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Mobilizando histórias na formação inicial de educadores matemáticos: memórias, práticas sociais e jogos discursivos [1]
Mobilizing histories in mathematics teacher education: memories, social practices, and discursive games
Movilizando historias en la formación inicial de educadores matemáticos: memorias, prácticas sociales y juegos discursivos
Revista de Matemática, Ensino e Cultura, vol. 16, pp. 120-140, 2021
Grupo de Pesquisa sobre Práticas Socioculturais e Educação Matemática

ARTIGOS CIENTÍ­FICOS

Revista de Matemática, Ensino e Cultura
Grupo de Pesquisa sobre Práticas Socioculturais e Educação Matemática, Brasil
ISSN: 1980-3141
ISSN-e: 1980-3141
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 16, 2021

Recepção: 12 Dezembro 2020

Aprovação: 13 Fevereiro 2021

Publicado: 19 Fevereiro 2021


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Na primeira parte deste artigo, compartilhamos e elucidamos nossa forma particular de mobilizar histórias em algumas disciplinas dos cursos de graduação da formação de professores de matemática oferecidos pela Universidade Estadual de Campinas e pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no Brasil. Essa forma de mobilização pode ser caracterizada como um conjunto de problematizações indisciplinares coletivas que incidem sobre sucessivas investigações realizadas pelos participantes desses cursos. Essas investigações tomam como objeto práticas mobilizadoras da cultura matemática. Essas práticas são realizadas por diferentes comunidades constituídas por - e constituintes de - diferentes atividades humanas. Na segunda parte deste artigo, nosso objetivo é problematizar nossa forma de mobilizar histórias, contrastando-a com a perspectiva teórica da aprendizagem expansiva, do modo como foi defendida por Yrjö Engeström, em seu artigo Non scolae sed vitae discimus - para a superação do encapsulamento da aprendizagem escolar. Vamos também destacar o papel que este pesquisador atribui à história em seu modelo de aprendizagem expansiva, perspectiva que se coloca no desenvolvimento da pesquisa contemporânea sobre a teoria da atividade.

Palavras-chave: Formação de professores de matemática, histórias, memórias, práticas sociais, jogos discursivos, problematização indisciplinar.

Abstract: In the first part of this article, we share and elucidate our particular way to mobilize histories in some disciplines undergraduate courses of mathematics teacher education offered by State University of Campinas and Federal University of Rio Grande do Norte, in Brazil. This way of mobilization can be featured as a set of collective indisciplinary problematizations falling on successive investigations carried out by participants of these courses. These investigations take as object mobilizing practices of mathematics culture. These practices are performed by different communities both constituted by and constituent of different human activities. In the second part of this article, our purpose is to problematize our way of mobilizing histories, contrasting it with the theoretical perspective of expansive learning, just as it has been defended by Yrjö Engeström, in his article Non scolae sed vitae discimus - towards overcoming the encapsulation of school learning. We will also attempt to highlight the role which this researcher has attributed to history in his model of expansive learning, perspective which places itself on the development of the contemporary research about the activity theory.

Keywords: Mathematics teacher education, histories, memories, social practices, discursive games, indisciplinary problematization.

Resumen: En la primera parte de este artículo, compartimos y dilucidamos nuestra forma particular de movilizar historias en algunas disciplinas de los cursos de pregrado en la formación de profesores de matemáticas que ofrecen la Universidad Estatal de Campinas y la Universidad Federal de Rio Grande del Norte, en Brasil. Esta forma de movilización puede caracterizarse como un conjunto de problematizaciones indisciplinarías colectivas que inciden sobre sucesivas investigaciones realizadas por los participantes de estos cursos. Estas investigaciones toman como objeto las prácticas que movilizan la cultura matemática. Estas prácticas son llevadas a cabo por diferentes comunidades integradas y constituyentes de diferentes actividades humanas. En la segunda parte de este artículo, nuestro objetivo es problematizar nuestra forma de movilizar las historias, contraponiéndolas a la perspectiva teórica del aprendizaje expansivo, como ha defendido Yrjö Engeström en su artículo Non scolae sed vitae discimus - para superar la encapsulación del aprendizaje escolar. También trataremos de destacar el papel que este investigador ha atribuido a la historia en su modelo de aprendizaje expansivo, perspectiva que surge en el desarrollo de la investigación contemporánea sobre teoría de la actividad.

Palabras clave: Formación de profesores de matemáticas, historias, memorias, prácticas sociales, juegos discursivos, problematización indisciplinar.

Introdução

O nosso ponto de vista relativo à mobilização de histórias na formação de professores de matemática está baseado nos trabalhos independentes que desenvolvemos, durante alguns anos, em algumas disciplinas que integram os cursos de formação de professores de matemática oferecidos pela Universidade Estadual de Campinas e pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte[4].

Contudo, devido à semelhança desses trabalhos - algumas vezes também compartilhados com outros colegas de nossas instituições[5], mas sempre renovados ao longo de nossa atuação profissional -, pensamos que eles podem ser teoricamente relacionados.

Nesse sentido, o desenvolvimento deste artigo deverá se orientar por um duplo propósito. O primeiro é o de relatar, sucintamente, o nosso modo particular de mobilizar histórias na formação de professores de matemática. Esclarecemos que tal relato não estará apoiado em pesquisa empírica e/ou verificacionista que objetivaria “demonstrar” a “eficácia” absoluta ou relativa de uma forma particular de mobilizar histórias na formação de professores.

Entretanto, devido à densidade de nossa experiência docente - reiteradamente vivenciada, refletida e transformada com base no maior ou menor envolvimento demonstrado por nossos alunos -, não iremos aqui relatá-la no sentido usual. Na realidade, a referência a nossa experiência constitui apenas uma estratégia exemplificativa para apresentarmos e discutirmos teoricamente o nosso ponto de vista acerca do modo como temos mobilizado histórias na formação de professores de matemática. Por esta razão, procuraremos dar destaque ao diálogo teórico-filosófico que temos estabelecido, ao longo dos últimos anos, com literatura pertinente proveniente de vários campos do conhecimento tais como a história, a sociologia, a linguística, a antropologia, dentre outros.

Na seção 2, profundando esta avaliação teórico-filosófica de nossa experiência, o segundo propósito deste artigo é o de problematizar esta nossa forma particular de mobilizar histórias - isto é, teorizá-la – contrastando-a, mediante um jogo de aproximações e afastamentos, com a perspectiva teórica da aprendizagem expansiva, tal como ela tem sido defendida por Yrjö Engeström (1991). Além disso, procuraremos também destacar o papel que este pesquisador tem atribuído à história em seu modelo de aprendizagem expansiva, perspectiva esta que se coloca no desenvolvimento da pesquisa contemporânea em torno da teoria da atividade.

1. Mobilizando histórias na formação de educadores matemáticos

Em nosso trabalho com formação de professores de matemática, histórias têm sido mobilizadas em quatro etapas: 1. reminiscência individual dos participantes dos modos como cultura matemática[6] teria sido mobilizada em suas vidas escolares; 2. levantamento de questões orientadoras das investigações de práticas escolares mobilizadoras de cultura matemática; 3. investigação de programas oficiais e livros-textos destinados ao ensino escolar da matemática no Brasil; 4. realização de entrevistas com professores de matemática e estudantes do Ensino Fundamental e Médio.

Essas histórias, no plural, são vistas como flashes de jogos discursivos de memórias de práticas sociais mobilizadoras de cultura matemática, realizadas por diferentes comunidades[7], que constituem e se constituem em diferentes atividades humanas.

Tais jogos discursivos de memórias alternativas são produzidos pelos participantes com base em trabalhos investigativos, e à medida que eles constituem e problematizam tais jogos, comparativa e coletivamente, vão também constituindo suas identidades como membros periféricos da comunidade de professores de matemática. Cada jogo, uma vez constituído, passa a ser objeto de problematização indisciplinar junto aos participantes que, à medida que se envolvem com e desenvolvem esses jogos, aderindo a seus objetivos e regras, se constituem como uma comunidade de problematização cultural.

Uma vez que as noções de práticas sociais, jogos discursivos e problematização indisciplinar desempenham um papel central em nossa proposta de mobilização de histórias na formação de professores, subdividiremos esta seção em três partes. Na primeira, esclareceremos com que significados estamos mobilizando as expressões práticas sociais e jogos discursivos. Na segunda, evidenciaremos o significado que aqui atribuímos à noção de problematização indisciplinar, bem como o papel que ela desempenha na formação de educadores. Por sua vez, na terceira parte desta seção, vamos caracterizar os modos como mobilizamos histórias na formação de professores, em cada uma das quatro etapas já referidas anteriormente.

1.1. Histórias, práticas sociais e jogos discursivos

São vários os pensadores que têm utilizado a expressão prática social, destacando-se, dentre eles: Foucault, Bourdieu, Habermas, Lyotard, Certeau.

Segundo Schatzki (1996, p. 89-90), “at least three notions of practice are prominent in the current conjuncture. According to one, practicing is learning how or improving one’s ability to do something by repeatedly working at and carriyng it out. It is in this sense of practice that adults practice the piano (...) In a second sense, practice is temporally unfolding and spatialy dispersed nexus of doings and sayings. Examples are cooking practices, voting practices (...). To say that the doings and the sayings forming a practice constitute a nexus is to say that they are linked in certain ways. Three major avenues of linkage are involved: (1) through understandings, for example, of what to say and do; (2) through explicit rules, principles, precepts, and instructions; and (3) through what I will call “teleoaffective” structures embracing ends, projects, tasks, purposes, beliefs, emotions, and moods. (...) A third prominent notion of practice is that of performing an action or carriyng out a practice of the second sort”.

É importante ressaltar que não estamos utilizando a palavra prática em oposição à teoria e, nesse sentido, prática não significa uma ação irreflexiva, e nem teoria significa um pensamento sem ação (WENGER, 2001, p. 71-72). A palavra prática também não está sendo aqui utilizada para se referir a um lugar onde realizamos algo, um lugar onde - como se costuma dizer - "colocamos as mãos na massa”. Quando falamos em práticas sociais estamos falando em ações, ou melhor, em conjuntos articulados e pré-interpretados de ações. Não em qualquer ação ou conjunto de ações, mas em ações que, mesmo quando realizadas por uma única pessoa, a fim de que possam ser significadas e interpretadas, devem ser conectadas a diferentes formas de atividade humana constituídas no tempo e no espaço. Podemos, desse modo, falar em práticas de leitura, em práticas de realização de cálculos por escrito, em práticas de coleta de lixo, etc. E daí, as práticas assim concebidas como conjunto de ações não é sinônimo de atividade, embora possam ser realizadas em diferentes contextos de atividade humana. Falando mais precisamente, utilizamos aqui a expressão prática social para se nos referir a um conjunto coordenado e intencional de ações que mobiliza simultaneamente objetos culturais, memória, afetos, valores e poderes produzindo nos sujeitos que realizam tais ações o sentimento, ainda que difuso ou não-consciente, de pertencimento a uma comunidade de prática determinada. Estas ações não são caóticas ou aleatórias justamente porque reconhecemos nelas objetos culturais que têm história; e que só ainda participam de nossa memória porque os objetos culturais que essa prática mobiliza continuam a ser valorizados por pelo menos uma comunidade que preserva essa memória na atualidade, com base em algum propósito. Nesse sentido, uma prática social é cultural porque sempre mobiliza objetos culturais. Por outro lado, uma prática social é social porque, mesmo quando posta em circulação por uma única pessoa, ela está ligada a atividades humanas anteriormente desenvolvidas por comunidades socialmente organizadas. Portanto, de agora em diante, passaremos a falar simplesmente em práticas, sem adjetivos.

Além disso, os modos como interpretamos práticas e as colocamos em circulação em diferentes contextos - escolares ou não - variam de pessoa para pessoa, não apenas em função de seus propósitos, valores, motivações, desejos e recursos interpretativos, mas também em função dos condicionamentos desses contextos. É por essa razão que dizemos que uma prática também mobiliza afetos. Além disso, sempre que posta em circulação, uma prática instaura um jogo nem sempre explícito de relações assimétricas de poder entre os integrantes da comunidade que a põe em circulação, bem como um jogo heterogêneo e diferencial de valorizações ou de resistências entre os integrantes dessa comunidade em relação a essa prática. E não só saber produz poder, como também, poder produz saber, como nos advertiu Foucault, que chegou mesmo a afirmar que “uma sociedade sem relações de poder não pode ser senão uma abstração”.

Por sua vez, a expressão jogos discursivos está sendo utilizada aqui com um significado análogo à noção de jogos de linguagem de Wittgenstein. Pensamos que a relação que estamos estabelecendo entre os construtos teóricos atividade e prática poderia ser também descrita em termos wittgensteinianos, uma vez que uma atividade, quando vista como uma forma de vida autônoma e auto-significativa, é sempre desenvolvida por uma comunidade que, ao mesmo tempo em que realiza práticas conectadas a essa atividade, produz também jogos de linguagem que só se distinguem de suas práticas correlativas pelo tipo de formas simbólicas que mobiliza.

Por outro lado, práticas e jogos de linguagem podem ser vistos como semioticamente indistinguíveis, dado que ambos podem ser concebidos como objetos culturais ou formas simbólicas no sentido de Thompson (1995). E daí, as significações de uma prática seriam inconcebíveis fora dos jogos de linguagem constituídos em uma atividade (MIGUEL; VILELA 2004). Entretanto, uma prática não caracteriza univocamente uma atividade, uma vez que uma mesma prática pode ser realizada em diferentes atividades, assumindo significações diversas em função dos diferentes propósitos que a constituem em diferentes contextos de atividades. Podemos, por exemplo, realizar a prática de bater palmas em uma festa de aniversário, para saudar o(a) aniversariante, ou na frente de uma residência sem campainha, para chamar o seu morador, ou então, dentro de uma sala de aula, para pedir a atenção dos alunos, ou ainda num show musical a título de aclamação, bem como em diversas outras situações. E em cada uma delas, a prática de “bater palmas” adquire uma significação diferente. Analogamente, uma prática de orientação espacial pode ser realizada, com diferentes significações, na atividade náutica, na atividade agrícola, na atividade topográfica, na atividade astronômica, mobilizando propósitos, instrumentos, métodos e significações diferentes.

1.2. A prática de problematização INdisciplinar

O modo como temos mobilizado histórias na formação de professores vem sendo orientado por um procedimento de problematização indisciplinar coletiva de sucessivas investigações por eles realizadas.

O termo indisciplinar é utilizado pelo lingüista brasileiro Moita Lopes (Moita Lopes, 2006) com um significado semelhante àqueles atribuídos pelas teorias transgressivas contemporâneas à noção de “transgressão” (Pennycook, 2006; Hooks, 1994). Para ele, a indisciplina não significa somente um ato de transcendência, mas, sobretudo, um ato de transgressão de limites disciplinares. Mais do que uma ultrapassagem meramente epistemológica de fronteiras disciplinares, a diferença que ele parece estabelecer entre a transdisciplinaridade e a transgressividade caracteriza-se, sobretudo, por uma ruptura qualitativa com “o modo de ver” disciplinar, isto é com o paradigma objetivista que tem orientado persistentemente os modos de se produzir conhecimento dito “científico”, segundo uma concepção de racionalidade vista como "descorporificada, sem compreensão acerca da heterogeneidade, fragmentação e mutabilidade do sujeito social, compreendido como situado em um vácuo sócio-histórico, e sem contemplar questões de ética e de poder” (MOITA LOPES, 2006, p. 27).

