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Segurança hídrica e soberania alimentar em comunidades rurais do Alto Jequitinhonha
Water security and food sovereignty in rural communities in Alto Jequitinhonha
Revista Espinhaço, vol. 11, núm. 1, 2022
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

Artigos

Revista Espinhaço
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
ISSN-e: 2317-0611
Periodicidade: Semestral
vol. 11, núm. 1, 2022

Recepção: 15 Novembro 2022

Aprovação: 01 Fevereiro 2023


Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.

Resumo: O artigo analisa o consumo de água por famílias de agricultores em três comunidades rurais de Turmalina, semiárido do Alto Jequitinhonha, identificando possíveis estratégias de abastecimento e rearranjos para a produção de alimento e autoconsumo. A obtenção dos dados ocorreu por meio de levantamentos de campo articulados com entrevistas semi-orientadas. Os resultados indicam que famílias de agricultores, que tiveram seus mananciais impactados pela mononocultura de eucalipto, procuram construir acesso à diversas águas, principalmente por meio de políticas públicas, para garantir o consumo humano. Ademais, buscaram reorganizar sistemas de produção de forma a priorizar a produção de alimentos para o autoconsumo, na busca por soberania e segurança alimentar em situações de crise hídrica.

Palavras-chave: Água, Autoconsumo, Alto Jequitinhonha, Seca.

Abstract: The article analyzes water consumption by farming families in three rural communities in Turmalina, semi-arid region of Alto Jequitinhonha, identifying possible supply strategies and rearrangements for food production and self-consumption. Data were collected through field surveys combined with semi-guided interviews. The results indicate that farming families, whose water sources were impacted by eucalyptus monoculture, seek to build access to different waters, mainly through public policies, to guarantee human consumption. In addition, they reorganize the production system to prioritize the production of food for self-consumption, in the search for sovereignty and food security in situations of water crisis.

Keywords: Water, Self-consumption, Alto Jequitinhonha, drought.

1. Introdução

No Brasil desde meados das últimas décadas do século XX disputas intensas em torno dos recursos hídricos emergiram. São frutos do processo de expropriação, na maior parte das vezes, motivados por latifúndios e empresas, que usurparam e concentravam recursos da natureza, inviabilizando os sistemas tradicionais de uso e conservação das águas (Malvezzi, 2007; Ribeiro e Galizoni, 2007; Aleixo et al., 2016, Silva et al., 2022). Esses conflitos foram e são vividos principalmente por agricultores familiares, ribeirinhos, comunidades quilombolas e indígenas (Almeida, 2018; Galizoni, 2013).

Importante para a manutenção da vida humana, a água tem um valor imensurável para os agricultores e agricultoras, organizados em comunidades rurais no Território do Alto Jequitinhonha. O recurso significa independência e segurança alimentar para as famílias que consomem os alimentos que produzem. As águas vinculam-se à sentimentos de pertencimento e identidade, são referência para as moradas e tarefas diárias, à segurança alimentar, circundam fronteiras e são fonte de conhecimentos (Ribeiro e Galizoni, 2003).

O Território do Alto Jequitinhonha, localizado no nordeste mineiro, é uma demarcação administrativa, compreendendo uma área de 19.578,30 Km², abrangendo 20 municípios que somava uma população de 280.827 habitantes, dos quais 35,93% vivem na área rural (Brasil, 2013). Este território está parcialmente inserido no clima semiárido, caracterizado pela irregularidade das chuvas que, em alguns anos, apresentam índices reduzidos de precipitação, elevada evapotranspiração e altas temperaturas (Gonçalves, 1997). Para os agricultores familiares desta região que, boa parte das vezes estabeleceram relação estreita com os ambientes em que vivem, um período prolongado de seca pode representar dificuldades na produção de alimentos e colocar em risco a autonomia alimentar (Galizoni et al., 2008).

Neste território, a conjugação de profundos impactos em mananciais ocasionados pela monocultura de eucalipto com períodos de estiagens duradouras culminou em escassez severa, que atingiu famílias de agricultores que tanto dependem da água para suas dinâmicas domésticas e produtivas (Lima, 2013; Silva et al., 2022).

Foi o que ocorreu município de Turmalina. Situado no território do Alto Jequitinhonha, é composto por ambientes formados por vegetações de Cerrado em transição para Mata Atlântica e Caatinga. O seu relevo combina planaltos de grande extensão conhecidos como chapadas e que são intermediados por profundos vales originalmente com presença de água e terra fértil, as grotas (Galizoni, 2007).

Entre os anos de 2012 e 2018 o município enfrentou uma seca prolongada, ocorrendo uma redução do número já muito restrito de fontes de água disponível para consumo nas comunidades, agravando a situação do abastecimento para a população rural. Em um levantamento acerca das fontes de água do município organizado pela Câmara de Vereadores de Turmalina ficou claro que a situação das águas nas comunidades era crítica. Em algumas, mais de 90% das fontes de água já haviam se esgotado. Este era o caso de José Silva onde 96% das fontes haviam secado; em Poço d’água o secamento atingia 92% das fontes; enquanto em Cabeceira do Tanque 75% haviam secado (Turmalina, 2017).

Mesmo lidando cotidianamente com essas adversidades que resultaram em esgotamento de muitos mananciais e restrição hídrica, as famílias lavradoras continuaram produzindo seus alimentos e abastecendo a pauta alimentar de boa parte da população urbana da região, através das feiras (Cruz et al., 2020). No Jequitinhonha a feira livre é um dos principais canais de comercialização de alimentos, e fundamental para o abastecimento e para a soberania alimentar de todo o território (Ribeiro, 2019).

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar o consumo de água por famílias rurais em comunidades afetadas pela monocultura de eucalipto, no semiárido do Alto Jequitinhonha. Mais detalhadamente, buscou-se analisar quais foram as estratégias familiares de abastecimento e rearranjos para a produção de alimento e autoconsumo.

