Infecção pela bactéria helicobacter pylori em uma população rural no municipio de Governador Valadares, Minas Gerais: perfil sócio demográfico, hábitos de higienização, saneamento básico, georeferenciamento e aspectos clínicos
Infection by the bacteria helicobacter pylori in a rural population in the municipality of Governador Valadares, Minas Gerais: socio-demographic profile, hygiene habits, basic sanitation, georeferencing and clinical aspects
Revista Espinhaço
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
ISSN-e: 2317-0611
Periodicidade: Semestral
vol. 13, núm. 1, 2024
Recepção: 01 Novembro 2023
Aprovação: 25 Dezembro 2023
Resumo: Objetivo: Descrever o perfil sócio demográfico, hábitos de higienização, saneamento básico, georeferenciamento e aspectos clínicos de uma população rural com suspeita de infecção pela Helicobacter pylori (H. pylori) no município de Governador Valadares - MG. Método: estudo observacional, descritivo, do tipo transversal, realizado com 67 indivíduos. Para coleta dos dados utilizou-se de questionários semiestruturados. Os indivíduos que apresentaram sintomas clínicos da H. pylori foram submetidos a Endoscopia Digestiva com Teste da Urease e exame histopatológico para confirmação da presença ou não da bactéria. Resultados: evidenciou-se inadequações em relação aos hábitos de higiene e sobre os aspectos relacionados às condições de saneamento básico. Além disso, os indivíduos apresentaram baixa renda e baixo nível de instrução. Em relação à prevalência, 68,6% dos indivíduos que apresentaram sintomatologia tiveram resultado positivo para infecção. Conclusão: Pode-se concluir que maioria dos participantes da pesquisa apresentaram resultado positivo para infecção pela H. pylori, com predominância de mulheres, casadas e de baixa escolaridade. Grande parte utiliza fossas rudimentares para destinar o esgoto doméstico, usam poços rasos como fonte de consumo de água e há uma menor frequência de lavagem das mãos.
Palavras-chave: Helicobacter pylori, Política pública, Saneamento Básico.
Abstract: Objective: identify the sociodemographic profile, risk factors and prevalence of H. pylori infection in a rural population. Method: an observational cross-sectional study, conducted between March and October 2016. Semi-structured questionnaires were used to provide information on socio-demographic factors, hygiene and clinical aspects. Individuals who presented the clinical symptoms were submitted to a Digestive Endoscopy with Urease Test and histopathological examination to confirm the presence or not of the bacterium. Results: inadequacies in hygiene habits and aspects related to basic sanitation conditions were evidenced. In addition, individuals had a low income and low level of education. Regarding the prevalence, 68.65% of the individuals who presented symptoms, had a positive result for the infection. Conclusion: Suggest that measures to eradicate H. pylori infection should be applied, since its dissemination is usually in inadequate conditions of basic sanitation and hygiene.
Keywords: Helicobacter pylori, Public policy, Basic sanitation.
1. Introdução
Helicobacter pylori (H. pylori), é uma bactéria gram-negativa, colonizadora do epitélio gástrico e infecta mais de 50% da população humana (Chen, 2015), podendo ter uma taxa ainda mais elevada nos países em desenvolvimento, cuja atividade está diretamente relacionada a processos patogênicos como doenças gastrointestinais, incluindo úlceras pépticas, gastrite e tecido linfóide associado à mucosa gástrica (Ladeira et al.,2003; Xu et al., 2017). Além disso, evidências epidemiológicas conferem um risco de desenvolvimento de câncer gástrico maior nos indivíduos infectados quando comparados aos não infectados, especialmente no câncer gástrico distal. Admite-se que a infecção seja adquirida principalmente na infância, de maneira igual em ambos os sexos, o que sugere deficiência nos hábitos higiênicos e comportamentais seja das crianças ou dos pais (Kodaira et al., 2002; Bittencourt et al., 2006).
