DOSSIÊ - MEMÓRIAS DE AULAS DE MATEMÁTICA

A ESCRITA DE SI: narrativa autobiográfica sobre a trajetória estudantil da estudante Teresa

Inês Florinda Luís Buissa Baluta
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Revista de História da Educação Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil

ISSN-e: 2447-6447

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 7, 2021

revista.histemat.sbhmat@gmail.com

Recepção: 30 Setembro 2021

Aprovação: 02 Dezembro 2021



Resumo: Esse artigo consiste em analisar as vivências escolares vinculadas ao ensino-aprendizagem de Matemática de uma estudante do curso de Mestrado em Ensino da Matemática do Instituto Superior de Ciências da Educação de Cabinda. O estudo foi desenvolvido considerando as especificidades do método autobiográfico, tendo as narrativas como instrumento de coleta de informação. São comentados no texto, em especial, aspectos voltados ao processo estudantil da discente, relacionados ao ensino-aprendizagem da Matemática desde o nível básico até a licenciatura. No entanto, foram também demarcados alguns aspectos concernentes à História da Educação em Angola, tais como a implementação tardia do ensino superior na província de Cabinda, a falta de professores com formação específica para alguns cursos e a carência de infraestruturas condignas para o processo ensino-aprendizagem, como resultado do processo do colonialismo e da guerra civil que Angola viveu.

Palavras-chave: Autobiografia, narrativas, Trajetória escolar, Educação em Angola.

Abstract: This article consists of analyzing the school experiences linked to the teaching-learning of Mathematics of a student of the Master's course in Mathematics Teaching at the Higher Institute of Educational Sciences in Cabinda. The study was developed considering the specificities of the autobiographical method, using narratives as an instrument for collecting information. The text discusses, in particular, aspects related to the student's student process, related to the teaching-learning of Mathematics from the basic level to the licentiate degree. However, some aspects concerning the History of Education in Angola were also demarcated, such as the late implementation of college in the province of Cabinda, the lack of teachers with specific training for some courses and the lack of adequate infrastructure for the teaching- learning, as a result of the process of colonialism and the civil war that Angola experienced.

Keywords: Autobiography, narratives, School trajectory, Education in Angola.

INTRODUÇÃO

Esse artigo é fruto de uma narrativa autobiográfica produzida por uma aluna do curso de Mestrado em Ensino da Matemática do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Cabinda. Nele, detenho-me em especial no que essa narrativa revela sobre o tema – vivências escolares vinculadas ao ensino-aprendizagem da Matemática. Tendo em conta o universo que contemplava os discentes do curso de Mestrado em Ensino da Matemática, optei em trabalhar com apenas uma estudante do curso, pela simples razão de ter verificado, após a leitura das narrativas autobiográficas[2], que minha trajetória estudantil e a dos demais mestrandos do curso pareciam estar comprimidas na narrativa que a aluna em questão descreveu, e também tive em consideração que “qualquer que seja a história que estão contando, contam também a nossa” (Eco, 2003, p.21). No entanto, a partir da análise das narrativas, foi possível apurar que a história de vida escolar dos mestrandos assemelha-se a minha, em muitos de seus aspectos. Isto é, nossa trajetória escolar foi marcada por inúmeros desafios, ansiedades, angústias, dificuldades, incertezas, decepções, tristezas, alegrias desde o decorrer do ensino básico até ao ensino superior. Deste modo, as rememorações sobre as minhas vivências estudantis e a convivência com os mestrandos, provocaram em mim reflexões e questionamentos sobre os caminhos que os estudantes percorreram desde o ensino básico até ao ingresso à licenciatura, tendo como foco o ensino-aprendizagem da Matemática. Pois que, uma das minhas maiores inquietações, figurava-se em como tem sido a apropriação do conhecimento matemático em Angola, ao longo dos tempos. Na tentativa de encontrar respostas para minhas indagações, enquanto ministrava aulas da disciplina História da Educação Matemática[3], achei nesta cadeira, a oportunidade certa para a realização deste desejo. Assim, orientei que cada estudante escrevesse uma narrativa autobiográfica na qual relatasse sua trajetória acadêmica, tendo como guia um roteiro pré-estabelecido, partindo do princípio de que a “escrita de diários autobiográficos envolve o processo de contar a história da sua própria vida” (Holly, 2013, p.101). Destarte, aproveitando-me das potencialidades das narrativas autobiográficas dos então estudantes, em especial de apenas uma aluna, procurei analisar essa narrativa para responder à pergunta: como se deu a trajetória acadêmica da estudante Teresa do curso de Mestrado em ensino da Matemática, desde o ensino básico até a licenciatura? Por questões éticas e para preservar a identidade da estudante, tratarei a narradora da pesquisa pelo nome de Teresa. Cuidados éticos foram tidos em conta para o uso das narrativas, isto é, a estudante assinou um documento dando direitos quanto ao uso de sua narrativa autobiográfica.

Pesquisar sobre a trajetória estudantil de uma estudante do curso de Mestrado em Ensino da Matemática baseada em narrativas autobiográficas revelou-se produtiva uma vez que, a narrativa “no sólo expresa importantes dimensiones de la experiencia vivida, sino que, más radicalmente, media la propia experiencia y configura la construcción social de la realidad”. (Bolívar, 2002, p. 43). Acresce-se ainda, que as narrativas permitem ao narrador pensar e refletir sobre seu próprio processo pessoal e de formação.