2. Dinâmica familiar e água

Os agricultores familiares do município de Turmalina, no semiárido do Território do Alto Jequitinhonha, exercem atividades agrícolas e pecuárias que estão submetidas às variações climáticas. Definem o clima em duas grandes estações, como “a seca”, que dura aproximadamente oito meses e as “águas”, de menor duração, por volta de quatro meses (Lima, 2013). Na época das águas, a produção de alimentos era viabilizada. É o momento de fazer a lavoura, e, durante a seca as famílias se ocupam de diversas estratégias como beneficiamento dos produtos obtidos nas “águas”, fazem coleta de frutos na natureza e o trabalho fora da unidade produtiva e ou migração sazonal (Galizoni, 2007).

A maior parte dos/as lavradores se ocupam em seus próprios sítios desenvolvendo uma agricultura direcionada para o autoconsumo e para a economia local. Historicamente, nos ambientes de grotas, onde era possível encontrar brotações de águas, que desaguavam em córregos, estavam localizados os sítios familiares. Nestes locais, era conduzida a lavoura. Nas partes altas e planas da região, denominadas de chapadas, era feita a “recursagem”: as famílias colhiam frutos, lenha, pescavam peixes nos lagos que se formavam, coletavam plantas medicinais e faziam a solta de gado (Galizoni, 2007; Ribeiro et al., 2007; Calixto et al., 2009).

As chapadas e seus recursos eram de uso comum entre as famílias, entretanto, o fortalecimento das dinâmicas agroextrativistas que ocorriam naquele ambiente, não foi prioridade do governo militar na época, década de 1970. Essas dinâmicas eram tidas como sinônimo de atraso e foram apontadas como uma das justificativas para o direcionamento de políticas desenvolvimentistas para a região.

Por meio de incentivos fiscais, o governo militar financiou o estabelecimento de firmas monocultoras de eucalipto nas chapadas do Alto Jequitinhonha (Calixto e Ribeiro, 2007; Ribeiro et al., 2007). Segundo Calixto et al., (2009), as terras de chapada foram consideradas como “sem uso”, uma espécie de "vazio" para os formuladores das políticas, que não reconheciam o sistema comunitário dos lavradores para lidarem com a natureza da chapada. A modificação no uso do solo e águas efetuados pelas firmas monocultoras passou a interferir na dinâmica natural dos recursos e na dinâmica produtiva/cultural das famílias de agricultores (Ribeiro et al., 2007; Calixto et al., 2009).

As consequências da monocultura para as fontes de água foram brutais. Silva et al. (2022) indicou um forte processo de secamento dos mananciais em chapadas no Alto Jequitinhonha, ocorrendo a partir da substituição da vegetação nativa, reduzida drasticamente, pela árvore de eucalipto. Nas grotas, as consequências também foram sentidas: famílias notaram a diminuição e esgotamento de suas nascentes ao longo dos anos que sucederam a implantação dos monocultivos. Para autores como Galizoni et al. (2008), Calixto et al. (2009) e Galizoni (2013), isto deve-se ao fato de que as chapadas funcionavam como importantes áreas de recarga, uma espécie de “caixa d’água” que abasteciam as fontes de água na grota.

Estes fatores somaram-se a outro, apontado por Lima (2013). Segundo este autor o monocultivo de eucalipto afetou a dinâmica hídrica na região do Alto Jequitinhonha, o tempo “das águas” tem se reduzido, as chuvas têm se tornado mais localizadas e intervalos maiores entre as precipitações estão sendo registrados, acentuando a situação de escassez das águas para as famílias lavradoras.

Como salientado por Calixto et al. (2009) a agricultura exercida por lavradores no Alto Jequitinhonha priorizava a utilização dos recursos fornecidos pelo ambiente local, fazia pouco uso de insumos externos e visava a segurança alimentar. Gazzola (2004) explicou a relação entre produção de alimentos destinada ao autoconsumo e segurança alimentar. De acordo com este autor, produção familiar permite ter acesso às quantidades satisfatórias de alimentos para suprir a necessidade da unidade doméstica, atender a hábitos alimentares enraizados na cultura local e possibilitar qualidade na dieta.

Para Grisa (2007) é o poder de desfrutar de alimentos seguros, livres de “venenos”, que faz persistir o autoconsumo nos estabelecimentos familiares. Mesmo que ocorra sazonalidade de oferta de alimentos ou que a produção de alimentos não seja satisfatória, a relevância do autoconsumo está na base da segurança e soberania alimentar (Norder, 2004). Ainda que a principal finalidade do que as famílias produzem seja para o autoconsumo, uma parcela geralmente é comercializada para gerar renda monetária, contribuindo com a compra de outros tipos de bens e alimentos (Santos e Galizoni 2022). Contudo, Galizoni et al. (2010) observou em seus estudos acerca da alimentação no Alto Jequitinhonha que uma parte de produtos beneficiados consumidos por famílias rurais tem como berço a própria agricultura familiar, como por exemplo, as farinhas de milho e mandioca.

Os alimentos produzidos por esses lavradores, quando possível, são comercializados nas feiras livres e mercados do Alto Jequitinhonha. Para Cruz et al. (2020), ao comercializar seus alimentos agricultores familiares feirantes assumem um papel importante para o abastecimento urbano da região. As pautas produtivas destas famílias estão ligadas à cultura local. A feira carrega consigo uma forte tradição de valorização dos recursos territoriais, e o contato direto dos consumidores com alimentos ali produzidos conduz também a uma relação de proximidade que favorece um circuito territorial na alimentação.

Os agricultores familiares são assim peças-chave para a alimentação de famílias urbanas no Alto Jequitinhonha e para dinamizar a economia local. Ao conduzir a venda de seus alimentos, animam também o comércio urbano, se tornam compradores, adquirem produtos que não produzem e bens de consumo (Ribeiro, 2013).

