A MAT. DO ENSINO E DA FORMAÇÃO PRIMÁRIA EM TEMPOS DA PEDAGOGIA INTUITIV

NO INSTITUTO PESTALOZZI E NA ESCOLA PAULISTA: UMA ÁLGEBRA INTUITIVA PARA O ENSINO PRIMÁRIO? (1800-1920)[1]

À L’INSTITUT PESTALOZZI ET À L’ÉCOLE PAULISTA : UNE ALGÈBRE INTUITIVE POUR L’ENSEIGNEMENT PRIMAIRE? (1800-1920)

Marcus Aldenisson de Oliveira
UNIFESP, Canadá
Vera Teresa Valdemarin
UNESP, Brasil

Revista de História da Educação Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil

ISSN-e: 2447-6447

Periodicidad: Frecuencia continua

vol. 8, 2022

revista.histemat.sbhmat@gmail.com



Resumen: Este texto buscou responder, ainda que parcialmente, uma necessidade da historicização da presença da álgebra na escola primária. Como ocorreu as tentativas de inserção da álgebra na instrução da criança da escola primária? Como ensiná-la? Para construir as respostas, num primeiro momento, fez-se uma imersão nas experiências pedagógicas de Pestalozzi. Há quem diga ter sido ele o primeiro a ousar inserir a álgebra no programa da escola primária. A análise de um amplo conjunto de documentos evidenciou que, no Instituto Pestalozzi, a álgebra foi reduzida aos seus elementos mais primitivos. Essa matéria era ensinada e aprendida acompanhando a mesma marcha da aritmética: intuição das unidades; cálculo mental; cálculo escrito; cálculo mental algébrico; cálculo literal ou álgebra propriamente dita. Descolados a priori das definições, regras, sinais, fórmulas e axiomas, os elementos da álgebra se imbricavam com os da aritmética tendo como ponto de partida do ensino a intuição sensível das relações de grandezas, tornando-as em matérias organicamente unidas. No final do século XIX, o método intuitivo de Pestalozzi foi uma das referências de modernização do ensino público de São Paulo. Como segundo momento desta investigação, a análise aqui particularizada mostrou que, entre os anos de 1870 e 1920, a escola pública paulista assistiu e sentiu as constantes turbulências vivenciadas pela álgebra ora enquanto saber a ensinar, ora enquanto artifício engenhoso para ensinar aritmética. Os efeitos dessas instabilidades puderam ser identificados pelas mudanças na finalidade da escola primária e pelas sucessivas reformas nos programas de ensino.

Resumen: Ce texte cherchait à répondre, bien que partiellement, à un besoin d’historiciser la présence de l’algèbre à l’école primaire. Comment se sont déroulées les tentatives d’insertion de l’algèbre dans l’enseignement des enfants du primaire ? Comment l’enseigner ? Pour construire les réponses, dans un premier temps, une immersion dans les expériences pédagogiques de Pestalozzi a été faite. Certains disent qu’il a été le premier à oser introduire l’algèbre dans le programme scolaire primaire. L’analyse d’un large éventail de documents a montré qu’à l’Institut Pestalozzi, l’algèbre était réduite à ses éléments les plus primitifs. Cette matière était enseignée et apprise sur le même modèle que l’arithmétique : intuition des unités ; calcul mental; calcul écrit; calcul mental algébrique; calcul littéral ou algèbre proprement dite. A priori détachés des définitions, des règles, des signes, des formules et des axiomes, les éléments de l’algèbre se sont entrelacés avec ceux de l’arithmétique, ayant comme point de départ pour enseigner l’intuition sensible des relations de grandeurs, les transformant en matières organiquement unies. À la fin du XIXe siècle, la méthode intuitive de Pestalozzi est l’une des références de la modernisation de l’enseignement public à Sao Paulo. Comme deuxième moment de cette recherche, l’analyse détaillée ici a montré qu’entre les années 1870 et 1920, l’école publique de Sao Paulo a vu et ressenti les bouleversements constants vécus par l’algèbre, tantôt comme savoir à enseigner, tantôt comme dispositif ingénieux pour enseigner l’arithmétique. Les effets de ces instabilités ont pu être identifiés par les changements de finalité de l’école primaire et par les réformes successives des programmes d’études.

Palavras chave: Álgebra, Epistemologia do saber escolar, Método intuitivo, Pestalozzi, São Paulo

Mots clés: Algèbre, Épistémologie des savoirs scolaires, Méthode intuitive, Pestalozzi, Sao Paulo

INTRODUÇÃO

As práticas de ensino atuais são sempre sedimentações de práticas historicamente constituídas[4]. (SCHNEUWLY, 2014, p. 17, tradução nossa).

Nos dias atuais, a matemática do ensino fundamental é constituída por diferentes unidades temáticas. Entre elas está a álgebra, que tem um papel bem definido. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 2017, indica que a álgebra tem por finalidade desenvolver no aluno o pensamento algébrico e, para isso, recomenda que se faça uso de letras e outros símbolos para representar as relações quantitativas de grandezas e de situações matemáticas (BRASIL, 2017). Por sua vez, a Proposta Curricular do Estado de São Paulo, em vigor desde 2008, também recomenda o estudo da álgebra, utilizando letras para representar um valor desconhecido nos conteúdos da matemática do ensino fundamental (SÃO PAULO, 2008).

Entretanto, algumas dificuldades se interpõem na consecução dessas orientações. Estudos sobre as diferentes estratégias didáticas utilizadas por professores para o desenvolvimento do pensamento algébrico do aluno do ensino fundamental, conforme apontaram Nacarato & Custódio (2018), elencam os desafios enfrentados pelos professores que ensinam matemática para cumprir as indicações oficiais, com destaque para o fato de encontrarem “livros didáticos e até mesmo propostas de escolas que introduzem equações no 7° ano [do ensino fundamental], sem que o aluno tenha discutido a linguagem simbólica [e] alfanumérica da álgebra” (NACARATO & CUSTÓDIO, 2018, p. 13). Esses estudos revelaram ainda que, para superar esse e outros desafios, a experiência na docência leva os professores a mobilizarem um amplo conjunto de práticas de ensino que vão desde a reorganização da sala de aula até a elaboração de tarefas que orientam e induzem os alunos a representar situações por meio de linguagem simbólica.

Tomando a afirmação epigrafada de Schneuwly (2014) como guia, este texto adota a perspectiva histórica para analisar diferentes dinâmicas que presidiram a introdução da álgebra no currículo da escola primária. Espera-se, assim, compreender processos didático-pedagógicos que, focalizando um conteúdo específico, evidenciam o entrelaçamento de finalidades educacionais, campos de saberes, formação de professores e métodos e materiais de ensino, nem sempre explicitados na legislação ou nas diretrizes educacionais.

O estudo está delimitado a proposições para o ensino da álgebra articuladas ao método de ensino intuitivo que circularam no século XIX e início do século XX, na Europa e no Brasil. O primeiro movimento de análise consistiu na investigação sobre a álgebra ensinada na escola elementar do Instituto de Pestalozzi porque, segundo Joseph Schmid (1848), “é a Pestalozzi que se deve a glória de ter sido o primeiro a ousar introduzir a matemática (aritmética, geometria, álgebra) nos programa do ensino popular”[5]. O pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827), no entanto, não marcou somente o ensino desses conteúdos, mas tornou-se referência incontornável na inovação metodológica para o ensino elementar ao estabelecer modelos para o ensino por meio de processos intuitivos (VALDEMARIN, 2004).

Durante todo o século XIX, a proposta de ensino intuitivo de Pestalozzi circulou pelo mundo[6]. Ao final dos Oitocentos, em São Paulo, o sistema público de ensino também foi reorganizado por essa proposta: “Pestalozzi é o principal iniciador da pedagogia moderna. A aplicação do método intuitivo à instrução primária, instituída por ele, forma hoje a base de todo a instrução primária” (PUIGGARI, 1896, p. 77). Nesse sentido, como segundo movimento, a investigação avançou para os anos finais do século XIX, de modo a acompanhar as tentativas de inserção da álgebra no currículo da escola primária pública paulista.

Esse duplo movimento da pesquisa procurou responder as seguintes questões: como ocorreram as tentativas de inserção da álgebra na instrução da criança na escola primária? Como ensiná-la? O amplo conjunto de documentos consultados no Instituto Pestalozzi, em Yverdon, Suíça e no acervo Paulo Bourroul, em São Paulo, Brasil, é suficientemente rico para fornecer elementos que permitem elaborar possíveis respostas. A análise das fontes selecionadas e aqui examinadas foi orientada pela noção de epistemologia dos saberes escolares (DEVELAY & ASTOLFI, 2005) que, diferentemente da noção de epistemologia dos saberes das disciplinas acadêmicas, permite indagar sobre a natureza, as condições de emergência, bem como sobre os modos de organização/sistematização e as formas particulares do ensino da álgebra.

