HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
O ESTUDO: PRECEITOS DO MOVIMENTO ESCOLANOVISTA PRESENTE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA DÉCADA DE 1920
O ESTUDO: PRECEPTS OF THE NEW SCHOOL MOVEMENT PRESENT IN TEACHER EDUCATION IN THE 1920
Revista de História da Educação Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil
ISSN-e: 2447-6447
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 8, 2022
Resumo: A investigação tem como objetivo analisar algumas atividades propostas no periódico O Estudo, e discutir como algumas ideias escolanovistas permearam as edições do periódico produzido pelo Grêmio Estudantil da Escola Normal de Porto Alegre/RS. Por se tratar de uma pesquisa que está inserida no campo da História da Educação Matemática, foram priorizadas atividades que envolvessem matemática. Os artigos publicados no periódico abordam estratégias, com pedagogias inovadoras, a serem desenvolvidas em sala de aula. Diante destas atividades, foram feitas discussões sobre teorias escolanovistas de diferentes vertentes identificadas. Foram localizados artigos que trabalham com pedagogia de projetos através de museus escolas e correspondências interescolares. Contudo, é possível verificar diversos preceitos escolanovistas nos artigos do periódico.
Palavras-chave: Escola Normal, Formação de Professores, Escola Nova, Ensino da Matemática.
Abstract: The present investigation aims to discuss escolanovistas concepts present in the editions of the journal O Estudo, produced by the Student Grêmio of Escola Normal de Porto Alegre/RS. As this is research that will be inserted in the field of History of Mathematics Education, activities involving mathematics were prioritized. The articles published in the journal address strategies, with innovative pedagogies, to be developed in the classroom. In view of these activities, discussions were held on escolanovistas theories from different identified strands. Articles that work with project pedagogy through museums, schools and inter-school correspondence were located. However, it is possible to verify several New School precepts in the journal articles.
Keywords: Normal School, Teacher training, Escola Nova, Teaching of Mathematics.
INTRODUÇÃO
A investigação tem como objetivo analisar algumas atividades propostas no periódico O Estudo, procurando discutir como as ideias de Edouard Claparède, John Dewey e William Kilpatrick permeavam as páginas do periódico. O Estudo foi um impresso estudantil publicado na cidade de Porto Alegre/RS, pelo Grêmio de Estudantes da Escola Complementar/Normal, entre os anos de 1922 a 1931. Os documentos foram localizados na Coleção Pessoal Júlio Petersen da Biblioteca Irmão José Otão da PUCRS.
O material analisado faz interferências importantes com relação à educação na Escola Complementar e algumas edições abordam atividades envolvendo a aprendizagem da matemática, sendo estas o eixo central desta discussão. Na edição de maio de 1922, Olga Acauan destaca que o objetivo da revista era “em pról do aperfeiçoamento cultural dos aspirantes ao Magistério, creando estímulos e enthusiasmos, que vestirão a idéia de uma missão áustera com o fastígio de imprevistas seducções” (O Estudo, v. 1, n. 1, mai. 1922, p. 1), segundo a autora, popularizando o código da Nova Pedagogia. As produções que seriam publicadas tinham como autoria a “animada e estudiosa phalange da Escola Complementar de tão formosos attributos, attraida pelas suaves perspectivas de novas alvoradas” (O Estudo, v. 1, n. 1, mai. 1922, p. 1). Neste contexto, é importante destacar que o Grêmio Estudantil é o órgão que representa os alunos de uma Escola, oportunizando a participação em uma gestão democrática.
Diante deste contexto, iniciamos o texto apresentando o contexto escolar no qual o periódico foi produzido, atentando especialmente para a antiga Escola Normal que, após uma série de modificações, passou a se chamar de Centro Estadual de Formação de Professores General Flores da Cunha. Sempre que possível, propomos relações entre a História da Instituição e o âmbito macro das reformas educativas de caráter nacional e regional.
Na sequência, apresentamos o periódico O Estudo, atentando para a análise do seu processo de produção e circulação. Desta forma, destacamos o contexto de produção do periódico (anos 1920 e 1930), a sua periodicidade, os sujeitos envolvidos na sua edição e publicação, a materialidade do impresso, dentre outros elementos. Destacamos ainda alguns dos intelectuais escolanovistas citados no periódico, apresentando parte dos seus pressupostos.
O centro das análises realizadas encontra-se em “O Estudo: práticas pedagógicas”. Neste tópico, sistematizamos e analisamos algumas reportagens do periódico voltadas especificamente para a matemática e para práticas de ensino. Identificamos a presença de planos de aritmética, propostas de ensino de frações, dentre outras atividades que, de forma geral, são perpassadas por alguns dos pressupostos do escolanovismo[3].
1. DA ESCOLA NORMAL A ESCOLA COMPLEMENTAR: um olhar sobre a formação de professores
O periódico em discussão foi produzido por normalistas em uma instituição de ensino que, ao longo de sua trajetória, recebeu diferentes denominações, sendo elas: Escola Normal/ Colégio Distrital/ Escola Complementar/ Escola Normal/Escola Normal General Flores da Cunha/ Instituto de Educação General Flores da Cunha e, mais recentemente em 2006, a instituição recebeu o nome de Centro Estadual de Formação de Professores General Flores da Cunha[4]. As mudanças decorrem em consequência de movimentos políticos e educacionais que foram ocorrendo e delineando o percurso histórico do Rio Grande do Sul, na relação com outros movimentos mais amplos nacionais e internacionais.
Para que possamos discutir questões envolvendo o periódico, torna-se fundamental compreender a implementação da Escola Complementar na instituição, período de produção da maior parte dos documentos localizados. No plano macro, o Brasil encontra-se nos primeiros anos do regime republicano, com uma legislação marcada pela descentralização da educação. De acordo com Maria Célia Marcondes de Moraes (2000), embora existissem discussões sobre os assuntos educacionais e a educação fosse vista como instrumento capaz de atribuir progresso ao Brasil, o período é caracterizado pela “[...] desorganização completa na construção do sistema educacional – melhor dizendo, dos sistemas educacionais brasileiros” (Moraes, 2000, p. 115).