Uma revisão sistemática mostrou que, em 2015, cerca de 4,4 bilhões de pessoas em todo o mundo estavam infectadas pela H. Pylori, com maiores prevalências na África (79,1%), na América Latina e no Caribe (63,4%) e Ásia (54,7%), e menores na América do Norte (37,1%) e na Oceania (24,4%). Na virada do século XXI, a prevalência diminuiu em países altamente industrializados, enquanto a prevalência se estabilizou em um alto nível em países em desenvolvimento e recém-industrializados (Hooi et al., 2017).
Em relação a prevalência em população rural, um estudo realizado na Venezuela identificou maior prevalência em indivíduos residentes nessas áreas (87,2%) em comparação aos residentes da zona urbana (55,0%). Estes resultados demonstram alta frequência de H. pylori na população rural com baixos padrões de higiene, sugerindo um risco potencial maior para o desenvolvimento de doenças gastroduodenais nessa população (Contreras, 2015).
Quanto à forma de transmissão, apesar de haver um consenso em relação a transmissão pessoa-pessoa (World Gastroenterology Organisation, 2010), ainda não está totalmente elucidado o mecanismo de contágio. Muitos estudos sugerem a transmissão fecal-oral e oral-oral como predominantes, evidenciando a presença do micro-organismo nas fezes, água não tratada e cavidade bucal (Kodaira et al., 2002; Bittencourt et al., 2006) e até nos fibroscópios utilizados nos procedimentos de endoscopia. Alguns conceitos já foram esclarecidos em relação a epidemiologia da infecção pela H. pylori. Entretanto, existem algumas lacunas científicas acerca da epidemiologia e da biologia molecular dessa infecção, entre elas: os mecanismos de transmissão, patogenia, sintomatologia, eficácia de método diagnóstico e perfil clínico-epidemiológico da doença.
Existe uma correlação inversa entre as taxas de prevalência e os indicadores socioeconômicos associados à infecção, onde os indivíduos com maior vulnerabilidade social são mais acometidos. Além disso, acredita-se que fatores ambientais estejam relacionados com a infecção pela H. pylori em diferentes populações.
No caso de infecção por H. pylori, a vulnerabilidade social é influenciada por fatores ambientais, como, por exemplo, o acesso a água de qualidade, e por fatores sociais como o comportamento humano, e isso afeta a distribuição das infecções nas populações. Se fizermos um recorte de gênero, vemos que as mulheres e garotas estão mais vulneráveis a acessos inadequados de água já que são responsáveis pelo trabalho doméstico, que é altamente dependente de água (Macbride-Stewart et al., 2016). Uma pesquisa, em mais de 4 mil lares por toda a região do Nepal, teve como resultado o gênero como um risco potencial para infecção de H. pylori, onde 40% das mulheres entre 20 e 49 anos positivaram para o teste (Mehata, 2016). No entanto, observamos que existe um viés de gênero nas pesquisas científicas. Em uma revisão sistemática de 1280 publicações científicas sobre doenças veiculadas pela água e questões de gênero, menos de 10% destas pesquisas analisaram sob este viés (De Guzman, 2023).
O georreferenciamento é uma ferramenta utilizada no processamento de dados e informações espacialmente georreferenciadas, e permite correlacionar os dados ambientais e os dados de saúde, no intuito de buscar os fatores de riscos que possam ser relacionados aos seus possíveis determinantes (Barcellos e Ramalho, 2002).
Por fim, observa-se um déficit de informações que envolvam a H. pylori numa perspectiva ambiental e relacionada aos fatores de risco, principalmente nas populações rurais. Dessa forma, o presente estudo teve por objetivo descrever o perfil sócio demográfico, hábitos de higienização, saneamento básico, georeferenciamento e aspectos clínicos de uma população rural com suspeita de infecção pela Helicobacter pylori (H. pylori) no município de Governador Valadares - MG.