1. A INSTRUÇÃO ELEMENTAR NO INSTITUTO DE PESTALOZZI:uma álgebra ensinada e aprendida pelo método intuitivo

A parte matemática da instrução é, sem dúvida, a mais apropriada a fazer sentir a exatidão rigorosa e o método positivo em que toda instrução deve ser restituída. Ora, se o ensino dessa ciência em si é reconhecido como sendo alterado, tenho certeza de que essa mudança parecerá necessária em todos os outros ramos da instrução. Dessa forma, a maneira detalhada que trato essa parte tornará conhecido antecipadamente o caminho que devo seguir em todos os outros ramos da instrução[7]. (PESTALOZZI, 1826, p. 4, tradução nossa).

A citação acima foi extraída de um dos últimos – provavelmente o derradeiro – escritos de Pestalozzi. Esse pedagogo suíço sempre deu importância central ao ensino de matemática desde as suas primeiras experiências pedagógicas[8]. A primeira experiência educacional de Pestalozzi ocorreu em 1774, em Neuhof, com a criação de uma “escola industrial” para ensinar às crianças pobres um ofício (agrícola ou industrial). A instrução elementar dessa escola se resumia ao ensino de leitura, escrita, cálculo e trabalhos manuais e a falta de recursos acarretou seu fechamento, em 1780. Depois de casado e ter se tornado pai, Pestalozzi e sua família mudaram para Stans. Em 1799, ele teve a oportunidade de colocar em prática suas ideias pedagógicas, estando à frente de um instituto de educação de crianças órfãos que ficou aberto por seis meses apenas. Mesmo assim, essa experiência foi registrada numa carta, considerada patrimônio pedagógico[9].

Após a rápida passagem por Stans, Pestalozzi chegou à Berthoud, ainda em 1799. Nesse local, ele experimentou dor pela morte de seu filho, em 1801, e o início de sua glória pedagógica em decorrência das visitas que recebeu e da produção dos seus escritos[10]. Entre 1800 e 1804, no instituto educacional em Berthoud, o pedagogo aperfeiçoou suas ideias pedagógicas e, juntamente com seus colaboradores, passou a conduzir a educação e a instrução das crianças por um novo caminho: o método intuitivo. Numa carta escrita para seu amigo Gessner, Pestalozzi expressou seu entendimento sobre esse processo: “Amigo, a intuição sensível é considerada como o ponto de onde parte o ensino, [...]. Ela não é nada mais que a simples presença dos objetos exteriores perante os sentidos e o simples despertar da consciência das impressões que eles produzem”[11] (PESTALOZZI, 1801 [1985], p. 177, tradução nossa). Por assim entender, a intuição sensível foi tomada como o fundamento de todo conhecimento e as matérias passaram a ser ensinadas de modo intuitivo pelos seus colaboradores. Entre eles destacam-se: Hermann Krusi (línguas e cálculo); Johann Georg Tobler (canto, história e geografia); Johann Christoph Buss (geometria, desenho e canto); Joseph Neef (ginástica).

Por razões diversas, Pestalozzi deixou Berthoud, no final de 1804, e se estabeleceu em Yverdon. Num castelo dessa municipalidade situada no cantão de Vaud, o pedagogo já internacionalmente conhecido pelo seu método criou, em 1805, o seu mais bem sucedido instituto de educação – chamado de Instituto Pestalozzi. Em pouco tempo, Pestalozzi incorporou nesse instituto de Yverdon um sistema de ensino com escolas de diferentes níveis de instrução: elementar, secundária, industrial, normal, experimental e educação para surdos-mudos. Pessoas que visitaram esse instituto registraram de modo eloquente o que presenciaram: “o instituto quer ser a universidade da infância” (MÉRIAN, GIRARD, TRECHSEL, 1810, p. 85, tradução nossa); “Esse instituto é um verdadeiro laboratório pedagógico”[12] (GIRARD, 1810, p. 67, tradução nossa). Em 1825, o instituto encerrou suas atividades educacionais, mas as ideias pedagógicas ali experimentadas germinaram e permaneceram vivas por muito tempo.

Durante os 20 anos de funcionamento desse instituto, Pestalozzi e seus colaboradores continuaram o aperfeiçoamento do método intuitivo no ensino das diversas matérias: Hermann Krusi (alemão); Johann Georg Tobler (canto e história); Christian Leuenberger (geografia); Johann Ramsauer (desenho, trabalhos manuais, geometria e ginástica); Johann Joseph Schmid (aritmética, geometria e álgebra); Georg Andrens Hagnauer (física e química); Wilhelm Christian de Turk (ciências naturais); Friedrich Fröebel (tutor dos órfãos); entre outros. Pestalozzi continuou recebendo a visita de personalidades educacionais de diferentes partes do mundo[13], o que se revelou uma das principais estratégias de difusão do seu método. Ao retornar, muitos desses visitantes produziram relatórios e/ou livros descrevendo os princípios do método intuitivo ali desenvolvidos e os processos por meio dos quais as matérias eram ensinadas de forma intuitiva, os quais serviram de base para a criação ou implementação de escolas em seus países de origem. O próprio pedagogo suíço também escreveu vários textos expondo os resultados pedagógicos alcançados com o emprego do método na educação e instrução das crianças do instituto.

Ao recuperar alguns desses escritos, que de certo modo descrevem a vida cotidiana no Instituto Pestalozzi, em Yverdon, é possível acompanhar as tentativas de inserção e uso da álgebra na instrução elementar ali difundida. Segundo Pestalozzi (1812 [2009], p. 39, tradução nossa), “para merecer a qualificação de elementar, a instrução da criança na idade escolar deve aparecer como um desenvolvimento completo das disposições humanas e estar de acordo com a situação externa da criança”[14]. Por assim ser, ele encontrou no uso dos sentidos um caminho para ajustar as matérias de ensino ao desenvolvimento progressivo das faculdades das crianças e procurou suscitar os meios mais apropriados para favorecer esse desenvolvimento. A intuição foi entendida como a via que estimula o desenvolvimento da criança a partir de suas próprias forças internas, capturando dos objetos exteriores a fonte de todo o conhecimento e despertando a consciência das impressões que eles produzem. Assim, a intuição se tornou o princípio, a base e o meio para a instrução elementar.

Cada ramo do saber foi reduzido às suas partes mais elementares a fim de ser submetido aos sentidos. Sendo a intuição o ponto de arranque do ensino, os conhecimentos emergiam das manifestações das forças primitivas capazes de despertar a consciência para exprimir as impressões percebidas. Segundo Pestalozzi (1802 [2008], p. 53, tradução nossa), “a observação de todas as coisas é a fonte de todo nosso saber, o fundamento do ensino, [...], ou seja, o primeiro meio de aquisição das noções claras”[15]. Por chegarem à consciência pela via da intuição sensível, os elementos do saber oferecidos aos sentidos constituíam o ponto de partida e o fundamento do ensino. Porém, os elementos de cada saber emergiam na consciência de maneira distinta. Tudo dependia da própria natureza do saber.

No relatório produzido em 1808, Pestalozzi apresentou aos pais dos alunos e ao público em geral o trabalho e a organização do instituto de Yverdon. Ao descrever com detalhes o lugar e o papel de cada matéria ensinada, ele procurou mostrar como sua pedagogia de ensino elementar trabalhava agrupadamente – por vezes, simultaneamente – diferentes matérias formando “um todo vivo e orgânico, no qual os elementos se imbricam harmoniosamente”[16] (PESTALOZZI, 1808 [2008], p. 151, tradução nossa). No caso aqui particularizado, a descrição feita por Pestalozzi revelou que os elementos da aritmética se imbricavam com os da álgebra.

A aritmética ou arte do cálculo é abordada sob diferentes aspectos. O ponto de partida é o Ensino intuitivo da aritmética. Em seguida, vem o cálculo das raízes, baseado na observação do quadrado. A esse se relaciona o cálculo escrito, que é praticado no espírito do Ensino intuitivo da aritmética, a contabilidade e o que devem saber aqueles que se destinam à carreira comercial. Quando passamos à álgebra, os alunos familiarizados aos exercícios anteriores, mostrando muita segurança e uma extraordinária facilidade, tanto mais porque não se contentam, como costuma acontecer, em brincar com as fórmulas e usá-las como tais, sem poder tirar delas nada de novo: pelo contrário, eles têm uma intuição interior viva da sua necessidade. Eles não somente conhecem as coisas e as relações pelas quais elas são feitas, mas descobrem por si próprios relações que ainda ignoravam e delas tiram novas conclusões[17]. (PESTALOZZI, 1808 [2008], p. 154, grifos no original, tradução nossa).