A falta de acesso à água pode inviabilizar a produção de alimentos. Não dispor de mais de uma fonte pode causar o abandono de alguma atividade exercida pelos agricultores, principalmente aquelas que demandam um alto consumo de água como, por exemplo, as hortas, o que afetaria diretamente a segurança alimentar das famílias (Galizoni et al., 2008).

A qualidade de vida dos agricultores é, assim, assegurada pela oferta de água. Para Ribeiro e Galizoni (2003), os sistemas produtivos estão ligados à água, a existência dela que permite o regadio de hortas, dessedenta animais e é também utilizada no beneficiamento da produção. Segundo os autores, a água também significa renda, pois são os produtos fruto do trabalho realizado no sítio familiar, que são levados nas feiras e transformados em dinheiro e bens.

3. Metodologia

A pesquisa de campo que originou este artigo foi realizada entre os anos de 2018 e 2021 nas comunidades rurais de José Silva, Campo Alegre e Cabeceira do Taque, no município de Turmalina. A pesquisa contou com a parceria do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), uma instituição fundada por agricultores familiares originalmente organizados no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Turmalina.

Através de técnicas de Metodologia Participativa de Extensão Rural para o Desenvolvimento Sustentável (Emater, 2006), foi conduzido o reconhecimento de campo nas comunidades rurais por meio da caminhada guiada por especialistas locais previamente indicados pelo CAV. Estes especialistas são agricultores e agricultoras detentores de grande saber tradicional a respeito da realidade e diversidade das comunidades, sobre a organização espacial das famílias, o histórico das águas na região e conhecimento dos recursos na natureza. Esses/as agricultores/as explicaram sobre a forma de ocupação da terra, características ambientais, sistemas alternativos de abastecimento e o modo de vida dentro da comunidade rural.

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semi-orientadas (Queiroz, 1983). Este tipo de entrevista permitiu que perguntas fossem introduzidas ou aprofundadas de acordo com a necessidade de atingir o objetivo ou para seguir "pistas" dadas pelos entrevistados. As perguntas elaboradas tiveram como base as informações obtidas no primeiro momento com os/as agricultores/as através da caminhada guiada. No total, foram pesquisadas aproximadamente 10% das famílias em cada uma das comunidades - José Silva, Campo Alegre e Cabeceira do Tanque - compondo um total de 24 unidades domésticas entrevistadas, a partir dos seguintes critérios: i) tamanho da família e sua composição etária; ii) produção de alimento para autoconsumo; ii) acesso à canais de comercialização; iii) maior ou menor acesso a fontes de água; e iv) participação em programas públicos (Deslauries e Kerisit; 2008).

Investigou-se, com o amparo de um questionário organizado em blocos, a composição familiar, da terra e da produção, com o intuito de entender a dinâmica familiar e o sistema de produção. No questionário também se traçou perguntas a respeito do acesso a fontes de água na unidade produtiva, dando-se ênfase a situação de seca prolongada; as famílias foram indagadas também a respeito do número de fontes disponíveis, a sazonalidade do acesso a essas fontes, o destino das águas no sítio familiar e o consumo humano de água.

As respostas das famílias ao questionário foram registradas e organizadas em uma matriz. A matriz dos dados foi exposta em reuniões comunitárias para as próprias famílias a fim de que analisassem a autenticidade das informações levantadas e, caso necessário, às complementasse, para garantir que tais dados melhor representassem a realidade das famílias perante a seca e a falta de água originada pelo secamento de nascentes afetadas pela monocultura de eucaliptos (Figura 1).



Figura 1. Mapa das comunidades estudadas no município de Turmalina, MG
IBGE, 2010.

4. Resultados e discussão

As comunidades rurais e suas fontes

Na comunidade de Campo Alegre as famílias se organizaram inicialmente em função dos diversos córregos que corriam vindos da chapada em direção ao rio Fanado: cada ramo de parentesco se distribuía em uma pequena grota com água, procurando os terrenos de tabuleiros de cultura propícios para fazer roça de milho, de feijões, amendoim, abóbora, cana e outros cultivos. O centro da comunidade, onde se situa a associação comunitária, tornou-se mais movimentado e com maior número de residências após o projeto de eletrificação que ocorreu na década de 1990.

Das famílias pesquisadas em Campo Alegre, 87,5% tinham origem na própria comunidade. O tamanho médio das famílias encontrado foi de 7 membros, ou seja, o número de filhos por família estava em torno de 5. Entretanto, a composição dos domicílios apresentou a média de 3,75 moradores. Analisando o tamanho médio das famílias encontrado (casal mais cinco filhos) com a composição de membros por domicílio – 3,75 – observou-se que, em média, permanecia no domicílio entre um a dois filhos. Assim, parte dos familiares não residiam na comunidade, o que para Ribeiro (2013) pode significar processos recorrentes de migração ou de mobilidade intermunicipal. Quando os entrevistados foram abordados sobre as principais locais de destino dos parentes que deixaram a comunidade obteve-se como resposta: o centro urbano de Turmalina como o principal destino, seguido por Belo Horizonte e São Paulo. Não se aprofundou sobre o motivo da migração, mas em sua grande maioria os filhos buscavam empregos.

Woortmann (1990) mostrou que vários fatores incidem sobre a migração dos/as filhos/as de camponeses, podendo ser sazonal ou definitiva. Estes fatores podem estar ligados à busca por escolaridade ou empregos; mas também renda, pois formam patrimônio pelo trabalho, economizam para criar excedentes e os maximizam, para posteriormente constituir uma nova família na própria comunidade (Galizoni, 2007). Outro fator importante está ligado diretamente ao tamanho da terra disponível para a família, a migração de membros reordena o uso da terra, evita partilha excessiva, garantido desta forma terra para quem fica e se torna sucessor dos pais (Mendonça et al., 2013).

