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O CENTRO CULTURAL EUCLIDES DA CUNHA (1947-1985): CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CONSTRUÇÃO DO CAMPO INTELECTUAL EM PONTA GROSSA/PR
EL CENTRO CULTURAL EUCLIDES DA CUNHA (1947-1985): CONSIDERACIONES SOBRE LA CONSTRUCCIÓN DEL CAMPO INTELECTUAL EN PONTA GROSSA/PR
THE CENTRO CULTURAL EUCLIDES DA CUNHA (1947-1985): CONSIDERATIONS ABOUT THE CONSTRUCTION OF THE INTELLECTUAL FIELD IN PONTA GROSSA/PR
Caminhos da História, vol. 29, núm. 2, pp. 220-240, 2024
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos Livres

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 29, núm. 2, 2024

Recepção: 09 Agosto 2023

Aprovação: 17 Novembro 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Na presente pesquisa buscamos analisar o processo de construção do campo intelectual em Ponta Grossa/PR a partir da atuação e das narrativas elaboradas pelos membros integrantes do Centro Cultural Euclides da Cunha (CCEC – 1947/1985), formado em sua maioria por profissionais liberais como médicos, advogados, professores etc., pois, em quase quarenta anos de existência, por meio de correspondências trocadas entre seus membros associados e sócios correspondentes de fora, podemos problematizar os discursos e a movimentação do CCEC, em um projeto cujos intelectuais eram vistos como guias abnegados que levariam Ponta Grossa e o Brasil rumo ao desenvolvimento. As cartas trocadas desvelam também o compartilhamento de uma linguagem e tratamento em comum entre os intelectuais, por meio delas, os membros do CCEC buscavam inserir a instituição por entre discussões mais amplas e diálogo com estudiosos no que tange a um projeto cultural e científico para o Brasil.

Palavras-chave: Campo intelectual, Ponta Grossa, projeto cultural, sociedade, poder.

Resumen: En la presente investigación, buscamos analizar el proceso de construcción del campo intelectual en Ponta Grossa/PR a partir de la performance y las representaciones elaboradas por los integrantes del Centro Cultural Euclides da Cunha (CCEC – 1947/1985), formado en su mayoría por profesionales liberales como médicos, abogados, profesores, etc., porque, en casi cuarenta años de existencia, a través de la correspondencia intercambiada entre sus miembros asociados y socios corresponsales externos, podemos problematizar los discursos y movimientos del CCEC, en un proyecto cuyos intelectuales se vieron como guías desinteresados ​​que conducirían a Ponta Grossa y Brasil hacia el desarrollo. Las cartas intercambiadas también revelan la compartición de un lenguaje y trato común entre los intelectuales, a través del cual los miembros del CCEC buscaron insertar a la institución en discusiones más amplias y diálogo con académicos sobre un proyecto cultural y científico para Brasil.

Palabras clave: campo intelectual, Ponta Grossa, proyecto cultural, sociedad, poder.

Abstract: In the present research, we seek to analyze the construction process of the intellectual field in Ponta Grossa/PR from the performance and representations elaborated by the members of the Centro Cultural Euclides da Cunha (CCEC – 1947/1985), formed mostly by liberal professionals such as doctors , lawyers, professors, etc., because, in almost forty years of existence, through correspondence exchanged between its associate members and outside correspondent partners, we can problematize the speeches and movements of the CCEC, in a project whose intellectuals were seen as guides self-sacrificing people who would lead Ponta Grossa and Brazil towards development. The exchanged letters also reveal the sharing of a common language and treatment among the intellectuals, through which the members of the CCEC sought to insert an institution among broader discussions and dialogue with scholars, which relates to a cultural and scientific project for the Brazil.

Keywords: Intellectual field, Ponta Grossa, cultural project, society, power.

Introdução

O Brasil republicano da primeira metade do século XX, por meio de sua elite dirigente e intelectual apresentava, de maneira geral, algumas ambições que se tornavam representações em comum, tais como: o progresso, o desenvolvimento urbano-industrial e a instrução da população como condição sine qua non para o futuro da nação (SEVCENKO, 2001). Programas e projetos construídos da elite para a elite perpassavam também pela busca de um campo intelectual no país, intensificado, em grande medida, pelo surgimento das faculdades e a vinda de professores e pesquisadores vindos de fora. Dessa forma, centros culturais, grêmios estudantis, bibliotecas, dentre outras instituições também surgiram pouco a pouco no Brasil, abarcando desde as maiores cidades às do interior.

Nesse sentido, em Ponta Grossa, interior do Paraná, foi fundado em 1947 o “Centro Cultural Euclides da Cunha” (CCEC), encerrando suas atividades oficialmente em 1985. O grupo era composto por profissionais liberais de Ponta Grossa que apresentavam um ideal em comum: movimentar culturalmente a cidade e criar instituições e debates considerados afeitos ao progresso e voltados à instrução das massas. No número 19 do Tapejara (jornal criado e mantido pelo CCEC) encontramos o seguinte esclarecimento:

O CCEC não tem cor política, nem reconhece qualquer restrição à liberdade de pensamento (...) nem reconhece qualquer restrição de raça, religião, classe, pensamento filosófico, entre outros. (...) promove a cultura pela cultura, procurando aproximar os povos e intensificar o intercâmbio de ordem intelectual, ao mesmo tempo que estuda os mais complexos problemas brasileiros (...) (grifos do original) (TAPEJARA, 1957, p. 4).

Seguindo nessa direção, no número 15 do Tapejara, em 1955, havia a seguinte informação do euclidiano Murillo Teixeira:

A primeira originalidade que encontramos é ver na diretoria do Centro homens de todos os partidos políticos e, entretanto, não se discute esse assunto e nunca se mencionou o nome de nenhum candidato no recinto de sua sede.

Os euclidianos acreditam que a cultura seja a única força capaz de regenerar os nossos costumes políticos e, na medida do possível, procuram fazer com que os moços, dirigentes do Brasil de amanhã, tomem interesse pelos problemas sociais, políticos e econômicos do Brasil. (TAPEJARA, 1955, p. 14).

A partir das duas citações percebemos como o CCEC transmitia ao público a sua constituição e a sua imagem enquanto instituição cultural afinada às narrativas intelectuais do período, no qual a autonomia desse campo não abria espaço, ao menos nos discursos construídos por eles, para intervenções políticas ou sociais que não estavam inseridas nas regras e no habitus intelectual[5]. Além disso, encontramos também a missão assumida pelo Centro em formar dirigentes para o “Brasil de amanhã”, associando a ação de organização cultural dos intelectuais às ações formadoras de uma elite que estaria envolvida nos centros de poder.

Nesse diapasão, compreendemos conceitualmente o “intelectual” como o indivíduo que ora agregado à cultura, ora ao campo do poder, isso quando não simultaneamente às duas esferas, participa ativamente na e da sociedade. Sobre os intelectuais corrobora para a discussão Vieira:

O que é essencial nesse conceito é que não existe nenhum a priori de formação e/ou posição institucional para definir o intelectual. Cabe sempre ao investigador interessado na sua exploração analisar a natureza dos projetos formativos em curso, a ação dos seus protagonistas e, sobretudo, avaliar em contexto as consequências sociais desses projetos. (VIEIRA, 2001, p. 57).