2. Metodologia
Trata-se de um estudo observacional, descritivo, do tipo transversal realizado entre os meses de março a outubro de 2016, em amostra de populações rurais residentes em distritos do município de Governador Valadares – MG.
O estudo foi conduzido em duas etapas. Na primeira, foram incluídos indivíduos com 18 anos ou mais, de ambos os sexos, que não faziam uso diário de medicamentos, que não estivessem realizando algum tipo de tratamento contraindicado para os procedimentos e/ou tratamento proposto e com ausência de doenças crônico-degenerativas. Foram selecionados 179 indivíduos que responderam questionários semiestruturados contendo variáveis: (a) demográficas (sexo, idade, cor da pele, escolaridade); (b) socioeconômicas (renda familiar, condições sanitárias, fonte de água, número de indivíduos por domicílio); (c) hábitos (lavagem das mãos, compartilhamento de copos e talheres); e (d) anamnese clínica direcionada a distúrbios do aparelho digestivo (história familiar, história clínica pregressa e história da doença atual).
Na segunda etapa, foram selecionados dentre os indivíduos que participaram da primeira etapa 67 indivíduos que apresentaram sintomas clínicos em relação a infecção pela H. pylori. Esses indivíduos foram submetidos a Endoscopia Digestiva com Teste da Urease e exame histopatológico para confirmação da presença ou não da bactéria. A coleta foi efetuada nas unidades de saúde dos distritos rurais. Os entrevistadores receberam treinamento prévio para padronização dos procedimentos e realização das entrevistas. Para tabulação e análise estatística dos dados, utilizou-se os softwares R (Open Source) e Microsoft Excel.
Além disso, foram mapeadas as residências que apresentaram casos positivos, através do georreferenciamento, utilizando o software QGIS para gerar o mapa, para posterior análise de correlação dos fatores ambientais à doença. Seguindo a contribuição de Hino et al. (2006), para análise espacial dos mapas foi realizado em primeiro lugar uma visualização, no qual os eventos da H. pylori foram mapeados e verificado qual são seus comportamentos diante daquela população. Num segundo momento, foi realizado uma análise exploratória de dados traçando-se paralelos, e estabelecendo padrões espaciais.
O estudo respeitou as exigências éticas da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012, preservando a identidade dos pacientes e sua integridade física e emocional. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Vale do Rio Doce (Número do parecer: 1.419.567).
3. Resultados
A amostra foi composta por 67 indivíduos de ambos os sexos, com predominância de mulheres (62,7%). Em relação ao estado civil, observou-se uma frequência maior de casados (67,1 %). A maioria dos participantes da pesquisa (68,65%) apresentaram resultado positivo para infecção pela H. pylori. Tanto no grupo positivo quanto no negativo, identificou-se baixa escolaridade, ou seja, 55,2% possuíam ensino fundamental incompleto. Todas as características sociodemográficas estão apresentadas na Tabela 1.
Sobre os aspectos relacionados às condições de saneamento básico e hábitos de higiene ficou evidente que existem inadequações. Aproximadamente 60% (n=40) dos indivíduos utilizam fossas rudimentares para destinar o esgoto doméstico e 55,2% (n=37) usam poços rasos como fonte de consumo de água, bem como na irrigação das hortas. Observou-se que 75% (n=6) dos indivíduos diagnosticados positivos para infecção pela H. pylori utilizam a água do córrego para irrigar a horta.
De acordo com 17,9% (n=12) dos entrevistados o esgoto é despejado no córrego. A respeito do hábito de não lavar as mãos com sabão antes da alimentação, e a prática de compartilhar talheres ou copos durante as refeições, observou-se um percentual significativo dessas inadequações, sendo respectivamente, 21% (n=14) e 27,4% (n=17). As demais informações estão expostas na Tabela 2.
Quanto a relação entre a presença de distúrbios gástricos em antecedentes familiares e história patológica pregressa, verificou-se na Tabela 3, que todos os pacientes infectados (n=46) não haviam apresentado úlcera péptica e 71,7% (n=33) não manifestaram gastrite, que são complicações recorrentes da infecção pela bactéria H. pylori.
As características referentes à história clínica atual dos indivíduos estão apresentadas na Tabela 4. A presença de vômitos teve relação estatística relevante (p=0,03), sendo que 23,9% (n=11) dos pacientes infectados apresentaram essa sintomatologia.
Após a coleta das coordenadas, produziu-se um mapa no qual os casos positivos para H. pylori ficaram dispostos, conforme Figura 1. Neste mapa, os pontos em vermelho representam cada um dos casos positivos confirmados, podendo ter duas ou mais pessoas no mesmo ponto, e os traçados em azul representam os cursos d’água da bacia hidrográfica local. São 46 pessoas que tiveram seu resultado como positivo para a bactéria. Neste contexto, observa-se duas aglomerações maiores, sendo uma composta por 12 (26%) casos positivos para H. pylori (07 ao 19, exceto 18), e outra composta por 06 (13%) casos (28 ao 34, exceto 29).
4. Discussão
No Brasil convive-se com a falta de saneamento básico e os avanços nessa área são poucos significativos ao longo dos anos, o acesso ao saneamento da população urbana é maior do que a população rural, sendo 82% e 51%, respectivamente (WHO, 2017).
No estado de Minas Gerais, pode-se destacar o grave problema dos baixos índices de tratamento de esgoto sanitário, aproximadamente 72% do esgoto gerado são coletados, porém o tratamento é de apenas 35% desse total e o restante são lançados in natura no ambiente (WHO, 2017). Ao transpor esta realidade para as 100 maiores cidades do Brasil, onde mora mais de 40% da população, aproximadamente 94% da população tem abastecimento de água, 72,14% coleta de esgotos e 54,33% dos esgotos gerados são tratados.
O município de Governador Valadares está em 62ª em relação a saneamento básico, considerando o ranking das 100 maiores cidades do Brasil. Todo O presente trabalho evidenciou inadequações em relação às condições de saneamento básico e aos hábitos de higiene dos indivíduos entrevistados.
A prevalência de fossas rudimentares para deposição do esgoto doméstico pode ser uma fonte importante de contaminação dos poços rasos, que são utilizados pela maior parte dos indivíduos entrevistados para abastecimento doméstico. A proximidade de fossas rudimentares á poços rasos podem acarretar, na maioria das vezes, na contaminação da água. Estudo desenvolvido por Brum et al. (2016) identificaram contaminação por Escherichia coli e bactérias heterotróficas, em dezessete poços rasos no município de Cuiabá-MT. Pesquisa realizada por Cadoná (2017) na comunidade Cateto no assentamento rural Nossa Senhora Aparecida, localizado no município de Mariluz (PR), identificou contaminação nas fontes de abastecimento.
Para Souza et al. (2018) existe uma correlação entre os hábitos de higiene pessoal e a contaminação por parasitos intestinais, na comunidade rural do Ipaneminha no município de Ipatinga, Minas Gerais, sendo apontada as fossas rudimentares como fonte de contaminação. A água subterrânea pode ser um reservatório do vírus devido à sua estagnação.
Há um consenso majoritário de que a transmissão da bactéria H. pylori seja fecal-oral, além disso, estuda-se que a água seja a maior fonte de disseminação, por se tratar de uma fonte de hidratação fundamental, e por ser base de higienização e preparo dos alimentos, limpeza do corpo e principalmente das mãos (Souza et al., 2016; WHO, 2017).
Embora na literatura ainda haja um debate sobre a transmissão do patógeno (Aziz et al., 2015), os resultados desse artigo reforçam a hipótese de ingestão oral de águas contaminadas. Por meio do georreferenciamento pode-se observar que 70% dos casos positivos estão localizados próximos aos cursos d’água, mostrando uma estreita relação da água com a transmissão da bactéria. A precária estrutura de saneamento básico, que favorece à contaminação das águas e consequentemente a disseminação da bactéria, pode ser o principal fator de risco nessa população. Além disso, as informações sócio demográficas corroboram com uma estrutura de fossas rudimentares que contaminam o lençol freático e poços rasos, bem como descreve hábitos de higiene que favorecem a propagação da doença.