Penso que a narrativa autobiográfica da estudante do curso de mestrado pode compor um quadro sobre a história da educação em Angola, particularmente, da educação matemática em Cabinda. Por isso, proponho neste texto, uma reflexão sobre a narrativa autobiográfica da Teresa, uma estudante do curso de mestrado em Ensino da Matemática, para compreender os caminhos nada suáveis que a mestranda percorreu desde os primeiros anos escolares até o ingresso no curso de licenciatura, focalizando aspectos relacionados ao ensino-aprendizagem da Matemática.

1. O CENÁRIO DA HISTÓRIA: O INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DE CABINDA

Antes de me debruçar sobre o Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), me apraz fazer uma breve incursão acerca do local onde está situado o referido instituto. O ISCED está situado no município de Cabinda, na província de Cabinda, uma das 18 províncias de Angola, situada na região mais a Norte do país. Cabinda tem uma superfície de aproximadamente 7283 km² e faz fronteira a norte pela República do Congo, a sul e a este pela República Democrática do Congo (anteriormente denominada Zaire) e a oeste pelo Oceano Atlântico[4].

O Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), palco do nosso objeto de estudo, é uma instituição de ensino superior pública, que integrava a Universidade Onze de Novembro (UON). Atualmente, essa instituição superior deixou de fazer parte da UON e passou a ser autônoma à luz Artigo 17.º do Decreto Presidencial n. º 285/20 de 29 de outubro que estabelece a Reorganização da Rede de Instituições Públicas de Ensino Superior. Importa frisar, que o ISCED de Cabinda, é a única instituição na província que oferece curso de formação superior de professores desde o ano de 1998, pertencendo a Universidade Agostinho Neto (UAN). Em 2009, o ISCED de Cabinda deixou de fazer parte da UAN e foi integrada na UON, através do Decreto n.º 7/09, de 12 de maio, que estabelece a reorganização da rede de instituições de ensino superior públicas e do Decreto n.º 5/09, de 7 de abril, que cria as regiões acadêmicas que delimitam o âmbito territorial de atuação e expansão das instituições de ensino superior. Desde o ano passado, o ISCED passou a ser uma instituição autônoma, tal com referido acima. O ISCED de Cabinda oferece 7 cursos de licenciatura (Licenciatura em Ensino da Matemática, em Ensino da História, em Ensino de Língua Portuguesa, em Ensino de Biologia, em Ensino de Língua Inglesa, em Educação Infantil e em Educação Primária) e 2 cursos de mestrado (Mestrado em Ensino da Matemática e Mestrado em Metodologia). No entanto, é no curso de Mestrado em Ensino da Matemática que se localiza o trabalho sobre a trajetória estudantil de Teresa.

2. O CURSO DE MESTRADO EM ENSINO DA MATEMÁTICA E A DISCIPLINA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

O ISCED de Cabinda oferece, desde o mês de setembro de 2018, o curso de mestrado em Ensino da Matemática. O curso foi autorizado a funcionar pelo Decreto Executivo n.º 427/17 de 20 de setembro. Segundo o artigo 4, os candidatos ao mestrado devem possuir “Licenciatura em Ensino da Matemática, Ciências da Educação ou áreas equivalentes, com média igual ou superior a 14 valores” (Decreto executivo, p. 4126). Ainda, tendo em conta o ponto 2 do Artigo 2.º do mesmo Decreto Executivo, o Plano de Estudos do curso de Mestrado em Matemática é realizado num total de 2.672 horas de atividades curriculares, durante um ciclo de formação. Esse Plano tem duração de dois anos e é constituído pelas seguintes disciplinas: Didática do Ensino de Matemática; Tendências Pedagógicas Contemporâneas; Desenho Curricular de Matemática; História da Educação Matemática; Novas Tecnologias de Informação e Comunicação; Aritmética e Teoria dos Números; Metodologia de Investigação em Educação; Álgebra e Matemática Discreta; Estatística Aplicada a Educação; Didática do Ensino Superior; Comunicação Educativa; Elaboração do Programa de Matemática; Estratégia para o Desenvolvimento de Habilidades Profissionais; Estatística Aplicada à Educação Matemática; Geometria Descritiva e Analítica; Análise Infinitesimal; Computador no Ensino da Matemática; Avaliação de Aprendizagem; Elaboração de Projeto de Dissertação; Desenvolvimento da Investigação Orientada; Estágio; Divulgação de resultados (apresentação de trabalhos em eventos científicos e publicação de artigos científicos); Elaboração e Defesa da Dissertação.

Antes do início do curso, fui convidada pelo coordenador do Mestrado[5] para ministrar a disciplina História da Educação Matemática contemplada no plano curricular do curso de Mestrado em Ensino da Matemática. Na unidade três desta disciplina tratamos da temática “Estudos de trabalhos acadêmicos na área de História da educação Matemática”. Nesta temática, abordamos aspectos teórico-metodológicos adotados nas pesquisas em História da Educação Matemática. O objetivo principal do desenvolvimento deste conteúdo foi mostrar aos estudantes a relevância de estudos teórico-metodológicos desenvolvidos no campo da História da Educação Matemática. No final da unidade orientou-se que cada mestrando fizesse leitura de uma das narrativas contidas na tese de doutorado da autora deste texto[6], a fim de que os estudantes refletissem sobre sua vida pessoal, escolar e acadêmica. Após a leitura das narrativas propôs-se que cada mestrando escrevesse um texto memorialístico sobre lembranças de sua trajetória estudantil ligada à matemática, baseando num roteiro previamente estabelecido. Apresento abaixo as atividades propostas aos estudantes.