Com a organização proposta ou com a imbricação harmoniosa das matérias, Pestalozzi contornava uma dificuldade que se apresentava ao ensino da álgebra por meio do método intuitivo. Seu conteúdo não pode ser reduzido a elementos observáveis, pois incide sobre relações e não sobre objetos, propriamente. Por isso, deveria ser introduzido quando as relações abstratas – o cálculo das raízes do quadrado – já estive constituído como desenvolvimento do ensino da aritmética, este sim iniciado por meio de seus elementos concretos. Estabelecidos tais elementos da aritmética, poderiam evoluir para suas relações e, por similitude ou derivação, as relações algébricas resultariam de intuição interior dos alunos. Conhecer outras relações pelas quais são feitas as coisas é a necessidade que os impulsionaria a descobrir novas relações e conclusões. Assim, a primeira etapa do ensino e do aprendizado da álgebra, segundo o método intuitivo de Pestalozzi, não ocorreria por meio das fórmulas – expressões de relações –, mas por exercícios do ensino intuitivo da aritmética. Por meio dessa graduação, os primeiros elementos da álgebra emergiriam das generalizações das relações entre as coisas percebidas intuitivamente, agrupadas à aritmética. Esse modo intuitivo de ensinar “assegura à criança [um aprendizado gradual] graças à sua progressividade sem falhas e conforme à sua psicologia”[18] (PESTALOZZI, 1802 [2008], p. 57, tradução nossa). Por meio dessa sequência metodológica, o método intuitivo de Pestalozzi procurava colocar a criança no ponto central da organização da aprendizagem e do método de ensino[19].

Nas fontes analisadas sobre as experiências pedagógicas pestalozzianas, a álgebra só passou a ser ensinada como matéria da instrução elementar das crianças no instituto de Yverdon. Um detalhamento sobre esse ensino também pode ser lido no relatório elaborado por Abel Mérian, Grégorie Girard e Frédéric Trechsel[20], a partir de uma visita feita ao Instituto Pestalozzi, em Yverdon, em 1810. Depois de apresentar a estrutura do instituto e os princípios pedagógicos que orientavam o ensino, os três visitantes relatam como cada matéria era conduzida. Em relação ao cálculo, a matéria se dividia em três partes que se sucediam: “cálculo mental, cálculo escrito, cálculo literal ou álgebra”[21] (MÉRIAN, GIRARD, TRECHSEL, 1810, p. 22, tradução nossa). Eles descrevem também como cada uma das três partes era trabalhada e como se relacionavam e pode-se destacar:

Álgebra. Ela não começa pela exposição de sinais, mas por um cálculo mental, que deve conduzir o raciocínio à solução dos problemas. Ou seja, faz-se para o cálculo literal o que se faz para a aritmética, onde os algarismos não estão a princípio, mas um cálculo mental fundado sobre as relações da visão.

Sem sinais e sem fórmulas, compara-se de início uma só quantidade desconhecida com as quantidades conhecidas, e a comparação se faz sobre todas as relações possíveis.

Os sinais e o cálculo algébrico se encontram na sequência com esse cálculo mental, e a marcha permanece a mesma. As primeiras equações apresentam apenas uma quantidade incógnita.[22] (MÉRIAN, GIRARD, TRECHSEL, 1810, p. 25, grifo no original, tradução nossa).

O ensino da álgebra, portanto, seguiria vinculado ao ensino da aritmética e seus primeiros elementos emergiam na solução mental dos problemas. Sem fazer uso de sinais, letras, ou fórmulas, o cálculo literal [algébrico] era praticado pelos alunos do Instituto Pestalozzi, em Yverdon, através da comparação das impressões e das relações entre as coisas vistas. Comparava-se a quantidade desconhecida com as demais conhecidas. As primeiras equações formadas pelos próprios alunos nunca excediam uma incógnita. O aumento das quantidades desconhecidas ocorria gradativamente e esse progresso estava condicionado ao sucesso dos alunos na resolução dos problemas iniciais. Para tornar intuitivo esses primeiros passos da álgebra, havia ainda material específico: 6 grandes tabelas para uso nas aulas, mencionadas nos escritos, mas ainda não localizadas. Pode-se supor que os primeiros elementos da álgebra surgiam dos problemas elaborados a partir dessas tabelas e, por consequência, as soluções eram apresentadas pelos alunos mentalmente ao analisar e comparar as relações figuradas nas tabelas.

Convém destacar que no relatório citado reafirma-se a indicação pestalozziana: “quanto ao cálculo, será lembrado que os elementos de Yverdon devem servir de introdução à álgebra”[23] (MÉRIAN, GIRARD, TRECHSEL, 1810, p. 190, tradução nossa). Os visitantes explicam também que, no Instituto Pestalozzi, os objetos do ensino eram distribuídos nos diferentes ramos e níveis da instrução de acordo com a idade e as forças intelectuais das crianças. Além dos elementos da aritmética se associarem aos da álgebra, também as noções elementares de geometria ou das relações das formas são combinadas com o desenho; sob a mesma orientação, o canto que exercita e desenvolve a voz era relacionado aos elementos da música; a ginástica se combinava com a recreação e os jogos, e assim sucessivamente. Desse modo, a visão global da instrução era garantida por dois princípios centrais da pedagogia pestalozziana: a graduação e o encadeamento.

As normas didáticas decorrentes desses princípios foram detalhadas no livro publicado, em 1812, por Marc Antoine Jullien que, após dois meses de visita ao Instituto Pestalozzi, descreveu em dois volumes a organização do instituto, os princípios do método e os procedimentos do método que faziam emergir os elementos primitivos de cada matéria ali ensinada, entre outros aspectos.

A descrição feita por Jullien revelou que, na pedagogia pestalozziana, a graduação assegurava a elevação progressiva da marcha da instrução de um grau para o outro, de acordo com o desenvolvimento das forças intelectuais da criança; o encadeamento estabelecia a ligação entre todas as partes estudadas em cada classe, combinado os saberes numa seriação contínua. A graduação, escala progressiva da instrução, “se fundamenta sobre a natureza em si, e corresponde à sua marcha gradual, no desenvolvimento do homem e das suas faculdades” (JULLIEN, 1812a, p. 159, tradução nossa). Por sua vez, o encadeamento, conector de diferentes objetos de ensino num mesmo grau, “é a operação que acrescenta sempre, a cada grau, novas correntes à mesma cadeia”[24] (JULLIEN, 1812a, p. 171, tradução nossa). Embora caracterizados pelas escalas vertical (graduação) e horizontal (encadeamento), a harmonização desses princípios poderia ser facilmente identificada no emprego do método intuitivo no ensino das matérias.

Essa operacionalização pode ser exemplificada no ensino elementar das matemáticas. Segundo Jullien (1812a, p. 87, grifo no original, tradução nossa), no Instituto Pestalozzi, “as matemáticas [aritmética, álgebra e geometria] são tratadas menos como ciências do que como instrumentos e meios próprios para desenvolver e fortificar a mente”[25] e seu ensino e aprendizado por meio de uma série contínua de exercícios assegurava estreita conexão das noções trabalhadas separadamente em cada grau e também garantia a ligação entre elas nos graus mais elevados. Jullien (1812a) relata que o estudo de cálculos ocorria em 5 etapas: i) a primeira intuição das unidades por meio de objetos materiais e móveis; ii) o cálculo mental; iii) o cálculo escrito; iv) o cálculo mental algébrico; v) o cálculo literal ou álgebra, expressa por sinais e fórmulas. Avançando por essas etapas, o aluno poderia compreender que o cálculo intuitivo adquiria uma nova forma que lhe é própria: o cálculo literal. Das noções intuitivas de unidades à álgebra propriamente dita, as 5 etapas do cálculo revelam, simultaneamente, elevação (graduação) e extensão (encadeamento) do conhecimento sobre os cálculos e sobre suas relações. No instituto de Pestalozzi, a graduação e o encadeamento atuavam, portanto, como princípios no estudo dos cálculos.

As etapas acima mencionadas caracterizavam três operações orgânicas das relações entre os números: 1) a composição; 2) a decomposição; 3) a comparação ou equação dos números e das grandezas. Para Jullien (1818b, p. 200, tradução nossa), “essas são as três bases de todas as operações aritméticas e algébricas”[26]. A primeira intuição de números por meio de objetos materiais pela ação da visão possibilitaria ao aluno comparar as quantidades e atribuir um valor para cada grupo de objetos. Essa relação, entre a quantidade de objetos e o valor numérico que os representa, chegaria à inteligência da criança pelos olhos: “ele tem a intuição dessa relação”[27] (JULLIEN, 1812b, p. 202, tradução nossa). É sobre essa base, percebida intuitivamente, que o aluno construiria seus primeiros cálculos mentais algébricos, suas primeiras equações: “essa equação, longe de ser para ele uma coisa abstrata, torna-se como um objeto material, cuja existência e realidade ele reconhece pelo sentido externo da visão”[28] (JULLIEN, 1812b, p. 202, tradução nossa).

Sem sinais nem fórmulas, os primeiros elementos da álgebra se manifestariam a partir da intuição sensível das relações entre os objetos materiais. No método intuitivo pestalozziano, “o cálculo ordinário e a álgebra estão tão unidos, no Método, que o primeiro é apenas uma preparação para conduzir ao outro”[29] (JULLIEN, 1812b, p. 201, grifo no original, tradução nossa).

