, 1977: 537)”. Assim, a construção da personagem rompe com os padrões de gênero usualmente disponíveis para as mulheres.

Tieta negocia sua identidade, para reivindicar a Luz em seu território e para lutar contra o grande empreendimento em Mangue Seco. A personagem se molda às expectativas das convenções culturais do âmbito social, nem sempre respondendo às políticas de bons costumes, onde a afirmação da mulher enquanto sujeito de direito é uma constante busca e resistência diante do sistema patriarcal. E, ainda assim, independente da identidade adotada na narrativa exposta, ela se encontra à margem da sociedade (Cosme, 2014).

Ao longo da obra podemos perceber que Tieta amava a liberdade, não se importava com o fato de viver fora dos padrões porque não queria viver de acordo com eles. A personagem está muito além de seus atributos físicos, ela era dona de suas escolhas, vontades, destino.

Demarcamos que esta obra foi publicada na década de 70, embora estivesse acontecendo a revolução sexual, a mulher era marginalizada. Como forma de discutir as consequências da exclusão e do racismo este período foi marcado também pelo surgimento e institucionalização de grupos de mulheres negras, como o Aqualume (1979), Luiza Mahin (1980), Grupo de mulheres Negras do Rio de Janeiro (1982), Nizinga – Coletivo de Mulheres Negras (1983), muito deles originários do movimento negro. A articulação com o Movimento de Favelas também representou importante ponto da atuação política destes grupos, que até hoje inspiram a resistência das novas gerações. (Gonzalez, 2008). Jorge Amado ao criar uma personagem como Tieta critica a sociedade patriarcal e apoia a libertação da mulher.

Conclusões

No presente trabalho reconhecemos a aposta de Jorge Amado na força dos excluídos, dos oprimidos, dos populares e marginalizados. A leitura de “Tieta do Agreste” e compreensão do conflito da Brastânio com a comunidade de pescadores permite a identificação das estratégias desenvolvidas pelo empreendimento e, o mais importante para a EABC, ilustra como se estabelece a resistência comunitária. A análise do livro de Jorge Amado traz suporte para o reconhecimento dos conflitos contemporâneos.

Identificamos a resistência popular na comunidade que se levanta e se posiciona fortemente diante do poder público e das empresas, se negando a viver em uma situação marginal em seus territórios, não abrindo mão de seu ambiente e seus modos de vida. Eles rompem com paradigmas e vão contra as elites. Os personagens de Jorge Amado exigem justiça socioambiental, desenhando com nítido contorno a luta de classes. A sua Literatura evidencia as contradições da década de 70, na qual a força de histórias de pessoas tão potentes quanto Tieta e sua comunidade pesqueira, corpos negros, mulheres, empobrecidos, precisam ser narradas por um homem branco e de classe alta, para serem lidas.

Jorge Amado situa a mulher como sujeito autônomo na atuação política. Aponta e descreve as artimanhas do patriarcado e sua atuação no processo de objetificação das mulheres. Reconhecemos no presente trabalho o foco na Luz de Tieta, na figura política que a personagem representou e no seu papel pedagógico de formação de consciência comunitária. Como as mulheres são as mais afetadas pela crise ambiental, urge que a sociedade atue diante dos conflitos socioambientais, fortalecendo as mulheres. Salientamos a importância de se compreender as resistências comunitárias das mulheres levando em conta que as injustiças ambientais se conformam a partir de uma sobreposição de opressões (gênero, raça e classe). Assim, consideramos Jorge Amado e sua personagem Tieta como fontes de inspiração para o debate das temáticas ambientais, que se entrelaçam com as sociais e posicionam a questão de gênero como um importante tema transversal.

Apresentamos no presente trabalho uma análise sobre o contexto de justiça ambiental à luz de uma perspectiva crítica da EABC. Dialogamos com a Literatura para compor uma reflexão com o contexto latinoamericano das lutas socioambientais. O romance de Jorge Amado, Tieta do Agreste, possui uma protagonista que representa o papel da mulher, apontado pela EABC como de extrema relevância nos conflitos socioambientais, que assume a liderança e articulação comunitária. Tieta quebra padrões e impede a instalação da fábrica de titânio que traria impactos ambientais para sua comunidade em Mangue Seco. Ela representa as mulheres revolucionárias que não se enquadram e não se limitam pelo patriarcado. Sendo assim, concluímos que a interface Educação Ambiental e Literatura pode enriquecer a busca por justiça socioambiental.

Agradecimentos

Agradecemos às agências CAPES e FAPERJ que, através de bolsas de estudo, apoiaram a produção deste trabalho.

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Notas

[1] O artigo é resultado parcial de uma investigação sobre Educação e Literatura, com enfoque na Educação Ambiental e um recorte realizado a partir da leitura do livro “Tieta do Agreste” de Jorge Amado, organizado por um grupo de pesquisadores de distintas Universidades do Rio de Janeiro.
[8] A noção de justiça ambiental decorre da constatação de que a crescente escassez de recursos naturais e de que a desestabilização dos ecossistemas afeta de modo desigual, e muitas vezes injusto, diferentes grupos sociais ou áreas geográficas (ACSELRAD et. al., 2009).
[9] Galeano, E. El libro de los abrazos. Buenos Aires: Catálogos, 2004.
[10] Muitas empregadas domésticas e diaristas foram dispensadas no período de pandemia, sem os direitos trabalhistas garantidos, acentuando ainda mais a vulnerabilidade destas famílias.
[11] A branquitude compreende a exclusão social, humana, ambiental, econômica, política e cultural imposta ao povo negro no Brasil. A branquitude pode ser um ponto de vista, um lugar na estrutura, uma norma, uma categoria relacional que se amplia e se infere de forma terminante nas relações sociais (Silva, 2017).
[12] Esta autora sintetiza define as seguintes tendências assumidas pelo Ecofeminismo: clássico, construtivista, espiritualista dos países empobrecidos, animalista e queer.
[13] Essa é uma apresentação inicial e por ausência de referências bibliográficas que posicionem a cor da pele de Tieta a definimos assim apenas para dar conta dos debates pertinentes do trabalho. Não pretendemos esgotar o debate racial em questão e apontamos para a necessidade de estudos futuros que integre tal perspectiva.
[14] Dentre as comunidades tradicionais brasileiras estão: os povos originários, os ribeirinhos, os caiçaras, os pescadores artesanais, os agricultores familiares, os quilombolas, os geraizeiros e muitos outros grupos que compõe uma das maiores sócio biodiversidades do mundo (DIEGUES, 2001).
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