Quadro 1: Atividade proposta aos estudantes da disciplina História da Educação Matemática

Fonte: Gomes (2014, p. 827-828)

Essa atividade teve como objetivo levar os estudantes a uma reflexão sobre seu trajeto estudantil, ao que se mostraram ansiosos e expectantes diante da respectiva tarefa. A atividade de leitura e escrita de narrativas autobiográficas foi realizada por 29 mestrandos, dos quais seis estudantes do sexo feminino e vinte e três estudantes do sexo masculino. Orientei aos estudantes que me enviassem seus escritos autobiográficos por e-mail. Seguidamente à leitura das 29 narrativas, escolhi analisar a narrativa autobiográfica de apenas uma estudante, tal como referenciado na introdução. No entanto, trago neste texto, a narrativa autobiográfica da referida estudante, de modo a revelar os caminhos percorridos por ela, desde o ensino de base até a licenciatura, tendo como pano de fundo o processo de ensino-aprendizagem da Matemática.

3. O MÉTODO AUTOBIOGRÁFICO

Considerando a questão norteadora optei pelas narrativas autobiográficas como metodologia investigativa, porque permitem compartilhar pensamentos, vivências, sentimentos, representações, percepções e experiências vivenciadas por uma pessoa, através da história de vida narrada por ela. Escrever autobiografia é um exercício que permite a autorreflexão e a atribuição de significados e sentidos às experiências vividas, considerando experiência como “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, o que acontece, ou o que toca” (Larrosa, 2002, p. 21).

A autobiografia é uma abordagem que pode ajudar a compreender as situações que foram acontecendo em vários aspectos da vida de uma pessoa, e permite também refletir sobre o modo como cada pessoa mobiliza os seus valores, conhecimentos e capacidades. Na pesquisa autobiográfica são usadas narrativas como instrumento de coleta de dados. Deste modo, entende-se por narrativa a:

recontagem de planos humanos que não saíram como previstos, de expectativas que foram frustradas. É um jeito de domesticar o erro e a surpresa do ser humano. Ela convencionaliza as formas mais comuns de incidentes humanos em certos gêneros: a comédia, a tragédia, o romance, a ironia ou qualquer outro formato que possa aliviar o fardo do fortuito (Bruner, 2014, p. 40).

O narrador constrói seu próprio texto, um relato na primeira pessoa, uma autobiografia. Ainda sobre narrativa autobiográfica, ela é uma escrita retrospectiva que necessita de tempo para reflexão e a consequente escrita, “é por isso que não é possível reduzir o ato de escrever a um exercício mecânico. O ato de escrever é mais complexo e mais demandante do que o de pensar sem escrever” (Freire, 2013, p. 27). É nesse contexto, que a escrita autobiográfica não é simples lembranças, mas um exercício de reflexão em que o narrador rememora os fatos mais significativos de sua vivência. Comecemos por saber quem é a estudante Teresa, mestranda em Ensino da Matemática em Cabinda.

4. APRESENTAÇÃO DA ESTUDANTE TERESA

A estudante Teresa nasceu no ano de 1991, no município sede da província de Cabinda. Vive maritalmente e é mãe de dois filhos. É licenciada em Ensino da Matemática pelo Instituto Superior de Ciências da Educação de Cabinda da Universidade Onze de Novembro e professora do II ciclo do Ensino Geral e Ensino Técnico Profissional. Lecciona a disciplina de Matemática no Complexo Escolar e Instituto Politécnico Privado JERMA[7]. No momento em que este artigo foi escrito, Teresa frequentava o curso de Mestrado em Ensino da Matemática.

5. NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA SOBRE A TRAJETÓRIA FORMATIVA DA ESTUDANTE TERESA

Sou natural de Cabinda, província e município de Cabinda, sou órfão de pai, tenho 10 irmãos, dos quais 4 da mesma mãe e mesmo pai, isto é, duas meninas e dois rapazes, e 6 irmãos do mesmo pai nas quais quatro meninas e dois rapazes. Sou a primeira filha da minha mãe e segunda filha do meu pai, sou mãe de dois rapazes e sou mantizada[8].

Teresa relatou que seu pai é falecido, mas não contou quando nem como ocorreu. Consideramos que, ao relatar esse fato em sua narrativa, pareceu-me que a estudante deixou transparecer que quando se perde alguém que amamos, deixa marcas muito profundas de difícil superação que nem mesmo o tempo pode apagar de nossas memórias, sendo que “não temos nada melhor do que a memória para certificar a realidade de nossas lembranças” (Ricoeur, 2007, p. 293). Ainda em sua narrativa, Teresa revelou ter 10 irmãos, dos quais uns são do mesmo pai e mãe e outros irmãos apenas da parte paterna. Na cultura africana, é comum os homens terem vários filhos, fruto de casamentos sucessivos, ou resultados de casamentos poligâmicos. Em muitos países de África, particularmente em Angola, não constitui crime viver com mais de uma mulher na mesma casa ou ter mais de uma mulher, sendo que “polygamy is most often found in sub-Saharan Africa, where 11% of the population lives in arrangements that include more than one spouse” (Kramer, 2020). Segundo o sociólogo Pimentel da Conceição em entrevista ao Jornal de Angola, a “poligamia é uma forma de prolongar a linhagem, e constitui um dos fundamentos da cultura Bantu” (Jornal de Angola), deixando claro que a poligamia constitui uma herança cultural para os Angolanos. Prosseguindo, a estudante também fez questão de pontuar em sua narrativa que é mãe de dois filhos, acrescendo que vive maritalmente.