Esse modo de praticar a indisciplina apresenta semelhanças de família com a noção de transgressão do modo como tem sido mobilizada Pennycook:

(...) dentro do domínio de teorias transgressivas, estou interessado em relacionar os conceitos de translocalização, como modo de pensar a inter-relação do local dentro do global; transculturação, como modo de pensar a cultura e os processos de interação cultural que permitem uma fluidez de relações; transmodalidade, como modo de pensar o uso da linguagem como localizado dentro de modos múltiplos de difusão semiótica; transtextualização, como modo de pensar signos atravessando contextos; tradução, como modo de pensar o significado como ato de interpretação que atravessa fronteiras de modos de compreender; transformação, como uma maneira de pensar a mudança constante na direção de todos os modos de significado e interpretação (PENNYCOOK, 2006, p. 76-77).

Esse nosso modo de praticar a indisciplina como transgressão é também consonante ao apelo transgressivo sugerido na obra de Foucault, no sentido de se estimular a prática de desestabilização, descolonização ou desconstrução de determinadas maneiras de pensar, não só com o propósito de se dar visibilidade a outros modos de pensar, mas também de se criar novos esquemas de politização na luta por um "novo direito antidisciplinar" (MOITA LOPES, 2006, p. 27; PENNYCOOK, 2006, p. 75, FOUCAULT, 2000, p. 190).

Em nosso trabalho com os professores, procuramos não estabelecer uma relação de oposição entre transgressão e normatividade, e nem vemos nisso um problema de natureza lógica, epistemológica ou política. Isso porque, para nós, a normatividade é uma instância constitutiva de qualquer prática e, menos que uma ameaça, o seu reconhecimento é condição para a realização de práticas transgressivas bem como para o exercício de nossa liberdade. E mesmo quando, para certos propósitos, o normativo é visto como opressor e precisa ser transgredido, a transgressão não nos leva a um estado de não-normatividade, mas simplesmente instaura, ou tenta instaurar, outras formas de normatividade.

O modo como temos praticado a indisciplina como transgressão também está inspirado na noção wittgensteiniana de terapia filosófica e na prática derridiana de desconstrução (DERRIDA, 2004). No primeiro caso, essa aproximação fica caracterizada pelo estilo da filosofia de Wittgenstein, que não busca "resolver problemas", mas justapor palavras com o intuito de realçar absurdos decorrentes da valorização de um determinado significado em detrimento de outros. No segundo caso, essa aproximação fica caracterizada pelo estilo da filosofia de Derrida de desconstruir todos os tipos de jogos de linguagem centrados na oposição binária entre o sensível e o inteligível, que sempre remetem a um referente último ou a um significado transcendental.

O uso situado que estamos aqui fazendo do termo indisciplinar não quer sugerir que ele deva ser entendido como sinônimo de não-disciplinar, quer quando a palavra disciplina seja vista como campo escolar delimitado de saber ou como campo delimitado de investigação científico-acadêmica, quer quando vista como conjunto de normas orientadoras da ação, do pensamento e do comportamento. Nesse sentido, quando falamos em problematização indisciplinar .ou transgressiva. de práticas, estamos nos referindo a uma prática metodológica ético-politicamente orientada que é simultaneamente aberta, não dogmática, desestabilizadora e desconstrutiva. Tal prática voluntariamente transgride as fronteiras de campos culturais disciplinares estabelecidos a fim de se reconhecer como igualmente legítimas, do ponto de vista da ação educativa, atividades e práticas que, por quaisquer razões, não alcançaram o estatuto disciplinar. A legitimidade pedagógica dessa transgressão metodológica se assenta não só no ponto de vista de que todas as atividades humanas são produtoras de cultura, como também no ponto de vista de que uma prática, na passagem de um a outro campo de atividade, inevitavelmente se desconecta de seus condicionamentos normativos originais e passa a ser formatada segundo os condicionamentos normativos do novo campo de atividade no qual foi mobilizada de forma igualmente idiossincrática e, desse modo, não poderíamos mais dizer que, a rigor, estaríamos diante da mesma prática. A concepção de educação que orienta esse procedimento metodológico é a capacidade coletiva de uma comunidade de problematizar práticas interativamente e indisciplinarmente. Em um processo de problematização, não há uma diferença identificável de funções entre os participantes, uma vez que cabe a todos perguntar e buscar - por todas as vias e em todas as fontes disponíveis - formas situadas de encaminhamento consideradas coletivamente adequadas para os questionamentos levantados, visando a obtenção de propósitos igualmente situados e compartilhados, tendo-se, porém, ciência de que tanto propósitos quanto critérios julgados adequados estão sempre abertos à revisão por estarem eles baseados em uma ética política igualmente aberta à re-discussão e à revisão.

1.3. As quatro etapas da mobilização de histórias

Numa primeira etapa, os participantes se constituem como uma comunidade de memória[8], envolvendo-se em uma prática individual de reminiscência de seus processos de escolarização, com o propósito de investigarem, sobretudo, as práticas escolares mobilizadoras de cultura matemática com as quais teriam se envolvido no contexto escolar. Como a comunidade-classe deverá, após essa primeira etapa do trabalho, dividir-se em quatro grupos que deverão realizar investigações focalizando práticas mobilizadoras de objetos específicos da educação matemática escolar brasileira - tais como: trigonometria, logaritmos, geometria, funções, etc. -, solicitamos aos participantes que as suas reminiscências incidam, sobretudo, em tais práticas. Esta solicitação constitui a única orientação dessa prática individual de reminiscência.

Esse trabalho investigativo de reminiscência individual é antecedido por uma sessão de problematização coletiva cujo objetivo é identificar os diferentes usos sociais de práticas de reminiscência e de esquecimento quando mobilizadas em diferentes contextos, tais como na investigação histórica, na investigação criminal, na psicanálise, na neurociência, na avaliação e reconstituição de patrimônio histórico-cultural, na literatura, no resgate da identidade cultural, etc. Durante essa sessão, deixamos explícito aos participantes que o uso situado que faríamos de suas reminiscências em nossas aulas teria como propósito, igualmente situado, a constituição de um quadro interpretativo de práticas escolares de mobilização de cultura matemática à luz daquilo que teria sobrevivido à memória da comunidade-classe.

Após essa primeira sessão de problematização, os participantes produzem um conjunto de textos que, quando situados no processo mais amplo de investigação coletiva em curso, passam a ser vistos como um conjunto de jogos discursivos de memórias individuais alternativas de membros da comunidade-classe acerca de práticas escolares mobilizadoras de cultura matemática em determinada época e local.

Após a apresentação oral de alguns desses jogos discursivos memorialísticos para a comunidade-classe, tais jogos passam, em sua totalidade, por tratamentos analíticos mais sistemáticos por parte de quatro dos participantes que realizam tais análises sem se comunicarem. Assim, com base na leitura analítica de todos os textos individuais de memória, esses quatro participantes constituem quatro outros jogos discursivos de memórias sociais alternativas da comunidade-classe. Tais textos são ditos analíticos porque devem apresentar uma categorização, descrição caracterizadora e interpretação das práticas escolares mobilizadoras de cultura matemática que se manifestaram no conjunto de memórias de toda a comunidade-classe. Para a produção desses textos, orientações são dadas no sentido de que eles identifiquem, nas memórias individuais dos participantes, tanto práticas comuns ou muito freqüentes, bem como práticas pouco freqüentes ou idiossincráticas, uma vez que o objetivo visado não é o de dar visibilidade a todas elas. Nesse sentido, os textos não devem eliminar contrastes, dissonâncias ou contradições que, eventualmente, possam manifestar-se nas memórias individuais, dado que o objetivo visado não é o de se produzir histórias racionalizadas.