Dito de outro modo, no Instituto Pestalozzi, a marcha seguida no cálculo intuitivo encaminharia o aluno até o cálculo literal e, por isso, aritmética e álgebra poderiam ser trabalhadas conjuntamente – como mostra a programação de uma jornada de atividades nesse Instituto (cf. Apêndice 1). Entretanto, a passagem de um conteúdo a outro deveria ser guiada pelo desenvolvimento das forças intelectuais da criança. Depois de, pelo menos três anos, estudando os cálculos pelo método intuitivo, a criança estaria com as forças intelectuais devidamente preparadas para aprender os elementos da álgebra. Segundo Jullien (1812b, p. 209, tradução nossa), “aqui, [no Instituto Pestalozzi], faz-se começar as matemáticas aos 9 ou 10 anos; as crianças tornam-se capazes de iniciar nos elementos da álgebra aos 12 ou 13 anos, para não ter que apressar sua marcha”[30].

Outras fontes documentais indicam que houve aperfeiçoamento na operacionalização do método. Novos modos de ensinar intuitivamente os cálculos levaram crianças de 8 ou 9 anos a resolver problemas por meios algébricos. Num dos seus últimos escritos, publicado em 1826, – ou seja, um ano após o encerramento das atividades no instituto em Yverdon e um ano antes da sua morte –, o pedagogo suíço destinou à nação francesa novos relatos dos seus princípios e das suas experiências sobre a educação e instrução elementar das crianças. Além de detalhar as normas didáticas e pedagógicas do seu método intuitivo, Pestalozzi ofereceu exemplos sobre como ensinar as diferentes matérias pela intuição e indicou a idade apropriada para a aprendizagem desse saber. Para ele, “a criança de seis e sete anos precisa de exercícios fundados na intuição externa”[31] (PESTALOZZI, 1826, p. 13, tradução nossa) e é capaz de aprender a contar e a calcular por meio de objetos concretos.

Se bem manejadas, as relações de cálculo intuitivo a partir de objetos concretos possibilitariam a imersão da criança no universo da álgebra e, por isso, “a ciência do cálculo das grandezas em geral, a álgebra, encontra seu lugar no nosso método”[32] (PESTALOZZI, 1826, p. 49-50, tradução nossa). O cálculo das grandezas diz respeito a tudo que pode ser contado, medido e calculado mediante o aumento, a diminuição, a extensão, o tempo e o peso, identificados por um valor que representa a quantidade presente numa coleção de objetos da mesma espécie (um conjunto de lápis, num conjunto de frutas, por exemplo); dessas relações entre objetos concretos e o valor que os representa emergem os elementos da álgebra. Por meio do cálculo mental, as crianças resolveriam problemas de primeiro grau, com um ou mais valores desconhecidos, “como um exercício de combinação intelectual de quantidades gerais, sem a menor assistência do professor, e [que] esta facilidade deve mesmo ser considerada como uma continuação necessária do desenvolvimento intelectual da criança[33]. (PESTALOZZI, 1826, p. 50, tradução nossa).

Do mesmo modo, isto é, sem o uso de sinais, letras, fórmulas ou regras, outras noções – como os números negativos – também eram trabalhadas intuitivamente. Pestalozzi afirma que o método por ele proposto levava a criança a perceber que o zero era o centro entre as grandezas negativas e as grandezas positivas e que, para tornar essa verdade evidente ao aluno e ver manifesta a intuição dessa relação, bastaria fazer uso de exemplos simples e de objetos, como pode ser acompanhado na seguinte explicação.

Eu irei lhe propor, portanto, o seguinte problema: Qual é a diferença de 1 positivo para 1 negativo? Eu suponho que apenas o aluno de 8 a 9 anos, desde que ele esteja acostumado a observar, responderá facilmente à minha pergunta e conhecerá a verdade importante por trás dela. Porque, usando, para representar a diferença que ele busca, um objeto intuitivo, por exemplo, o cubo, ele descobrirá, que de 1 a nada (zero) há uma vez esse objeto; que de nada a uma vez esse objeto menos do que nada, há a diferença de uma vez esse objeto[34]. (PESTALOZZI, 1826, p. 51, tradução nossa).

E continuou...

Isso que chamamos ordinariamente de álgebra, não é outra coisa, para o aluno conduzido por nossos princípios, que uma representação escrita, sob formas e regras gerais, disso que ele já se apropriou intelectualmente. Não há necessidade de ensinar-lhe nenhuma regra, ele as encontrará e as escreverá, ele mesmo, e se lembrará delas melhor, pois elas serão o resumo de suas próprias reflexões[35]. (PESTALOZZI, 1826, p. 51, tradução nossa).

Na instrução elementar pestalozziana, a álgebra reduzida aos seus elementos mais primitivos era ensinada e aprendida acompanhando a mesma marcha do ensino da aritmética, ambas objetivadas no método intuitivo: 1) intuição das unidades; 2) cálculo mental; 3) cálculo escrito. Descolados, a priori, das definições, regras, sinais, fórmulas e axiomas, os elementos da álgebra se imbricavam com os da aritmética tendo como ponto de partida do ensino as impressões das relações de grandezas capturadas pelos sentidos face aos objetos materiais. Às etapas mencionadas, acrescentavam-se: 4) cálculo mental algébrico; 5) cálculo literal ou álgebra propriamente dita. Nivelados ao desenvolvimento das forças intelectuais das crianças, as diferentes séries de exercícios de cálculos eram sistematizadas obedecendo aos princípios da graduação e do encadeamento, de modo a garantir que a aritmética fosse uma preparação para a álgebra, tornando-as matérias elementares organicamente unidas e constituídas.

Como se pode depreender da documentação analisada, a introdução e o desenvolvimento das matérias a serem ensinadas na educação primária, na proposição de Pestalozzi, eram organicamente entrelaçadas ao método de ensino: os princípios que presidiam o método indicavam o tempo ideal para a aprendizagem, a dosagem e o aprofundamento do conhecimento. Essa coerência, certamente, era um dos pilares a sustentar a disseminação do método, o que aconteceu no Japão, Alemanha, Inglaterra, Irlanda, França, Espanha, Itália, Portugal, Canadá, Estados Unidos, Venezuela, Argentina, entre outros países.

Nesse processo, essa concepção foi recepcionada, apropriada, remodelada e ressignificada por agentes e espaços específicos, como afirma Livingstone (2003). No Brasil, ao final do século XIX, não foi diferente; o método intuitivo de Pestalozzi foi tomado como referência de modernização didática e pedagógica do sistema de ensino público de São Paulo. Convém, portanto, particularizar a análise sobre a álgebra e verificar sua prescrição nos programas e nos métodos designados para a escola primária, como se fará a seguir.

2. A ESCOLA PRIMÁRIA PAULISTA: ensinando uma álgebra intuitiva?

O último programa organizado é mesmo, em muitos pontos, inferior aos do tempo da monarquia. [...].

A respeito da Álgebra, não se encontram nos programas nem as quatro operações, entretanto, nas escolas régias, o ensino chegava até as equações do 1º grau.

O ensino nos grupos [escolares] é, pois, muito incompleto e incongruente, não por incompetência de quem organizou o programa, mas por exigências sem fundamento dos que têm legislado sobre o assunto ou das autoridades superiores da instrução pública. (BREVES, 1906, p. 753-754, grifo do autor).

A epígrafe acima testemunha e critica o desaparecimento da álgebra do currículo da escola pública primária paulista. Serve também, como elemento de comparação, para o professor Arthur Breves atribuir inferioridade ao programa de ensino prescrito para os grupos escolares paulistas que entrava vigor em 1905; para ele, a retirada da álgebra do currículo, além de caracterizar uma incompletude da instrução primária, rompia com uma tradição que vinha desde as escolas régias[36], entre o final do século XVIII e o início do século XIX.

Para qualificar os argumentos do professor, convém examinar a tradição por ele alegada. O Decreto n. 630, de 17 de setembro de 1851, que autorizou a reforma no ensino primário e secundário do munícipio da Corte, dividia a instrução primária em duas classes e estabelecia as seguintes matérias obrigatórias referentes aos saberes matemáticos: na 1ª classe, “os princípios elementares do cálculo e sistemas mais usuais de pesos e medidas”; na 2ª classe, “aritmética, noções de álgebra e de geometria elementar, desenho linear”. No entanto, esta rubrica não constava nos programas de ensino do município da Corte durante os 26 anos seguintes. Em 1877, com o Decreto n. 6.479, de 18 de janeiro, ela reapareceu no corpus das matérias obrigatórias da instrução primária e permaneceu na Reforma proposta por Leôncio de Carvalho, lavrada pelo Decreto n. 7.247, de 19 de abril de 1879, que não entrou totalmente em vigor, e desapareceu, novamente, até o final do regime monárquico.

Para compreender esse movimento no contexto paulista, recorreu-se à pesquisa de Basei (2020) que investigou a trajetória da álgebra a partir das prescrições para a formação dos professores primários para o ensino público de São Paulo. A autora se debruçou sobre um amplo conjunto de documentos, promulgados, entre 1880 e 1911 e, ao examiná-los e tensioná-los, analisou sua inserção correlata como um saber a ensinar no curso primário desse estado. Foram cotejados outros documentos codificadores exarados na província de São Paulo durante o período monárquico, mais precisamente, entre 1846 (quando ocorreu a primeira organização da instrução) e 1887 (última reforma antes da República)[37].

Essa análise evidenciou que a primeira vez que a álgebra apareceu no rol dos saberes do ensino primário público paulista foi através do Ato de 02 de maio de 1885[38]. Ao propor uma reforma da instrução, esse Ato dividia o ensino primário em três graus. O plano de ensino para o 2º grau recomendava ensinar “álgebra até equação e problemas do primeiro grau”. Para o 3º e último grau primário indicava a “continuação do estudo de álgebra até as equações do segundo grau com problemas” (SÃO PAULO, 1885, p. 19). Dois anos mais tarde, a Lei de 1887 conservou rigorosamente essa mesma organização do ensino primário e também a mesma formalização para a álgebra primária. Ambas as reformas paulistas acompanharam a indicação da Reforma Leôncio de Carvalho (1879) – incluindo a álgebra no ensino primário da Corte – e não aquelas contidas nos Pareceres de Rui Barbosa (BARBOSA, 1947) – que omitiu a álgebra do currículo da escola primária. Trata-se de opção curricular significativa, uma vez que um dos pontos centrais da discordância entre Leôncio de Carvalho e Rui Barbosa, nesse conjunto de documentos, dizia respeito à operacionalização do método de ensino intuitivo.[39]

Assim, convém reiterar que esteve oficialmente expresso que a escola pública primária paulista deveria ensinar álgebra até as equações do segundo grau. Entendida como sinal de melhoramento do sistema escolar, esta introdução estaria, numa opinião da época, seguindo os sistemas de ensino mais avançados.

A inclusão desse conteúdo na organização curricular foi acompanhada da produção de impressos para subsidiar o trabalho dos professores. Antônio Bandeira Trajano[40] não tardou em lançar seu livro Álgebra Elementar, em 1888, registrando no prefácio da obra que a província de São Paulo estaria alinhada aos progressos educacionais de outras nações ao incluir a álgebra no programa da escola primária.

Na Inglaterra, na França, na Alemanha e principalmente nos Estados Unidos a álgebra é considerada como um dos ramos mais úteis e interessantes da instrução. Tal é a importância que ali se dá a esta matéria, que já foi incluída como parte do ensino obrigatório nas escolas primárias, onde agora os meninos e meninas aprendem a converter facilmente os dados de um problema em uma equação algébrica. [...].

Felizmente já vemos sinais de grande melhoramento. O Estado de São Paulo, que nestes últimos anos tanto se tem avantajado ao ponto de apresentar um desenvolvimento material e uma atividade que causam pasmo, chegado a este grau de engrandecimento, não pôde suportar por mais tempo o sistema atrasado e rotineiro de ensino que os seus antepassados lhe legaram, e por isso acaba de fazer uma reforma completa na instrução pública, introduzindo, entre outros melhoramentos, o ensino obrigatório de álgebra nas escolas primárias. (TRAJANO, 1888 [1905], p. 3).

Assim como ocorreu com a sua trilogia aritmética, Antônio Bandeira Trajano se apropriou de livros didáticos publicados nos Estados Unidos para compilar essa Álgebra Elementar (OLIVEIRA, 2017). A imagem a seguir evidencia as adaptações feitas a partir do livro New Elementary Algebra: Embracing the First Principles of the Science, de autoria do professor de matemática do Columbia College, Charles Davies. A obra de Davies circulava por escolas primárias estadunidenses desde 1865 e, em São Paulo, desde 1902 pelo menos[41].

Apropriações de Charles Davies por Antônio Trajano.
Figura 1
Apropriações de Charles Davies por Antônio Trajano.
DAVIES, 1865, p. 48 (imagem superior); TRAJANO, 1905, p. 16 (imagem inferior).

Apropriações de Charles Davies por Antônio Trajano.
Figura 1
Apropriações de Charles Davies por Antônio Trajano.
DAVIES, 1865, p. 48 (imagem superior); TRAJANO, 1905, p. 16 (imagem inferior).

Com o fim o Império e início da República, em 1889, novos ventos sopraram para a reorganização do sistema escolar público de São Paulo. Para dar o devido sentido ao novo regime, o governo de São Paulo não poupou esforços para fazer da instrução uma vitrine de exposição dos ideais republicanos. A escola foi vista como “único meio de evitar a ruína da República” (PRESTES, 1895, p. 17) oferecendo ao novo cidadão uma formação escolar composta por “uma notável soma de conhecimentos, que resultam sinteticamente das noções enciclopédicas hauridas em diversos ramos do estudo” (CAMPOS, 1890, p. 5).

Com o objetivo de imprimir essa feição ao ensino, o estado de São Paulo construiu, em apenas seis anos, um aparelho escolar com escolas de todos os níveis: em 1890, ocorreu a reforma da Escola Normal e a criação da Escola-Modelo; em 1891, autorizou a criação da Escola Superior de Agricultura e outra de Engenharia; em 1892, criou a primeira Escola Politécnica de nível superior e o Instituto Politécnico como escola superior de matemáticas aplicadas às artes e indústrias; em 1892, instituiu-se a reforma geral da instrução pública que estabelecia o ensino primário em dois cursos – um preliminar (com duração de 4 anos de “estágio escolar” para utilizar uma expressão da época) e outro complementar (também com duração de 4 anos), bem como a criação do ginásio; em 1894, ocorreu a regulamentação dessa reforma geral e a oferta do curso preliminar nas escolas isoladas, reunidas e nos grupos escolares; em 1896, criou-se o Jardim de Infância e foi aprovado o regulamento das escolas complementares, alterando suas finalidades e reduzindo o ensino primário para 4 anos. Fundamentada no princípio da graduação do conhecimento, essa maquinaria escolar era apresentada com o propósito de conduzir os estudantes do Jardim da Infância aos cursos superiores, transformando-os em cidadão republicanos.

Por meio da legislação, principal dispositivo utilizado para a consecução das finalidades didático-pedagógicas, estabeleceu-se uma hierarquia para a consecução das políticas educacionais e o Decreto n. 27 de março de 1890 determinou que “de todos os fatores da instrução popular o mais vital, poderoso e indispensável é a instrução primária” (SÃO PAULO, 1890, p. 1). Talvez, por encabeçar a hierarquia de importância oficialmente expressa, a escola primária paulista foi, ao longo do tempo, se configurando por sucessivas reformas; nessas intervenções, as matérias e os saberes escolares também foram se transformando, mas, do ponto de vista didático-pedagógico, permaneceu a crença na eficácia do método intuitivo (VALDEMARIN, 2004; 2010; 2018; SOUZA, 2004).

Quanto ao ensino da álgebra, aqui tematizado, as alterações, a princípio, não foram significativas. Nas Escolas-Modelo, criadas em 1890, permaneceu o programa que estava em vigor desde 1885 e recomendava ensinar “álgebra até equação e problemas do primeiro grau e a continuação do estudo de álgebra até as equações do segundo grau com problemas” (SÃO PAULO, 1885/1887/1890) para os 2º e 3º graus primários.

A Lei n. 88, de 08 de setembro de 1892, promoveu uma remodelação no ensino primário, que passou a ser oferecido em escolas preliminares (com 4 anos de duração escolar) e em escolas complementares (com igual duração), possibilitando a ampliação do conteúdo a ser ensinado. Para a álgebra, previa-se sua extensão até as equações de segundo grau.

Essa determinação provocou críticas e o professor Mário de Arantes utilizou as páginas do jornal o Popular, na edição de 21 de outubro de 1892, para questionar a criação das escolas complementares e a correlata ampliação do conteúdo argumentando com a insuficiente formação dos professores para a obtenção dos resultados pretendidos. Aos 25 de outubro de 1892, o professor Carlos de Escobar retrucou, contundentemente, tais críticas no jornal O Estado de São Paulo, utilizando a álgebra como exemplo. Disse Escobar:

Os atuais normalistas podem preparar-se, ensinando o que não aprenderam na escola normal. Tomo ao acaso uma das novas disciplinas introduzidas no programa de ensino [das escolas complementares]. A álgebra, por exemplo, presta-se à minha argumentação. Pensa o colega que é difícil estudar álgebra até equações do segundo grau [como prevê o programa das escolas complementares]? Toda dificuldade desta ciência reduz-se a por o problema em equação. Não há regra positiva para tal. A aptidão para os estudos de matemática e o hábito de calcular são o mais seguro guia. A resolução da equação depende de quatro regras facílimas. Os nossos colegas [normalistas], habituados ao estudo, poderão em 30 dias conhecer a álgebra até equações de segundo grau. O mesmo raciocínio aplica-se a outras matérias. (ESCOBAR, 1892, p. 2, grifo do autor).

Em suas reminiscências de estudante, o professor João Lourenço Rodrigues menciona o uso da álgebra como “um artifício engenhoso” para demonstrar as teorias da aritmética. “Nessas condições [completou Rodrigues], éramos coagidos a ir fazendo aplicações de pura álgebra, sem nos apercebermos disso, e sem estudos preliminares de espécie alguma” (RODRIGUES, 1930, p. 159). O relato corrobora o argumento do professor Escobar de que a formação dos normalistas trazia elementos da álgebra, quer como um saber a ensinar, quer como linguagem ou “artifício engenhoso” para ensinar as teorizações aritméticas (BASEI, 2020).

As críticas não interferiram na criação de um novo programa de ensino: “em 1893, Oscar Thompson, Benedicto Maria Tolosa e Antônio Rodrigues Alves elaboraram o programa para as matérias do curso preliminar atendendo o previsto na reforma de 1892” (SOUZA, 2009, p. 83) e as normas didáticas praticadas na Escola-Modelo, sob a direção de Oscar Thompson. Nessa instituição, “Oscar Thompson, secundado por Benedicto Tolosa e outros companheiros de trabalho, empenharam-se antes de tudo para fazer da nova instituição de ensino [a Escola-Modelo] uma escola brasileira para crianças brasileiras” (RODRIGUES, 1930, p. 319).

Os autores do referido programa de 1893 faziam parte do corpo diretor e colaborador da revista pedagógica A Eschola Publica[42], veículo que anunciava e objetivava as marcas da nova fase de institucionalização da instrução pública do estado de São Paulo. Do ponto de vista metodológico, a modernização do ensino paulista era explicitamente vinculada aos princípios do método desenvolvido por Pestalozzi e, a fim de facilitar sua disseminação entre os leitores, tais princípios, transformados em aforismos, eram distribuídos, em impressão de luxo, que “pode ser pregada nas paredes das salas de aula ou de professores” (A ESCHOLA PUBLICA, 1894, n. 6, p. 48 e A ESCHOLA PUBLICA, 1895, p. 358).[43]

Referenciado metodologicamente no ensino intuitivo pestalozziano, o programa de ensino das escolas preliminares, anexado ao Decreto n. 248, de 26 de julho de 1894, que regulamentou a reforma geral da instrução pública do Estado, expôs detalhadamente os conteúdos de cada matéria distribuídas pelas duas séries de cada ano letivo. A distribuição ordenada dos conteúdos revela que cada etapa do saber é irredutível a outra; cada conjunto de saberes de uma série é base para a série seguinte, princípio que organizava também a divisão do trabalho docente. Esse programa apresenta a incorporação de várias matérias, visando dar ao cidadão uma formação integral. Embora o referido decreto não apresente a programação das matérias para as escolas complementares de nível primário, conjectura-se a permanência do programa que estava em vigor desde 1885 recomendando ensinar “álgebra até equação e problemas do primeiro grau e a continuação do estudo de álgebra até as equações do segundo grau com problemas” (SÃO PAULO, 1885/1887/1890).

Dois anos depois, o regimento interno das escolas complementares foi regulamentado pelo Decreto n. 400, de 06 de novembro de 1896 e sua finalidade foi alterada, destinando-se essa modalidade a formar os professores para atuar nas escolas preliminares e a álgebra perdeu seu espaço no programa da escola primária pública paulista. Contudo, permaneceu no âmbito da formação de professores – nas escolas complementares e nas escolas normais – nos quais o livro Álgebra Elementar, de Antônio Trajano, passou a ser amplamente utilizado[44] (BASEI, 2020).

Com a virada do século, o currículo da escola primária foi perdendo sua característica enciclopédica e se configurando pela difusão de instrução mais prática e menos teórica, mais utilitária e menos propedêutica, mais alfabetizante e menos científica. Essas feições práticas, utilitárias e, por vezes, alfabetizadoras da escola primária pública paulista coincidiram com a supressão da álgebra dos programas de ensino que entraram em vigor em 1905, 1918, 1921, 1925 e 1934 (denominado de programa mínimo), ou seja, durante as primeiras décadas do século XX.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo aqui particularizado mostrou – sob uma mesma orientação metodológica de ensino – dois movimentos distintos da incorporação da álgebra na escola primária. Com o amparo da documentação analisada, verificou-se que, apesar do nível de abstração que caracteriza os saberes algébricos, o método desenvolvido por Pestalozzi em Yverdon constituiu a base que permitiu o ensino e aprendizagem da álgebra. A concepção metodológica orientou o ritmo para sua introdução, a conjunção harmoniosa com outros saberes e graduação para seu desenvolvimento. Nas práticas do Instituto Pestalozzi, o método possibilitava que o estudo da álgebra emergisse a partir das generalizações das relações entre os objetos percebidas no ensino da aritmética. A álgebra constituía-se, portanto, como sucessão intuitiva e progressiva da aritmética. Assim sendo, a noção de epistemologia dos saberes escolares (DEVELAY & ASTOLFI, 2005) permite considerar que na escola primária pestalozziana, a álgebra tinha no método intuitivo não somente o modo “sensível/experimental” do seu ensino, mas principalmente a sua natureza epistemológica.

Recepcionada no contexto escolar paulista do final do século XIX, a pedagogia de Pestalozzi foi ressignificada e o ensino intuitivo das matérias da escola primária ganhou outras orientações. No caso da álgebra, constatou-se que a sua presença nessa etapa da escolarização da criança não foi decorrência direta dos princípios metodológicos, mas sofreu injunções da ampliação ou diminuição do tempo escolar e, consequentemente, do arranjo curricular proposto para o ensino primário. Por sua vez, este ligava-se ora ao caráter enciclopédico do programa de ensino ora à redução dessas intenções. Essas mesmas injunções determinaram o encadeamento lógico dos saberes matemáticos, campo disciplinar que parece ter funcionado, no arranjo escolar paulista, como o fundamento epistemológico para o ensino da álgebra.

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ANEXO 1

Uma jornada de atividades no Instituto de Pestalozzi, em 1812, com a distribuição das matérias e do tempo escolar.[45]
Tempo Matéria(s)/Atividade(s) Dinâmica da(s) atividade(s)
5h45 Religião e Moral Levanta-se às 5h 45, tanto no inverno como no verão. Depois de se ocuparem dos afazeres domésticos, começa a jornada de estudos por arguição sobre religião e moral, que são adaptadas, em cada classe, à idade e ao grau de inteligência dos alunos.
7h Prece Duas vezes por semana: uma reunião geral para a prece comum com Pestalozzi (não mais que 15 minutos). Nos outros dias: cada professor faz o mesmo em sua classe.
7h15 – 7h45 Higiene Banho para as crianças. Inspeção especial das roupas (numeradas para cada aluno) e sua limpeza.
7h45 – 8h Café da manhã Cardápio: uma sopa, ora gordurosa ora cevada, ervilha, arroz. Alguns alunos comem, preferencialmente, e dependendo da estação, pão e frutas.
8h – 9h Línguas: Francês ou Alemão / Latim ou Grego Ocupa-se alternativamente dos elementos de línguas francesa, alemã, latim e grego ensinados de acordo a distribuição dos alunos. Essa distribuição ocorria não segundo a idade, mas segundo suas capacidades constatadas depois de 10 meses de observação.
9h – 10h Relações das Formas ou Geometria e Desenho Ensina-se alternativamente, a cada dois dias, os elementos das relações das Formas ou Geometria e Desenho.
10h – 11h Cálculo e Álgebra Exercícios de Cálculo e Álgebra de acordo com o progresso lento e gradual do Método. Problemas são dados para serem resolvidos. Existem três cursos diferentes, dependendo da força dos alunos: 1) Cálculo mental, que é também usado em álgebra; 2) Cálculo com os sinais combinados, os algarismos para Aritmética, as letras para Álgebra, que podem ser traçados na ardósia, usando botões ou lápis; 3) Os exercícios das duas primeiras lições são reduzidos a regras positivas, para simplificar e abreviar o cálculo. As crianças procuram e descobrem por si como proceder; o professor as orienta e as ensina a inventar.
11h – 12h Trabalho livre Sob a inspeção do professor, os alunos permanecem em classe e fazem o que eles quiserem de modo a não perturbar os demais. Uns fazem cálculos necessários para o comércio; outros se aperfeiçoam no Desenho; outros aprendem uma língua estrangeira. Todos os alunos estão ocupados.
12h – 12h45 Recreação Recreação no pátio ou no jardim, ou nos corredores se chover. Os jogos são como exercícios de ginástica: batem palmas, jogam bola, tiro com arco ou o chamado jogo de “barras”, bem conhecido em Yverdon. Correm, escalam, balançam. Ou cultivam o pequeno jardim atrás do castelo.
12h45 – 14h Sino para almoço e, em seguida, recreação Cada seção come em uma sala de jantar separada, pois os pequenos precisam comer mais devagar. O cardápio: sopa, prato de legumes cozidos e com uma taça de vinho e pão à vontade. Alguns alunos comem a salada que eles próprios cultivaram. Cada refeição começa com uma breve oração. Um aluno pronuncia em voz alta. Os professores comem com os alunos. Não lemos à mesa, porque a mente deve permanecer livre. Recreação até às 14h00
14h – 14h30 Caligrafia ou Matemáticas Exercícios de escrita em francês ou em alemão. Para os mais avançados, exercícios de Desenho ou Matemáticas.
14h30 – 15h30 Geografia e História Sob os olhos e direção do professor, os alunos desenham cartas geográficas, que resultam em pequenos atlas.
15h30 – 16h30 Jogos Caminhadas sob os castanheiros ou à beira do lago, onde a nação e a patinagem alternam com as estações.
16h30 – 17h “Alimentação” Degustar pão e frutas, manteiga ou queijos, frutas secas e geleia. Cada um vai comer onde desejar.
17h – 18h Leitura em Francês Exercícios de francês: conversação, leitura e tradução na língua francesa.
18h – 19h História natural e outras Três vezes por semana: arguição sobre História natural, Mineralogia, Botânica, Entomologia. Nos outros dias: Canto e Música com ou sem instrumentos.
19h – 19h45 Ginástica Exercícios de Ginástica ou trabalho livre.
19h45 – 20h15 Prece ou Recreação Três vezes por semana: Prece geral com Pestalozzi ou Niederer. Os outros dias: Recreação.
20h15 – 21h Jantar Cardápio: arroz ou sopa de leite, seguido de um assado, acompanhado de salada ou vegetais. Sem vinho, exceto para crianças fracas e sobre o conselho do médico. Depois do jantar, meia hora de recreação, se possível no jardim.
21h Dormir -
Alunos estudiosos podem ler e trabalhar até 22h ou mesmo, três vezes por semana, até 23h.
Construído pelos autores a partir de Jullien (1812b).