Uma marca importante na escrita autobiográfica são as lembranças sobre escolaridade e profissão dos pais. Narrar sobre esses aspetos ajuda a mostrar o peso que nossos progenitores tiveram na sociedade, contribuindo para o fortalecimento da identidade do narrador.

O meu pai foi funcionário público no ministério do interior nomeadamente no Serviço de Migração e Estrangeiro vulgo Defa, foi técnico médio no curso de Ciências Sociais no Centro Pré Universutário (Puniv), actualmente Escola do II ciclo do Ensino Secundário, minha mãe é doméstica, técnica média no curso de Ciências Económicas e Jurídicas na Escola do II ciclo de Ensino Secundário (Puniv).

Observamos que Teresa fez referência ao nível de escolaridade de seus pais. Seu pai foi funcionário do Ministério do Interior e teve como titulação máxima o ensino médio. Sua mãe, apesar de ter completado o mesmo nível de ensino, não exercia uma profissão, optando por permanecer no lar, exercendo o papel de dona de casa. Verificamos, a partir da narrativa acima, que os pais de Teresa não cursaram o ensino superior. Podemos inferir que pelo fato de o ensino superior ter sido implementado de modo tardio na província de Cabinda, os pais da narradora, não puderam frequentar o ensino superior. Importa salientar, que o ensino superior na província de Cabinda foi estabelecido apenas no ano de 1998, e os habitantes daquela localidade que quisessem continuar com os estudos a nível superior, tinham de se deslocar para outras províncias ou para fora do país (Buissa, 2016).

Na escrita da narrativa autobiográfica, “sabemos que não é possível separar o eu pessoal do eu profissional” (Novoa, 2013, p. 9). Na narrativa abaixo, enquanto Teresa relatava sua história revelou que exerce a profissão docente.

(...) sou professora do II ciclo do Ensino geral e ensino técnico profissional, disciplina Matemática no Complexo Escolar e Instituto Politécnico Privado Jerma.

Tendo seguido uma profissão diferente da de seu pai, Teresa não fez o que é comum em muitas famílias, isto é, as profissões são passadas de geração a geração, tal como temos observado.

Aos pais é atribuída a responsabilidade de educar os filhos e por vezes seus conselhos são guardados por toda a vida. Teresa lembrou com muito carinho o conselho deixado por seu pai.

O meu pai sempre dizia que a melhor riqueza é a formação dos filhos, e quem não estudasse não poderia viver com ele, por isso tive que batalhar e hoje sou formada (licenciada), e os irmãos também estão se formando.

Teresa mostrou seu sentimento de gratidão ao conselho recebido de seu pai durante a infância, e uma forte influência deste conselho em sua vida, segundo estudante, foi fundamental para que ela os irmãos seguissem os estudos e ela se tornasse a pessoa que é hoje.

Na sequência, a narradora revelou sobre sua trajetória educativa da educação básica ao ensino superior, evidenciando que “a formação pode ser entendida como função social de transmissão de saberes, de saber-fazer ou de saber-ser” (García, 1999, p.19).

Fiz a iniciação ou pré classe (1997) na capela Emanuel, actualmente paróquia Emanuel da Igreja Evangélica de Angola, a 1ª classe (1998) comecei na Escola Comandante Valódia e fui transferida para a Escola Sagrada Esperança, 2ª à 4ª classes (1999 a 2001) fiz na Escola Comandante Valódia, isto ensino de base do I nível actualmente ensino primário, de 5ª à 8ª classes (2002 à 2005) fiz na Escola Anexa ao IMNE actualmente Anexa ao Magistério Escola de Formação de Professores. Ensino médio, isto é, da 9ª à 12ª classes (2006 a 2009) no Instituto Médio Politécnico de Cabinda (IMPC) vulgo Industrial, actualmente Instituto Politécnico de Cabinda (IPC) no curso de Electrónica e Telecomunicações, depois do ensino médio fiquei um ano sem estudar, isto é, 2010.

No trecho acima, ao narrar sobre o período de sua vida escolar, Teresa rememorou momentos importantes acerca de algumas escolas onde frequentou a educação básica e média. É importante inferir que na época em que mestranda iniciou seus estudos primários, ainda estava em vigor as leis de base do sistema de educação angolano aprovado em 1977 e implementado em 1978. Este sistema de educação foi aprovado dois anos após a independência de Angola, ocorrido no ano de 1975. A lei de base compreendia as seguintes etapas: Educação pré-escolar; Ensino Básico (com três níveis: o primeiro, da 1ª. á 4ª. classe; o segundo, da 5ª. à 6ª. classe; e o terceiro da 7ª. à 8ª. classe); Ensino Médio (Técnico e Normal); Ensino Superior; Ensino e alfabetização de adultos (Decreto nº. 40/80 de 14 de maio apud Nguluve, 2006). Continuando, é oportuno salientar que Teresa ao revelar o nome de cada escola em que passou, mostrou que para ela a escola é um espaço muito especial. Sua trajetória formativa foi marcada pela mudança de escola.

Teresa ao lembrar-se das diferentes escolas onde realizou sua formação mencionou que frequentou a pré-classe numa capela[9] de nome Emanuel pertencente à paróquia Emanuel da Igreja Evangélica de Angola. Partindo dessa afirmação, podemos fazer o seguinte questionamento: por qual motivo a estudante da pesquisa frequentou suas aulas da iniciação numa capela, ao invés de participar de uma sala de aula normal, pertencente a uma escola? Na realidade é que após a independência de Angola, o país se viu mergulhado numa terrível guerra civil que durou até o ano de 2002. Durante o período de guerra, muitas infraestruturas foram destruídas, incluindo escolas. Portanto, era “vulgar os alunos terem de se sentar numa pedra ou no chão no espaço da sala de aula num edifício de cimento, de « pau a pique » ou ao ar livre” (Ferreira, 2005, p.116). Também era comum a direção provincial da educação, pela escassez de infraestruturas, proceder a ocupação de algumas capelas para servirem como sala de aula nos dias de semana.

Outra razão para que o ensino em Angola fosse realizado em capelas pertencentes às igrejas evangélicas e católicas, deu-se pelo fato de que, desde que os europeus se fizeram presentes em África, no processo da colonização, as igrejas católica e protestante acompanharam esse empreendimento, tendo mesmo ficado encarregados pela evangelização e educação dos povos nativos (Liberato, 2014). Deste modo, o ensino dos preceitos da fé e a educação das primeiras letras para população nativa estava a cargo das duas igrejas, católicas e protestantes, ou seja, “as missões protestantes e católicas construíram, ainda que de forma incipiente e fragmentária, uma “rede” de ensino regular em Angola, com o propósito inicial de converter os “infiéis” e “pagãos”” (Nascimento, 2014, p. 232).

Verifiquei também que Teresa frequentou seus estudos da 5ª. à 8ª. classe, numa escola anexa ao Instituto Médio Normal de Educação (IMNE). O IMNE é um instituto vocacionado à formação de professores para o ensino básico. Foi criado em 1978 a partir do Despacho n.º 14/78 e implementado em algumas províncias do país. Tendo esses institutos a missão de formar professores, ao lado do edifício onde estiver instalado o instituto, existe também uma escola do ensino básico, denominada escola anexa, onde os estudantes do IMNE realizam suas práticas pedagógicas. Foi numa dessas escolas anexa ao IMNE, neste caso a da província de Cabinda, que a narradora cursou uma parte do ensino básico.

Apesar de ter terminado o ensino básico numa escola anexa a um instituto médio de formação de professores, Teresa ingressou numa escola de formação profissional-técnica de nível médio. Deduzimos que, a estudante optou por essa escola para poder ter mais facilidade de emprego em nível das empresas petrolíferas, visto ser sonho de muitos jovens em Cabinda, trabalharem nas mesmas. O Instituto Politécnico de Cabinda é uma instituição pública de ensino médio. Na época em que Teresa frequentou o ensino médio, também existia o Instituto Médio Normal de Educação (IMNE), o PUNIV, o Instituto Médio de Saúde (IMS) e o Instituto Médio de Economia de Cabinda (IMEC).

Prosseguindo, terminado o ensino médio, Teresa ficou o ano de 2010 sem estudar, pois já passava dificuldades enquanto cursava o ensino médio, tal como ficou evidente na narrativa abaixo.

Passei dificuldades em terminar o ensino médio, houve um momento que eu fiquei apenas com um par de chinelos que ia a escola durante um mês, uma vez fomos a casa de uma colega e quando entramos dentro de casa deixamos os chinelos fora e na hora de sairmos fora de casa não encontrei o meu chinelo na porta, fiquei a procura do chinelo e não encontrava uma colega tinha posto o chinelo para ir a casa de banho, e quando eu perguntei porque que ela meteu o meu chinelos ela disse que pensou que o chinelo fosse da casa de banho, isto me doeu muito. Não é fácil estudar e sem ter apoio de ninguém e o pior é quando dependemos de alguém, que também não tem como sustentar apenas a ti e batalha para sustentar os filhos, obrigada mãe és a minha heroína.

Uma ilustração eloquente das muitas dificuldades de Teresa para frequentar o ensino médio está no seu relato sobre precisar usar chinelos de quarto de banho para poder ir à escola. Ela se sentia humilhada, pois não é comum os estudantes irem à escola de chinelo. Os calçados normalmente utilizados na escola são sapatilhas ou sandálias. Um ponto importante está na gratidão manifestada à mãe de estudante por todo o esforço empreendido para sustentar os filhos – a palavra “heroína” expressa significativamente a percepção de Teresa sobre os atos de sua mãe. Importa ressaltar, que muitos aspectos narrados pela Teresa no trecho acima, me fazem também lembrar de muitas dificuldades e vicissitudes que passei no momento de minha formação. Lendo ele, é como se estivesse revisitando meu passado.

Depois de ficar um ano sem estudar, em 2011 ela retomou os estudos.

Ingressei no ensino superior em 2011, terminei o plano curricular em 2014 e defendi em 2015, pensei em desistir no 1º ano visto que não tinha condições e nem apoio financeiro e material, apenas da minha mãe que desenrascava para sustentar os meus irmãos, mas graças a Deus que no mesmo instante que pensei em desistir consegui bolsa de estudos interna fornecida pelo INABGE, esta bolsa sustentou os meus estudos do 1º à 4º ano, para tal tive que empenhar-me nos estudos para não reprovar e perdesse a bolsa de estudo.

A estudante Teresa relata sobre recordações do Ensino Superior, marcadas pelas necessidades financeiras que vivia naquela época. Ela contou que no inicio do curso passou por muitas dificuldades, mas quando pensava em desistir, foi contemplada com uma bolsa de estudos do Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo (INAGBE)[10]. A alegria da narradora é perceptível, pois em sua narrativa dá graças a “Deus” mostrando o quanto estava grata por tal benção.

No trecho acima, Teresa frisou que realizou sua defesa de fim de curso em 2015. Segundo o Buissa (2016), “a apresentação do Trabalho de Fim de Curso ou da monografia é o requisito principal para completar a formação acadêmica”. A escrita da monografia e a sua posterior defesa constituem uma obrigatoriedade em todos os cursos ministrados no Instituto Superior de Ciências da Educação, onde a estudante cursou a licenciatura no curso de Ensino da Matemática. A monografia deve ser elaborada no final de cada curso, logo após o término do plano curricular.

Durante o curso de licenciatura Teresa teve preferência a certos conteúdos em detrimento de outros.

Os conteúdos que tive facilidade de aprender foram integrais, equações do 1º e 2º graus, fracções, equações exponenciais e logarítmicas, funções exponenciais e logarítmicas, os que eu tive dificuldade de aprender foram derivadas, limites, sucessões, progressões aritméticas e geométricas etc. Os conteúdos que eu gostei foram: derivadas, limites de uma função, integrais indefinidas e definidas, radicais e que não gostei são conteúdos que envolviam figuras geométricas.

Conforme revelado na narrativa anterior, alguns conteúdos foram de fácil aprendizado, enquanto outros nem tanto. Esses conteúdos foram/são ministrados em algumas disciplinas que fazem parte do plano curricular do curso de Investigação e Ensino da Matemática do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED). Algumas das disciplinas são, por exemplo, Complementos da Matemática, Análise Matemática I, II e III, Álgebra Linear, Geometria Analítica, entre outras. No entanto, Teresa não deixou claro por que motivo tinha dificuldades na assimilação de alguns conteúdos matemáticos na licenciatura. Na realidade, muitos alunos chegam ao ensino superior com diversos tipos de dificuldades quanto aos conteúdos Matemáticos, fruto lacunas provenientes do ensino básico. Em seus estudos, Cury apud Masola & Allevato relata que:

“nos últimos dez anos as dificuldades, particularmente as relativas à aprendizagem de cálculo, se tornaram mais frequentes e preocupantes, pois fica cada vez mais evidente a falta de conhecimentos prévios ou a compreensão equivocada de assuntos abordados em níveis de ensino anteriores” (Masola; Allevato, 2016, p.69).

No processo ensino-aprendizagem muitos se deparam com vários tipos de professores que por vezes deixam marcas para a vida toda, tal como descreve Freire:

O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum desses passa pelos alunos sem deixar sua marca (Freire, 2015, p. 64).

Em sua narrativa, Teresa asseverou que teve muitos professores que marcaram seu percurso estudantil e cada um apresenta uma característica diversificada. Posso inferir que muitas das práticas desses professores podem ter se constituído como o primeiro aprendizado ao exercício da profissão docente da estudante. Sobre isso, Arroyo (2013, p. 124) assinala que a figura dos professores é das mais próximas e permanentes em nossa socialização. Abaixo apresento a narrativa da Teresa.

Tive vários professores da iniciação até a licenciatura, foram muitos professores que me marcaram, como a professora Marta da iniciação que ensinou-me a ler e a escrever, a professora Luisa que cortava os cabelos dos alunos que iam a escola com o cabelo disperso na 1ª classe, o professor José Maria Maquidi mais conhecido por Quidex da disciplina de Matemática na 5ª e 6ª classes, que fez com que eu entendesse um pouco a Matemática, que dava tabuada antes de entrarmos na sala de aulas e quem não soubesse ele batia e as vezes não assistiam aulas, por não cumprimento de uma tarefa este mesmo professor deu-me um castigo de escrever 500 vezes a frase não gosto de cumprir as orientações dos professores em um dia apenas, alguns cumpriram, mas outros não e eu cumpri fazendo a tarefa no mesmo dia para levar no dia seguinte, isto deu-me uma lição e tive que aprender a tabuada e fazer todas as tarefas mesmo que eu não soubesse o mais importante era fazer.

De acordo com suas palavras, a sua professora da iniciação é quem a ensinou a ler e escrever. Também foi narrado que foi o professor da 5ª e 6ª classe quem possibilitou que ela tivesse entendimento acerca dos conteúdos matemáticos. O mesmo professor era muito exigente quanto à fixação da tabuada e ao não cumprimento da realização da tarefa, deixando claro que a responsabilidade da aprendizagem era inteiramente do aluno. O referido professor chegava mesmo a bater nos alunos que não conheciam a tabuada e castigava os que não realizavam a tarefa. Essa atitude do professor fez com que Teresa aprendesse a tabuada de modo forçado. O modo como era ministrado o ensino da tabuada insere-se no método tradicional de ensino, criticado por Paulo Freire, que diz, “nesta destorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber” (Freire, 2014, p. 81), o professor era o centro do processo de ensino-aprendizagem, “o aluno, apenas um receptor que somente aprendia quando se sentia apto para repetir as lições que memorizava” (Antunes, 2014, p.17).