De maneira próxima Brunner e Flisfisch afirmam: “Del mero catalogo de definiciones previsto es fácil observar que esas bases refieren sistemáticamente a uno de dos términos: cultura o poder. El intelectual como creador (...)” (BRUNNER, FLISFISCH, 1983, p. 24). Ainda que de maneira periférica, enquanto intelectuais regionais - conforme afirma Vilhena (1996), os euclidianos se denominavam como tais e buscavam controlar as narrativas na cidade na esfera educacional e cultural - evidência disso estava na movimentação do grupo para trazer a Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa (1949), o Museu Campos Gerais (1950) entre outras instituições[7] - e em contato com seus pares de outras localidades.

Para tanto, visando compreender a movimentação intelectual e o conjunto de ações e ideias dos euclidianos o presente estudo está assentado, principalmente, nas noções de “campo”. “habitus” de Bourdieu (1998). Conforme apontaremos, a intelligentsia nacional e os intelectuais que dela pretendiam participar criavam formas singulares de linguagem e de sociabilidade, isto é, delimitavam suas próprias regras e um modus operandi de circulação nesse meio. Conforme Bourdieu,

(...) Compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-motivado os atos dos produtores e as obras por eles produzidas e não, como geralmente se julga, reduzir ou destruir. (BOURDIEU, 1998, p. 69).

Quando afirmamos que o campo intelectual motivava um modus operandi específico estamos falando em um habitus permanente por parte dos intelectuais, a partir de ações e condutas que estavam sendo construídas no sentido de atrelar e identificar a intelligentsia, tais como: sentimento de missão social, trabalho intelectual voltado ao âmbito cultural, entre outros aspectos que davam coesão à formação desse campo intelectualizado.

Ressaltamos ainda, que o período aqui abordado evidencia o processo de construção de um campo intelectual no Brasil, o qual foi sendo gestado por “estruturas estruturantes” (BOURDIEU, 1998) isto é, ao mesmo tempo em que o contato entre os intelectuais pelo país foi se intensificando e uma linguagem cada vez mais especializada sendo construída internamente ao campo, externamente também tentavam nuclear a interferência dessa intelligentsia nos aspectos políticos e de políticas públicas brasileiras.

Desse modo, a criação do CCEC e, principalmente, a reunião de outros intelectuais em torno de seus projetos tornava-se fundamental para a inserção dos euclidianos, ainda que de maneira periférica, nas discussões intelectuais, pois, conforme cita Bourdieu (2000) ao conhecer as “regras do jogo” estas deveriam ser incorporadas para o ingresso e o diálogo nesse campo, tal qual as cartas trocadas evidenciam o esforço dos euclidianos em angariar visibilidade e a tentativa se projetar para além do âmbito municipal. Nesse diapasão, corrobora Bourdieu em “Algumas propriedades do campo”:

Um campo, e também o campo científico, se, define entre outras coisas através da definição dos objetos de disputas e dos interesses específicos que são irredutíveis aos objetos de disputas e aos interesses próprios de outros campos (não se poderia motivar um filósofo com questões próprias dos geógrafos) e que não são percebidos por quem não foi formado para entrar neste campo (cada categoria de interesses implica na indiferença em relação a outros interesses). (BOURDIEU, p. 121, 2003).

Nesse artigo, buscamos analisar as narrativas públicas construídas pelos euclidianos do CCEC sobre a imagem de si como intelectuais e suas interlocuções com outros pares e instituições pelo país, por meio de um “idioma em comum” que os identificavam e legitimavam a ideia de formação do campo intelectual no Brasil e, mais especificamente, em Ponta Grossa, lócus de atuação do CCEC. Campo esse que, segundo Bourdieu (2000), vivia de conflitos, tensões e vínculos necessários que estabeleciam o ingresso dos intelectuais em diferentes regiões e púlpitos.

Para perquirimos a construção dessas narrativas, utilizamos como fontes cartas remetidas ao CCEC por outros intelectuais do país e dedicatórias encontradas nos livros pertencentes à biblioteca da citada instituição[8]. A presente pesquisa está estruturada da seguinte maneira: inicialmente, contextualizamos a criação, a organização do CCEC, além das filiações, de modo geral, políticas e culturais do grupo em Ponta Grossa e no Paraná; para, posteriormente, problematizar as cartas e dedicatórias na busca por indícios da formação desse campo intelectual e as interlocuções estabelecidas pelos euclidianos com outros grupos e seus intelectuais.

O Centro Cultural Euclides da Cunha: criação e organização

O Centro Cultural Euclides da Cunha foi fundado a partir de algumas premissas inerentes ao grupo e que estavam associadas aos ideais de patriotismo e de fomento à criação de instituições culturais/científicas como museus e centros de cultura; premissas essas, que estão explicitadas nas ações dos euclidianos e atreladas às relações do e no espaço intelectual, em cujo estatuto encontramos:

A) Incrementar as atividades intelectuais da cidade, procurando para a consecução desse objetivo, congregar em seu quadro social todos os indivíduos que preencham as exigências que serão determinadas nos respectivos estatutos, todavia, sem distinção de sexo, cor, religião, idade ou classe;

B) Promover conferências e palestras periódicas, de cunho literário e científico;

C) Editar um jornal ou boletim trimestral, contendo matéria variada e de interesse geral; (ESTATUTO DE FUNDAÇÃO DO CENTRO CULTURAL EUCLIDES DA CUNHA, 1947).

Nos itens a, b e c encontramos os objetivos e os eixos articuladores das ações dos euclidianos, inclusive a ênfase dada ao “incremento de atividades intelectuais na cidade”. A expressão incremento intelectual engloba “promover conferências e palestras de cunho literário e científico”, ou seja, organizar a cultura em diversos segmentos, tal como indica a letra c - criando e gerindo um jornal - que surgiria alguns anos depois, o Tapejara. Conforme Névio de Campos: “o que define o indivíduo que intervém nos episódios da cultura como intelectual é a capacidade de organizar o tecido social, refletir sobre si mesmo e sobre a relação com a sociedade” (CAMPOS, 2010, p. 133). Era essa basicamente a ideia encontrada nos primeiros tópicos do Estatuto do CCEC: as discussões se davam dentro do campo intelectual e pretendia dialogar com a sociedade, a partir do momento em que esboçavam ações na vida cultural de Ponta Grossa.

Para além das relações travadas dentro desse campo intelectual que se formava, tornava-se necessário também um patrono para o CCEC, uma figura nacionalmente conhecida e que legitimasse o projeto cultural adotado pelo grupo, delimitando a marca do CCEC perante as interlocuções com outras instituições pelo país. O escolhido fora Euclides da Cunha.