Notas

[1] Este artigo traz resultados parciais de dois projetos de pesquisa. Um deles intitulado “Concepções e métodos para ensinar: circulação de ideias pedagógicas Brasil-Estados Unidos”, financiado pelo CNPq na modalidade Produtividade em Pesquisa (Processo 311711/2019-7); o segundo “Saberes e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-...)”, financiado pela FAPESP (Processo 2018/26699-4).
[4] No original: “Les pratiques actuelles d’enseignement sont toujours des sédimentations de pratiques historiquement constituées” (SCHNEUWLY, 2014, p. 17).
[5] No original: “C’est à Pestalozzi que revient la gloire d’avoir osé le premier introduire les mathématiques (arithmétique, géométrie, algèbre) dans le programme de l’enseignement populaire”.
[6] A disseminação da metodologia pestalozziana valeu-se, em larga escala, de manuais didáticos elaborados com a finalidade de descrever ou adaptar os princípios, a organização curricular e as práticas pedagógicas operacionalizadas nas instituições criadas pelo autor, os quais foram traduzidos para vários idiomas. Vale mencionar: nos Estados Unidos, os manuais de Edward Austin Sheldon (1862) e de Norman Allison Calkins (1862), ligados à Escola Normal de Oswego; na Inglaterra, os manuais de Elizabeth Mayo (1859) e na França, aqueles de autoria de Charles e Fanny Delon (1892).
[7] No original: “La partie mathématique de l’instruction est, sans contredit, la plus propre à faire sentir l’exactitude rigoureuse et la méthode positive à laquelle l’instruction tout entière doit être ramenée. Or, si l’enseignement de cette Science elle-même est reconnu comme devant être change; je suis assure d’avance qu’un pareil changement paraîtra necessaire dans toutes les autres branches de l’instruction. La manière détaillée dont je traite cette partie, fera connaître d’avance la marche que je dois suivre dans toutes les autres”.
[8] Análise detalhada das principais experiências pedagógicas realizadas por Pestalozzi e dos fundamentos do método de ensino por ele preconizado podem ser encontradas em Oliveira (2017), às quais são acrescentadas aqui informações e particularizado o caso da álgebra.
[9] A “Carta de Stans [Lettre de Stans]” pode ser lida em:

https://www.meirieu.com/PATRIMOINE/lettredestans.pdf

[10] No instituto de Berthoud, Pestalozzi recebeu a visita de Johann Friedrich Herbart, Arthur Schopenhauer, Daniel Alexandre Chavannes, entre outros. Nesse período, o pedagogo suíço expôs suas descobertas pedagógicas em cartas que foram reunidas no livro Comment Gertrude instruit ses enfants, publicado em 1801; também publicou entre 1803 e 1804, as obras Livre des mères e ABC de l’intuition.
[11] No original: “Ami, l’intuition sensible est considérée comme le point d’où part l’enseignement, [...]. Elle n’est rien d’autre que la simple présence des objets extérieurs devant les sens et le simple éveil de la conscience des impressions qu’ils produisent”.
[12] No original: “L’institut veut être l’université́ de l’enfance”; “Cet institut est un véritable laboratoire pédagogique”.
[13] Nos 20 anos de funcionamento do Instituto Pestalozzi em Yverdon, eram frequentes visitas e estágios, entre eles destacam-se: John Henry Synge, Charles Mayo, Robert Owen, o padre Grégorie Girard, Johann Gottlieb Fichte.
[14] No original: “Pour mériter le qualificatif d’élémentaire, l’instruction de l’enfant d’âge scolaire doit apparaître comme un développement complet des dispositions humaines et être en accord avec la situation extérieuse de l’enfant”.
[15] No original: “l’observation de toute chose est la source de tout notre savoir, […], c’est-à-dire le moyen premier d’acquérir des notions claires”.
[16] No original: “un tout vivant et organique, don’t les éléments s’imbriquent harmonieusement”.
[17] No original: “L’arithmétique ou art du calcul est abordée sous différents aspects. Le point de départ est l’Enseignement intuitive de l’arithmétique. Puis vient le calcul des racines, basé sur l’observation du carré. A cela se rattachent le calcul écrit, qui est exercé dans l’esprit de l’Enseignement intuitive de l’arithmétique, la comptabilité et ce que doivent savoir ceux qui se destinent à une carrière commerciale. Quand on passe à l’algèbre, les élèves rompus aux exercices antérieurs montrent beaucoup d’assurance et une extraordinaire facilité, d’autant plus qu'ils ne se content pas, comme c’est le cas d’habitude, de jouer avec des formules et de les utiliser telles quelles, sans pouvoir en tirer quoi que ce soit de nouveau: au contraire, ils ont une intuition intérieure vivante de leur nécessité. Non seulement ils connaissent les choses et les rapports dont elles sont faites, mais découvrent par eux-même des rapports qu’ils ignoraient encore et en tirent de nouvelles conclusions”.
[18] No original: « [...]; il assure à l’enfant grâce à sa progressivité sans faille et conforme à [sa] psychologie”.
[19] Dizia ele: “L’enfant de la Méthode est placé d’emblée, dans tout ce qu’il apprend, au point central” (PESTALOZZI, 1808 [2008], p. 160).
[20] Enviados como representantes da Comissão da Assembleia Federal Suíça [Commission de la Diète Helvétique], Abel Mérian era membro do conselho do cantão de Bâle; Grégorie Girard era um padre da ordem de São Francisco de Assis em Friburgo; e Frédéric Trechsel era professor de matemática em Berna.
[21] No original: “la calcul de tête, calcul de chiffres, calcul littéral ou algèbre”.
[22] No original: “Algèbre. Elle ne commence pas par l’exposé des signes, mais par un calcul de tête, qui doit conduire le raisonnement à la solution des problèmes. C’est-à-dire que l’on fait pour le calcul littéral ce que l’on fait pour l’arithmétique, où les chiffres n’étaient pas en premier, mais un calcul de tête fondé sur les rapports de la vue. Sans signes et sans formules, on compare d’abord une seule quantité inconnue avec des quantités données, et la comparaison se fait sous tous les rapports possibles. Les signes et le calcul algébrique relèvent dans la suite ce calcul de tête, et la marche reste la même. Les premières équations ne présentent qu’une seule quantité inconnue”.
[23] No original: “Quant au calcul, on se souviendra que les éléments d’Yverdon devant servir d’introduction à l’algèbre”.
[24] No original: “La gradation se fonde sur la nature elle-même, et correspond à sa marche graduelle, dans le développement de l’homme et de ses facultés”; “L’enchaînement est l’opération qui ajoute toujours, dans chaque degré, de nouveaux anneaux à la même chaîne”.
[25] No original: “les mathématiques sont moins traitées comme des sciences que comme des instruments et des moyens propres à développer et à fortifier l’esprit”.
[26] No original: “sont les trois bases de toutes les opérations arithmétiques et algébriques”.
[27] No original: “Il a l’intuition de ce rapport”.
[28] No original: “Cette équation, loin d'être pour lui une chose abstraite, devient comme un objet matériel, dont il reconnaît l’existence et la réalité par le sens extérieur de la vue”.
[29] No original: “Le calcul et l’algèbre sont tellement unis, dans la Méthode, que le premier n’est qu’une préparation pour conduire à l’autre”.
[30] No original: “Ici, on fait commencer les mathématiques à 9 ou 10 ans; on rend les enfants capables d’être initiés aux éléments de l’algèbre à 12 ou 13 ans, pour n’avoir point à presser leur marche”.
[31] No original: “L’enfant de six à sept ans a besoin d’exercices fondés sur l’intuition extérieure”.
[32] No original: “La science du calcul des grandeurs en général, l’algèbre, trouve sa place dans notre méthode”.
[33] No original: “Des élèves dirigés d’après nos principes, parviennent dans le calcul de tête, comme exercice de la combinaison intellectuelle des grandeurs générales, au point de résoudre toute espèce de problème du premier degré, d’une, de deux et de plusieurs grandeurs inconnues, sans la moindre assistance du maître, et que cette facilité doit même être envisagée comme une suite nécessaire du développement intellectuel de l’enfant”.
[34] No original: “Je lui proposerai donc le problème suivant: Quelle est la différence de 1 positif à 1 négatif? Je suppose l’élève, seulement âgé de 8 à 9 ans, pourvu qu’il ait été accoutumé à observer, il résoudra facilement ma question, et connaîtra l’importante vérité qu’elle renferme. Car, en me servant, pour représenter la différence qu’il cherche, d’un objet intuitif, par exemple, du cube, il trouvera, que de 1 jusqu’à rien (zéro) il y a une fois cet objet; que de rien jusqu’à 1 fois cet objet de moins que rien, il y a la différence d’une fois cet objet”.
[35] No original: “Ce qu’on appelle ordinairement l’algèbre, n’est donc autre chose, pour l’écolier conduit d’aprés nos príncipes, qu’une représentation pas ecrit, sous des formes et de règles générales, de ce qu’il s’est déjà approprié intellectuellement. Il n’est pas besoin de lui enseigner aucune règle, il les trouvera, et les rédigera, lui-même, et les retiendra d’autant mieux qu’elles seront le résumé de ses propres réflexions”.
[36] A referência às escolas régias deve ser entendida como sendo aulas avulsas de matérias desconexas entre si, ou seja, sem articulação entre si. Esse sistema de ensino ficou conhecido no Brasil como aulas régias, que vigorou de 1777 até 1834 (Cf. CARDOSO, 1999).
[37] São eles: Lei n. 34, de 16 de março de 1846; Regulamento da Instrução Pública, de 08 de novembro de 1851; Código da Instrução Pública de 1857; Lei n. 54, de 15 de abril de 1868; Lei n. 130, de 25 de abril de 1880; Ato de 02 de maio de 1885; Lei n. 81, de 06 de abril de 1887.
[38] É verdade que, em 1873, o inspetor geral da instrução pública da província de São Paulo, Francisco Aurelio de Souza, indicou no seu relatório a necessidade de nova organização do ensino primário. Para isso, ele apresentou um programa para o ensino elementar com as seguintes matérias: “desenho, música, línguas antigas, literatura, história, geografia, geometria, trigonometria, álgebra, química, física, história natural” (CARVALHO, 1874, p. 5). A análise da legislação educacional posterior a 1874 mostrou que esse plano de Carvalho não foi seguido.
[39] Ao retomar a leitura dos Pareces de Rui Barbosa (1947) é possível constatar que a álgebra era uma das matérias do programa de ensino do curso primário na Inglaterra, na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. Apesar disso, Rui Barbosa (1947) não apresentou suas justificativas para omitir a álgebra do currículo escolar primário. Seja como for, certo é que, somente nos anos finais da monarquia, a província de São Paulo buscou alinhar seu sistema de ensino aos progressos educacionais de nações desenvolvidas, acrescentando a álgebra no programa da escola primária. Estudos mais detalhados sobre os Pareceres de Rui Barbosa (1882/1883) podem ser lidos em Valdemarin (2000, 2004).
[40] Antônio Bandeira Trajano (1843-1921) foi um luso-brasileiro bastante conhecido no ambiente religioso e meio escolar. Primeiro pastor presbiteriano brasileiro, ele dirigiu igrejas em São Paulo e no Rio de Janeiro, atuou como conselheiro na administração financeira do hospital evangélico fluminense, criou o jornal presbiteriano O Puritano. Mas foi como autor de livros escolares de matemática que ele ficou nacionalmente conhecido. Seus livros foram largamente difundidos no Brasil e tiveram vultosas edições, o que comprova a boa aceitação no meio escolar. Entre os livros com maior número de edições estão a trilogia aritmética: Aritmética primária (91ª edição em 1961); Aritmética elementar ilustrada (138ª edição em 1960); Aritmética progressiva (84ª edição em 1954); Álgebra elementar; Álgebra superior; Chave da Aritmética progressiva; Chave da Álgebra.
[41] Na biblioteca da Associação Beneficente do Professorado Pública de São Paulo, em 1902, constavam vários livros das matemáticas elementares de autores norte-americanos: Arithmetic, Lessons in numbers, Geometry and trigonometry, New elementary algebra (aparece duas vezes), de Charles Davies; Arithmetic by grades (book 1 – 8), de John Prince; Elementary arithmetic, Complete Arithmetic, de William Peck. A lista completa dos livros dessa biblioteca pode ser lida na Revista de Ensino, a. 1, n. 4, p. 818-819. As semelhanças entre os livros de álgebra de Davies e Trajano vão além dessas aqui apontadas e foram analisadas em trabalho anterior (OLIVEIRA, 2017).
[42] A Eschola Publica foi uma revista pedagógica “responsável pela difusão das bases educacionais consideradas ideais para o período” (PINTO, 2008, p. 98). Lançada em julho 1893, essa revista foi publicada durante duas fases: a primeira, de 1893 a 1894, com 11 números; a segunda, de 1896 a 1897, com 8 números. No ano de 1895, a revista teve um volume especial intitulado “Pedagogia Paulista. A Escola Pública: Ensaio de Pedagogia Pratica”.
[43] Os aforismos eram: “I – A atividade é uma lei da meninice. Acostumar os meninos a fazer: educai a mão; II – Cultivai as faculdades em sua ordem natural: formai primeiro o espirito para instruí-lo depois;

III – Começa pelos sentidos e nunca ensineis a um menino o que ele puder descobrir por si; IV – Reduzi cada assumpto a seus elementos. Uma dificuldade de cada vez é bastante para uma criança; V – Avançai passo a passo. Sede completo. A medida de uma informação não é o que o professor pode dar, mas sim o que a criança pode receber; VI – Cada lição deve ter um fito, quer imediato, quer remoto; VII – Desenvolvei a ideia: daí depois o termo. Cultivai a linguagem; VIII – Precedei do conhecido para o desconhecido: do particular para o geral: do concreto para o abstrato: do mais simples para o mais complicado; IX – Primeiro a síntese, depois a análise. Não a ordem do assumpto, mas sim a ordem da natureza” (A ESCHOLA PUBLICA, 1895, p. 358). Na realidade, esses aforismos não foram extraídos de Pestalozzi, como disseram Oscar Thompson, Alves Pereira e Cia, mas do relatório de Célestin Hippeau intitulado L’instruction publique aux États-Unis: écoles publiques, collèges, universités, écoles spéciales, publicado na França em 1870, traduzido para o português a mando do governo brasileiro desde 1872, que assim trazia na versão francesa: “Les leçons de choses sont établies d’après les principes suivants, dont les maîtres ne sauraient trop se pénétrer, et que l’on cherche à leur inculquer dans toutes les écoles normales: Cultiver les facultés d’après l’ordre naturel de leur développement; commencer en conséquence par les sens; ne rien dire à l’enfant de ce qu’il peut découvrir de lui-même. Réduire chaque sujet à ses éléments les plus simples. N’expliquer qu’une difficulté à la fois; marcher pas à pas sans s’arrêter, la mesure de l’information n’étant pas dans ce que le maître peut donner, mais dans ce que l’élève peut recevoir; assigner à chaque leçon un but déterminé, immédiat ou prochain. Développer l’idée, puis le mot, perfectionner le langage, procéder du connu à l’inconnu, du particulier au général, du concret à l’abstrait, du simple au composé; d’abord la synthèse, puis l’analyse; suivre non l’ordre du sujet, mais l’ordre de la nature” (HIPPEAU, 1870, p. 65, grifo no original).

[44] Dois exemplares da Álgebra Elementar (1ª edição de 1888; 4ª edição de 1901) fazem parte da Biblioteca de Paulo Bourroul, que tem sua origem na Biblioteca da Escola Normal. O autor chegou a ser nomeado para assumir a 2ª cadeira (Aritmética, Álgebra e Geometria) da Escola Normal, mas foi transferido para a 5ª cadeira (Francês, Física e Química).
[45] Essa dinâmica de atividades no Instituto de Pestalozzi estava condicionada à estação do ano, idade, temperamento dos alunos e natureza particular de cada assunto estudo (JULLIEN, 1812b).

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