Apesar de não poder afirmar que foi a professora da iniciação que lhe ensinou a ler e escrever e o professor de matemática da 5ª e 6ª classe que lhe permitiu gostar da Matemática tenham sido os influenciadores para que Teresa se tornasse professora, posso deduzir que, pelo modo como ela lembrou-se deles, eles influenciam no dia a dia de sua prática docente.

Continuando, Teresa narrou o seguinte:

A professora Celina Alberto de Língua Portuguesa da 5ª e 6ª classes, que ia sempre chateada na escola que ofendia alunos, dizia que outros professores não sabiam dar aulas dizia apenas ela é que dava bem as suas aulas, tive negativa na disciplina dela mandou-me entregar a mesma no encarregado para assinar e eu assinei sozinha ela descobriu e mandou chamar o meu encarregado e disse que eu não gostava de estudar. E quando iam estagiários ela dizia para fazermos perguntas difíceis para eles reprovarem porque segundo ela os estagiários não sabiam nada. O professor João Januário de Física e Matemática na 8ª classe que ia sempre embriagado (bêbado) na escola, e que não explicava bem a matéria, com ele eu não entendia a Matemática e comecei achar a disciplina como um bicho de sete cabeças e a odiar a mesma disciplina.

Nesse trecho, verifica-se que Teresa estava se referindo a uma professora que lecionava a disciplina de Língua Portuguesa, quando ela estudava na escola anexa ao IMNE. O conturbado convívio com a respectiva professora parece que afetou a aprendizagem estudante. Essa afirmação pode ser confirmada quando num dos trechos da narrativa, Teresa relata que forjou a assinatura dos pais, deixando claro de que não teve uma nota satisfatória na avaliação. Acredito que no processo ensino-aprendizagem, às vezes encontramos professores que apresentam comportamentos intimidatórios deixando os alunos com medo, tensos e aflitos. Provavelmente, esse tipo de atitude intervém de modo significativo na assimilação dos estudantes.

É possível também encontrar, professores que acham que são melhores que os outros, mais inteligentes, mais instruídos, mais didáticos, mais metódicos e mais capazes em todos os aspectos. Por esse motivo, Teresa ressaltou que a professora Celina se intitulava como a melhor professora, menosprezando o restante dos professores.

A escola em que Teresa cursou uma parte de seus estudos básicos recebia/recebe estudantes estagiários provenientes do IMNE, a fim de realizarem suas práticas pedagógicas. Em sua narrativa a estudante frisou que os alunos eram orientados pela professora de Língua Portuguesa a dificultar a vida dos estagiários que passassem pela sua turma para que esses fracassassem, pois essa professora dizia que eles eram incapazes. Essa realidade mostra a falta de apoio e bloqueio que muitos estudantes estagiários encontram nas escolas onde são escalados para realização de seus estágios. Muitos deles são desamparados e desmotivados, tal como salientado por Pimenta e Lima (2009, p. 104), “o estagiário vai se deparar com muitos professores insatisfeitos, desgastados pela vida que levam, pelo trabalho que desenvolvem” e é comum que sejam recebidos com algumas apelações: “desista enquanto é tempo! e o que você, tão jovem, está fazendo aqui?” (ibid).

Prosseguindo, Teresa apontou que havia um professor que tinha o costume de ir embriagado a sala de aula, e que por conta desse comportamento, o mesmo não explicava os conteúdos matemáticos com uma boa desenvoltura. Como consequência, a estudante enfrentou dificuldades na assimilação dos conteúdos matemáticos e passou a odiar a disciplina. O gosto estudante pela matemática renasceu quando começou a frequentar o ensino Médio. Na narrativa abaixo, a mesma relatou como esse facto sucedeu.

Já no ensino médio comecei a entender e a gostar da Matemática, por causa dos professores Tibúrcio da 9ª classe e Joaquim Januário mais conhecido por JJ da 10ª e 12ª classes, esses dois professores fizeram com que eu entendesse a essência da Matemática, explicavam passo por passo com muito amor e carinho, graças a estes professores eu decidi fazer o curso de Matemática na licenciatura. O professor Zidane[11] mais conhecido por Dane, foi meu professor de Matemática na 11ª classe, e só preocupava-se em concluir com o programa e não se preocupava em fazer entender a matéria nos seus alunos cada dia era um sumário novo não dava exercícios de aplicação, ficávamos perdidos. Na disciplina que ele ministrava, chegamos de fazer prova com o caderno aberto, ninguém conseguiu tirar positiva porque não entendíamos nada, no final de ano começou a pedir dinheiro[12] nos alunos para passarem de classe e comigo ele queria fazer sexo para eu puder aprovar mas eu não aceitei e disse que eu iria reprovar na disciplina dele e eu disse ao professor se eu reprovasse iria dizer que fez aquilo só porque não me deitei com ele, e vi na pauta aprovada. Ao Dr. Alcides meu tutor da licenciatura que com seu empenho e sabedoria soube conduzir-me e tornar realidade o meu título de licenciada.