O CCEC inseria-se num movimento mais amplo, o Movimento Euclidiano. Criado em São José do Rio Pardo e que continua com suas atividades até hoje, com menor força é verdade, comemorando anualmente a vida e a obra de Euclides da Cunha. Em 1912, no dia 15 de agosto (data de sua morte) foi realizada por um grupo de moradores e intelectuais da cidade paulistana a primeira caminhada em sua homenagem pela cidade. De acordo com Trovatto:

A tradição euclidiana, uma prática social, é enfocada como um fato social total. Cada cerimônia possui objetivos específicos e é interpretada como atividade de comunicação e representação do social, visando a controlar comportamentos de pessoas e grupos, expressões da sociedade, que refletem valores, hierarquias, papéis e normas (...) (TROVATTO, 2002, p.14).

As homenagens anuais realizadas em homenagem a Euclides (Semana Euclidiana) cresceram sobremaneira durante as décadas de 1930/40, sendo organizadas de forma pomposa e contando com participantes vindos de várias partes do país. Não por coincidência, a política nacionalista e normativa de Vargas incentivava ainda mais comemorações com esse perfil, no qual, por um lado, admirava-se a figura de Euclides e, por outro lado, dava-se um exemplo de festa cívica e patriótica realizada em Rio Pardo.

Observamos que, dessa forma, adotar para si e sua instituição o “patrono” Euclides da Cunha significava compor uma rede de diálogo intelectual pelo país que gravitava em torno do nome do autor de Os Sertões e que carregavam consigo algumas ações conjuntas como, por exemplo, a organização dos eventos euclidianos em suas cidades, ademais, demarcava-se também a defesa de bandeiras como a do patriotismo e de uma identidade brasileira interiorana. De acordo com Faris Michaele, presidente do CCEC e redator do Jornal (Tapejara):

E tal característica constitui, de certa maneira, como que remoto brado de rebeldia cabocla, verdadeira voz de alerta do eterno cerne autóctone, de seus mais variados elementos e valores, contra as importunas obtenções e as aquisições culturais da faixa litorânea (...) Euclides foi, pois, um incompreendido. Conquanto o mais completo de nossos homens de letras, o mais nacionalista nos temas, o melhor provido na forma e fundo (...) (TAPEJARA, 1950, p.1).

O fascínio do Centro Cultural Euclides da Cunha pelo Brasil interiorano e a opção por Euclides da Cunha como patrono renderam a peculiar forma dos euclidianos se cumprimentarem como “jagunços do Pitangui”. Jagunçada do sul do Brasil que, em vez do rio São Francisco (Nordeste), escolheu como elemento cênico o rio Pitangui que passa pela cidade de Ponta Grossa.

O patriotismo romantizado dos euclidianos estava posto desde os eventos organizados por eles às formas cotidianas de sociabilidade, de modo que construísse por entre seus membros um laço de solidariedade. Pois, se para os intelectuais que se encontravam nos maiores centros brasileiros e que discursavam respaldados por instituições científicas/acadêmicas tornava-se importante construir a visibilidade de seus projetos e do local em que falavam, para o CCEC tal tarefa se tornou ainda mais complexa, pois residia em uma cidade do interior do Paraná que à época de sua criação não contava com nenhuma instituição de ensino superior ou científica.

Inferimos assim, que as formas de consolidação sobre o campo intelectual ainda não estavam visíveis e legitimadas no caso do CCEC, fazendo com que seus membros buscassem narrativas tendo como missão o fortalecimento do grupo, logo, a solidariedade entre seus membros tornava-se ainda mais importante, tendo em vista, que era um núcleo que contava com poucos sócios locais e que se sobrecarregavam nas tarefas e cargos assumidos. Desse modo, contribui Bourdieu para a discussão ao afirmar que:

(...) Os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume de seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo o espaço. (BOURDIEU, 1997, p. 24)

Em carta de Raimundo Ayres para Faris Michaele, visualizamos o cotidiano desses intelectuais que tentavam equacionar compromissos pessoais, profissionais e intelectuais:

Venho nesta oportunidade responder sua mensagem amiga de 15 de novembro passado (...). Inegavelmente as ocupações e os encargos que me acumulam cada dia, neste movimento intenso de intercâmbio consomem o nosso tempo de forma tal que não nos possibilita trazer em dia a nossa correspondência (...) tenho casa comercial, escritório de cobrança, representações, jornal, associações (...) Diante disto o peso sobre meus ombros é grande demais e o tempo exíguo para tudo atender prontamente. (AYRES, 1954).

O desenrolar do percurso histórico do Centro Cultural Euclides da Cunha desnuda ao historiador as estratégias do grupo para a manutenção de suas atividades, pois, as questões financeiras e estruturais eram essências para essa manutenção, ao ponto de encontrarem medidas para a sobrevivência do Centro com base em interlocuções com homens da política e seus partidos. Na seção “Notícias culturais”, no Tapejara, há o seguinte agradecimento:

Os euclidianos estão de parabéns. Mais uma vez, graças à ação eficiente do Exmo. Senador Flávio Guimarães[12], o Dr. Governo Federal acaba de conceder nova ajuda ao Centro Cultural Euclides da Cunha a fim de que possa organizar, de maneira razoável, o seu serviço de biblioteca, discoteca, entre outros. (TAPEJARA, 1953, p. 16).

Em alguns momentos, podemos analisar também como chocavam os interesses intelectuais com os políticos, gerando o desconforto dos euclidianos em decorrência desse descompasso. Daily Wambier em correspondência particular direcionada a Faris expunha as tensões entre o político e o intelectual a partir de um acontecimento cotidiano ocorrido no CCEC:

Prezado e querido mestre:

Aconteceu o que eu estava prevendo, com o jantar oferecido pelo nosso Centro ao eminente homem de letras e grande euclidiano: Dr. Flávio Guimarães: a modesta homenagem desse de um grêmio eminentemente cultural foi transformada em tertúlia de girassóis...Ficara combinado que não se daria a palavra a mais ninguém senão ao nosso honrado intérprete e ao homenageado. Todavia, falou quem entendeu, para fazer propaganda político-partidária.

Mataram o nosso Centro, meu caro e grande mestre!

Essas razões levam-me, como um dos mais humildes fundadores da agremiação e ao qual dei, modestamente, o máximo de minhas apoucadas energias, a depor nas mãos de Vossa Excelência, o cargo de Tesoureiro, irrevogavelmente. (WAMBIER, 1952).

Apesar das palavras de Wambier na epístola, o euclidiano não saiu do CCEC e nem mesmo entregou o cargo de tesoureiro, em muito pela compreensão de que, por mais que em vários momentos o intelectual entrasse em atrito com outros campos, tornava-se necessário esse diálogo para a sobrevivência do grupo. A fragilidade do Centro Cultural quanto à sua autonomia, em muito pela tímida visibilidade que apresentava para além da cidade de Ponta Grossa, colaborava para investidas políticas que, se por um lado proporcionavam subvenções financeiras, por outro lado colocavam os euclidianos em posição de relativo constrangimento nos vínculos acordados.

Não havia ainda no CCEC um respaldo necessário que os legitimasse e que tivesse o poder para os sobrepor em determinadas situações das investidas políticas por entre os seus principais intelectuais. Nesse diapasão, corrobora Bourdieu:

O campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações entre outros, que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que o envolve. De fato, as pressões externas, sejam de que natureza forem, só se exercem por intermédio do campo, são mediatizadas pela lógica do campo. Uma das manifestações mais visíveis da autonomia do campo é sua capacidade de refratar, retraduzindo sob uma forma específica as pressões ou as demandas externas. (BOURDIEU, 1997, p.20-21).

Os euclidianos encontravam dificuldades em refratar pressões e demandas externas naquele contexto, de tal forma que o campo intelectual que se almejava, ainda estava em construção e incipiente, sofria, portanto, com influências políticas e de outros campos sociais. Destarte, no aspecto político, não de maneira explicita, mas a partir de rastros deixados pelo CCEC e pela trajetória de vida de seus principais nomes, também observamos um histórico de filiação a partidos da situação e a ausência de comentários sobre os sistemas ditatoriais e restritivos de direitos que vigoraram no Brasil. A maioria dos euclidianos ponta-grossenses, ainda que houvesse uma minoria de comunistas e anarquistas, refletia em suas práticas políticas a tradição da própria cidade de Ponta Grossa de filiação a partidos conservadores, tal qual o integralismo durante a década de 1930 e o PSD[15] após década de 1940 (DITZEL, 2004).

De acordo com Chaves (1999) e Schimanski (2007), a formação das forças políticas da cidade, desde sua conformação como 5ª Comarca de São Paulo, estava centrada na propriedade agrária e no culto personalista dos grandes fazendeiros: o “fazer política” estava atrelado à troca de favores e de apadrinhamento, gerando práticas de clientelismo. Conforme Chamma: “o poder concentrou-se nas mãos das famílias históricas, representadas por proprietários de terras e comerciantes que se constituíram, nesse momento, nos ‘donos do poder político da vila de Ponta Grossa’”. (CHAMMA, 1998, p. 29).

As transformações nos sistemas políticos, em âmbito estadual com a emancipação política do Paraná, em âmbito nacional com a passagem do Império para a República, segundo Carvalho (1990), pouco dinamizaram as práticas cotidianas de poder e de capital simbólico dos homens públicos das cidades brasileiras.

Desse modo, não estava posto no projeto do CCEC a quebra de um status quo historicamente estabelecido na política paranaense, os intelectuais do grupo, de maneira geral, pertenciam à elite política e social da cidade, a maioria composta por profissionais liberais que estavam relacionados ou descendiam das tradicionais famílias de agropecuaristas ou de comerciantes de Ponta Grossa (DITZEL, 1998). As omissões ou os silêncios encontrados nas fontes nos fornecem indícios das questões políticas que os euclidianos não enfrentaram explicitamente, abafando assim o posicionamento deles em questões que, se trazidas publicamente aos seus leitores, poderiam gerar desconfortos.

Temáticas sociais em voga no período estudado, como a marginalização social, a falta de investimentos na educação, as ligas de camponeses que surgiram na década de 50 e que continuavam a se movimentar, dentre outras perspectivas, estão ausentes dos discursos euclidianos. Conforme aponta Molar (2014), o consenso parecia ser o objetivo dos euclidianos: os assuntos trabalhados pelo grupo não tocavam em feridas não cicatrizadas ou que estariam por se abrir, apresentando assim, mais um projeto genérico, ordeiro e romântico sobre o Brasil e menos apontamentos que problematizassem as mazelas sociais e políticas pelos quais passava o país.

Cartas e dedicatórias em livros ao Centro Cultural: a retórica de um campo em construção

Na cultura digital do século XXI o ato de enviar cartas já perdeu muito de sua cotidianidade, certamente, a caixa de e-mails ou as redes sociais ocuparam o seu espaço na preferência da maioria das pessoas. Em sentido próximo, mas em menor intensidade, os livros impressos passam a dividir espaço com os e-books e os livros digitais, fazendo com que as dedicatórias sejam, pouco a pouco, escasseadas.

Ao historiador cabe rastrear os vestígios de uma prática que perdurou por muitos séculos, tendo grande assiduidade entre os intelectuais: o papel impresso e a circulação de obras. Práticas essas amplamente acessíveis no acervo de Faris e do Centro Cultural - com mais de 500 cartas e 5.000 livros, em que há um vasto material para ser analisado e que evidentemente não temos a pretensão de dar conta em sua inteireza.

O que nos despertou a curiosidade é o fato de que as doações de livros à biblioteca do Centro Cultural e as cartas de intelectuais que aceitavam o título de sócio correspondente demarcam formas discursivas próximas: por um lado a ênfase na missão social, quase que messiânica, do intelectual, por outro lado, as intenções explícitas ou implícitas pela circulação do capital simbólico – seja das obras, seja de seus autores – em uma rede cujo livro se torna um presente e, ao mesmo tempo, o canal de divulgação e de possível visibilidade. Em dedicatória de Noel Nascimento[16], o autor assinalava: “Ao meu mestre, a quem verdadeiramente devo a minha orientação intelectual, como prova de amizade e reconhecimento ao meu grande Faris Antonio Michaelis [sic], aguardando uma honrosa crítica” (NASCIMENTO, 1951).

A expressão “honrosa crítica” abarca uma série de possibilidades, desde a crítica pessoal de Faris à divulgação do livro no Tapejara e nas demais instituições do CCEC. Pois, a busca nas narrativas pela construção do campo intelectual adentrava pelo incentivo ao mercado de livros, leitores e na circulação desses bens, pois, a reorganização cultural do país estava associada à instrução, não necessariamente erudita, mas a uma nova maneira de se conceber o processo de alfabetização, de divulgação da ciência e das letras.

As práticas de leitura estão atreladas tanto a sua produção/difusão, quanto a recepção. Doar uma obra para o Centro Cultural tornava-se, ao mesmo tempo, construir o processo de visibilidade do autor do livro doado e expandir as fronteiras de recepção, adentrando assim em novos cenários e, consequentemente, acessando novos leitores. Nessa perspectiva, o Tapejara possuía uma seção chamada “Bibliografia”, cujo espaço era especificamente para trazer ao público leitor os livros recém-publicados, resumos e análises críticas. De acordo com Luciana Pinto e Cláudio DeNipoti: “Ao colaborar na doação de livros, esses sócios-correspondentes ajudaram na ampliação da biblioteca do CCEC e, cientes do poder de articulação de Michaele, sabiam que seus livros estariam em mãos confiáveis”. (PINTO; DENIPOTI, 2008, p. 16).

Embora consideremos a visibilidade que a circulação de livros e artigos pudesse gerar para seu autor, não podemos desprezar também nesse momento a manutenção da narrativa dos intelectuais como porta vozes da cultura. O livro doado ou permutado materializava-se em uma ação benevolente por parte de seu criador, o qual apresentava destino certo: enriquecer as bibliotecas de escolas, centros culturais e grêmios literários.

Se o livro, objeto tão querido do intelectual, enriqueceria as instituições educacionais e culturais, por certo alcançaria o público que ali frequentava, e assim, novamente retornamos à esfera de circulação/recepção. Exemplo dessa relação é a carta de Agnello Bittencourt para Faris:

Trocando pensamentos e entendendo-se, mesmo de pontos muito distantes, os homens de boa vontade podem irmanar-se, melhor do que agora, e criar um tipo de civilização que mais lhes convenha. Cada agrupamento que se funda e trabalha com essa finalidade, é uma sentinela avançada do nosso progresso, um broquel de paz e de segurança na eternização brilhante do nome do Brasil. Não há soberania nacional que dispense o apoio de seus intelectuais. A nação que os relegar a plano inferior, não estimando o seu auxílio, não passará de um bando de Panúrgio, que os espertos tanto conduzirão para o aprisco como para o matadouro. As cidades recomendam-os e glorificam-se com a manutenção carinhosa de suas escolas e centros culturais. (BITTENCOURT, 1952).

No Brasil da metade do século XX, no qual, segundo apontou Ortiz (1994), construía-se ainda de forma incipiente uma cultura de massa, seja na difusão ou recepção de bens e produtos, parecia ser conveniente o caminho que apontava para as trocas de obras e doações com o intuito de expandir possíveis leitores. Na citação de Bittencourt fica evidente a ideia de solidariedade e a imagem construída publicamente pelos intelectuais como “sentinelas avançados” para o progresso do país.

A ideia salvacionista que compunha a aura intelectual demonstrava as ações de um campo em busca de poder e de legitimação de ideias, principalmente, diante do contexto brasileiro de crises políticas, econômicas e culturais, cujos distintos grupos – militares, fazendeiros, industriais, entre outros – buscam rearranjar o cenário político-social nacional. O fortalecimento do campo intelectual também os impelia a representar-se como os homens certos para dirigir a cultura, questões morais e educacionais do país. De acordo com Molar:

A formação de uma “meca cultural” tornava-se em âmbito regional um dos maiores sonhos dos euclidianos e do criador do citado termo, isto é, de Faris Michaele. O desenvolvimento material da cidade, ainda que tímido na prática, porém, retumbante nas representações dos intelectuais, viria acompanhado no projeto do CCEC por meio do crescimento e do fortalecimento intelectual dos moradores da urbe. (MOLAR, p. 217, 2014).

Essa tarefa intelectual pretensamente despretensiosa, no qual humildade e soberba se entrecruzavam, perpassava também pela circulação de obras dentro do campo científico e aquelas que chegavam às mãos do grande público, sendo a doação de livros e a prática de leitura caminhos possíveis para a permeabilidade da relação intelectuais/sociedade. Sobre a concorrência existente no campo intelectual, fator esse atrelado ao capital simbólico construído também pela inserção em centros culturais e espaços de divulgação diversos, aponta Bourdieu: “(...) Os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume de seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo o espaço”. (BOURDIEU, 1997, p. 24).

Desse modo, os euclidianos, naturalmente, também tinham interesse em levar suas obras para outros centros e espaços, assim como recebia obras e as divulgava no Tapejara. Ademais, a impossibilidade geográfica (por residirem no interior) não significava, por vezes, impossibilidade de difusão, já que o contato com outros locais por meio da imprensa encurtava as distâncias. Nereo Bisin, de Limeira, interior de São Paulo, em correspondência enviada ao Centro solicitava:

Por intermédio de ‘Letras da Província’, que se publica em Limeira, tive conhecimento do lançamento do primeiro número de ‘Tapejara’ – órgão literário do Centro Cultural Euclides da Cunha, nessa progressista cidade paranaense.

Admirador que sou dos jornais literários que se editam no interior dos estados, ficaria grato se me fosse enviado um exemplar de ‘Tapejara’, bem como informações para a sua assinatura. (BISIN, 1950).

Em sentido próximo, Julien Fauvel, de Jaú, também interior de São Paulo, solicitava: “Li há pouco o seu anúncio na imprensa de S. Paulo a respeito do livro do Sr. Faris Antônio S. Michaele, “Manual de Conversação da Língua Tupi”, e, interessado pelo mesmo, peço-lhes, casos seja possível remeter-me (...)” (FAUVEL, 1951).

A partir da análise das cartas observamos também como os intelectuais localizados nas cidades do interior criavam uma central de comunicação e de expansão de seus projetos, seja em Jaú, Limeira ou Ponta Grossa (todas as três no interior de seus estados) havia a circulação de ideias vindas de outras regiões, tecendo uma rede que não precisava, diretamente, passar pelas capitais ou intelectuais de maior renome nesse campo. Tal situação corrobora para a visualização do fenômeno apontado por Vilhena (1996) dos “intelectuais regionais”, os quais se utilizavam de múltiplas estratégias para se colocarem em evidência a partir dos locais de onde falavam.

Por mais que a construção de uma rede de contatos e de meios de comunicação em distintos lugares surgisse como uma alternativa para que os intelectuais regionais circulassem dentro do campo intelectual, ainda assim o aspecto geográfico possuía força, podemos ilustrar essa questão a partir da trajetória de vida do presidente do CCEC, Faris Michaele. Pois, ainda em começo de carreira, nas férias letivas de 1938, ele partiu para o Rio de Janeiro em busca de maiores oportunidades profissionais, conforme retrata o jornal Diário dos Campos de 11 de dezembro de 1938: “com destino ao Rio de Janeiro, onde ira residir (...) o nosso ilustre amigo e colaborador Faris Michaele, uma das figuras primaciais da cultura paranaense” (DIÁRIO DOS CAMPOS, 1938, p. 2).

A tentativa de buscar novas oportunidades no Rio de Janeiro não obteve êxito, tendo Faris retornado a Ponta Grossa meses depois. Em um artigo de 1944, escrito por ele ao jornal Diário dos Campos, parece querer justificar sua permanência na cidade paranaense e o insucesso no Rio de Janeiro de anos atrás:

A característica do verdadeiro talento consiste, não simplesmente em ser grande e original apesar do meio em que vive, mas em apresentar a certeza de semelhantes qualidades, qualquer o meio onde pudesse ter surgido. (DIÁRIO DOS CAMPOS, 1944, p. 3).

O insucesso na viagem de Faris, cujas causas nem de sua ida e de sua volta não sabemos ao certo, modificou a sua retórica discursiva ao se dirigir ao público: não se tratava mais de se destacar nas maiores cidades do país, mas sim, destacar-se no lugar em que foi criado e formado, mantendo diálogo com intelectuais provenientes de outras localidades. O cearense Luiz de Barros em carta para Faris comentava situação parecida em sua terra natal:

Com muita satisfação recebi o diploma de sócio correspondente do Centro Cultural Euclides da Cunha e já estava incidindo em falta grave em não ter agradecido há mais tempo tão merecida distinção, que muito me penhorou.

Todavia, tenho uma vida profissional intensa, trabalhando, em geral, durante três expedientes diários e tendo ainda responsabilidade de família (...) como professor de História me sinto plenamente identificado com o programa do Centro Euclides da Cunha (...)

Reconheço também a urgente necessidade de intensificar a cultura nos Estados para impedir o êxodo dos nossos estudiosos para o Rio, motivado justamente pelo fato de não encontrarem, nas províncias, ambientes e estímulos. (BARROS, 1952).

A ação constante de Faris de alimentar nos intelectuais regionais a convicção de que seria possível construir uma carreira intelectual no interior e estabelecer vínculos com outros intelectuais trazia também uma faceta mais pragmática, no sentido de que sozinho ou com um grupo reduzido tornava-se ainda mais dificultoso para o CCEC legitimar-se dentro da intelligentsia. Destarte, “perder” um intelectual que saía do CCEC para outras localidades significava também aumentar o número de membros de outros grupos que, para o trânsito intelectual, era importante na construção de uma imagem de solidez e de fortalecimento do capital simbólico em um espaço cada vez mais competitivo e com suas próprias regras.

Os discursos intelectuais não apresentam de maneira objetiva a importância de membros para um determinado grupo e a solidariedade entre eles, todavia, as cartas trocadas por esses intelectuais fornecem ao pesquisador duas ideias que se entrecruzam: uma narrativa pública de fortalecimento intelectual para o bem do país e um discurso relativamente oculto que desvela a concorrência e as estratégias intelectuais para o fortalecimento de seus projetos. Nesse sentido, do Centro Cultural Humberto de Campos, de Vitória/ES, chegou a correspondência abaixo para Faris:

Senhor presidente, é imensa e eterna minha gratidão por esse coletivo feito dos eminentes e consagrados confrades desse cenáculo de letras e como prova cabal deste reconhecimento, prometo não poupar esforços para corresponder condignamente a inteireza desse altruístico gesto. (...) essa benemérita associação que, sob a égide de EUCLIDES DA CUNHA, vem se destacando como sentinela avançada em prol do aprimoramento e cultura das letras em nossa extremada pátria.

Aproveitando este feliz ensejo de corresponder-me com V. Excia., pela primeira vez, envio-lhe alguns dos meus humildes trabalhos em verso, os quais submeto á sua douta apreciação e caso os julgue aproveitáveis, em todo ou parte, poderá deles dispor para qualquer fim. (grifos do original) (CENTRO CULTURAL HUMBERTO DE CAMPOS, 1951).

O gesto de reverência perante uma instituição cultural, nesse caso, o CCEC e o rebuscado e elogioso tratamento ao seu presidente representavam a maneira cavalheiresca de se dirigir a um Centro coirmão e a um intelectual que, apesar da distância geográfica, fazia parte dessas ações intelectuais. O final da citação oriunda do Centro Cultural Humberto de Campos nos desvela a relação macro/micro que estamos problematizando: inicialmente o tratamento de reverência à importância do CCEC para Ponta Grossa e para a intelectualidade e, posteriormente, a sinalização do envio de trabalhos do autor da epístola para serem apreciados por Faris, podendo ele “dispor para qualquer fim”. Essa expressão genérica abre a porta para que o CCEC, por meio do crivo de Faris, publicasse tais obras (no todo ou em parte) ou, ao menos, uma possível citação de tais escritos no Tapejara, nas palestras e atividades afins.

A referência pública de um intelectual sobre outro intelectual ativava novos espaços de inserção e de visibilidade na relação entre a publicação de bens intelectuais e a recepção por parte do público, fatores esses que não podem ser desprezados na constituição do espaço intelectual perante seus pares e o público em geral.

Além desse comportamento intelectual compartilhado dentro do campo, a construção dos vocábulos empregados nas cartas sugere também práticas em conjunto de endereçamento e tratamento entre eles. Ao escrever utilizando expressões e a construção de vocábulos próximos aos dos colegas, reforçava a ideia de pertencimento a um campo e a um hábito que possuía suas regras sociais e morais, as quais organizavam os intelectuais internamente e os identificavam externamente.

Abaixo citaremos alguns desses exemplos, cuja representação do fazer e do ser intelectual e o estilo de escrita os aproximavam, respectivamente enviadas por Silvino Sanders[20] e Augusto Faria Rocha[21]:

O propósito de que de então pra cá me sinto animado, qual o de, em me estando nas posses, oferecer àqueles que me deram de sua magnífica e inequívoca hospitalidade provas irrecusáveis, um pouco – se não resvalo em veleidade em lhes dando testemunho – das forças que me formigam no braço e do entendimento que me bruxoleia no encéfalo. (SANDERS, 1950).

No fato senão o traço marcante do tradicional cavalheirismo de que é apanágio a galharda mocidade intelectual da linda metrópole campesina, cuja atividade, trepidante e multifária, ainda póde possibilitar, aos cultores das belas letras, o mél do espírito, à maneira das abelhas encantadas de Pindaro (ROCHA, 1949).

Expressões rebuscadas podem ser observadas nos dois excertos citados e em tantas outras correspondências remetidas ao CCEC, termos como: “das forças que me formigam no braço e do entendimento que me bruxoleia no encéfalo”, entre outros, explicitavam as honras recebidas pelo ingresso em um Centro Cultural, elogiando não somente a instituição, bem como a cidade na qual ele está enraizado, conforme observamos passagem acima transcrita da carta de Augusto Faria Rocha ao justificar porque foi escolhido como sócio correspondente: “No fato senão o traço marcante do tradicional cavalheirismo de que é apanágio a galharda mocidade intelectual da linda metrópole campesina”.

Essa “retórica em comum” já foi analisada por José Murilo de Carvalho (2000) quando problematizou o “proto campo intelectual brasileiro” no século XIX. Para explicar essa questão, Carvalho se reporta à tradição portuguesa barroca de escrita, apontando para o fato de que muitas vezes as palavras eram empregadas por seus autores em um discurso sem que se soubesse ao certo seu significado e suas variações. Ou seja, em algumas ocasiões, as palavras eram empregadas pelo sentido de erudição que poderia trazer ao texto e não por seu significado.

José Murilo buscou, principalmente, discursos oficiais e debates entre políticos para explicitar essa questão de ornamentação textual, denominada por ele de uma “retórica vazia”. Além disso, a prática intelectual de valer-se de citações de autores estrangeiros sem nem mesmo conhecer seus trabalhos, segundo Carvalho, poderia ser considerada como uma artimanha intelectual para “vencer” o seu oponente.

Essa intelectualidade do XX, não apresentava mais todos os traços e aspectos levantados por Carvalho no que tange ao século XIX, além disso, a constituição desse mesmo campo intelectual ao longo do XX trouxe maior credibilidade e, ao mesmo tempo, cuidado no emprego de expressões e palavras; por outro lado, continuamos encontrando textos cujo teor da linguagem era, por vezes, maneirista. Nesse sentido, utilizar termos próprios ao campo intelectual, a partir da ornamentação da linguagem, construía um rosto para essa intelectualidade que se comunicava por livros e correspondências.

Torna-se notório também o emprego dos elogios ao CCEC e ao presidente da instituição, isto é, a Faris, no sentido de que seu cargo representava a vontade e os objetivos do próprio Centro Cultural. O ingresso de novos intelectuais correspondentes ao CCEC caminhava, inicialmente, pela aprovação dos nomes submetidos aos membros efetivos, passando pela comunicação, via correspondência, ao intelectual em questão de que seu nome foi aceito e tendo como fecho a resposta que estamos acompanhando do novo sócio. Esse percurso é considerado por nós como um ritual, no qual o processo de ingresso era uma honra tanto para o CCEC, que o acolhia, quanto para o intelectual que ingressava em novo núcleo de discussões e de púlpitos.

Nesse sentido, o discurso que permeava as cartas apontava para intelectuais que aceitavam a “honraria”, porém, antes de sua confirmação, elaboravam uma “teatralização intelectual”, na qual não se sentir apto para exercer a função era o primeiro passo. Segundo Lázaro Campos:

Desvaneceu-me na humildade de minhas aspirações, o generoso gesto desse amigo, a cuja bondade devo as imerecidas referências à minha pessoa, e o honroso e pronto acolhimento com que fui distinguido, da parte dos cultos associados desse Centro.

Embora convicto da fragilidade de meus conhecimentos, não fugirei, contudo, ao imperioso chamado desta agremiação, na sua luta insana e frutífera em prol ‘da cultura e da dignificação do Saber’, debaixo da gloriosa égide do nome altíssimo e brasileiríssimo Euclides da Cunha. (CAMPOS, 1949).

Seguindo essa linha discursiva, pontuava Adar de Oliveira e Silva:

Essa renomada instituição, que congrega a elite intelectual de nossa terra e conta no seu quadro social as mais notáveis inteligências da América – honrou-me com um gesto de deferência que, ao mesmo tempo, me orgulha e me confunde. De tudo concluo que é bem verdade que: ‘a sabedoria nasce sempre se casa com a bondade’. (...)

Penso que num ponto estamos, todos nós, de acordo: escolhestes o mais frágil e o mais desvalioso amigo à sombra confortadora de seu idealismo. (SILVA, 1950).

Apesar da postura de aparente humildade fomentada por esses intelectuais ao se posicionarem perante o Centro Cultural, também deixavam claro que a pequena contribuição que poderiam dar, seria empreendida de maneira determinada e enérgica, tanto em prol dos objetivos dos euclidianos quanto na missão de desenvolver o país a partir da área cultural.

Nesse ponto, observamos novamente um vínculo coletivo ligando os interesses dos correspondentes aos euclidianos, pois, além de expandirem seus contatos ao aceitariam esse título, poderiam dar a contribuição com essa “humildade aparente” para a organização da sociedade, fortalecendo a figura do próprio intelectual.

Além disso, observamos também na rede de contatos do CCEC, a busca por intelectuais de renome, pois, tê-los em seu quadro tornava-se importante para a credibilidade e força do grupo dentro do campo intelectual. Receber uma carta, por exemplo, de uma simples confirmação de recebimento do material remetido à Universidade de Oxford significava que outros círculos e renomadas instituições e intelectuais tomavam conhecimento dos ideais euclidianos.

Exemplo dessa realidade é a carta do sociólogo francês Roger Bastide enviada ao CCEC:

Recebi com grande prazer a comunicação de V.S. sobre minha eleição como sócio correspondente, em São Paulo, do Centro Cultural Euclides da Cunha e quero manifestar o meu agradecimento por esse testemunho de amizade que me une a comunidade brasileira. Podem ter certeza de que, seja em São Paulo, seja em Paris, continuarei sempre trabalhando para a cultura de seu grande país. (BASTIDE, 1951).

Em que medida esses outros grupos/intelectuais se filiavam ou davam atenção a esses ideais é outro ponto a ser discutido, na maioria das vezes, as respostas que encontramos eram mais curtas e menos elogiosas ao CCEC se comparado com os trechos que analisamos até o momento de intelectuais com menor capital simbólico. Ainda assim, a ação de fazer conhecer os pressupostos dos projetos do CCEC era algo que deveria ser empreendido com constância. Legitimando as discussões sobre as esferas de poder do campo, aponta Bourdieu: “(...) O mundo da ciência, conhece relações de força, fenômenos de concentração do capital e do poder ou mesmo de monopólio, relações sociais de dominação que implicam uma apropriação dos meios de produção e de reprodução (...)” (BOURDIEU, 1997, p.34).

Em suma, os intelectuais regionais, tal como os euclidianos de Ponta Grossa, empreendiam com grande esforço as ações de atuação e difusão de suas ideias pelos grupos intelectuais e pela sociedade como um todo, seja em alguns momentos pela distância física dos maiores centros brasileiros, seja pela acanhada estrutura que dispunham, sobrecarregando assim os nomes mais atuantes. O que não anulou, entretanto, a busca pela circulação de seus projetos e de seus membros por outros espaços, ainda que, a permeabilidade de suas proposições e ações, na prática tenha permanecida restrita a Ponta Grossa.

Referências bibliográficas

O grupo de euclidianos nucleados ao CCEC buscou por meio de suas ações em Ponta Grossa fortalecer a construção de um campo intelectual na urbe do interior, em muito, tentando acompanhar o movimento dos maiores centros e de instituições científicas que por meio de pesquisas e discussões acadêmicas buscavam criar um projeto cultural e social para o Brasil; em outros termos, ainda que as pretensões de seus membros fossem mais amplas – nacionais e internacionais – foram até onde suas mãos alcançavam e as limitações concretas impunham.

Ainda que esse acompanhamento tenha se dado, como já dito, de maneira residual, tendo em vista que os euclidianos ponta grossenses se encontravam distantes geograficamente e intelectualmente dos grandes centros brasileiros à época, buscaram estratégias que mais surtiram efeito discursivamente do que na prática no que tange ao encurtamento dessa distância e à notoriedade do CCEC em esferas mais amplas. As narrativas grandiosas demarcam também a visão que se pretendia sobre si, mas, principalmente, de si perante os demais intelectuais no campo intelectual, o qual se mantém pelo que se aparenta ser ou pelo desejo do que se ansiava ser.

Por outro lado, à nível regional, a partir das movimentações para a vinda de instituições como a Faculdade, o museu, entre outras, além do circulo de contato que se manteve, mesmo que a distância, com pares de outros locais e a presença física e simbólica em eventos e ações na cidade a partir das bandeiras defendidas como a modernização da cidade, o projeto cultural e educacional de instrução das massas guiadas por esses intelectuais, o CCEC em Ponta Grossa demarcou seu espaço na ânsia de construir um campo intelectual em Ponta Grossa, o qual não vamos afirmar se foi contemplado ou não, pois, nossa preocupação se deu mais nas narrativas criadas e movimentações realizadas no campo intelectual e menos em analisar ou afirmar a efetividade dessas ações na sociedade.

Em suma, o movimento desses “intelectuais regionais” do CCEC explicita a sinergia cotidiana de seus principais nomes esforçando-se para divulgar as propostas do grupo e inseri-lo em um campo intelectual em construção. Ainda que a rede de contatos mais frequentes não apontasse para intelectuais renomados, observamos a insistência e a permeabilidade das ideias do CCEC pela esfera regional, em parte evidenciada também pela filiação de políticos locais e membros da elite ao seu quadro de sócios.

Para além das dificuldades cotidianas, a imagem que se buscou representar publicamente cintilava Ponta Grossa como uma cidade em vias de modernização e que, para isso, a atuação dos euclidianos do CCEC era central, pois, por meio das instituições que ajudaram a fundar e das discussões cientificas e culturais que teciam guiavam a urbe para o desenvolvimento material e intelectual de sua população. Fortalecer a imagem de Ponta Grossa significava também, e ao mesmo tempo, fomentar o próprio Centro Cultural Euclides da Cunha.