A mobilidade de familiares dentro do rural do município também foi registrada, encontraram-se casos em que moradores se deslocaram definitivamente para comunidades vizinhas, principalmente para Campo Buriti que é o maior povoado de agricultores familiares da região, no município de Turmalina. A oferta de água em Campo Buriti podia explicar parte desta mobilidade, uma vez que dois poços artesianos abasteciam toda a comunidade cotidianamente através de encanamento, garantindo um acesso à água mais “facilitado” coordenado pela empresa de Serviços de Saneamento Integrado do Norte e Nordeste de Minas Gerais S/A (COPANOR / COPASA). Outros motivos se vinculavam à possibilidade de acesso à escola, serviços de saúde e transporte no povoado.

As unidades domésticas na comunidade de Campo Alegre combinavam duas formas de se organizar suas moradias no território: algumas famílias estavam situadas nas grotas, mais distantes do centro comunitário e mais próximas das lavouras, dispersas pelo espaço; enquanto outras estavam reunidas no centro comunitário e mais distantes das roças. O tamanho médio das unidades de produção era em torno de 10,15 hectares, sendo que 87,50% das famílias disseram ter toda terra reunida em um mesmo local.

José Silva, por sua vez, é uma comunidade onde pouco mais da metade dos moradores estavam aglomerados em um núcleo adensado. Dos moradores pesquisados nesta localidade, 12,5% não eram originários do local, nasceram em comunidades vizinhas, principalmente Gentio e Cabeceira do Tanque, indicando a mobilidade entre áreas rurais próximas.

Os domicílios estudados em José Silva eram compostos, em média, por 3,12 residentes. Ao se comparar o tamanho médio das famílias encontrado: casal mais 4,25 filhos, com a composição de membros por domicílio observou-se que, em média, tem permanecido na comunidade entre um a dois filhos. Parte dos membros das famílias haviam mudado para a sede urbana de Turmalina, ou migraram para outros destinos como Belo Horizonte e Veredinha. O povoado de Campo Buriti voltou a ser mencionado como destino rural das pessoas que se deslocaram definitivamente para outra comunidade, mas não se pode estabelecer a relação de abastecimento de água como um motivo desse deslocamento: o sistema de distribuição de água em José Silva era similar ao de Campo Buriti.

Um agricultor, especialista local, estimou da seguinte forma o perfil da população de José Silva local “aqui temos 60% de jovens e 40% idosos”, indicando um caso de exceção comparado aos dados expressos pelo IBGE (2010 e 2020) em relação à faixa etária da zona rural de Turmalina, que expressavam a tendência de envelhecimento da população.

Em relação ao tamanho dos terrenos, estes tinham em média 19,43 hectares, mas 37,50% destes estavam distribuídos pelo espaço, em diversos agroambientes, principalmente na margem do rio Fanado, o maior curso de água próximo à comunidade. Boa parte das famílias ao se aglomerarem no centro de José Silva, mantiveram seus sítios de produção nos ambientes de grota. Próximo ao rio, é possível conduzir lavoura, mas a água considera boa para produção, não era vista como própria para o consumo humano. As famílias se aglomeraram para obter água do poço artesiano e também para ter acesso a serviços públicos como saúde, escola e outras políticas públicas.

A comunidade de Cabeceira do Tanque era a comunidade onde a população estava mais dispersa pelo território. As famílias tinham em média 5,87 membros. A emigração das famílias nesta comunidade se refletia no número de residentes por domicílio: em média 3,25 pessoas. Comparando o tamanho médio das famílias encontrado (casal mais três filhos) com a composição de membros por domicílio – 3,2– ou seja, casal e 1,25 filhos, observou-se que tem permanecido, em média, somente um filho.

Um agricultor entrevistado afirmou que o motivo de uma maior saída de pessoas da comunidade era a escassez de água, visto que esta comunidade tem uma dependência maior de políticas de acesso ao recurso. Como observado por Ribeiro e Galizoni (2003), a água é muito importante para o sistema de produção e para renda, duas vertentes relevantes que favorecem a permanência dos agricultores nas comunidades rurais.

O córrego de maior volume que percorre a comunidade é o córrego do Tanque, que, assim como as outras localidades estudadas, tinha como berço uma grande vereda no alto da chapada. Entretanto, em função da implantação do monocultivo de eucalipto pela empresa Aperam Bionergia na chapada onde se localiza essa vereda, o córrego do Tanque tinha se tornado intermitente. A água só corria nos meses de chuva (Silva et al., 2022). Em 2018, os relatos de córregos secos e sazonais eram frequentes, as famílias eram abastecidas principalmente pela água transportada pelo caminhão-pipa.

Os principais destinos de deslocamento de pessoas de Cabeceira do Tanque eram o centro urbano de Turmalina. A investigação indicou que as pessoas também migraram para Belo Horizonte e Capelinha, nesta ordem de importância. Como já observado nas outras comunidades deste estudo, o deslocamento rural-rural dentro do município também estava presente, e, neste caso o principal destino dos familiares era a comunidade de José Silva, provavelmente, por conta da proximidade entre as fronteiras e a diferença da situação hídrica. Os moradores de Cabeceira do Tanque contavam em média com um terreno de 15,81 hectares.

Nas três comunidades, as famílias buscavam se abastecer com águas que articulavam fontes naturais com diferentes formas de abastecimento. Em média, os moradores de cada comunidade precisavam articular cinco fontes/formas para minimamente suprir o consumo humano, no ano de 2018 as principais eram: água bombeada de poço artesiano, água bombeada do rio Fanado, cisterna (poço manual), mina d’água, água de chuva e água oriunda do caminhão pipa (Quadro 1).



Quadro 1. Fontes de água/formas de abastecimento acessadas pelas comunidades estudadas, 2018
Pesquisa de campo, 2018

O caminhão pipa mostrou-se significativo como forma de abastecimento para 37,50% das famílias entrevistadas, presente constantemente em duas das três comunidades estudadas. Esta era uma estratégia emergencial desenvolvida pelo município que atende, a um custo monetário e social elevado, as comunidades no período mais seco do ano, entre abril e novembro (Silva et al., 2020). As famílias costumam também acessar o caminhão pipa por meios de recursos próprios, em momentos de precisão, pois nem sempre conseguiam água da prefeitura quando seu reservatório estava baixo. Nessas situações, a caixa de captação de água da chuva se tornou uma aliada.