Dentro desta descentralização que permitia a existência de “sistemas educacionais brasileiros”, os estados exerciam importância significativa na elaboração de reformas, o que reforçava ausência de um projeto nacional de educação. Considerando o quadro nacional e o objeto de investigação, destacamos a importância do decreto estadual n˚ 1479 de 26 de maio de 1909, o qual modificava o programa do ensino complementar e criava colégios elementares no Estado do Rio Grande do Sul.
Assinado por Carlos Barbosa Gonçalves e por Protásio Alves, respectivamente governador e secretário de Estado dos Negócios do Interior e Exterior, o decreto possui quinze artigos. O artigo 1˚ do decreto afirma que o ensino complementar continuaria a ser ministrado na capital do Estado pela Escola Complementar, com a finalidade de desenvolver o ensino primário e preparar candidatos ao magistério primário elementar. O artigo 5˚ do decreto traz que, anexo à Escola Complementar, funcionaria um colégio elementar, composto de uma aula mista e de duas para cada sexo, segundo o grau de adiantamento, cada uma com frequência máxima de 50 alunos e mínima de 25, ressaltando que os alunos do curso complementar serão orientados por um professor de pedagogia. O artigo 7˚ afirma que a escola complementar irá dispor de biblioteca, gabinetes e todo material indispensável para o ensino.
A análise dos artigos supracitados permite identificar uma preocupação com a formação dos alunos do curso complementar, assim como em dispor de recursos para o desenvolvimento das aulas. Considerando, segundo a legislação, que vinculado à Escola Complementar havia o curso elementar, e que seria nesse curso que os professores realizariam as práticas de ensino, ao olharmos para o ensino de matemática desenvolvido nessas turmas, podemos identificar alguns elementos que possam nos dar indícios sobre a formação de professores neste período inicial de Escola Complementar.
2. O ESTUDO E AS INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS: primeiros indícios do Movimento Escola Nova
Como mencionado anteriormente, O Estudo foi um periódico idealizado pelo Grêmio Estudantil da Escola Complementar de Porto Alegre, entre os anos de 1922 e 1931. Segundo Robert Darnton (1990), ao analisarmos a História dos impressos, é fundamental considerarmos o processo de produção e circulação deles. Dentro deste processo, existe um “circuito de comunicação”, o qual envolve diferentes sujeitos que, interferem e se relacionam sucessivamente, sendo eles: autor(a); editor(a); impressor(a); distribuidor(a); vendedor(a); leitor(a)[5].
Ao atentarmos para o contexto de produção e circulação do impresso, observamos algumas modificações nas questões educativas quando comparadas ao contexto do decreto n˚ 1479, de 26 de maio de 1909. Moraes (2000) destaca que os anos 1920 são marcados por discussões a respeito do processo de modernização do país, o qual estaria ligado à construção de uma nacionalidade e, entendendo a educação como solução dos problemas nacionais. Essa preocupação constante com a educação levou a um conjunto de reformas estaduais, destacando-se as reformas de São Paulo (1920, Sampaio Dória), Ceará (1923, Lourenço Filho), Bahia (1925, Anísio Teixeira), Minas Gerais (1927, Francisco Campos) e Distrito Federal - Rio de Janeiro (1928, Fernando de Azevedo).
Em relação aos sujeitos envolvidos no circuito de comunicação do periódico, Andréa Fraga (2013) faz um estudo cuidadoso sobre, analisando a periodicidade das publicações, quem eram as autoras e quais os objetivos destacados ao longo das edições. Fraga (2013, p. 88) destaca que “o grupo responsável pela edição da revista aparece no cabeçalho de cada número do periódico” e que “a equipe de redação é constituída pelas alunas do último ano do curso Complementar/Normal, as mesmas eleitas para compor o Grêmio de Estudantes”. Com relação à periodicidade a autora destaca:
A periodicidade d'O Estudo corresponde às edições mensais, que foram mais regulares nos anos de 1922, 1925 e 1928. No geral, circularam entre 6 a 9 números anuais. Nestes anos, não houve uma regra para o mês inicial de publicação, pois este variou de maio em 1922 , julho em 1925 a abril em 1928. Nos demais anos, os meses foram junho em 1923 e 1926, agosto em 1927 e 1930 e setembro em 1931. No ano de 1929, o número 1 corresponde ao período de janeiro a junho, ou seja, o primeiro semestre do ano e não foi localizada qualquer explicação das autoras para esse fato (Fraga, 2013, p. 88).
Conforme podemos observar, não existia uma periodicidade regular em relação às edições do periódico. Com relação aos objetivos do impresso, Fraga (2013) percebeu que “O Estudo tinha por propósito divulgar os modernos métodos da Pedagogia” (FRAGA, 2013, p. 90) e complementando com um trecho localizado em uma das edições analisadas, "aos nossos professores das mais esquecidas villas, esta revista levará noticias dos modernos aperfeiçoamentos introduzidos nos methodos de ensino" (O Estudo, n.1, 1925, p. 2 apud Fraga, 2013).
Nesta investigação, identificamos e analisamos sete artigos de O Estudo, os quais fazem referência à matemática. Para realizarmos as análises, recorremos à Tania Regina de Luca (2005), que oferece subsídios metodológicos imprescindíveis. De acordo com a autora, ao trabalhar com periódicos, o historiador deve ter a preocupação de caracterizar seu objeto, evidenciando gênero da publicação, sua materialidade (formato, impressão, tipologia, cores, imagens, entre outros), bem como seu processo de produção e circulação. Dessa forma, apesar das particularidades dos estudos, é possível aproximar as concepções metodológicas de Luca (2005) com as de Darnton (1990).