Ademais, o município de Governador Valadares apresenta um índice de desenvolvimento humano (IDH) considerado alto (0,727), porém os indivíduos do presente estudo apresentaram baixa renda e baixo nível de instrução. Observa-se na literatura uma correlação inversa entre as taxas de prevalência de infecção por H. pylori e a situação socioeconômica da população. A taxa de prevalência reflete as condições de vida da população, estando diretamente relacionada ao grau de desenvolvimento do país, no qual incluem fatores como renda, condições de moradia, nível de instrução e higiene1, e particularmente na ausência de saneamento básico e de fornecimento de água potável (Teixeira et al., 2016).
Em relação ao destino do esgoto, apenas 19,4% (n=13) dos indivíduos relataram acesso à rede coletora. Conforme Acosta et al. (2015), ocorrem mundialmente cerca de 1,7 milhões de mortes atribuídas às condições de saneamento básico, água e higiene. Dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016), dispõem que no Brasil apenas 25% da população que reside em área rural possui acesso à rede coletora ou tratamento de esgoto doméstico, corroborando os dados desse estudo. Segundo Borga et al. (2018), as políticas públicas de saneamento estão com seus poucos esforços voltados para as áreas urbanas, deixando os moradores do interior mais susceptíveis a complicações oriundas do serviço ineficiente. A melhoria nos padrões de saneamento está diminuindo a prevalência de infecção em muitos países, além disso, os autores destacam a migração da população da zona rural para o urbano como fator dessa melhora.
Pesquisadores da Venezuela (Contreras et al., 2015), identificaram que a ausência de fonte de água potável e a defecação ao ar livre estavam associados a maior prevalência de infecção pela H. pylori. Em um estudo a fim de esclarecer a rota de transmissão da bactéria H. pylori no Japão, Karita et al. (2003) descobriram que a maioria das transmissões no Japão ocorrem pela água. De acordo com a pesquisa elaborada por Silva et al. (2016), os serviços de saneamento básico são fundamentais para a saúde e bem-estar da população. A falta de saneamento adequado, que inclui abastecimento de água potável, manejo das águas pluviais, coleta e tratamento do esgoto e manejo de resíduos sólidos, compromete o desenvolvimento de comunidades rurais, assim como sobrecarrega os serviços de atenção básica à saúde e polui o meio ambiente. Dessa forma, as ausências de serviços adequados de saneamento básico constituem riscos à saúde pública, sendo as regiões rurais mais desfavorecidas.
Sobre a infecção pela H. pylori, o presente trabalho encontrou alta prevalência nos 67 indivíduos que apresentaram sintomas clínicos, onde 68,6% (n=46) tiveram resultado positivo. No entanto, essa distribuição tem um viés de gênero que merece uma atenção, já que houve uma maior presença do patógeno nas mulheres (73,8%) do que nos homens (60%). Ao que tudo indica, a relação entre este fato e a maior presença dos casos nas proximidades dos corpos d’água indica uma questão cultural das mulheres terem maior contato com as águas. É principalmente através do trabalho doméstico (lavar alimentos, cozinhar, lavar, regar, etc.) – atividade marcada pela presença feminina em regiões culturalmente marcadas pelo machismo, como as regiões rurais – que as mulheres vivenciam mais proximidade das águas, e da bactéria (De Guzman et al., 2023).
Em relação à distribuição rural e urbana, os maiores números na primeira indicam uma relação com a falta de saneamento básico. Contreras et al. (2015), avaliaram a prevalência de infecção em uma população rural venezuelana residente na região do Delta do Orinoco, e outro de população urbana residente na capital Caracas. 87,2% dos indivíduos residentes na área rural (34/39) foram positivos, enquanto na região urbana a prevalência foi de 55% (39/71). Além disso, uma revisão sistemática (Nagy et al., 2016), identificou prevalência média de infecção por H. pylori de 66% para as populações rurais chinesas e 47% para populações chinesas urbanas. Com base nisso, os autores sugeriram que o número de infecções propende-se a redução conforme a urbanização. Destaca-se ainda que a bactéria coloniza o estômago de cerca de 50% da população nos países desenvolvidos e cerca de 80% no mundo em desenvolvimento. A elevada prevalência e o alto potencial patológico e neoplásico da infecção, exige que a mesma seja considerada um problema de saúde pública no Brasil e no mundo (Teixeira et al., 2016).
De acordo com Xiaoduo et al. (2017) os números de casos de câncer esofágico e gástrico diagnosticados em 2015 na China foram três vezes maiores entre populações rurais do que entre as urbanas. Além disso, na China, a taxa de incidência de cânceres relacionados com a infecção pela H. pylori são mais altas entre populações rurais e com condições socioeconômicas desfavorecidas.
Conforme a literatura, a infecção por H. pylori tem como característica a presença de distúrbios gástricos (Ladeira et al., 2003; Xu et al., 2017). Entretanto, destaca-se que nesse estudo, todos os pacientes infectados (n=46), não haviam apresentado úlcera péptica e 71,7% (n=33) não manifestaram gastrite, fato esse, que poderia disfarçar a infecção, caso não haja a presença de outra sintomatologia.
Como limitação do presente trabalho, destaca-se a existência de poucos estudos no Brasil com finalidade de avaliar a relação da eficácia entre os métodos diagnósticos para a bactéria. Contudo, para os especialistas, o método considerado padrão-ouro é o teste rápido da urease, seguido do exame histopatológico (World Gastroenterology Organisation, 2010). Esses métodos possuem alta sensibilidade e alta especificidade, entretanto, estes parâmetros tornam-se limitados conforme experiência do patologista, uso recente de medicamentos tais como sais de bismuto, antibióticos (até um mês), inibidores de bomba de prótons (até 14 dias) e bloqueadores H2 (7 dias) e coletas feitas em locais inadequados, devido à distribuição desigual do micro-organismo na mucosa gástrica (Caetano et al., 2008).
5. Considerações Finais
A população da região rural estudada apresentou alta prevalência de infecção pela H. pylori, com maior proporção para mulheres. Esse dado e as condições socioeconômicas insatisfatórias representam um risco para o desenvolvimento de doenças gástricas e/ou câncer. Portanto, a melhoria das condições de vida da população e medidas profiláticas podem promover a redução de infecções e de reinfecções, evitando o desenvolvimento de possíveis complicações, e consequentemente, a desonerar o sistema público de saúde.
O tratamento clínico padrão para a infecção pela H. pylori combina o uso de dois antibióticos. Em casos de resistência a antibióticos, mudanças podem ser realizadas, como a substituição. Pode ainda ser prescrito o Bismuto como um quarto elemento terapêutico. Essa terapêutica pode ter um custo oneroso e ocasionar maior demanda pelo serviço no sistema público de saúde.
O geoprocessamento mostrou ser uma ferramenta importante no entendimento dos fatores de riscos associados a doenças, como a proximidade de rios em região com baixo índice de saneamento. Foi possível observar os fatores socioeconômicos, assim como a utilização e as formas de ocupação de áreas. Além disso, obteve-se dados para efetuar o controle da vigilância em relação à saúde e ao meio ambiente construído e habitado.
Os resultados deste estudo fornecem dados que podem subsidiar estratégias de saúde pública, visando a prevenção da infecção, principalmente em relação à redução da desigualdade urbano-rural nos determinantes sociais de saúde. Ademais, sugere-se uma intervenção na comunidade rural, a fim de ofertar informações sobre hábitos mais saudáveis e higiênicos, visando uma redução na prevalência da infecção.
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