A cisterna de placa do P1MC (Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: um Milhão de Cisternas Rurais) estava presente nas três comunidades. Era utilizada pela totalidade de famílias entrevistadas em Campo Alegre e Cabeceira do Tanque, já em José Silva, a caixa de captação de água de chuva estava presente em 25% dos sítios familiares. Esta é uma estratégia desenvolvida em parceria entre a sociedade civil e o governo federal, com participação social, que prevê o abastecimento em longo prazo, quando chove (Silva et al., 2020). Por uma calha, a água da chuva é direcionada do telhado até a cisterna e fica armazenada para que a família possa utilizar durante o ano.

Nas três comunidades as famílias revelaram que a cisterna de placa do P1MC preferencialmente era abastecida pela água da chuva, mas nem sempre a água armazenada na cisterna de placa suportava o consumo familiar por todo o período da estiagem, em muitos casos, além de suprir o consumo humano as águas das cisternas também precisavam ser usadas para dessedentar criações e molhar pequenos canteiros. Além disso, ressaltavam que a capacidade de armazenamento das cisternas de placa permitia que fossem abastecidas com outras águas, tão logo as das chuvas fossem consumidas. Os caminhões-pipa que atuam para o município de Turmalina, segundo dados da própria Secretaria de Agricultura, costumavam transportar um volume de dez mil litros de água, o qual é facilmente armazenado na cisterna de placa que comporta até 16 mil litros (ASA, 2020).

Outra estratégia adotada para a convivência com a seca é a construção da cisterna calçadão do P1+2 (Programa Uma Terra e Duas Águas), comumente referenciada pelas famílias como “caixa terreirão”, que está presente na comunidade de Campo Alegre. Nesta política, semelhante ao P1MC na forma de operacionalização parceira entre a sociedade civil e o governo federal, a água da chuva é captada por meio de um calçadão de cimento construído sobre o solo e é armazenada em reservatórios com capacidade de guardar 52 mil litros, tem por finalidade ser usada para o regadio de hortas e lavoura e ou para dessedentar as criações, buscando criar segurança hídrica e alimentar para população rural do semiárido brasileiro (ASA, 2020).

O secamento de diversas fontes que outrora eram utilizadas pelas famílias, as forçaram a relativizar os usos das águas, pois na falta, nos momentos de precisão, a água disponível é a que serve para matar a sede. Sendo assim, em Campo Alegre, algumas famílias precisaram utilizam a água da cisterna calçadão para o consumo humano.

Outra forma de armazenar água da chuva, adotada por moradores de Campo Alegre, foi a construção de barraginhas (Silva et al. 2020). As barraginhas são escavadas no solo na forma de uma pequena bacia. Mesmo que, inicialmente, a construção não tenha como finalidade reservar água para o consumo humano e sim permitir a infiltração da água no solo, a dessedentação de animais e a irrigação de pequenos canteiros, 12,5% das famílias disseram fazer uso desta água em algum momento do ano para se saciar.

As cisternas manuais são uma espécie de poço perfurado no quintal das casas, cavado manualmente no solo captam a água mais próxima da superfície, sem que seja necessário maquinário para grandes profundidades. Esta estratégia está presente nas comunidades de José Silva e Cabeceira do tanque, onde as famílias geralmente alcançam a água com a utilização de um balde amarrado em uma corda.

Nascentes foram encontradas nas três comunidades, mas boa parte delas foram afetadas pela monocultura de eucalipto, haviam secado ou se tornaram intermitentes (Silva et al., 2022). Somente uma pequena parcela das nascentes estava viva. Embora, historicamente fossem balizas importantes para cada grupo de parentesco organizar formas de domínio, acesso e partilha de terras nas grotas. Para os/as lavradores/as, nascentes e minas forneciam a água mais pura, cristalina, “leve e fina” ao paladar (Galizoni, 2013). Assim, as famílias priorizavam a água de nascente para o consumo humano, mesmo que a distância a percorrer para buscá-la fosse extensa e demandasse gastos em mangueiras ou canos, ou que fosse necessário delicados acordos comunitários para a utilização, em caso dela estar presente no sítio de algum vizinho (Freire, 2001).

Para o abastecimento direto dos sítios, 75% das famílias em Campo Alegre buscavam acessar águas de nascente, em José Silva 37,5% e em Cabeceira do Tanque 12,5% utilizavam essas águas em algum momento do ano.

O consumo de água do rio Fanado pelas famílias estava disseminado para 75% dos entrevistados em Campo Alegre e para 12,5% em José Silva. É uma água consumida sempre com um sentimento de pesar, as famílias não a consideravam de qualidade para beber e temiam que estivesse contaminado por dejetos de outras cidades despejados rio acima.

Consumo de água em situações de escassez

Para as famílias lavradoras lidarem com a falta d’água somente criar alternativas de acesso a fontes de água e aprovisionamento do líquido não bastava. As estratégias de abastecimento deviam estar pautadas em regimes de gestão que articulassem particularidades ambientais com características sociais e culturais das populações locais. Assim, a governança das águas por parte dos agricultores pressupõe adoção de diversas medidas para garantir a perenidade do abastecimento, mas integrando e compreendendo os sistemas locais.

Buscou-se, desta forma, compreender o consumo de água per capita nessas famílias: 87,5% delas declararam uma estimativa do volume de água utilizada por dia na casa. Para compreender a distribuição do consumo entre as famílias agrupou-se os volumes declarados em faixas de consumo por litro por pessoa por dia, com base nas modas de consumo encontradas de 60,0 litros e 100,0 litros (Tabela 1).