Considerando as colocações de Darnton (1990) e Luca (2005), os periódicos foram parcialmente lidos, sistematizados e analisados. As principais informações podem ser observadas no quadro 1:
Ano | Ano/N. | Páginas | Editora Chefe | Diretora Secretária |
1922 | I/ 1 | 23 | Ida Silveira | Maria Amorim |
1922 | I/ 6 | 26 | Ida Silveira | Maria Amorim |
1922 | I /6 e 7 | 28 | Ida Silveira | Maria Amorim |
1925 | III/ 3 | 26 | Antoninha Azambuja Fortuna | Rosa de Castro Brasil |
1926 | IV/ 1 | 26 | Constança de Moraes Feranndes | Eugenia Budiansky |
1928 | VI/ 8 e 9 | 45 | Nilda Marques Pereira | Rachel de Castro Brasil |
1930 | N.º 1 | 48 | Elsa Leivas | Zelia Benicio Roballo |
A partir das informações observadas no quadro, é possível afirmar que o periódico não contava com uma periodicidade regular em sua publicação, sendo que, em anos como 1922 chegamos a identificar três edições, enquanto nos outros, apenas uma. Além disso, o número de páginas das edições parece ter aumentado significativamente ao longo dos anos, passando de 23 páginas na primeira edição de 1922 para 48, na edição de 1930.
A análise do quadro 1 permite afirmar ainda que o periódico contava com o trabalho de sujeitos específicos, sendo a editora chefe e a diretora secretária. As três edições de 1922 contam com as mesmas participantes, sendo Ida Silveira a editora chefe e Maria Amorim a diretora secretária. Ao longo das demais edições, estes cargos são ocupados por outras mulheres.
Em relação à materialidade do periódico, alguns elementos podem ser destacados. Impresso em papel tipo jornal, o periódico conta com capas geralmente coloridas, sendo o interior composto por textos e imagens em preto e branco. No caso dos exemplares localizados, as capas apresentam um padrão, trazendo o nome do periódico na parte superior, sucedida por alguma imagem e/ou informações da edição. De forma geral, as duas imagens apresentadas na sequência sintetizam algumas características das capas:
Conforme podemos observar, apesar das particularidades das capas, ambas apresentam alguns elementos comuns. Inicialmente, destaca-se a presença do título do periódico na parte superior ou centro-superior, em letras maiúsculas. Além disso, as duas capas apresentam informações em preto e branco e coloridas. No caso da capa de 1922, dois elementos merecem destaque.
Inicialmente, podemos observar que a capa é composta pela articulação entre texto escrito e texto visual. O texto visual é composto por uma espécie de alegoria que remete à República. Identificamos que, acima da imagem humana, encontra-se à bandeira nacional brasileira, a qual parece estar em movimento, a partir de ondas formadas por vento.
Na parte inferior da imagem humana, encontramos a frase: “ditosa pátria que tais filhos teve”, possivelmente fazendo referência à pátria brasileira. Ao lado esquerdo da alegoria observamos uma espécie de pedra, na qual podemos identificar os nomes de algumas personalidades brasileiras, de significativa atuação política e/ou nas Artes, sendo eles Farias Brito, Euclides da Cunha, Ruy Barbosa, Benjamin Constant, Pedro Américo, Carlos Gomes e Castro Alves. A articulação entre a alegoria, frase e os nomes apresentados, parecem estar de acordo com as discussões sobre a construção de uma imagem nacional características dos anos 1920 e, posteriormente, intensificadas no governo de Getúlio Vargas (Moraes, 2000).
O segundo elemento que merece destaque na capa são as interferências em caneta azul, que apresentam o ano e o número da edição do periódico. Essas anotações demonstram interferência de alguém, em um momento posterior à produção do documento. Essa interferência pode ter ocorrido por diversos motivos, seja para arquivar o documento, registrar a memória de sua produção etc.
Além da alegoria que remete às concepções de nacionalidade que estão em disputa no cenário nacional, identificamos a presença das ideias educativas, em especial do escolanovismo, o qual encontra-se em processo de sistematização no país. Dessa forma, é possível aferir que alguns destes pressupostos tenham direcionado as práticas de ensino a serem aprendidas e vivenciadas pelas normalistas, ainda na década de 1920[6].
A análise do periódico permitiu levantar e sistematizar referências a autores que se aproximavam das ideais escolanovistas. Chama a atenção, em especial, a edição de julho de 1925, que apresenta a transcrição de um trecho do livro Problemas Escolares de Farias Vasconcelos, que tem como título “As características da Educação Contemporânea” (O Estudo, 1925). Nesse artigo, Vasconcelos cita diversos “homens de pensamento e de ação dos nossos tempos”. Com base nessas informações, organizamos o quadro dois, com o objetivo de apresentar os pensadores identificados na edição de julho de 1925:
Pensador | Informações |
Granville Stanley Hall (01/02/1844 – 24/04/1924) | Psicólogo americano introdutor da psicanálise nos Estados Unidos, criador da psicologia da criança e fundador da Associação Americana de Psicologia, e o primeiro a ter o grau de doutor (PhD) em psicologia no país. |
Georg Michael Kerschensteiner (29/07/1854 – 15/01/1932) | Pedagogista alemão. Discípulo de Pestalozzi, foi um dos criadores das escolas do trabalho. Fundou uma pedagogia que valoriza a inteligência prática. |
Alfred Binet (08/07/1857 – 28/10/1911) | Pedagogo e psicólogo, francês, que ficou conhecido por sua contribuição no campo da psicometria, sendo considerado o inventor do primeiro teste bem-sucedido de inteligência, a Escala Binet-Simon, que serviu de base para vários dos atuais testes de QI. |
Cecil Reddie (10/10/1858 – 06/02/1932) | Educador inglês reformista. Fundou e foi diretor da escola progressista Abbotsholme. |
John Dewey (20/10/1859 – 01/06/1952) | Filósofo norte-americano que influenciou educadores de várias partes do mundo. No Brasil inspirou o movimento da Escola Nova, liderado por Anísio Teixeira, ao colocar a atividade prática e a democracia como importantes ingredientes da educação. |
Ernst Friedrich Wilhelm Meumann (29/08/1862 – 26/04/1915) | Educador, pedagogo e psicólogo alemão, fundador da pedagogia experimental. |
Hermann Lietz (28/04/1868 – 12/06/1919) | Progressista educacional e teólogo alemão que fundou o Landerziehungsheime für Jungen alemão. Em 1898, ele ensinou na Escola Abbotsholme progressista para meninos, fundada em Derbyshire, Inglaterra, em 1889 por Cecil Reddie |
King | O periódico não deixa explícito quem seria esse pensador. Acreditamos que possa se tratar de Robert King Hall, professor de Educação Comparada do Teacher’s College da Universidade de Columbia, e que possuía os títulos de Bacharel em Física e Matemática e Mestre em Física pela Universidade de Harvard. Licenciado em Administração Escolar pela Universidade de Chicago e em Ciências Políticas pela Universidade de Columbia (1944) e em Estudos Japoneses e Islâmicos pela Escola de Estudos Asiáticos de Nova York (1951). Porém, essa é uma suposição, a qual poderá ou não ser confirmada em estudos futuros. |
Maria Montessori (31/08/1870 – 06/05/1952) | Pedagoga que desenvolveu um peculiar método que ficou mundialmente conhecido como método Montessori |
Jean-Ovide Decroly (23/07/1871 – 12/09/1932) | Diretor da Escola "École d'Ermitage" (1907), médico belga. Foi considerado um dos grandes renovadores da teoria educacional na infância, ao lado de contemporâneos como a italiana Maria Montessori. |
Édouard Claparède (24/03/1873 – 29/09/1940) | Cientista suíço que defendia a necessidade de estudar o funcionamento da mente infantil e de estimular na criança um interesse ativo pelo conhecimento |
Pierre Bovet (05/06/1878 – 02/12/1965) | Psicólogo e pedagogo suíço. |
Adolphe Ferrière (30/08/1879 – 16/06/1960) | Pedagogista suíço cujo trabalho pedagógico está estreitamente ligado ao movimento da Escola Nova, como um dos seus fundadores e eventualmente o seu maior ideólogo. |
O quadro construído destaca a presença, no periódico, de ideias propostas por intelectuais que atuaram no movimento escolanovista. Batistello e Ghizoni (2013), apresentam um panorama sobre as diferentes perspectivas de intelectuais escolanovistas, a partir de estudioso do movimento como Cristiano Di Giorgi[7], Franco Cambi[8] e Inês Dussel e Marcelo Caruso[9].
Dentre os intelectuais mencionados por esses estudiosos, identificamos John Dewey, destacado por Di Giorgi (1972) como o principal intelectual do movimento. Enfatizam que a proposta de Dewey era de que a educação estivesse, o máximo possível, atrelada a própria vida do aluno, oportunizando um diálogo entre a atividade escolar e as atividades cotidianas. Cambi (1999) também trata Dewey com destaque por se tratar de um teórico orgânico no novo modelo de pedagogia que se baseava nas diversidades das ciências da educação, considerando-o um experimentalista crítico do movimento e um intelectual sensível ao aspecto político da pedagogia e da educação, consideradas chaves prioritárias em uma sociedade democrática.
Segundo Batistello e Ghizoni (2013), Killpatrick, desempenhou esse processo trabalhando em pequenos grupos, sem que se perdesse a centralidade. Cambi (1999) destaca que a ideia de Decroly estava baseada nos processos de individualização da criança, de acordo com o período de amadurecimento, relacionando-o ao “centro de interesse” do aluno. Nas páginas seguintes, apresentaremos exemplos de atividades baseadas no “centro de interesse” do aluno. Sobre Montessori, Batistello e Ghizoni (2013), afirmam que seu método de ensino estava diretamente ligado à educação sensorial, pois oportunizava a liberdade de criação. O espaço escolar deveria ser simplificado, não ocorrendo contradições e multiplicidades da vida exterior.
No que diz respeito a Claparède, as autoras tomam as ideias de a Cambi (1999), destacando que a escola deveria ser organizada baseada na criança, respeitando sua natureza e satisfazendo suas necessidades, organizando processos de aprendizagem com capacidade de individualização. Sobre Ferrière, Batistello e Ghizoni (2013), ressaltam seu posicionamento em defesa dos direitos das crianças e de suas necessidades fundamentais, relacionando-as ao exercício da livre atividade.
Com base nas informações apresentadas sobre alguns dos pensadores do movimento escolanovista e, por estes serem presença marcante nas páginas do periódico, iniciaremos por analisar o artigo identificado na publicação de julho de 1925.
O artigo afirma que a pedagogia contemporânea tem caráter e espírito científico, sendo auxiliada por uma série de ciências como a biologia, a antropologia, a psicologia, a sociologia, a moral, a arte e etc., cujas aquisições e métodos servem para melhor estudar, compreender, interpretar os fatos e os problemas pedagógicos, libertando-se do empirismo (O Estudo, 1925).
O texto destaca ainda que esta pedagogia funda sua ação sobre as indicações e aptidões particulares dos indivíduos, ou seja, a aprendizagem está focada nas habilidades naturais do aluno, trabalhando suas individualidades. Vasconcelos destaca que o educador deve ter sempre presente ao seu espírito o ideal que deve perseguir a educação. Com relação a este espírito e as aptidões individuais, Claparède afirma que “uma aptidão é uma disposição natural a comporta-se de certa maneira, a compreender ou sentir de preferência certas coisas ou executar certas espécies de trabalho” (Claparède, 1973, p. 167). Essas aptidões individuais foram citadas anteriormente, bem como, o fato de que a escola deveria estar centrada no aluno.
Vasconcelos (O Estudo, 1925) aborda a importância de se tomar o interesse do educando no processo de aprendizagem, ressaltando que esses interesses são móveis e transitórios, considerando-os sintomas que revelam as necessidades mais profundas do educando, devendo o docente, favorecer esse processo, organizando circunstâncias favoráveis. Para o autor a pedagogia tem caráter funcional, pois deve considerar os processos mentais como instrumento destinado a manter e aperfeiçoar a vida, como funções vitais e não como processos de si mesmo, ou seja, cultivar a inteligência não pela inteligência, a atenção pela atenção, a vontade pela vontade, mas a inteligência, a atenção, a vontade pela vida, como meios de utilizar a vida, de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e espirituais. Outro aspecto mencionado por Vasconcelos é o caráter social da pedagogia, podendo ser observado de diferentes ângulos:
a. É um instrumento de conservação e aperfeiçoamento da civilização;
b. Sendo o indivíduo membro da sociedade, ela deve prepará-lo para desempenhar uma função útil na coletividade;
c. Põe em atividade as tendências sociais do indivíduo, fazendo da escola um meio social, onde a disciplina e o trabalho se fundem sobre a colaboração, a ajuda e a atividade mútua e comum (O Estudo, 1925, p. 12-16).