O modo como os professores do ensino médio, da 9ª, 10ª e 12ª classes, ministravam as aulas de Matemática possibilitou que Teresa começasse a ter gosto pela Matemática, motivo pelo qual decidiu ingressar na licenciatura em Ensino da Matemática. Contudo, infelizmente, a narradora registrou uma lembrança negativa de seu professor de Matemática da 11ª classe porque não cumpria o programa e aplicava testes muito difíceis. No final do ano, o referido professor pediu favores sexuais a Teresa, para que ela pudesse ser aprovada, além de extorquir financeiramente outros alunos em troca de sua aprovação. Essa é uma prática de corrupção denominada como “fenômeno gasosa”. Esse fenômeno, frisado por Buissa (2016),

verifica-se um pouco por todo o território angolano e tem causado muitos problemas ao ensino, já que o aluno, mesmo não tendo requisitos para ser aprovado, se corromper o professor, passa para o nível seguinte automaticamente. Esses alunos que corrompem os professores, quando chegam à universidade, não conseguem realizar satisfatoriamente os estudos porque a realidade do ensino superior é outra; então, acabam por desistir. Muitos nem chegam a conseguir acesso à universidade por falta de capacidade para enfrentar um teste (p. 92).

O trecho sobre corrupção foi uma forma de desabafo que evidencia o quanto Teresa foi abalada. Entretanto, ela não relatou apenas lembranças sobre sua formação escolar pré-universitária. Ela também rememorou aspectos sobre sua licenciatura, fazendo menção a seu tutor de trabalho de fim de licenciatura. Ao escrever sobre seu tutor, a estudante demonstrou muita emoção e satisfação. Teresa deixou claro que o curso feito no ensino médio e na licenciatura foi a alavanca impulsionadora para poder cursar o mestrado em Ensino da Matemática.

No ensino médio fiz o curso de Electrónica e Telecomunicações, em princípio não foi este curso que eu queria fazer, sempre pensei em fazer Petro-Química, mas no ano em fui ao ensino médio este curso já tinham eliminado na Industrial por falta de condições, por isso decidi fazer outro curso, pensei em continuar o mesmo curso que fiz no ensino médio, mas na nossa província não tem faculdades com cursos de ensino técnico, por isso decidi fazer Matemática, foi umas das disciplinas que eu dominei no ensino médio, depois da licenciatura pensei em fazer Física na Pós-Graduação (Mestrado), mas infelizmente não tenho condições para fazer este curso fora de Cabinda ou Angola. Por falta dessas condições decidi continuar com o curso que fiz na licenciatura, para não ficar parada.

De acordo com Teresa, o curso que ela desejava frequentar havia sido eliminado por falta de condições. Porém, em sua narrativa, a estudante não frisou que condições levaram a eliminação do curso. Uma das possíveis explicações para este fato, provavelmente seja a falta de recursos humanos, ou seja, falta de professores com formação específica para assegurarem o curso de Petro-Química. Ao contrário de outras províncias, Cabinda não possui cursos superiores de engenharia de petróleo, nem curso de Química. As faculdades que estão alocadas na província de Cabinda não garantem recursos humanos para comporem o quadro dos professores do curso de Petro-Química. As Universidades e institutos existentes na província de Cabinda são as seguintes: Universidade Onze de Novembro (UON), que inclui a Faculdade de Direito, a Faculdade de Economia, a Faculdade de Medicina e o Instituto Politécnico de Cabinda; Universidade Lusíadas de Cabinda; Universidade Privada de Angola e Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurei contar uma versão sobre a trajetória estudantil de uma aluna do curso de mestrado em Ensino da Matemática do ISCED de Cabinda a partir de representações, perspectivas e experiências contidas na narrativa autobiográfica da referida mestranda. Este trabalho foi baseado na questão: como se deu a trajetória formativa da estudante Teresa do curso de mestrado em ensino da Matemática, desde o ensino básico até a licenciatura?

Com o intuito de responder a questão motivadora deste texto, busquei analisar a narrativa autobiográfica da estudante Teresa, sobre sua vivência formativa, desde o ensino básico até a licenciatura. Essa narrativa possibilitou a reconstrução e reflexão de sua trajetória formativa, vinculada ao ensino-aprendizagem da Matemática.

Teresa construiu sua narrativa falando de si, recordando sobre sua família e acerca das dificuldades financeiras vividas na época. Reconstruiu também sua trajetória formativa desde o nível básico até ao ensino superior. Nessa rememoração, relatou sobre momentos felizes e tristes, dos professores que marcaram a sua vida de modo positivo e negativo, assim como das práticas dos mesmos.

É possível perceber, que as situações narradas pela Teresa “aludam às diferentes práticas organizadoras da educação escolar, aos procedimentos dos professores, à forma como conduzem o ensino, ao ambiente da sala de aula” (Gomes, 2012, p.133).

No entanto, ao longo da narrativa da mestranda, apareceram marcadores que me permitem inferir, que em decorrência do processo do colonialismo e da guerra civil que Angola vivenciou, verifica-se que a Educação em geral, e particularmente a Educação Matemática em Angola desenrolou-se de modo precário devido a esses fatos. Por exemplo, em Cabinda, o ensino superior foi implementado somente no ano de 1998, e como consequência, os primeiros professores de Matemática com nível superior começaram a ser formados apenas no ano da abertura do ensino superior. Por falta de infraestruturas, muitos estudantes foram alfabetizados em capelas pertencentes às igrejas católicas e evangélicas, sem condições condignas de funcionamento.

Apesar de existirem cursos de formação superior na província de Cabinda, ainda existem cursos, tal como o curso de Petro-Química, que não possui condições para funcionamento, devido à carência de professores.

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