Tabela 1. Consumo diário de água per capita para uso doméstico nas 3 comunidades estudadas

Pesquisa de campo, 2018

Em Cabeceira do Tanque, localidade onde todas os habitantes necessitavam de caminhão pipa para suprir minimamente seu acesso a água, encontrou-se um agricultor que dispunha em média 28 litros de água por dia, volume inferior ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de 110 litros; e menos da metade do apresentado pelo Sistema Nacional de Saneamento Básico para Turmalina que era de 124,9 litros/hab./dia (SNIS, 2013). O maior consumo registrado estava em José Silva, em uma residência com um casal de aposentados que dispunha de acesso a diversas fontes de água - poço artesiano, rio Fanado, barragem, córrego (na época das águas) - e ainda duas caixas de polietileno para armazenamento. Apesar de aposentados, a principal fonte de renda do casal estava vinculada a lavoura, ao beneficiamento de farinha e produção de leite para comercialização em supermercados do município. Este caso foi uma exceção do perfil de agricultores observado durante esta pesquisa, assim não foi considerado no cálculo do consumo per capita, uma vez que esta família consumia aproximadamente 3.000 litros de água por dia.

A irregularidade da precipitação causou alterações na dinâmica da água no território do Jequitinhonha, como constatado por Lima (2013) e Silva et al. (2020). Isto posto, os agricultores foram perguntados sobre a situação das águas nos últimos sete anos (2012 a 2018). As respostas foram diversas, mas em Cabeceira do Tanque a situação foi mais crítica: apenas uma família não sentiu fortemente a falta de água. Segundo um agricultor desta comunidade: “- A situação foi muito ruim... dificuldade de ter água, tudo secou!”; este sentimento foi compartilhado pelas demais moradores dessa comunidade. Em José Silva nenhuma família declarou ter sentido a falta d’água propriamente dita, “- minguou, mas não faltou.” Já em Campo Alegre, os agricultores relataram ter tido que regrar mais o consumo nestes anos para não faltar água. Aqui é importante fazer uma ressalva, pois na perspectiva das famílias há uma diferença entre escassez e falta d'água. Escassez se refere à diminuição do recurso disponível, seja do ponto de vista quantitativo ou qualitativo, falta de água se refere a ausência do recurso, ou seja, a ausência quantitativa, quase absoluta, de água.

Das famílias entrevistadas, em todas as comunidades, 66% disseram ter sentido escassez de água em algum momento, sendo que 2014 e 2015 foram considerados os anos mais críticos. Investigou-se também se em algum mês do ano chegava a faltar água e 45,83% das famílias responderam que sim; dessas, 20,83% residiam na comunidade Cabeceira do Tanque. Os meses mais citados como os mais exíguos de água foram agosto e setembro. Esses meses fazem parte do auge do período das “secas”.

As fontes dessas comunidades em muito minguaram. Os principais relatos durante a pesquisa revelaram uma grande quantidade de córregos e nascentes que secaram. O convívio com a falta de água se tornou parte do cotidiano dessas famílias. Mas havia situações diversas, uma vez que a insuficiência hídrica nem sempre era sentida da mesma forma. Para compreender este aspecto, as famílias foram abordadas acerca das fontes de água e condições de armazenamento.

O instrumento de armazenamento de água para uso doméstico com maior relevância eram as cisternas de placa, localmente designadas como caixas de captação da água da chuva. Essas caixas estavam presentes em 70,83% das residências pesquisadas e, em todas, era utilizada como o principal reservatório de água durante todo o ano. Em relação à distribuição das caixas de captação de água de chuvas nas comunidades encontrou-se uma desigualdade: 8,33% das caixas de captação estavam localizadas em José Silva, 29,16% estavam distribuídas em Campo Alegre e 33,33% em Cabeceira do Tanque. Essas caixas de captação de chuva, como visto, eram frutos do Programa P1MC, com objetivo de captar e armazenar água de chuva por famílias rurais que vivem no semiárido brasileiro, sendo uma política pública construída de forma compartilhada entre a sociedade civil e o governo federal.

Apesar de ter em seu princípio inicial o armazenamento de água da chuva, as famílias relatam que diversas águas comumente enchiam estas caixas, vinham do rio, da cisterna manual, do poço artesiano, trazidas pelo caminhão pipa, fruto de uma longa lista de espera feita pela prefeitura para levar água até essas comunidades.

Nas comunidades, metade das famílias disseram reservar águas para o regadio da horta. Eram águas originadas de quatro fontes e uma forma de abastecimento: rio Fanado, cisterna (poço manual), barragem e o poço artesiano. A caixa de captação de água de chuva sempre fora citada com relevância, possivelmente por receber as diversas águas.

Não é muito comum à destinação de águas para a lavoura: apenas 25% dos entrevistados disseram irrigá-la, mas todos argumentaram ser temporária essa utilização. Os lavradores compreendem a chuva como sendo a principal meio de irrigação para a lavoura. Para as criações, as principais formas de abastecimento citadas foram: água bombeada do poço artesiano, barragem e córrego, 95,83% dos moradores detinham algum tipo de criação e precisavam dessedentá-las. Na maioria das vezes usavam para tanto as mesmas fontes que destinavam ao ambiente doméstico e para consumo humano.

Produção de alimentos e escassez de água

O início do período chuvoso marca a hora que o trabalho na lavoura deve ser conduzido, o que exige elevada força de trabalho das famílias (Galizoni, 2007). Mas estudos de Lima (2013) apontaram que o período chuvoso no Alto Jequitinhonha tem se reduzido. Silva et al. (2020) ressaltou que os agricultores familiares não compartilhavam mais da segurança de que a chuva cairia na época costumeira de fazer roça, tendo as famílias assim que criar alternativas para garantir o abastecimento e poderem produzir.