Nesse sentido, o autor destaca que a pedagogia cientifica, considera os programas e as matérias, os trabalhos manuais, aos quais atribui importância considerável, como ocasiões da vida prática e social. Para Vasconcelos (O Estudo, 1925), a pedagogia abordada nesse período, pretendia substituir a “escola livresca” pela “escola do trabalho” produtivo em proveito da coletividade.
Esse processo de valorização social do indivíduo também é visto pelo autor como um caráter diferencial, pois funda a ação sobre as indicações e as aptidões individuais, devendo ser desenvolvidas de acordo com suas virtualidades características, adaptando-se as necessidades profundas e fundamentais. Sendo assim, a tendência de individualizar os métodos e processos de ensino, os horários, os programas, a classificação dos alunos e as suas promoções escolares, a disciplina, entre outros.
Vasconcelos lembra que não devemos confundir educação individual com educação individualizada, pois a educação individualizada, ao contrário da individual, implica a existência de um meio coletivo. Individualizar, quer dizer adaptar a educação à maneira de ser do indivíduo, levando em conta suas peculiaridades e diferenças características, mas sem que a ação educativa deixe de ser exercida dentro de um ambiente social. Com base nessas ideias abordadas por escolanovistas, organizamos alguns materiais que abordam atividades alinhadas a essa perspectiva de aprendizagem.
3. O ESTUDO: práticas pedagógicas
Visando atender ao objetivo da investigação, após a leitura, sistematização e análise de parte das edições de “O Estudo”, selecionamos propostas de trabalho que abordam teorias presentes em parte do movimento escolanovista. Para discutir alguns aspectos, trabalharemos com a publicação de Ruth Azevedo, aluna do 3˚ ano, na edição de agosto de 1930, que trata das aulas de Pedagogia e os processos de ensino.
O texto inicia apresentando uma diferenciação entre método e processo. De acordo com o artigo, o método desempenha um papel superior na hierarquia pedagógica, podendo ser visto como um conjunto de processos e, os processos, são os meios pedagógicos dos quais se serve o professor para executar o método. O artigo enfatiza processos de ensino, traz sugestões de estudo aos futuros professores e sintetiza os processos de ensino em dois grupos: verbais e objetivos. Através de um quadro os métodos foram expostos com o detalhamento dos processos a serem desenvolvidos.
No artigo é destacada a importância do estudo acerca do tema, pois sem o auxílio dos processos de ensino o professor não poderia empregar o método de um modo eficiente, evitando lições monótonas e fatigantes. Considerando as informações apresentadas no texto, bem como no quadro exposto na Imagem 3, pode-se fazer algumas observações.
Inicialmente, entende-se que os processos de ensino verbais desenvolvem a memória, as faculdades superiores da inteligência, tais como juízo, raciocínio e imaginação, faculdades essas que não seriam desenvolvidas apenas com os métodos objetivos. Se trabalhado isoladamente, os métodos expõem graves inconvenientes, como a falta da ideia exata do objeto de estudo, o não desenvolvimento das faculdades sensoriais, o não corresponder aos interesses da criança, o não captar a atenção criança e o não provocar a aquisição de experiências por meio da aplicação dos sentidos. Por isso, é indicado que na prática sejam combinados os métodos verbais e os métodos objetivos.
Foram considerados processos verbais: narração, descrição, exemplificação, comparação, apercepção, recapitulação, demonstração, sinopse e sumário. Com relação aos processos de ensino, é dito que este deve ter prioridade ao se tratar de classes primárias, pois está de acordo com as tendências do espírito e com os interesses naturais, da criança. Neste contexto cabe destacar a ideia desenvolvida pelo educador Ovide Decroly sobre “centro de interesse”, no qual o educando deve resolver problemas compatíveis ao seu cotidiano, pois o interesse é a motivação para desenvolver a busca pelo conhecimento. Decroly (2010) se questiona e conclui que o centro da aprendizagem é o aluno.
Então eu me perguntei [...] o que era importante para que a criança, para que todas as crianças da Bélgica e da Europa, e do mundo inteiro, não pudessem ignorar. Em seguida eu me perguntei quais são os conhecimentos pelos quais a criança tem mais atração [...]. Pois bem! Eu percebi que o que importa mais para a criança, é ela própria em primeiro lugar. [...] É para a criança que tudo se direciona, é dela que tudo irradia [...]. E assim eu considero o elemento afetivo primordial, o interesse da criança, que é a alavanca por excelência. (Decroly, 2010, p. 38).
O texto também cita Pestalozzi com relação aos processos objetivos no ensino primário, pois “conduzem a criança da intuição sensível ao conceito claro”, ou seja, sem as sensações fornecidas pelos sentidos, não podemos obter ideias abstratas e gerais.
O método, segundo a autora, traz vantagens como a noção exata das coisas e retifica as ideias falsas que possua a criança do mundo sensível, o cultivo de faculdades sensoriais e intelectuais, a correspondência aos interesses da criança e desperta a atividade e a iniciativa, atenuando os efeitos da fadiga.
Como processos objetivos são destacados: a intuição, que compreende a objetivação e a concretização, e os jogos educativos. A intuição é o ato pelo qual o espírito se apodera de certas verdades, sem esforço, sem hesitação e sem intermediários. Com relação à objetivação da intuição no estudo da Matemática, é possível utilizar um contador, o Compendium metrico[10] e, principalmente, por meio de coleções de objetos variados.
No artigo a autora sugere a utilização de materiais no ensino da Geometria, como coleções dos sólidos geométricos, construção de figuras com cartolinas e alguns instrumentos. Não sendo possível realizar a objetivação, serve-se da concretização, que consiste na apresentação de ilustrações plásticas ou gráficas. Azevedo (1930) identifica que este tipo de ensino é frequentemente utilizado em diagramas, onde as linhas traçadas concretizam certos fatos e na organização de quadros estatísticos.