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Notas

[1] Se nos atentarmos para o histórico de vida do CECC e de suas instituições, inferimos que o período em que o Centro Cultural estabeleceu relações intensas e dinâmicas com outros intelectuais por meio de cartas, certificados de sócios correspondentes e o volume de escritos e páginas do Tapejara (jornal criado e mantido pelo CCEC) foi de sua fundação até, aproximadamente, a década de 1960. Após a década de 1960 não aparecem mais convites, com frequência, para novos sócios correspondentes, bem como, o número de cartas recebidas e o número e a periodicidade do Tapejara vão escasseando pouco a pouco. (WANKE, 1999), fato esse que ajuda a explicar a sua decadência de maneira gradativa até chegar à década de 80.
[2] O CCEC inseria-se num movimento mais amplo, o Movimento Euclidiano, criado em São José do Rio Pardo e que continua com suas atividades até os dias atuais, comemorando anualmente a vida e a obra de Euclides da Cunha. (TROVATTO, 2002). Aprofundaremos essa discussão no tópico seguinte.
[3] Cabe enfatizar também que por mais que o CCEC possuísse sócios correspondentes de diferentes lugares de dentro e fora do Brasil, as estratégias e ações centrais estavam concentradas nos euclidianos oriundos de Ponta Grossa que, conforme apontam as atas fundacionais e diretivas das instituições criadas, eram compostas basicamente pelos mesmos nomes, apenas realizando rodízios dos respectivos cargos.
[4] Natural de Fortaleza, foi subcomandante do 13º Regimento de Infantaria de Ponta Grossa, tornando-se general. Dedicou-se também ao ofício intelectual, tendo escrito o livro A gente da terra de Ibirapitanga. Foi vice-presidente, durante alguns anos, do CCEC.
[5] No próximo tópico aprofundaremos essa questão entre o CCEC e a política e os políticos.
[6] Esse processo de difusão e de construção da intelligentsia nacional foi abordado nas pesquisas de Vilhena (1996), ao analisar intelectuais que se encontravam fora dos grandes centros, denominados por ele de “intelectuais regionais”. De acordo com Vilhena, o intelectual regional era aquele que fixava sua residência em cidades do interior, pequenas e médias, e atuava naquela realidade a partir de um grupo formado com outros pares A maioria deles dividia o tempo entre estudos e trabalho, eram profissionais liberais – advogados, médicos, professores entre outros – que, pelo ideal de missão social e a busca por criar uma intelligentsia e um ethos moderno.
[7] Não iremos nos aprofundar na criação e detalhamento dessas instituições nesse momento por conta do objeto de estudo do presente artigo estar concentrado na narrativa dos euclidianos em se denominarem intelectuais e na tentativa de criação de tal campo em Ponta Grossa.
[8] A documentação pertence ao CCEC e o acervo pessoal de Faris Michaele estão disponíveis para pesquisa no Centro de Documentação do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
[9] Faris Antônio Salomão Michaele (1911–1977), nascido na cidade de Mococa (São Paulo) e que veio a residir em Ponta Grossa com sua família quando contava, aproximadamente, três anos de idade. Graduou-se em Direito e foi autor de diversos livros, em verso e prosa; no CCEC ocupou diferentes funções, dentre elas, o de Presidente da instituição e redator do jornal Tapejara. Também atuou como um dos idealizadores do projeto de instalação da então Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras, sendo também docente da mesma.
[10] Estruturalmente, de acordo com Ditzel (2004), a organização do Centro Cultural Euclides da Cunha possuía uma divisão parecida com a dos Institutos Históricos Geográficos que começaram a ser fundados no século XIX, isto é, com cadeiras permanentes dedicadas aos seus fundadores, sendo membros efetivos, e a aceitação de novos nomes ao longo do tempo, os quais pouco contribuíam com as tarefas do dia a dia, até mesmo porque, a maioria deles morava em outras cidades.
[11] Natural do Mato Grosso, foi diretor da revista Novo Mundo.
[12] Natural de Ponta Grossa, formou-se em Direito em São Paulo, em 1916. Foi eleito Deputado Federal em 1934 e senador em duas oportunidades (1935 e 1946).
[13] Foi jornalista, cronista e político (vereador) na cidade de Ponta Grossa. Atuou de maneira ativa no CCEC, tendo sido o único tesoureiro da instituição em sua história e exerceu o cargo de primeiro secretário da Faculdade de Filosofia de Ponta Grossa.
[14] Faris mesmo, em sua juventude, segundo Ditzel (1998), havia se filiado ao partido integralista e quando surgiu a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras filiou-se ao PSD. Conforme aponta Chaves (1999), em Ponta Grossa o integralismo apresentava um número expressivo de adeptos, principalmente entre os jovens. Michaele em nenhum momento de seus escritos explicitava a afeição pelo citado partido quando de sua juventude.
[15] O Partido Social Democrático (PSD) foi fundado no dia 17 de julho de 1945 sob o comando dos interventores estaduais nomeados por Vargas durante o Estado Novo para se contrapor ao lançamento da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes pela UDN. Ver mais em: http:cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos3745/QuedaDeVargas/PartidosPolíticos.Acessado em 10 set 2022.
[16] Natural de Ponta Grossa, formou-se em Direito e foi promotor de justiça em várias cidades do interior. Colaborou em jornais e revistas com ensaios, poemas e textos literários.
[17] Residia no Rio de Janeiro e foi membro da Academia Amazonense de Letras.
[18] Nascido na França, estudou na Universidade de Sorbonne onde se diplomou em “Licencié en Lettres et Philosophie”. Em 1910 mudou-se para o Brasil, estabelecendo-se em Santos, tendo logo sido convidado para trabalhar como técnico na Bolsa de Café. Além disso, foi professor no Curso do Comércio de São Carlos/SP.
[19] As fontes não nos permitem elucidar qual o ofício ou qual era essa oportunidade que levou Faris ao Sudeste e, nem mesmo, porque retornou ao Paraná meses depois.
[20] Médico, residia na cidade de Curitiba. Foi professor da Universidade do Paraná.
[21] Natural da cidade da Lapa/ PR. Foi poeta, advogado e professor. Formou-se em Direito no Rio de Janeiro, fixando, posteriormente, residência em Ponta Grossa. Segundo Wanke (1999), já era consagrado quando chegou a Ponta Grossa, tendo sido citado por Rocha Pombo, em História do Paraná, entre os representantes da nova geração nas letras.
[22] Nasceu na França, formou-se pela Faculdade de Letras de Bordeaux e pela Sorbonne. Antes de fixar-se no Brasil, escreveu "Problèmes de la vie mystique" (1931) e "Éléments de sociologie" (1936). Como membro da "missão francesa" contratada para núcleo do corpo docente da Faculdade de Filosofia de São Paulo, lecionou por quase vinte anos no Brasil (1937-1954), onde recebeu o título de "doutor honoris causa" pela Universidade de São Paulo.

Autor notes

i Graduado em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); graduado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professor titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), lotado no Colegiado de História e docente na pós graduação em História, cultura e sociedade. E mail: jonathanmolar.ad@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-6313-6238.

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