Frente à realidade de falta de água, a pesquisa investigou quais famílias conduziam a lavoura anualmente. Do total de famílias entrevistadas, 83,33% afirmaram fazer lavoura todos os anos, independente da estiagem, revelando a ligação de grande parte desses camponeses com a produção de alimentos, pois mesmo que o período das águas não seja certo, continuam plantando.

O Quadro 2 indica a frequência com que os alimentos da lavoura eram produzidos por comunidade, chamando atenção para o fato de que o milho, mandioca e a cana eram os alimentos com maior ocorrência. Em Campo Alegre, 100 % das famílias disseram produzir milho e mandioca, enquanto que 75% produziam cana. Em José Silva, os resultados foram semelhantes; a pauta produtiva girava em torno dos mesmos produtos, uma vez que todas as famílias produzem milho, sendo este seguido por cana (87,50%) e mandioca (75%). Essas mesmas culturas também tiveram destaque na comunidade de Cabeceira do Tanque: o milho era produzido por 87,5% dos lavradores entrevistados; a mandioca e a cana por 75%.

Esses alimentos representam a pauta alimentar preferencial os agricultores pesquisados, pois produção e alimentação apresentavam relação direta para as famílias. Estimou-se que, nas comunidades estudadas, mais da metade dos produtos que chegam à mesa dos agricultores são oriundos da lavoura familiar (Quadro 2).


Quadro 2. Frequência dos principais produtos cultivados na lavoura das famílias de agricultores nas comunidades pesquisadas

Pesquisa de campo, 2018

Os dados mostraram que menos da metade dos entrevistados mantinham cultivo regular de horta, ou seja, 45,83% produziam algum tipo de hortaliça. Destas, a maior parte, 25,00%, moravam em Campo Alegre; 16,66% dos entrevistados disseram produzir apenas abóbora como hortaliça. Ainda assim, foi registrada uma grande variedade de hortaliças como a alface, couve, beterraba, cenoura, alho, salsa, coentro, abobrinha, repolho, cebola e chuchu.

A não ocorrência de mais famílias cultivando hortas fora relacionada à falta regular d’água: hortaliças são comumente exigentes em relação à água, não tolerando períodos de estresse hídrico. O plantio de horta era quase sempre conduzido na estação seca do ano, pois as verduras não toleram também muitas chuvas, tornando assim esses cultivos dependentes de disponibilidade frequente de água para prosperarem. Algumas famílias que dispunham de terrenos nas margens do rio Fanado, se dedicavam a uma produção constante e mais ampliada de verduras, pois recorriam à água do rio para molhar os canteiros

Os quintais produtivos completam a gama de alimentos que os agricultores familiares produzem próximos às residências, presentes em 45,83% das unidades de produção: 20,83% estavam na comunidade de Campo Alegre, 12,50% em José Silva e 12,50% no Tanque. Diversas eram as frutíferas produzidas por esses agricultores como, por exemplo, laranja, banana, abacaxi, limão, mamão, uva, pêra, pêssego, abacaxi, caju, tamarindo, jamelão, jabuticaba, manga, acerola, goiaba e abacate.

A quantidade de terra destinada à lavoura e pomar não estava diretamente relacionada com a diversidade de produção: encontrou-se família com 2 hectares de plantio, que produzia 23 produtos diferentes, enquanto havia família que plantava em cinco hectares, mas somente 8 produtos. Essa diversificação da produção pode estar relacionada com a força de trabalho, quantidade de terra, acesso à renda e principalmente a disponibilidade de água.

As criações e a seca

Autores como Assis (2001) e Galizoni (2007) observaram que, no Alto Jequitinhonha, as criações de animais de grande porte estavam condicionadas as chapadas. Nesse ambiente os animais encontravam alimento e se dessedentavam. Para os autores: em locais onde a roça é feita o acesso do gado era restrito e em alguns casos proibido. Contudo, a vegetação nativa dos ambientes de chapada deu lugar a monocultivos de eucalipto empresarial promovidas por incentivos públicos (Calixto et al., 2009). As chapadas comuns foram apossadas por empresas de reflorestamento que expropriaram as comunidades. Tomadas as chapadas, as áreas disponíveis para as criações também se restringiram.

Outro motivo observado por Silva et al. (2020) que agravou o desenvolvimento da pecuária no Jequitinhonha é a escassez hídrica, ou seja, esta podia impossibilitar a criação de animais de grande porte. Os agricultores estudados por este autor vinham abrindo mão do rebanho ou permanecendo com um número reduzido de animais. Alternativas foram adotadas pelos agricultores perante essa situação, dentre elas, o deslocamento do gado para outras áreas que, às vezes, eram longe da unidade de produção. Também, existia a repartição da água de nascentes com os animais ou a venda das criações. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária especificou que um bovino adulto, destinado a corte, tem um consumo diário entre 41 e 78 litros de água (Embrapa, 2013).

Um número reduzido de famílias, 37,5%, mantinham criação de bovinos, ou seja, menos de dez cabeças por família. Em sua maioria, o destino do gado era a produção de leite para o consumo familiar e, às vezes, para produção de queijo. Em nenhum caso foi contabilizado animal destinado ao corte. Encontrou-se um morador somente com 32 cabeças de gado com finalidade a produção de leite e queijo, mas para comercialização.

Outros animais como cavalos, mula e burros usados para transporte de carga e para apoiar alguma atividade agrícola ou de beneficiamento estavam presentes em 66,6% das unidades de produção, com números variando de 1 a 3 animais por família.

No que diz respeito às aves, estas consumiam menor quantidade de água diariamente, algo aproximado a 0,25 L/dia (Embrapa, 2013). Isso explica porque as aves estavam presentes de forma significativa nas residências dessas famílias de agricultores: necessitavam de pouca água, podiam ser criadas em maior quantidade, forneciam carne e ovos tanto para o autoconsumo doméstico quanto para venda. Apenas 12,50% disseram não ter criação de aves. Todas as outras, quando abordadas sobre este tipo de criação, ofereceram respostas positivas. Encontrou-se um total de 955 galinhas, 20 patos e 6 perus.

A relação entre população e quantidade de aves no município de Turmalina em 2006 era de 2,69 galinhas per capta (IBGE, 2006; IMRS, 2006). Fazendo o mesmo cálculo para as três comunidades, obteve-se uma relação de 11,64 aves por pessoas nos domicílios investigados, tornando-as autossuficiente em relação à carne aviária; levando em consideração que esses animais, além da carne, produzem ovos. A relação do número de criações por animal nas comunidades pode ser melhor observada na Tabela 2.


Tabela 2. Número total de cabeças de bovinos, aves e suínos entre as famílias pesquisadas.

Pesquisa de campo, 2018

A Tabela 2 apresenta também a criação de porcos nas comunidades; esses animais estavam presentes em mais da metade das famílias entrevistadas (54,16%), mas em número relativamente reduzido quando se comparado as demais criações. Em todos os domicílios que havia criação de porcos estavam, estes eram destinados para o consumo familiar.

Assim como na obtenção de alimentos da lavoura, o acesso à água também apresentava relação direta com a quantidade de animais presentes em cada unidade de produção. A escassez de chuvas registrada dentre os anos de 2012-2018 possivelmente acarretou mudanças no modo de produzir desses agricultores, seja pela falta de acesso a água para se obter o pasto e ou manter o milho, seja pela falta de fontes para matar a sede dos animais (Silva et al., 2020).

Notou-se, no entanto, que mesmo frente a escassez de água, as famílias produziam seus alimentos. Segundo Chayanov (1974), autor central na discussão sobre unidades camponesas russas no início do século XX, o trabalho exercido por membros de uma unidade doméstica familiar, expresso na produção de alimentos, é estruturado em função da reprodução social do grupo. Existem cálculos intrafamiliares que buscam equilibrar o balanço entre produção e consumo de alimentos, que baliza a pauta produtiva e a articula com o número de membros que trabalham e aqueles que se expressam apenas como consumidores.

Os membros da família, em sua unidade doméstica, eram protagonistas no trabalho para a produção ou aquisição de alimentos para o seu consumo, buscando equilibrar o balanço entre penosidade do trabalho e o volume de consumo necessário para a manutenção e reprodução social da família. Na organização do trabalho, ao longo da dinâmica demográfica familiar, o número de pessoas aptas é relativo, pois em certos momentos etários alguns indivíduos se materializam apenas como consumidores, a exemplo, idosos ou crianças pequenas. Mas em outros momentos atinge-se um patamar de ocupação familiar em que todos os membros atuam na produção, sendo possível obter um equilíbrio entre consumo-produção (Chayanov, 1974; Woortmann, 1990).

Rearranjos produtivos

As famílias lavradoras procuraram criar alternativas para suprir a necessidade da água. No entanto, em caso de falta d'água, é preciso buscar abastecimento fora da comunidade, e aí ganha relevância o caminhão pipa. Galizoni et al. (2008, p. 148), analisando a hierarquia de uso de águas no rural do Alto Jequitinhonha, perceberam que as famílias priorizam o consumo humano para depois contemplar as atividades domésticas, conciliando-as com as atividades produtivas. Segundo os autores, “a água usada na casa vai regar o quintal e garantir a produção de frutas e de animais do terreiro”. Portanto, as situações de escassez podem vir a comprometer as demais atividades na unidade de produção, mesmo que indiretamente.

As famílias foram abordadas sobre possíveis impactos nas atividades produtivas em ocasiões de seca prolongada e quais rearranjos eram adotados por elas neste cenário: 75% afirmaram que a roça era a principal afetada quando não chovia. As principais decisões tomadas nessas situações eram: reduzir a área plantada, deixar de fazer horta, evitar plantar feijão de arranque (Phaseolis vulgares), e, em casos extremos, não fazem a lavoura.

A resposta mais frequente foi à redução da área de produção. Algumas famílias optavam por evitar plantar certo tipo de alimento que depende de grande quantidade de água, substituindo esses por cana. E a perda da lavoura, em casos que se insiste em tentar produzir, tornou-se realidade para esses lavradores.

Considerando que a maior parte dos agricultores familiares plantava para o autoconsumo, tomar a decisão de não fazer a lavoura e/ou perder os alimentos plantados podia colocar em risco a segurança alimentar das famílias e a frequência com que se alimentava.

Em relação à horta, 58,33% dos entrevistados disseram que a falta de água afetava diretamente a possibilidade de fazê-la. Os rearranjos encontrados foram, principalmente, optar por não fazer horta ou plantar alguma espécie que fosse mais resistente. Os entrevistados deixaram de plantar alho e cebola, diminuem o tamanho dos canteiros e ou passam a plantar as verduras em “bacias” – como relatado por uma agricultora.

As criações recebiam um trato diferente: 41,66% das famílias disseram adotar medidas alternativas em situações de escassez para essa atividade; 16,66% alegaram ser a escassez o motivo de terem vendido as criações, principalmente, pela dificuldade de se conseguir produzir alimento sem a água. Um tipo de rearranjo citado por 4,16% famílias foi passar a dividir a água da casa com os animais, para que esses não viessem a padecer.

Essa estreita relação das atividades exercidas pelos agricultores com o acesso à água conduz a percepção de que existe uma combinação de águas para atingir um patamar aceitável de abastecimento humano e que possibilite a produção de alimentos.

5. Considerações finais

As comunidades de Campo Alegre, José Silva e Cabeceira do Tanque são formadas por famílias de agricultores e agricultoras que produzem alimentos com habilidades produtivas semelhantes. Consomem o que se produz e mantém uma dieta alimentar diversificada, mas pautada em três alimentos da lavoura: o milho, a mandioca e a cana.

Para as famílias de agricultores, o valor da água é imenso, pois além de matar a sede, permite a produção de alimentos, garantindo a segurança alimentar nesses povoados. