HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões do uso de documentos arquivísticos digitais, recorrendo-se a instrumentos provindos da Arquivologia no campo da História da educação matemática (Hem). O questionamento que orientou a presente escrita foi: Quais são as características dos documentos arquivísticos digitais na pesquisa em História da educação matemática? O referencial teórico metodológico utiliza-se de conceitos provindos da Arquivologia e da História da Educação Matemática. Em linhas de síntese, pode-se inferir que a utilização dos documentos arquivísticos digitais nas pesquisas de cunho histórico, especificamente aqueles do ramo da educação matemática, a partir da utilização de instrumentos provindos da História Digital, auxiliam na gestão de documentos armazenados no Repositório Institucional. Todavia, surgem preocupações em relação à autenticidade desses materiais na realização de pesquisas acadêmicas.
Palavras-chave: História Digital, Repositório Institucional, Arquivo Digital, Historiografia.
Abstract: This article aims to present some reflections on the use of digital archival documents, using instruments from Archival Science in the field of the History of Mathematics Education (Hem). The question that guided this writing was: What are the characteristics of digital archival documents in research in the History of Mathematics Education? The theoretical and methodological framework uses concepts from Archival Science and the History of Mathematics Education. In summary, it can be inferred that the use of digital archival documents in historical research, specifically those in the field of mathematics education, based on the use of instruments from Digital History, helps in the management of documents stored in the Institutional Repository . However, concerns arise regarding the authenticity of these materials in carrying out academic research.
Keywords: Digital History, Institutional Repository, Digital File, Historiography.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Quais são as características dos documentos arquivísticos digitais na pesquisa em História da educação matemática? Essa foi a inquietação que motivou o desenvolvimento deste artigo. Dessa maneira, a presente pesquisa tem como objetivo apresentar algumas reflexões do uso de documentos arquivísticos digitais, recorrendo-se a instrumentos provindos da Arquivologia no campo da História da educação matemática (Hem).
De acordo com o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), entende-se como documento arquivístico o material “[...] produzido (elaborado ou recebido) no curso de uma atividade prática, como instrumento ou resultado de tal atividade, e retido para ação ou referência” (Conarq, 2016, p. 20). Nesta direção, corrobora-se com Domingues & Domingues (2022), que compreendem os arquivos digitais como resultantes de múltiplas fontes primárias, a saber: cartas, cadernos, livros, diários, legislações, entre outros, que foram digitalizadas, colocadas e armazenadas numa perspectiva on-line [digital].
Domingues & Domingues (2022) sinalizam que se faz necessário armazenar os documentos que se encontram no formato digital em um Repositório Institucional. Desta forma, com a finalidade de realizar algumas reflexões no campo da História da educação matemática com os documentos arquivísticos digitais, recorreu-se ao Repositório de Conteúdo Digital (RCD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com a justificativa de haver uma sub-comunidade de História da educação matemática, que encontra-se em diálogo com o Centro de Ciências da Educação da UFSC, como sinaliza Costa & Valente (2015).
Lynch (2003) afirma que o RI pode ser considerado como "[...] conjunto de serviços que uma universidade oferece aos membros de sua comunidade para a gestão e divulgação de materiais criados pela instituição e seus membros da comunidade”. Neste sentido, é possível observar no GHEMAT-BRASIL[3] e em outros grupos de estudo espalhados pelo Brasil, a utilização de arquivos digitais para o desenvolvimento de artigos científicos, dissertações e teses. Portanto, é possível inferir que o RCD-UFSC apresenta elementos favoráveis de sucesso para comunidade acadêmica, uma vez que contribui para preenchimento de lacunas na formação de professores.
Registra-se que, nos últimos anos, tendo como referência cronológica o ano de 2022, foi possível identificar, de maneira aleatória, estudos direcionados à temática dos Repositórios Institucionais (RI), corroborando-se, assim, com a dificuldade singular e homogênea de caracterizar e compreender o que seria um RI, de fato.
Pontua-se que os documentos podem ser caracterizados como: audiovisual, filmográfico, fotográfico, bibliográfico, cartográfico, micrográfico, eletrônico e digital, conforme sinaliza o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (Brasil, 2019). Neste artigo, restringe-se ao documento digital, compreendido como “[...] documento codificado em dígitos binários, acessível por meio de sistema computacional” (Brasil, 2019, p. 75). Doravante, ao utilizar os documentos digitais, se faz necessário utilizar também os documentos eletrônicos, uma vez que pode-se dizer que é uma via de mão dupla, sendo um complemento do outro. Este (documento eletrônico) é "[...] um gênero documental integrado por documentos em meios eletrônicos ou somente acessíveis por equipamentos eletrônicos” (Brasil, 2019, p. 75).
Em relação ao campo de investigação da História da educação matemática, apropria-se do Grupo Associado de Estudos e Pesquisas sobre História da Educação Matemática (GHEMAT-Brasil) que compreende como “[...] um tema dos estudos históricos, uma especificidade da história da educação” (Valente, 2013, p. 24). Neste percurso, se faz necessário recorrer aos estudos dos historiadores para realizar uma operação historiográfica, e o fazer – história (Certeau, 2017).
Mendes (2012) afirma que:
Assim, a história explica o processo de organização da interpretação singular e plural dos fenômenos sociais e culturais de que fala. Todavia, as informações históricas organizadas durante o processo de construção da historiografia se apresentam como uma explicação que nem sempre se evidencia de forma integral, pois cada história generaliza o que é possível, de acordo com o objeto a ser investigado historicamente, assim como de acordo com as fontes consideradas e conforme os métodos tomados na construção e análise historiográficas (Mendes, 2012, p. 76).
Assim, para além das considerações iniciais, o artigo é constituído pelos seguintes tópicos: alguns apontamentos sobre a História Digital, característica do documento arquivístico, Arquivologia e História da educação matemática: algumas reflexões, e considerações finais.
Em linhas de síntese, retornamos à pergunta que norteou essa escrita: Quais são as características dos documentos arquivísticos digitais na pesquisa em História da educação matemática?
1. HISTÓRIA DIGITAL: alguns apontamentos
O Repositório de Conteúdo Digital (RCD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em especial, a sub-comunidade de História da Educação Matemática, vinculada ao GHEMAT-BRASIL vem se apresentando no decorrer do espaço-tempo como um campo dinâmico, potente e fértil para desenvolvimentos de pesquisas científicas.
No Brasil, um país de tamanho continental, ser pesquisador acaba, em grande parte, dificultando o desenvolvimento de investigações, em virtude da falta de acesso direto com as fontes empíricas, levantando-se, como hipótese, a falta de acesso em virtude da dimensão territorial brasileira. Pode-se citar como exemplo, mestrandos e doutorandos localizados na região norte do país, e que necessitam utilizar fontes primárias localizadas no Centro de Documentação do GHEMAT, em São Paulo.
Dito isso, os elementos provindos da História Digital e da Arquivologia acabam a contribuir para uma ciência aberta e para todos, a partir do armazenamento de fontes primárias em um Repositório Institucional.
Shearer (2003) sinaliza que os desenvolvimentos das tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm um grande potencial para o avanço do conhecimento e o bem da humanidade por meio do acesso aberto à literatura acadêmica, podendo haver a expansão para as fontes primárias, considerando-se, assim, como arquivos digitais, aqueles que se encontram armazenados em um Repositório Institucional.
Burton (2006) indica que ocorreu, ao longo do espaço e tempo, transformações no campo digital. Numa lente histórica e temporal, começando na década de 1960-1970, caracterizada como Nova História Social e Nova Política, vários historiadores fizeram uso de computadores em grandes bancos de dados para obtenção de resultados quantitativos. Nesta direção, a partir de Burton (1979), é possível inferir que a partir da década de 1980, os historiadores estavam iniciando um movimento de formação em relação à utilização de computadores e as informações do censo para ensinar os alunos a fazer história.
Assim, Burton (2006) afirma que a partir da década de 1980, e podendo alargar para os anos da década 2000, os:
[...] pioneiros se transformaram em designers experientes, a tecnologia foi aprimorada e desenvolvida e uma nova safra de historiadores que cresceram com computadores estão se tornando participantes ativos na criação de recursos de história digital (Burton, 2006, p. 207, tradução livre)[4].