Outras orientações são dadas no sentido de que tais categorias descritivas das memórias individuais procurem também contemplar: objetos da cultura matemática mobilizados pelas práticas de ensino; métodos de ensino; instrumentos ou materiais didáticos mobilizados por essas práticas; normas e formas de controle de comportamento e da convivência (instrumentos de repressão, punição e formas de exercício de poder) mobilizadas por essas práticas; normas que regulamentam o trabalho de professores e alunos em sala de aula; práticas de avaliação da aprendizagem matemática; etc.

O propósito de tais análises é o de constituir um primeiro quadro interpretativo dessas práticas escolares na perspectiva da própria comunidade de memória que está realizando a investigação dessas práticas. A partir desse momento, a própria comunidade-classe constitui e disponibiliza a todos os seus membros os primeiros documentos textualizados referentes à história da educação matemática brasileira. Trata-se, é claro, de flashes de histórias do modo como teriam sido vivenciadas por aquela comunidade-classe particular. Essa versão da história, exclusivamente baseada na memória da comunidade-classe como fonte de pesquisa, não é por nós vista nem como ilegítima, nem como falsa e nem como incompleta, mas sim como uma versão da história da educação matemática brasileira contada na perspectiva dos membros daquela comunidade-classe, com base nas vivências e recursos cognitivos e interpretativos de seus membros.

Numa segunda etapa, os participantes dividem-se em 4 grupos temáticos com o propósito de levantarem questões orientadoras que deverão dar continuidade à investigação de práticas escolares mobilizadoras de cultura matemática. Agora, entretanto, tais questões deverão focalizar práticas escolares específicas relativas aos objetos matemáticos que constituem o tema de investigação de cada grupo. Tais questões podem ser de qualquer natureza: pedagógica, histórica, filosófica, epistemológica, lógica, sociológica, etc.

Em seguida, as questões levantadas pelos grupos passam por uma sessão de problematização coletiva, durante a qual são debatidas com o propósito de serem ampliadas, modificadas ou excluídas, tendo em vista, agora, as expectativas e interesses da comunidade-classe como um todo. Durante esta sessão, nós desempenhamos um papel importante no sentido de tentarmos ampliar o horizonte de interesses e expectativas em relação às investigações que deverão ser conduzidas, apresentando estranhamentos, realizando provocações, propondo novos desafios, expondo conflitos, levantando novas conjecturas, novas questões, etc.

Após essa sessão de problematização, os grupos passam a dispor de um novo conjunto de questões, agora passadas pelo crivo da comunidade-classe. A fim de que tais questões possam ser investigadas, disponibilizamos aos grupos não apenas referências bibliográficas específicas relativas a cada um dos temas, mas também um conjunto de Unidades Básicas de Problematização (UBP). A seguir, apresentamos um exemplo de UBP.

No sexto século a.C., Eupalinos de Megara inventou um método para se construir um aqueduto subterrâneo, em Samos, a pedido do tirano Polícrates. Para construí-lo, escravos provindos, sobretudo, da ilha grega de Lesbos tiveram de cavar através do Monte Kastro. O túnel – que levou cerca de 20 anos para ser concluído - ainda existe e tem, aproximadamente, 1036 m de extensão por 2m de largura. Foi simultaneamente escavado pelas duas extremidades B e D do aqueduto, isto é, por dois pontos da montanha, com altitudes diferentes. O erro no encontro das duas escavações foi de quase 10m, horizontalmente, e 2,5m na vertical. De fato, esse erro é pequeno, menor do que 1%. Com base no livro “On the Dioptra”, escrito muito mais tarde por Heron de Alexandria, inferimos que, supostamente, Eupalinos teria procedido da seguinte maneira: escolheu um ponto B, próximo da primeira entrada do túnel; escolheu um ponto E, na parte plana do terreno em torno do monte, do qual se pudesse avistar o ponto B; usando um instrumento semelhante à dioptra, obteve a direção EF, perpendicular à direção EB; através de um conjunto de outras direções perpendiculares consecutivas – FG, GH, HK e KL -, determinou, na direção KL, o ponto M do terreno, obtido pela perpendicular DM ao segmento KL, onde D é o outro ponto da entrada oposta do túnel; mediu, diretamente no chão do terreno que contornava o monte, as distâncias BE, EF, FG, GH, HK, KM e MD; com base nessas medidas, determinou as medidas das linhas perpendiculares imaginarias DN e BN, passando por dentro do monte e, com base nelas, determinou a direção alfa a ser seguida pelas duas equipes de escavadores.

Como mostra o exemplo, uma UBP nada mais é do que um flash discursivo memorialístico que descreve uma prática situada[9] em um determinado campo de atividade humana, e que teria sido de fato realizada para se responder a uma necessidade posta a uma comunidade de prática, em algum momento do processo de desenvolvimento dessa atividade na história.

Após a apresentação oral ou escrita desse flash discursivo aos participantes, um conjunto de questões levantadas pela comunidade-classe dão início a um processo aberto de problematização indisciplinar da UBP.

A seguir, apresentamos algumas questões que têm sido por nós levantadas - dentre outras postas pelos participantes - em diferentes sessões de problematização da UBP acima referida:

· Quais foram os artefatos tecnológicos e os conhecimentos (matemáticos ou de outra natureza) que poderiam ter sido mobilizados por Eupalinos para se construir o aqueduto de Samos?

· Como você caracterizaria a atividade e as práticas topográficas, na Grécia antiga, por volta do século VI a. C.?

· O método supostamente utilizado por Eupalinos mostrou-se adequado para a construção do aqueduto? Por quê?

· Atualmente, como dispomos de técnicas, artefatos tecnológicos e conhecimentos mais sofisticados - tais como o teodolito, raios laser, GPS, etc., -, bem como uma trigonometria constituída, sabemos que o mesmo problema pode ser resolvido de outras maneiras. Proponha novos métodos de resolução do problema do aqueduto e, com base nesses métodos, resolva-o genericamente.

· Faz sentido propor uma solução genérica para o problema do aqueduto de Eupalinos? Por quê? Os métodos genéricos são sempre melhores do que os métodos situados ou locais?

· Como você caracterizaria a atividade e as práticas topográficas, atualmente?

· Suponha agora que você conhecesse apenas o ponto B para iniciar a escavação do aqueduto, em um dos lados do monte, e que não fosse preciso definir a priori o ponto D. Resolva o problema considerando essas novas condições.

· Descreva alguns dos instrumentos antigos e atuais construídos para a medição de distâncias e ângulos no espaço tridimensional; explique os modos de utilizá-los e a base matemática em que tais usos se assentam.

· Enuncie e resolva problemas envolvendo medições de distâncias e/ou ângulos inacessíveis.

· Enuncie e resolva, pelo método da triangulação topográfica, um problema de agrimensura que envolva estimação da área de um terreno.

· Procure e explore analiticamente imagens veiculadas em livros impressos ou outros tipos de suporte, que circularam em quaisquer épocas ou contextos geopolíticos, que ilustrem instrumentos e/ou métodos produzidos por nossos antepassados para a medição direta ou indireta de distâncias e ângulos.

· Não há consenso entre os historiadores acerca do fato de se a dioptra teria estado disponível na época em que Eupalinos construiu o seu aqueduto. Heron de Alexandria dedicou todo um livro – chamado “On the Dioptra” – sobre a construção e o uso da dioptra na atividade da agrimensura. No endereço http://www.mlhanas.de/Greeks/HeronAlexandria.htm, o historiador Michael Lahanas gives an example by Heron how to use the Dioptra to construct a tunnel through two opposite points in a mountain. Consultando essa e outras fontes, descreva a dioptra e forneça informações sobre como ela poderia ter sido utilizada como instrumento topográfico ou de agrimensura. Explique também como ela poderia ter sido utilizada por Eupalinos para a determinação de direções perpendiculares a outras conhecidas. Estabeleça comparações entre uma dioptra e um teodolito.

· Quem foi Polícrates e por que teria querido construir um aqueduto? E quem foi Eupalinos e por que teria sido chamado para construir o aqueduto?

· No livro 3, Herodotus se refere da seguinte maneira ao aqueduto de Eupalinos: “I have talked so much about the Samians, because, of all the Greeks, they have made the three greatest works of construction. One is a double-mouthed channel driven underground through a hill nine hundred feet high…The second is a mole in the sea around the harbor, one hundred a twenty feet deep. The length of the mole is a quarter of a mile. The third work of the Samians is the greatest temple that I have ever seen”. Esta passagem sugere que práticas sociais relativas às atividades da construção civil e da arquitetura já estavam bastante desenvolvidas entre os gregos antigos. Invente uma narrativa na qual a figura de Eupalinos apareça como um membro da comunidade de prática ligada à construção e arquitetura, por volta do século VI a. C. Nessa narrativa, procure caracterizar essa comunidade de prática no que diz respeito: aos objetos culturais que ela poderia ter mobilizado; ao modo como era feita a divisão do trabalho entre os seus membros; às regras subjacentes às relações interpessoais que asseguravam a manutenção desse tipo de divisão do trabalho; às relações de poder no seio dessa comunidade.

· Em 1921, sob encomenda para a revista Architectures, foi publicado o livro Eupalinos ou o Arquiteto, que contribuiu para a definitiva consagração do escritor e poeta francês Paul Valéry. Faça uma breve resenha comentada dessa obra e traga-a para discuti-la em aula.

· Se você decidisse utilizar uma Unidade Básica de Problematização semelhante a esta junto a estudantes do Ensino Médio, com que propósitos você o faria, e como conduziria a sua aula para atingir tais propósitos? Esta UBP é acessível a estudantes do ensino médio? Por quê?

· Você acha que esta UBP poderia contribuir para fazer com que práticas escolares mobilizassem, de modo orgânico, cultura matemática, científica, tecnológica, educativa, artístico-literária e histórica?

É importante estabelecer semelhanças e diferenças entre uma UBP e o procedimento de problematização indisciplinar. A rigor, uma UBP não é um artefato metodológico, mas sim um flash discursivo memorialístico que descreve uma prática situada (no exemplo aqui considerado, a prática de construção de aquedutos) em um campo de atividade humana (no exemplo aqui considerado, a atividade da construção de obras públicas) que, por alguma razão, é eleita como objeto de problematização indisciplinar. Tal prática pode, em algum momento de sua problematização, desconectar-se do campo de atividade humana no qual estava sendo inicialmente problematizada para conectar-se a outro campo de atividade (quais sejam, por exemplo: o campo de atividade literária; o campo de atividade educativa de formação de educadores; o campo de atividade educativa escolar, etc.). Por outro lado, o próprio procedimento de problematização indisciplinar pode também ser visto como uma prática metodológica que pode ser praticada no campo de atividade de formação de educadores ou no campo de atividade educativa escolar. Assim concebida, uma problematização indisciplinar passa também a ser vista como uma prática que opera sobre um flash discursivo memorialístico de outra prática tomada como unidade básica de problematização metodológica.

Geralmente, as UBP que propomos à comunidade-classe não se encontram em livros didáticos ou em propostas oficiais dirigidas à educação matemática escolar. Elas são exclusivamente produzidas com o propósito de se problematizar práticas escolares de mobilização de cultura matemática, contrastando-as com modos como cultura matemática poderia ter sido (ou tem sido) mobilizada em outras atividades humanas. Isso não significa, porém, que essas UBP não pudessem ser modificadas e utilizadas, com outros propósitos, sobretudo, junto aos próprios estudantes do Ensino Fundamental ou Médio. É por essa razão que grande parte das UBP não exige um conhecimento matemático muito elaborado para serem inicialmente discutidas em aula, embora a problematização de uma UBP, devido a sua natureza sempre aberta e indisciplinar, possa atingir níveis imprevistos de profundidade, sofisticação, complexidade, sutileza e originalidade.

Vistas sob outra perspectiva, as UBP poderiam ser também consideradas jogos discursivos mediadores de nossa atividade de formação de professores. Na produção das UBP, procuramos valorizar elementos geralmente considerados supérfluos ou irrelevantes pelas práticas escolares e acadêmicas de mobilização de cultura matemática: contextualização, historicidade, informalidade . naturalidade. A ordenação das UBP costuma ser feita de acordo com dois critérios básicos: o da natureza dos campos de atividade que provavelmente teriam motivado a constituição e transformações qualitativas de práticas mobilizadoras dos objetos matemáticos que estão sendo investigados; o critério cronológico que orienta essas transformações qualitativas. O período cronológico envolvido vai desde a pré-história até o século XXI, e as práticas sociais envolvidas são, por exemplo, aquelas que teriam participado da mobilização dos objetos matemáticos em foco na história.

Uma advertência que costumamos fazer aos participantes quando lhes propomos explorar as UBP é que elas não devem ser vistas como uma lista convencional de exercícios escolares ou acadêmicos, mas sim como um convite à problematização. Em nosso trabalho, temos explorado, sobretudo, práticas conectadas às atividades: náutica, agrícola, econômico-financeira, comercial, topográfica, astrológico-astronômica, místico-religiosa, política, artística, bélica, lúdica, educativa, de investigação científica.

Nesta segunda etapa de nosso trabalho, o propósito da problematização é o de constituir um conjunto de jogos discursivos orais e escritos, produzidos a partir da exploração de literatura histórica pertinente que serve de apoio à discussão das UBP. Tais jogos discursivos deverão compor um segundo quadro interpretativo de práticas mobilizadoras de cultura matemática, agora com base nas memórias de diferentes comunidades que teriam realizado tais práticas no contexto de diferentes atividades humanas.

Em uma terceira etapa, que é desenvolvida simultaneamente com a segunda, os participantes se envolvem com uma investigação de programas oficiais e livros-textos destinados ao ensino escolar da matemática no Brasil, desde meados do século XIX até os dias atuais. Nesta etapa, os quatro grupos de participantes interrogam essas novas fontes documentais de pesquisa, com base nas questões orientadoras de suas investigações, que haviam sido levantadas na segunda etapa. O diálogo que estabelecem com essas novas fontes é apoiado pela leitura de um conjunto de textos de pesquisa acadêmica sobre momentos da história da educação da educação (matemática) no Brasil. Os resultados dessas investigações constituem novos jogos discursivos de memórias alternativas de práticas escolares mobilizadoras de cultura matemática. Tais jogos deverão compor dois novos quadros interpretativos dessas práticas, por parte dos participantes: um na perspectiva da comunidade de prática de produtores de textos oficiais destinados a reformar e regular a educação matemática no Brasil, em várias épocas; e o outro, na perspectiva da comunidade de prática dos produtores de livros didáticos destinados ao ensino escolar da matemática. Tais jogos são apresentados pelos quatro grupos e, em seguida, problematizados coletivamente pela comunidade-classe.

Finalmente, numa quarta e última etapa, os quatro grupos de participantes realizam entrevistas com professores de matemática e estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Tais entrevistas são textualizadas e interpretadas, tendo-se como pano de fundo a leitura de trabalhos de pesquisa acadêmica no campo das histórias de vida de professores, de autobiografias, narrativas, etc. Um novo conjunto de jogos discursivos memorialísticos é produzido, apresentado e problematizado coletivamente pela comunidade-classe. Tais jogos deverão compor um último quadro interpretativo de práticas escolares mobilizadoras de cultura matemática, agora, na perspectiva da própria comunidade de prática de professores de matemática.

2. Mobilizando histórias para quê? Um diálogo com a perspectiva teórica de Engeström

Nesta seção, temos como propósito problematizar nossa forma particular de mobilizar histórias na formação de professores de matemática mediante um jogo de aproximações e afastamentos com a perspectiva teórica da aprendizagem expansiva, tal como apresentada por Engeström (1991) em seu instigante artigo Non scolae sed vitae discimus - towads overcoming the encapsulation of school learning.

Ainda que o ponto de vista de Engeström - bem como o contexto no qual a sua discussão se realiza - se refira exclusivamente à atividade educativa escolar, pensamos dever existir, senão uma convergência, pelo menos uma adequada consonância ético-política entre a concepção de educação que defendemos quando situados na atividade educativa escolar propriamente dita e aquela que procuramos praticar quando, situados na atividade de formação de professores, nos referimos à atividade educativa escolar. Além disso, embora acreditemos haver, de fato, uma diferença entre a natureza dos recursos materiais e discursivos disponíveis, bem como entre a natureza dos procedimentos pedagógicos acionados e o grau de profundidade com que os mobilizamos em uma e outra situação, não fazemos, entretanto, uma distinção ético-política de fundo entre processos de mobilização de histórias nesses dois contextos de atividade educativa.

O provocador aforismo latino presente na primeira parte do título do aqui mencionado artigo de Engeström – Não aprendemos para a escola, mas para a vida –, bem como a sua confiante resposta, sugerida no subtítulo, no sentido de apontar para a possibilidade de superação da encapsulação da escola, nos instiga a indagar acerca da contribuição que a nossa forma particular de mobilizar histórias poderia trazer para essa discussão, comparativamente ao papel atribuído à história por Engeström em seu modelo da aprendizagem expansiva.

Segundo este autor, “uma vez que escola é uma prática historicamente formada, talvez o passo inicial para romper com sua encapsulação fosse convidar os alunos a olhar criticamente para seus conteúdos e procedimentos à luz de sua história. Por que não deixar que os próprios alunos descubram como suas más concepções são manufaturadas na escola?” (1991, p. 191-92).

Para ele, um dos focos originários dessas “más concepções” seriam os próprios livros didáticos fartamente utilizados como artefatos mediadores do ensino e da aprendizagem escolar. Nesse sentido, ele se interroga: “se for verdade que os livros didáticos criam compartimentos fechados e freqüentemente ilusórios nas mentes dos alunos, não seria desejável que os alunos aprendessem a tratar os livros didáticos como artefatos históricos, como tentativas de fixar e cristalizar determinadas concepções geralmente aceitas na época? Isso implicaria que (...) os alunos fossem levados a (...) analisar e usar os livros didáticos como fontes limitadas, freqüentemente necessitadas de crítica meticulosa” (1991, p. 191).

Pensamos que a nossa forma particular de mobilizar histórias vai ao encontro do propósito de Engeström, não de propriamente “superar”, mas de desafiar a encapsulação da escola com base na história. Alinha-se também ao seu ponto de vista da necessidade de se tomar o livro didático como objeto de avaliação crítica sistemática, dado o seu alto poder de induzir não propriamente à formação de “falsas concepções”, mas de naturalizar vários tipos de crenças.

Particularmente no que se refere ao papel do uso da história como uma das formas de se contribuir para a “superação” da encapsulação da escola, o modelo de aprendizagem expansiva de Engeström apropria-se de idéias fundamentais desenvolvidas por Davydov, bem como por Lave e Wenger.

De acordo com Engeström, “a solução de Davydov para a superação da encapsulação da aprendizagem escolar é empurrar a escola para dentro do mundo, tornando-a dinâmica e teoricamente poderosa no enfrentamento de problemas práticos” (1991, p.187). Por sua vez, a solução que ele infere dos trabalhos de Lave e Wenger para esse mesmo problema, seria “empurrar as comunidades de prática do mundo exterior para dentro da escola” (1991, p.187).

Por colocar os alunos em diálogo com os descobridores do passado, Engeström vê um avanço na proposta Davydoviana, uma vez que tal diálogo acabaria não apenas fazendo do contexto prático e histórico da descoberta o objeto da aprendizagem, como também atribuiria certo poder aos alunos, sem fingir eliminar o poder do professor (1991, p. 188). Contudo, Engeström critica a estratégia Davydoviana por considerá-la “estreitamente cognitiva e cientificista” e por não contribuir para a modificação da base social da aprendizagem escolar (1991, p. 187-88).

Ele afirma ainda haver um considerável avanço da proposta de Lave e Wenger, em relação à de Davydov, no que se refere à ruptura da encapsulação da aprendizagem escolar, uma vez que Lave e Wenger colocam como objeto central da atividade escolar o próprio contexto de aplicação prática, e não o contexto da descoberta, conforme sugere Davydov. Entretanto, para ele, a proposta de Lave e Wenger falha por não buscar sistematicamente a origem genética das idéias-chave das disciplinas escolares a fim de que sejam replicadas no processo de aprendizagem escolar (1991, p. 190).

Mesmo apontando as limitações que vê nessas duas propostas, Engeström acredita ser possível - e pedagogicamente conveniente - conceber o objeto da atividade educativa escolar como uma combinação entre o contexto histórico da descoberta, tal como proposto por Davydov e a estratégia da reprodução, nas aulas, do contexto da aplicação dos conhecimentos escolares em práticas sociais não escolares, tal como proposto por Lave e Wenger.

Contudo, como ele acredita que essa combinação não seria suficiente para se superar a encapsulação da aprendizagem escolar, propõe acrescentar um terceiro componente ao objeto da atividade educativa: o contexto da crítica. E justifica tal inclusão e combinação, com base no argumento de que “cada um dos três modos complementares de saber e aprender sugeridos tem distintas forças cognitivas, motivacionais e sociais. O contexto da crítica enfatiza os poderes de resistir, questionar, contradizer e debater. O contexto da descoberta enfatiza os poderes de experimentar, modelar, simbolizar e generalizar. O contexto da aplicação enfatiza os poderes da relevância social e da aplicabilidade do conhecimento, do envolvimento da comunidade e da prática situada. (...) Em suma, a aprendizagem expansiva propõe romper a encapsulação da aprendizagem escolar expandindo o objeto da aprendizagem escolar” (1991, p. 193).

Pensamos, contudo, que essa estratégia de expansão aditiva do objeto da atividade de aprendizagem escolar, justamente por estar baseada em um procedimento de expansão por adição, não consegue identificar com clareza a natureza desse objeto, isto é, a natureza da unidade de análise sobre a qual deveria incidir a atividade educativa escolar. Parece ficar claro que, para Engeström, essa unidade de análise não seria cada um dos contextos (de crítica, de descoberta ou de aplicação prática) enfocados isoladamente e/ou sucessivamente. Não seria também um fenômeno natural ou social isolado e nem um conteúdo específico de uma disciplina escolar. Tal unidade de análise parece identificar-se com um conteúdo escolar qualquer simultaneamente enfocado nos contextos de crítica, de descoberta e de aplicação prática. Entretanto, o ponto de partida, continua sendo um conteúdo escolar ou um conhecimento isolado cuja análise seria gradativamente expandida até atingir procedimentos meta-reflexivos que incidiriam sobre as próprias etapas analíticas anteriores. É, sobretudo, essa estratégia expansionista do objeto da atividade educativa escolar que afasta a proposta de Engeström da nossa.

Em nossa proposta, os objetos sobre os quais incidem a prática de problematização são flashes de jogos discursivos memorialísticos produzidos por diferentes comunidades de prática.

Segundo Engeström (1991, p.195), em seu modelo de aprendizagem expansiva, “a aprendizagem escolar se reorganiza reflexivamente como um sistema de atividade e esse tipo de auto-organização coletiva e reflexiva está se tornando uma necessidade em praticamente todo tipo de prática social”. Pensamos, porém, que problematizar histórias de práticas situadas em diferentes atividades humanas é algo que vai qualitativamente – e politicamente – além de uma “auto-organização coletiva e reflexiva” - e mesmo meta-reflexiva – da própria atividade de aprendizagem escolar.

Não se trata também de se tentar “empurrar a escola para dentro do mundo” e nem de “empurrar as comunidades de prática do mundo exterior para dentro da escola”. E se não resta dúvida de que devemos nos alinhar com o aforismo latino de que “não aprendemos para a escola, mas para a vida”, a proposta de aprendizagem expansiva de Engeström parece ter-se dado conta, apenas parcialmente, de que reproduzir ou simular a vida na escola é algo politicamente bem diferente de problematizar[10] a vida na escola.

Sabemos, hoje, que por mais que certas práticas escolares tentem se aproximar de práticas situadas realizadas por outras comunidades de prática, elas nunca deixam de se configurar como práticas tipicamente escolares, e é desse modo, também, que os estudantes sempre as vêem e as tratam. Isso porque, por mais que se tente conformá-las ao estilo midiático contemporâneo dos reality shows, as práticas escolares jamais poderão ser efetivamente vivenciadas, pelos estudantes, como práticas não-escolares, tal como as vivenciam aqueles que efetivamente as realizam no contexto de outras atividades humanas.

Essa impossibilidade de vivência efetiva decorre do fato de que, na passagem de uma atividade para outra, as práticas, inevitavelmente, desconectam-se de seus condicionamentos normativos originais e passam a ser formatadas segundo os condicionamentos normativos da nova atividade nas quais são mobilizadas de forma sempre idiossincrática e, desse modo, não poderíamos mais dizer que, a rigor, estaríamos diante da mesma prática. Desse modo, poderes, valores e afetos mobilizados por essas práticas em um determinado campo de atividade podem também ser consideravelmente modificados.

Walkerdine nos chamou a atenção para estes fatos quando analisou comparativamente o jogo de compras realizado em sala de aula, envolvendo crianças de 7 anos de idade, com as práticas situadas de compra efetivamente realizadas em atividades não escolares. Ela afirma que o grupo de crianças, em situação escolar, “encontrou, na desconexão entre os preços apresentados na atividade e os preços reais, motivo para diversão e fantasia. Todas as vezes que as crianças, em situação escolar, queriam ir às compras, sempre tinham disponível uma nova moeda de 10 centavos, ou seja, o dinheiro que elas tinham nunca diminuía, como ocorreria se fizessem compras na vida real. Além disso, o produto de suas compras também não era um conjunto de mercadorias, mas apenas cálculos escritos no papel. Em outras palavras, no mercado simulado da sala de aula, não ocorriam trocas de modo algum, mas apenas simulações de troca” (WALKERDINE, 2004, p. 118).

Mas como interpretar, na situação escolar de simulação, aqueles cálculos escritos no papel? À primeira vista, afirma Walkerdine, “poderíamos pensar que aqueles cálculos teriam sido, de fato, abstraídos de práticas cotidianas” (WALKERDINE, 2004, p. 118). Porém, continua ela, “a utilização do termo “abstraído” pode ser enganadora, pois os novos cálculos existem como uma relação discursiva em um novo conjunto de práticas, quais sejam, aquelas da matemática escolar, com seus modos de regulação e sujeição” (WALKERDINE, 2004, p. 118).

O que teria então ocorrido, segundo Walkerdine, não teria sido uma passagem do concreto ao abstrato, ou do abstrato ao concreto, mas sim, “uma passagem de uma prática discursiva para outra”. E daí, segundo ela, “o que teria passado a ser valorizado, na situação escolar, como uma atividade de ordem superior, seria o esforço de regular e controlar, através da razão, a ordem social que tem como norma o sujeito burguês, o qual não precisa calcular para sobreviver" (WALKERDINE, 2004, p. 118).

Além disso, segundo ela, na situação escolar, cada criança posiciona-se como sujeito de um modo diferente do que ocorreria em práticas não escolares. Este modo poderia ser parecido com ou diferente dos padrões de sujeição em que tais crianças estariam envolvidas em outras práticas, mas, segundo ela, “as evidências sugerem que, para os grupos oprimidos, os padrões são substancialmente diferentes, fato este que poderia trazer desdobramentos políticos e afetivos importantes” (WALKERDINE, 2004, p. 118).

Este exemplo simples nos sugere, fortemente, a necessidade de rompermos, definitivamente, com o pressuposto compartilhado por perspectivas psicológicas de cunho estruturalista-formalista de que as práticas escolares, por serem supostamente mais teóricas, mais genéricas, mais abstratas, mais estruturantes e mais estruturadas, teriam o poder de se transferirem e de se aplicarem, de forma competente, a campos não escolares de atividade humana. Este exemplo nos sugere, portanto, questionar a crença da conservação de uma suposta pureza e essencialidade originais das práticas em seus diferentes processos de circulação - escolares ou não - e atentarmo-nos, sobretudo, para os propósitos e os efeitos idiossincráticos desses processos em cada contexto de atividade.

O exemplo de Walkerdine também coloca em xeque práticas curriculares que insistem em se pautar em categorias tão genéricas, abstratas e vagas, tais como conteúdos escolares, conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade etc. Sugere-nos ainda a concluir que a escola não é como a vida e nem a vida como a escola; que o dez ou o zero na vida não são como o 10 ou o zero na escola; que o êxito ou o fracasso na vida não é como o êxito ou o fracasso na escola; que o explícito da vida não é como o explícito do contrato didático da escola; e que o oculto da vida não é como o oculto do currículo oculto da escola.

Pensamos que isso acontece porque a escola não está e nem poderia estar na vida, mas sim, no limite da vida, assim como o sujeito wittgensteiniano não está no mundo, mas no limite do mundo. É nesse limite da vida que pensamos dever estar situado o objeto da atividade educativa escolar e, conseqüentemente, o objeto da atividade de formação de professores. E ao situar esse objeto no limite da vida, na fronteira que ao mesmo tempo separa e conecta um interno e um externo à vida tal como ela é, estamos querendo dizer que esse objeto não deveria ser um reflexo da vida tal como ela é, mas como desejaríamos que ela fosse.

3. Considerações Finais

De certo modo, toda atividade humana encontra-se encapsulada em si própria, ainda que estabeleça relações com outras atividades humanas. O mesmo ocorre com a atividade educativa escolar. Dissemos que, em nossa perspectiva, o objeto da atividade de formação de professores de matemática – e, conseqüentemente, da atividade educativa escolar - são flashes de jogos discursivos memorialísticos de diferentes comunidades de prática, sobre os quais incidem a prática de problematização coletiva. Nesse sentido, a prática de problematizar passa a ser constitutiva da etnicidade[11] da etnocomunidade escolar. Esta etnicidade, isto é, o vínculo cultural que une e identifica os membros dessa comunidade, é o compromisso com a promoção da prática de problematizar histórias de diferentes práticas, e não exclusivamente de práticas consideradas “científicas”.

Isso porque, se por um lado, as práticas ditas “científicas” se constituíram com base na desconfiança das práticas realizadas por outras etnocomunidades – desconstruindo-as como “científicas” e, conseqüentemente, construindo-as como práticas inferiores (LAVE, 1996) - estas, por sua vez, também resistiram e persistiram em sua desconfiança ou indiferença em relação às práticas ditas “científicas”. Entretanto, sob a perspectiva em que aqui nos colocamos, a própria etnocomunidade científica deveria ser vista como uma dentre outras etnocomunidades, ainda que elas próprias, certamente, não se vejam desse modo. Isso significa que, para a etnocomunidade educativa escolar, as práticas culturais científicas não deveriam gozar de quaisquer privilégios epistemológicos ou políticos absolutos e prévios em relação às práticas realizadas por outras etnocomunidades.