Os jogos educativos são discutidos como processo educativo que colocam em ação as faculdades e os sentidos da criança. Os jogos são indicados na iniciação e aplicação das noções das diferentes disciplinas através de uma variedade de jogos, permitindo que durante esse ensino experimental os alunos observem, experimentem, falem, escrevam, desenhem, modelem, inventem e trabalhem. O texto mostra a preocupação no desenvolvimento do aluno e a insistência da atenuação à fadiga, tendo o aluno como foco de aprendizagem com diferentes métodos que possam auxiliar um maior número de educandos.
Com relação às fases mencionadas, as alunas exemplificam através de uma atividade de aritmética, envolvendo a noção de número 6. Os processos utilizados foram: de objetivação, concretização, aplicação e jogos. Na fase objetiva, parte-se sempre do último número que o aluno aprendeu, acrescentando-se uma unidade, a fim de que a criança compreenda a formação da série natural dos números. Na fase objetiva vale ressaltar que o centro de interesse é ponto de partida para escolha de materiais a serem utilizados. Na sequência, apresentamos o plano de uma lição de aritmética:
Conforme podemos observar, inicialmente foi sugerido que se mostrasse cinco tornos aos alunos e perguntasse: Quantos tornos vêm? Em seguida, se junta mais um torno e leva-se até a criança para que descubra que tem 5 tornos mais 1 torno, ensinando que 5 tornos mais 1 torno, são 6 tornos. Sugere-se que a mesma atividade seja desenvolvida com diferentes objetos, dedos, figuras, passos, etc. Solicitar que os alunos separem ora 5 objetos, ora 5 mais 1 objeto, existente na aula, e apresentar 5 objetos e perguntar quantos faltam para fazer 6. Após a execução dessas atividades são sugeridos jogos de Decroly. Percebemos a existência de atividades que envolvem o aluno em diferentes circunstâncias, pois é convidado a construir o numeral 6 de diversos modos e com operações inversas. A sugestão de jogos de Decroly se destaca nesta atividade, pois está sendo proposto que o professor faça a mediação com métodos diversificados, tentando atingir um maior número de alunos na aprendizagem.
Para a fase concreta pode-se solicitar que os alunos desenhem no quadro ou no caderno, 6 bolinhas, argolas, cruzinhas, figuras, etc., nomear 6 coisas, como por exemplo, flores, utensílios, frutas, móveis, animais, nomes de pessoas e dias da semana. Nessa fase propõem-se problemas envolvendo situações como, por exemplo, no ninho havia 5 ovos, a galinha põe mais um, quantos há agora?.
Na fase abstrata também se propõem problemas, porém, sem denominação, como por exemplo, cinco mais um quanto dá? Na fase escrita o mestre deve desenvolver atividades de reconhecimento do número 6, através de cartões ou no quadro e fazer com que os alunos executem exercícios sensoriais, facilitando o traçado do número, como por exemplo, seguir com o dedo o contorno do algarismo, escrevê-lo no ar acompanhando o movimento que o professor faz. Ao modelar no número, o aluno deve copiá-lo por escrita e por ditado. Com estas etapas concluídas, tem-se a fase de aplicação, no qual o aluno pode formar o número 6 de diversos modos, utilizados diferentes materiais, fazendo a composição de decomposição do número, mediante as quatro operações.
Desenvolver problemas e solicitar que os alunos desenvolvam as atividades são estratégias presentes no artigo e que fazem com que pensemos no aluno como protagonista, nas quais é convidado a participar produzindo e construindo tarefas, desenvolvendo o raciocínio sobre o tema de diferentes perspectivas.
Da mesma edição de 1930, apresentamos outro exemplo de atividade envolvendo aritmética, no qual o método indutivo, que parte das observações realizadas pelo professor, foi aplicado. Esta atividade teve como tema a noção de sextos e foram utilizados os processos de objetivação, concretização, comparação, jogos, etc. As atividades fazem parte do caderno de preparação de lições da aluna do 3º ano do Curso, Ruth Azevedo, apresentadas na Revista O Estudo de agosto de 1930:
A introdução do artigo trabalha na perspectiva da Escola Nova, pois segundo a autora, a proposta a ser desenvolvida, segue as orientações do movimento. A orientação do movimento escolanovista era que primeiramente se construísse uma relação de materiais que tratassem do assunto a ser trabalhado, elaborada pelo professor juntamente com os alunos, ou pelos alunos guiados pelo professor.
A atividade nos remete a ideias como as de Dewey, visando à união entre teoria e prática, perpassando pelas ciências experimentais. Como destaca Aguayo (1966), o método deveria respeitar a liberdade da criança, regulada pela disciplina, devendo favorecer a espontaneidade e o poder criador do aluno.
Para realizar essa relação de materiais do tema abordado, a professora propôs recortes de cartolina, representando quadrados, retângulos, etc., fitinhas, tiras de papel, maçãs e estampas de objetos divididos em sextos.
Realizada a documentação, entramos na observação, com o exemplo de um retângulo, a professora sugere dobraduras, nas quais a cada movimento realizado os alunos eram convidados a abrirem a figura e analisarem as linhas que ficaram marcadas no papel. Com a construção realizada, os alunos foram convidados a recortar as partes e a professora explicou que cada quadradinho representava um sexto do retângulo, pois havia sido divido em seis partes. O mesmo processo foi sugerido através de fitinhas, tiras de papel e cordões. O processo de aplicação foi dividido em atividade concreta e atividade abstrata.
Na aplicação da atividade concreta foi indicado que a professora desenhe um objeto qualquer no quadro e solicitado que o aluno o divida em seis partes iguais e posteriormente aplique problemas com objetos presentes e ausentes. Alguns exemplos de atividades são citados: como quantos sextos tem essa classe? Aqui temos uma barra de chocolate, se déssemos dois sextos a um menino quanto nos restaria? Com as situações apresentadas o professor pode solicitar que o aluno ilustre os casos. A autora do artigo trouxe exemplos de situações representadas por alunos, por isso, achamos fundamental a apresentação deste artigo. Os exemplos abaixo são resultados obtidos na aula de D. Maria Luiza Mascarello.