Putnam (2016), em sua investigação, acaba a indicar algumas armadilhas dentro do cenário da História Digital na utilização de Repositórios Institucionais, entre outras plataformas para o desenvolvimento de pesquisas, uma vez que existe a possibilidade de os investigadores, ao realizarem suas pesquisas, caírem nelas. Vejamos:
[...] caem no reino do método invisível, a caixa-preta onde, por consenso, deixamos muito do trabalho pesado de nossa disciplina. A extensa discussão da digitalização em andamento nos periódicos de ciência da informação está em nítido contraste com o silêncio sobre esse tema nas principais publicações de historiadores (Putnam, 2016, p. 388).
A respeito dos arquivos digitais, considerados, a partir de Domingues & Domingues (2022), como conjuntos de fontes primárias, especificamente no que diz respeito aos armazenados no RCD-UFSC, devem sempre existir certas considerações e interrogações no processo de digitalização de um documento arquivístico originário da fonte em que se encontra armazenado, por exemplo, em um centro de memória, biblioteca, entre outros espaços de memórias, intercalando-se na interferência que podem ocorrer dos instrumentos digitais no fazer história.
Dito isso, pode-se inferir, a partir de Noiret (2015), que a História Digital proporcionou, aos adeptos dos recursos teóricos e metodológicos deste campo de pesquisa, uma transformação nas fontes empíricas para utilização, acessos, armazenamentos e gerenciamento das plataformas, como se pode especificar o Repositório Institucional.
Clavert & Noiret (2013) sinalizam, a partir de Certeau (2017), que a História Digital exige que os historiadores responsáveis pela produção de uma narrativa, de um lugar e uma prática, devem reescrever e reinterpretar métodos profissionais e dominar novas práticas digitais.
Rutner & Schonfeld (2012) afirmam, em relação à utilização de recursos digitais em trabalhos do campo da historiografia:
[...] os métodos de pesquisa subjacentes de muitos historiadores permanecem bastante reconhecíveis mesmo com a introdução de novas ferramentas e tecnologias, mas o dia a dia as práticas de pesquisa de todos os historiadores mudaram fundamentalmente[5] (Rutner & Schonfeld, 2012, p. 03, tradução livre).
Noiret (2015) acaba auxiliando de forma direta neste artigo ao afirmar, aos pesquisadores de história, história da educação, história da educação matemática, e aos arquivistas, que se deve haver uma valorização dos elementos que compõe a História Digital, através de dois pilares que podem ser compreendidos como basilares: disciplina e as práticas digitais do historiador.
Não se deve negar, na História Digital, elementos provindos da História Cultural[6] na elaboração de uma investigação da História da Educação Matemática, uma vez que, em grande parte, essas produções acabam tendo um produto final correspondente ao nível de disciplinas particulares, que acabam a projetar uma História e construir narrativas não baseadas apenas e essencialmente em textos.
Em linhas de síntese, compreende como História Digital:
[...] todo o complexo universo de produções e trocas que têm como objeto o conhecimento histórico, transferidos e/ou diretamente gerados e experimentados em ambientes digitais (pesquisa, organização, relatórios, difusão, uso público e privado, fontes, livros, didática, performances, etc.) (Monina, 2013, p. 185, tradução livre).
Desta forma, corrobora-se com Salvatori (2018) que a História Digital acabou a proporcionar uma revolução digital com impacto profundo na forma e maneira de como a história é feita hoje, além de ser estudada, analisada, compartilhada, ensinada, intercalando-se com as múltiplas estratégias de como as fontes que documentam os fenômenos do passado são publicadas, preservadas e até mesmo produzidas. Podemos, portanto, falar de uma virada digital para a profissão daqueles que produzem ou, em outras palavras, fazem e narram história.
Se antes os espaços férteis e potentes do historiador eram, em primeira instância, acervos, centros de memórias e bibliotecas, pode-se afirmar, principalmente nos anos de 2019 e início de 2022, em virtude da pandemia do COVID-19, que esses espaços se encontravam fechados. Esses espaços foram transformados, em grande parte, pelo mundo digital, criando laços recíprocos que muitas vezes borram suas respectivas fronteiras e tornando a web o principal local de trabalho para um número crescente de estudiosos.
No próximo tópico serão apresentadas características do documento arquivístico.
2. CARACTERÍSTICA DO DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO: reflexões a partir da arquivologia
Domingues & Domingues (2022) sinalizam algumas terminologias em relação aos documentos a partir do campo da Arquivologia, embasando-se em Duranti (1994). Flores, Rocco & Santos (2016), apontam que as elaborações com o registro de informações, mais especificamente em relação aos documentos digitais, se expandiram e, assim, no que tange ao tratamento dessas materialidades [fonte de pesquisa tanto para os pesquisadores do campo da História da educação matemática, e da Arquivologia], acabam a indicar novas inquietações.
Nesta direção, o documento digital acaba a indicar alguns elementos que podem comprometer sua autenticidade, uma vez que “[...] é suscetível à degradação física dos seus suportes, à obsolescência tecnológica de hardware, software e de formatos, e a intervenções não autorizadas, que podem ocasionar adulteração e destruição” (Flores; Rocco & Santos, 2016, p. 118).
Dessa maneira “[...] somente com procedimentos de gestão arquivística, é possível assegurar a autenticidade dos documentos arquivísticos digitais" (Flores; Rocco & Santos, 2016, p. 118).
Porém, o que faz um documento arquivístico ser considerado autêntico? Como já sinalizado, Domingues & Domingues (2022) indicam que o conjunto de fontes primárias que o Repositório de Conteúdo Digital (RCD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) armazena podem ser compreendidos como documento arquivístico.
Doravante, os mesmos só devem ser considerados válidos para desenvolvimento de pesquisa em nível de Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado, e até para o desenvolvimento de artigos de pesquisas, quando se encontram completos e inalterados. Desta forma, Flores, Rocco & Santos (2016, p. 118) afirmam que, "[...] tal integridade relaciona-se diretamente aos ambientes de produção e preservação do documento”. Uma vez que é possível identificar documentos incompletos que se encontram armazenados no RCD-UFSC, levantando-se a hipótese de que foi digitalizada simplesmente ‘a parte’ que interessou para o desenvolvimento da pesquisa do pesquisador que teve acesso com a fonte física.
Ao tratar sobre a questão de autenticidade, acaba sendo de extrema relevância fazer uma abordagem a respeito da cadeia de custódia documental[7], que neste artigo corrobora-se com Flores, Rocco & Santos (2016, p. 119), por ser entendida "[...] como o ambiente no qual perpassa o ciclo de vida dos documentos. [...] define quem é o responsável por aplicar os princípios e as funções arquivísticas à documentação".
Destarte, acaba sendo instrutivo considerar várias estratégias que podem ser utilizadas para definir a autenticidade, uma vez que cada estratégia pode levar a uma série de formas de definir o conceito, podendo, assim, envolver uma série de estratégias e táticas alternativas, as quais acabam possibilitando sua implementação. No que se refere à questão da autenticidade de um arquivo digital que se encontra armazenado em um Repositório Institucional, recomenda-se priorizar a originalidade, isto é, verificar se a materialidade em questão não se encontra alterada de seu estado original.
Nesta indicação, defende-se e considera-se que a estratégia mencionada acaba tendo um papel de extrema relevância, e funciona razoavelmente bem para os pesquisadores que desenvolvem pesquisas no campo da História, História da Educação, História da Educação Matemática, entre outras ‘searas’. Como foi dito anteriormente a respeito de táticas, recomenda-se priorizar as propriedades intrínsecas de uma entidade informacional, fornecendo critérios para saber se cada propriedade é presente em sua forma própria e original.
Bearman & Trant (1998) recomendam os seguintes métodos, considerados públicos, com a finalidade de realizar afirmação acerca da autenticidade das fontes, a saber:
(a) A criação de depósito de direitos autorais "coleções de registro";
(b) Depósitos de certificados de fontes originais combinados com certificação de registro Serviços;
(c) Registro de identificadores exclusivos de documentos;
(d) Publicação de dados "chave" sobre documentos que, quando em hash ou de outra forma calculado de forma publicamente disponível, deve corresponder ao do documento na mão;
(e) Definir estruturas de metadados para transportar declarações de autenticação de documentos ou provas (Bearman & Trant, 1998, p. 5, tradução livre)[8].
Ademais, quais são as características de um documento arquivístico? A partir do Glossário dos Documentos Arquivísticos Digitais (2016) é possível extrair sete componentes, a saber: conteúdo, suporte, contexto, forma, ação, pessoas, e relação orgânica, como demonstra o Quadro 1:
Para além dos componentes elencados anteriormente, pode-se citar mais dez características que acabam a dialogar diretamente com o Quadro 1, a saber: completude, confiabilidade, integridade, identidade, autenticidade, organicidade, naturalidade, inter-relacionamento, acessibilidade e usabilidade, como demonstra o Quadro 2:
Como sinalizado no Quadro 2, na característica da integridade de uma fonte primária, ou seja, de um documento arquivístico, os metadados possuem uma relevância para validação e inserção do mesmo em um Repositório Institucional. Existem várias maneiras de realizar e ter um metadado, a saber: data/hora; tipo; origem; status; modo de transmissão; número; classificação; entre outros. De acordo com Takahashi (2000), são compreendidos como dados todos aqueles que realizam o movimento de descrição de outros dados.
Desta maneira, a partir da apresentação dos componentes e das características de um documento arquivístico, é importante frisar a compreensão do documento. Belloto (2004) afirma ser “[...] qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico ou fônico pelo qual o homem se expressa” (p. 35). Desta forma, corroborando-se com Domingues & Domingues (2022), pode-se exemplificar com a materialidade provinda da cultura escolar, a saber: livros, manuais pedagógicos, cadernos, fotografias, entre outros.
O escopo no estudo de Domingues & Domingues (2022) foi apresentar contribuições para o campo da História da educação matemática (Hem), por meio da utilização de fontes digitais, especificamente os arquivos digitais. Desta forma, recorrendo-se ao Repositório de Conteúdo Digital foi possível observar que ocorre a digitalização das fontes históricas, que são transportadas ao formato digital, para assim serem armazenadas no RCD-UFSC, na sub-comunidade de História da Educação Matemática.
Assim, pode-se inferir que o processo de digitalização das fontes e seu direcionamento para um local virtual é de extrema relevância para o desenvolvimento de pesquisas em múltiplas localidades, sejam nacionais ou internacionais, uma vez que acabam a oferecer elementos de acesso às fontes históricas por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), possibilitando a realização de troca de saberes dos acervos físicos, de forma a intercalar-se com os elementos de investigação de redes de informação.
Nesse viés, é possível afirmar que o movimento de digitalização de fontes históricas acaba sendo um instrumento de extrema relevância para o acesso, como expansão de um acervo ou um Centro de Memória, bem como possibilita uma preservação de documentos antigos, lembrando que alguns livros, manuais, programas de ensino, entre outros materiais da cultura escolar, são bastante antigos, evitando a utilização da espécie original [formato físico], e exigindo certo roteiro e planejamento para o desenvolvimento [processo] de digitalização.
No próximo tópico serão apresentadas algumas reflexões e o diálogo entre dois campos de investigação: Arquivologia e História da Educação Matemática.
3. ARQUIVOLOGIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: algumas reflexões
Neste tópico, com o intuito de realizar algumas reflexões a partir do campo da Arquivologia e da História da Educação Matemática em relação ao documento arquivístico digital, recorreu-se ao Repositório de Conteúdo Digital (RCD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e foi escolhida de forma aleatória uma dissertação para tecer as características de um documento arquivístico, conforme elencado no Quadro 2.
Desta forma, a dissertação escolhida foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), intitulada: Matemática para ensinar soma: análise de manuais pedagógicos publicados no Brasil dos anos 1950 aos 1970, com autoria de Janine Marques da Costa Gregorio, com orientação do Professor Doutor David Antonio da Costa.
Gregorio (2020) teve como objetivo caracterizar a matemática para ensinar a soma no ensino primário. Assim, recorreram-se à algumas fontes primárias, a saber, quatro manuais pedagógicos que encontram armazenados no Repositório de Conteúdo Digital (RCD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC): Didática Especial da 1ª Série (Fontoura, 1958); Noções de Didática Especial (Santos, 1960); Metodologia da Matemática (Albuquerque, 1964); e Didática Psicológica (Aebli, 1971).
Em relação à completude, pode-se afirmar que os arquivos digitais utilizados por Gregorio (2020) possuem uma completude, em virtude de estarem todos digitalizados, tendo como parâmetro o livro físico, sendo inserido, através desta movimentação, no Repositório de Conteúdo Digital (RCD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Seguindo esta mesma caracterização, pode-se inferir que as fontes primárias possuem uma confiabilidade e integridade, corroborando-se com a ideia apresentada anteriormente, a qual acredita que, para haver o desenvolvimento de uma pesquisa, deve-se restringir as fontes que se encontram armazenadas no RCD-UFSC, devendo possuir, principalmente, as seguintes características: completude, confiabilidade e integridade.
Em relação à característica de identidade, acaba-se levantando algumas inquietações que devem ser melhor analisadas e problematizadas, tendo em vista a identificação, no Repositório Institucional, da presença de outras edições de algumas fontes primárias, a saber, do livro de Irene de Albuquerque. Nesta direção, é possível levantar a seguinte problematização: As edições de uma edição acabam a tirar uma caracterização de único do documento?
Neste momento, afirmamos que, para ser possível a validação da caracterização de um documento em uma pesquisa de cunho histórico que se utiliza de instrumentos provindos da Arquivologia, se faz necessário que o pesquisador considere todas as edições presentes no repositório, com intuito de extrair a identidade da materialidade histórica, considerada, neste artigo, como arquivo digital.
Assim, como Gregório (2020) em sua dissertação simplesmente utilizou uma edição que se encontra armazenada no RCD-UFSC, não é possível afirmar que a característica da identidade se faz presente na prática de utilização do arquivo digital ou, em outras palavras, das fontes primárias das quais se utilizou para o desenvolvimento de sua pesquisa de nível de mestrado.
Seguindo a análise a partir da dissertação de Gregório, sinaliza-se que, para ser garantida a autenticidade dos documentos arquivísticos digitais, deve-se apoiar nos processos da gestão arquivística de documentos, considerando que esta tem como objetivo a garantia da produção, manutenção e preservação de documentos arquivísticos, garantindo-se, assim, a autenticidade e integridade do documento de arquivo no meio digital, o que se mostra um desafio para os arquivistas, e até mesmo para os historiadores em educação matemática, intercalando-se com a própria administração produtora.
O conceito de autenticidade relaciona-se com o controle do processo de criação, manutenção e custódia do documento arquivístico. A autenticidade abrange a relação do documento com o produtor e sua eficiência em ser utilizado para os fins de sua criação. Assim, a autenticidade de um documento arquivístico está diretamente relacionada com a maneira em que esse documento é transmitido, protegido e preservado. No que diz respeito ao documento arquivístico digital, o maior desafio está em produzir, manter e preservar documentos autênticos e confiáveis.
Os documentos de arquivo em meio digital possuem aspectos que podem dificultar a garantia de sua autenticidade, bem como afetar seu valor probatório e histórico. É indispensável que, para se manterem autênticos, haja o controle, tanto da transmissão quanto da preservação desses documentos.
Quanto à autenticidade, o e-ARQ Brasil (2011) acaba a explicar o diálogo com a confiabilidade, a saber:
Enquanto a confiabilidade está relacionada ao momento da produção, a autenticidade está ligada à transmissão do documento e à sua preservação e custódia. Um documento autêntico é aquele que se mantém da mesma forma como foi produzido e, portanto, apresenta o mesmo grau de confiabilidade que tinha no momento de sua produção. Assim, um documento não completamente confiável, mas transmitido e preservado sem adulteração ou qualquer outro tipo de corrupção, é autêntico. [...] Dificilmente pode-se assegurar a veracidade do conteúdo de um documento, ela é indeferida da completeza e dos procedimentos de produção. A confiabilidade é uma questão de grau, ou seja, um documento pode ser mais ou menos confiável (Brasil, 2011, p. 22).
Assim, as fontes primárias utilizadas por Gregório (2020) para produção de sua dissertação apresentam indicativos de possuírem certa autenticidade. Frisa-se que não existem instrumentos para caracterizar completamente a autenticidade de um documento. Logo, acaba-se a haver determinados levantamentos dos metadados das fontes em que se encontram os arquivos digitais disponibilizados no RCD-UFSC, não apresentando certas informações para os utilizadores dos arquivos digitais, priorizando-se, assim, simplesmente o pesquisador, informando o título, autor, resumo, descrição, URL e data.
Depreende-se, assim, que acaba existindo a ausência de apresentações de procedimentos provindos da Arquivologia para armazenamento de fontes primárias no RCD-UFSC para desenvolvimento de pesquisas com arquivos digitais no campo da História da educação matemática.
Em linhas de síntese, não foi possível identificar, na dissertação de Gregório (2020), uma característica nos arquivos digitais, a saber: identidade.
Em contrapartida, é possível identificar as outras características de um documento arquivístico digital, a saber: completude, confiabilidade, integridade, autenticidade, organicidade, naturalidade, inter-relacionamento, acessibilidade e usabilidade
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo apresentar algumas reflexões do uso de documentos arquivísticos digitais, recorrendo-se a instrumentos provindos da Arquivologia no campo da História da educação matemática (Hem). Neste percurso, a questão que norteou esta investigação foi: Quais são as características dos documentos arquivísticos digitais na pesquisa em História da educação matemática?
Registra-se que foi possível observar, ao longo da investigação, que os documentos arquivísticos digitais, em especial os armazenados no Repositório de Conteúdo Digital (RCD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na sub-comunidade de História da Educação Matemática, possibilitam novos questionamentos e promovem debates de novas técnicas, entre elas, acerca da autenticidade em documentos arquivísticos digitais.
Os documentos armazenados no RCD-UFSC tornaram-se fonte histórica digital, tendo em vista não possuírem, em sua gênese, o formato digital, característica que adveio de procedimentos aplicados posteriormente. Dito isso, como foi apresentado ao longo do artigo, não é possível autenticar uma pesquisa, que utiliza documentos digitais, os quais, em relação à verificação no próprio Repositório Institucional, encontram-se, por exemplo, só a parte voltada para a disciplina de Matemática, desconsiderando o resto dos saberes que compõem a fonte histórica.
Os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo em que proporcionam aos historiadores de educação matemática um auxílio, trazem consigo algumas ressalvas e preocupações, a saber: a segurança dos documentos arquivísticos digitais.
A autenticidade dos documentos digitais só pode ser sustentada se eles estiverem seguros. Entretanto as adversidades que existem nos sistemas que os suportam acabam tornando a manutenção da autenticidade dos documentos um grande desafio.
Na dissertação de Gregório (2020) foi possível identificar com certa clareza, algumas características dos documentos arquivísticos digitais: completude, confiabilidade, integridade, autenticidade, organicidade, naturalidade, inter-relacionamento, acessibilidade e usabilidade. Em contrapartida, não foi possível localizar, a partir da ótica da Arquivologia, a seguinte característica da’ identidade’, tendo em vista que,não foram utilizadas as outras edições de livros que se encontram presentes no próprio RCD-UFSC.
Ademais, deve-se sinalizar que há ausência de apresentações de procedimentos utilizados no armazenamento de fontes primárias (arquivos digitais) no RCD-UFSC, para desenvolvimento de pesquisas com arquivos digitais no campo da História da educação matemática. Há, portanto, nos metadados, algumas informações que irão favorecer a busca do pesquisador, podendo ocasionar e provocar algumas dúvidas da autenticidade deles.
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Notas
Ligação alternative
https://histemat.com.br/index.php/HISTEMAT/article/view/482 (pdf)