Desse modo, a natureza do compromisso compartilhado pela comunidade educativa escolar acaba impondo à atividade que seus membros desenvolvem, não propriamente um caráter científico, mas uma natureza ético-política desconstrutiva. Isso significa dizer que, com base em uma ética política não etnocêntrica - mas combativa de todas as formas de sujeição, discriminação e exploração do homem pelo homem -, a educação escolar deveria ter como propósito preparar as pessoas para a problematização transgressiva de práticas e jogos discursivos constitutivos de todas as formas de vida pública, isto é, de todas as formas das pessoas se organizarem publicamente em etnocomunidades.

Nesse projeto político de educação escolar concebida como conjunto de práticas de politização, em que o currículo escolar passa a ser organizado - de forma dinâmica e investigativa - a partir de Unidades Básicas de Problematização, tanto matemáticas quanto histórias passam a ser concebidas não como conjuntos fixos e distinguíveis de conteúdos, mas como formas diferenciadas de se ver e de se investigar práticas. Nesse sentido, matemáticas passam a ser concebidas como práticas de investigação dos aspectos normativos de diferentes práticas; analogamente, histórias passam a ser concebidas práticas de investigação de memórias plurais de diferentes práticas.

E como pensamos dever existir uma consonância teleológica entre um projeto ético-político de educação escolar e um projeto ético-político de formação de educadores escolares, pensamos também que tal consonância deveria ser mantida em relação aos nossos modos de conceber o papel da mobilização de histórias nesses dois campos de atividade educativa. Nesse projeto ético-político de educação escolar indisciplinar não faria sentido atribuir papéis particulares e diferenciados a serem desempenhados pelas histórias, pelas matemáticas ou pelas demais disciplinas escolares. Em última instância, caberia a todas elas o papel de produção de novas formas de politização, isto é, de novas formas de interferência nas relações sociais e nos modos de organização contemporâneas dos diferentes campos de atividade humana.

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Notas

[1] Esse artigo foi originalmente publicado em inglês, em 2010, sob o título Mobilizing histories in mathematics teacher education: memories, social practices, and discursive games na ZDM - The International Journal on Mathematics Education: Volume 42, Issues 3-4, June 2010, pp. 381-392. Guest Editors: Marcelo C. Borba; Ubiratan D'Ambrosio. Berlin/Heidelberg: Springer ISSN: 1863-9690 (Print) 1863-9704 (Online). Durante dez anos após sua publicação recebemos muitas solicitações para que fizéssemos uma tradução para a língua portuguesa. Para atender às solicitações decidimos tornar pública a versão em português (brasileiro).
[4] Estamos aqui nos referindo às disciplinas Educação Matemática Escolar I e Educação Matemática Escolar II, que integram os cursos de formação de professores de matemática da Universidade Estadual de Campinas, Estado de São Paulo, Brasil, bem como das disciplinas Tópicos de História da Matemática e Fundamentos Epistemológicos da Matemática, que integram os cursos de formação de professores de matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Estado do Rio Grande do Norte, Brasil).
[5] No caso de um de nós, até o ano de 2005, a discussão e renovação dessa experiência, que se encontra brevemente relatada na referência (MIGUEL & MIORIM, 2005), foi realizada de forma conjunta com Maria Ângela Miorim, professora da Faculdade de Educação da UNICAMP.
[6] Nossa experiência nos tem mostrado vantagens em se abandonar conceitos como os de conhecimento ou saber, trocando-os pelo conceito de cultura. E por cultura entendemos, em sintonia com Thompson (1995), todo ato intencional de mobilização simbólica de objetos de qualquer natureza, por parte de sujeitos institucionais, isto é, de sujeitos que agem e interagem sempre sob os condicionamentos de contextos normativo-institucionais. Observamos, então, que esta nossa concepção simbólica e dinâmica de cultura não a vê como um repositório do que quer que seja, mas sim como o conjunto de práticas semióticas realizadas por sujeitos situados, isto é, por sujeitos institucionais.
[7] Na segunda seção deste artigo, vamos nos referir a tais comunidades como etnocomunidades.
[8] De acordo com Miguel & Miorim (2005, p. 169-170), o conceito de comunidades de memória foi sugerido pelo historiador Peter Burke, o qual, por sua vez, cunhou-o inspirando-se no conceito de comunidades interpretativas que havia sido anteriormente criado pelo crítico literário Stanley Fish para analisar os conflitos gerados pelas possíveis interpretações alternativas de textos literários. Segundo Fish, as operações e estratégias mentais que realizamos em um ato interpretativo seriam condicionadas pelas instituições dentro das quais já estamos inseridos, estando, desse modo, ancoradas em sistema público de inteligibilidade, pois “o que temos não são leitores livres e autônomos em uma relação de adequação ou inadequação perceptiva para com um texto igualmente autônomo. Ao contrário, o que temos são leitores cujas consciências são constituídas por uma série de noções convencionais que, quando colocadas em funcionamento, irão constituir, por sua vez, um objeto convencional, visto de forma convencional” (FISH, 1993, p. 162). Por sua vez, o conceito de comunidades de memória fica assim caracterizado nas palavras de Burke: “Em vista da multiplicidade de identidades sociais e da coexistência de memórias concorrentes e alternativas (...), é proveitoso pensar em termos pluralistas sobre os usos das memórias por diferentes grupos sociais, que talvez também tenham diferentes visões do que é importante ou digno de memória. (...) É importante fazer a pergunta: quem quer que quem lembre o quê e por quê? De quem é a versão registrada ou preservada?” (BURKE, 2000, p. 84).
[9] Tais práticas se dizem situadas no sentido de serem sempre realizadas sob os múltiplos condicionamentos normativos relativos ao contexto institucional da própria atividade humana na qual se realizam, bem como sob os múltiplos condicionamentos normativos relativos aos contextos institucionais de outras esferas de atividade humana. Por serem aqui concebidos como instituições humanas, tempo e espaço também constituem contextos normativos que condicionam todas as atividades humanas, mas não de modo único, determinante ou homogêneo, uma vez que o tempo é sempre o tempo da própria atividade, isto é, o tempo situado na atividade, cujo fluxo só é percebido devido às transformações internas por que passa a própria atividade. Do mesmo modo, o espaço não é simplesmente um lugar geográfico no qual a atividade se desenvolve, mas sempre o espaço situado do modo como é organizado social, econômica e politicamente em cada atividade. Nesse sentido, esse espaço pode ampliar-se, reduzir-se, sobrepor-se a outros espaços, ou simplesmente modificar-se em função das transformações internas por que passa a própria atividade.
[10] Práticas de problematização sempre mobilizam valores associados com uma ética política. E não há atividade educativa na ausência de tais tipos de valores.
[11] Estamos aqui concebendo o sujeito étnico como aquele que se caracterizaria por sentir-se membro, simultaneamente, de várias comunidades de prática, e seriam estes múltiplos e variáveis sentimentos de pertença que constituiriam o seu processo dinâmico e sempre aberto de identificação, isto é, de constituição ao mesmo tempo delimitada e ilimitável de sua identidade. Desse modo, o prefixo etno está sendo aqui utilizado num sentido bastante amplo. Quando aplicado a uma comunidade, opera como o elemento caracterizador (mas não definidor) da sua identidade fluida, a qual se constitui e se transforma ao longo de seu processo histórico de inserção em uma atividade determinada que, por sua vez, também se transforma pela ação dessa comunidade.

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