O exemplo 1 dado é comum, uma barra de chocolate dividida entre amigos, como a fração estudada era acerca de sextos, o aluno dividiu a barra em seis partes, separando dois sextos para dar a um menino, perguntando-se quanto restou da barra. A aluna que desenvolveu o exercício chamava-se Lêda e tinha oito anos de idade. A pergunta não foi respondida por extenso, foi realizado um desenho da barra de chocolate, representada por um retângulo que tem o maior lado desenhado horizontalmente, dividindo-o em seis partes com linhas verticais. Lêda desenvolveu o desenho da barra por inteiro e a barra dívida nas partes que iria doar e as partes que iria ficar.
Achamos interessante destacar o modo de desenhar, pois no exemplo 2 o desenvolvimento foi realizado de modo diferente. A aluna que realizou a mesma a atividade, porém, de outra maneira, chamava-se Nelly e tinha 10 anos de idade. A situação é a mesma, o desenho de Nelly apresenta dois retângulos, sendo o maior lado desenhado horizontalmente (base), sobrepostos, divididos em três partes iguais, com linhas verticais. A aluna desenvolveu o desenho da barra por completo e logo abaixo o desenho da barra dividida com as partes que iria dar a uma amiga, como Nelly iria dar duas partes a amiga, escreveu por extenso “fiquei com quatro partes”. Esses exemplos mostram que a aritmética estava sendo trabalhada através de desenhos e situações que permitissem o aluno associar a fatos presentes no cotidiano.
Diante das práticas mencionadas, é fundamental destacar um trabalho apresentado no periódico de agosto de 1930 sob o título “Prática da Escola Ativa”. Inicialmente é apresentado um desenho intitulado “Ilustração de uma lição de leitura” de Arlette Costa Silva, a atividade é descrita como “desenho espontâneo como aplicação do centro de interesse – a vaca”. O desenho desenvolvido pela aluna conta com a seguinte frase “a vacca é um animal quadrupede”, mostrando o aprendizado desenvolvido pela aluna no processo de aprendizagem pré-estabelecido e apresentado logo em seguida pela professora. O conceito “centro de interesse” foi mencionado anteriormente, e nesta prática pedagógica, a professora também faz uso da teoria, sendo a vaca o centro de interesse. Nesse contexto, também destacam-se algumas palavras de Dewey, “[…] a função do conhecimento é tornar uma experiência livremente aproveitável em outras experiências” (DEWEY, 2007, p. 99).
Conforme podemos observar na imagem 6, o desenho da aluna apresenta uma vaca ao livre, representada em primeiro plano. Ao fundo, observa-se a presença de uma casa e, possivelmente, alguma árvore. Chama a atenção a presença da perspectiva, que permite que o desenho tenha um caráter realista. Na página seguinte, encontramos plano de aula do trabalho realizado.
O plano de aula é indicado para uma turma de 3˚ ano do ensino elementar. A primeira fase do processo é chamada de observação, desenvolvida por meio de gravuras, fotografias, quadros ou diante do próprio animal, os alunos deveriam observar a estrutura externa (tamanho, couro, número de patas e formas destas, pelo, cor característica dos chifres, ventas ventiladas, cauda e mugido) e interna (explicar através de desenhos esquemáticos a peculiaridade do estômago dos ruminantes). Ainda na observação deve-se estudar a higiene do leite no ato de ordenar, as unidades de medida utilizadas na comercialização de seus derivados, a utilização do animal abatido, a vida do animal no campo ou nos estábulos, a alimentação do animal, a estimativa de vida e as denominações utilizadas (boi, bezerra, viela, novilha, etc.).
Em um segundo momento, a professora propõe uma fase de associação, classificar o animal, analisar sua utilidade vivo, verificar como são utilizados pela indústria, estabelecer uma relação entre os meios de transporte antigos e modernos, e conclui que pelos serviços que prestam, o boi e a vaca merecem cuidados e estima do homem.
E por fim, temos a fase da expressão, que é separada em abstrata e concreta. Na fase abstrata, o aluno é convidado a reproduzir oralmente as noções adquiridas, bem como, realizar trabalhos escritos como formação de frases com novas expressões, reprodução por escrito da descrição feita oralmente e copiar trechos referentes ao assunto estudado. Na fase concreta encontramos o desenho espontâneo, apresentado inicialmente, onde o educando poderia utilizar recorte e colagem, modelando quadros que figurassem os animais estudados ou cenas relativas aos mesmos. Ao final do plano a professora é identificada como Zelia Benicio Roballo (3˚ ano).
Para enfatizar a presença do movimento Escola Nova na Escola Normal de Porto Alegre, a mesma edição (Agosto de 1930) da revista traz um artigo de Everardo Backheuser, diretor técnico dos museus escolares do Distrito Federal, defendendo a organização de museus escolares, sendo tratado como uma das mais interessantes manifestações da vida escolar, graças ao novo rumo dado ao ensino, chamado “escola nova”. A sugestão era que os museus escolares deixassem de ser simples exposições, meramente científicas de rochas, minerais, plantas e animais ou coleções de feição geográfica, histórica ou anatômica, e visassem uma finalidade mais alta, não desmerecendo seu primitivo caráter científico. Os museus não deveriam restringir seu objetivo a um determinado ramo do saber humano, era necessário presidir a organização de museus modernos, um espírito prático por excelência, de utilidade imediata, com cunho social, não sendo postas de lado certas preocupações artísticas.
Nessa perspectiva temos o artigo sobre correspondência interescolar, elaborado por Maria Barnewitz, que descreve o processo como uma das práticas da escola nova, consistindo numa troca de cartas entre escolas de um mesmo lugar ou de diferentes municípios, estados e países. A prática é vista como um meio de estreitar laços de solidariedade, despertando sentimentos de confraternização universal. A troca de informações pode ser através de cartas, gravuras, fotografias das regiões, das escolas ou dos trabalhos dos alunos, contribuindo para ampliar os conhecimentos geográficos e fazendo com que o professor participe das modernas normas de ensino. Barnewitz afirma que a Escola participa desta troca de informações com outras escolas. Essas práticas nos fazem refletir sobre a teoria de projetos de Kilpatrick.
A atividade do aluno, em empreendimento ou projetos que ele possa sentir como seus, é que vemos cada vez mais disseminado nas melhores escolas do mundo moderno. É esse fator que deve carazterizar o trabalho da escola nova. Ele constrói o caráter, a personalidade forte, que desejamos.
Observamos que a presença de laboratórios, na perspectiva de museus, já existia no Instituto de Educação General Flores da Cunha, no entanto, quanto à Matemática o laboratório somente seria criado na década de 1950.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato de estarmos analisando um periódico produzido nas décadas de 1920 e 1930 por um grupo de normalistas faz com que diversos aspectos sejam pensados. Os conceitos abordados nos artigos mostram com riqueza os conceitos que vinham sendo desenvolvidos no curso de formação de professores, pois os textos eram elaborados pelas alunas ou selecionados para serem publicados. Esta seleção de autores faz com que possamos refletir o caminho que vinha sendo trilhado pela equipe de docentes na instituição.
No periódico as normalistas publicam eventos que ocorrem na escola, destacando seus professores, mostrando um pouco do que acontecia naquele espaço. As práticas pedagógicas publicadas mostram que estudos estavam sendo desenvolvidos na instituição visando o aprimoramento na formação de professores.
Analisando algumas edições do periódico O Estudo, foi possível identificar elementos da Escola Nova sendo gradativamente incorporados aos planos de ensino, às atividades e ao modo como os processos de ensinar e aprender vão sendo resinificados. Existe, de certo modo, um momento de transição, em que o novo e o velho método se misturam, e isso vai sendo revelado nos artigos dos anos 1920 e 1930. O periódico abordava autores que se destacam como percursores no movimento escolanovista, como por exemplo, na edição de julho de 1925, na qual localizamos a transcrição de um trecho do livro Problemas Escolares, de Farias Vasconcelos, que tratava das características da educação contemporânea e foram citados diversos autores, dentre eles, Decroly, Montessori, John Dewey, Claparède e Ferrière.
As práticas pedagógicas selecionadas trabalham seguindo ideias escolanovistas, declaradamente expostas, dentre elas, destacamos a ideia de aptidão defendida por Claparède, mencionada no texto de Farias de Vasconcelos, na edição de julho de 1925, mostra que as leituras estavam sendo desenvolvidas no âmbito de formação de professores, pois como dito anteriormente, o periódico era desenvolvido por normalistas. Outra vertente citada nas publicações é Decroly, pois como foi visto, diversas publicações citavam a teoria do “centro de interesse”.
Atividades matemáticas foram localizadas envolvendo as teorias de Decroly e, um fato que chamou atenção, foi as produções dos alunos estarem expostas, mostrando o resultado das atividades desenvolvidas em sala de aula. Vale ressaltar, que as normalistas desenvolviam práticas pedagógicas no ensino primário da instituição, preparando-se para magistério primário elementar. As ideias de Dewey parecem estar vinculadas em todos os artigos estudados, pois mostram o aluno como centro no processo pedagógico.
Os espaços físicos da instituição mostram as preocupações envolvendo melhores condições de trabalho para os professores e melhores condições de aprendizagem para os alunos. Contudo, podemos inferir que alguns dos pressupostos do movimento escolanovista estiveram presentes em diversas atividades expostas pelas normalistas no periódico, o material mostra-se rico para futuras discussões, pois aborda diversos temas que não foram possíveis de discutir neste texto.
REFERÊNCIAS
Aguayo, A. M. (1996). A Didática da Escola Nova. 13 ª. Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
Claparède, E. (1973). A Escola sob medida. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura.
Cambi, F. (1999). História da pedagogia. São Paulo: Fundação Editora da UNEP (FEU).
Darton, R. (1990). O Beijo de Lamourette . Mídia, cultura e revolução. Tradução Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras.
Decroly, J. O. (2010). Textos selecionados. In: DUBREUCQ, Francine. Jean-Ovide Decroly. Trad.: Carlos Alberto Vieira Coelho, Jason Ferreira Mafra, Lutgardes Costa Freire, Denise Henrique Mafra. Org.: Jason Ferreira Mafra. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana. Coleção Educadores.
Dewey, J. (2007). Democracia e educação: capítulos essenciais. São Paulo: Ática.
Di Giorgi, C. (1992). Escola nova. 3.ed. São Paulo: Ática.
Fraga, A. S de. (2013). O Estudo e sua materialidade: revista das alunas-mestras da escola complementar/normal de Porto Alegre/RS (1922-1931). Hist. Educ. [online]. v.(17)40, 69-97.
Kilpatrick, W. H. (1978). Educação para uma civilização em mudança. São Paulo: Melhoramentos.
Luca, T. R de. (2005). História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto.
Moraes, M. C. M. de. (2000). Reformas de Ensino, modernização administrada. a experiência de Francisco Campos – anos vinte e trinta. Florianópolis: UFSC, Centro de Ciências da Educação, Núcleo de Publicações.
FONTES
O Estudo. Ano I, n. VI, 1922. Disponível em: Coleção Pessoal Júlio Petersen da Biblioteca Irmão José Otão da PUCRS.
O Estudo. Ano I, n. I, maio de 1922. Disponível em: Coleção Pessoal Júlio Petersen da Biblioteca Irmão José Otão da PUCRS.
O Estudo. Ano III, n. 3, 1925. Disponível em: Coleção Pessoal Júlio Petersen da Biblioteca Irmão José Otão da PUCRS.
O Estudo. n. 1, 1930. Disponível em: Coleção Pessoal Júlio Petersen da Biblioteca Irmão José Otão da PUCRS.
RIO GRANDE DO SUL. Decreto n. 1479, 26 maio 1909, RS. Modifica o programa do ensino complementar e cria colégios elementares no Estado, 1909. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/100092. Acesso em 17/04/2021.
Notas
Ligação alternative
https://histemat.com.br/index.php/HISTEMAT/article/view/501 (pdf)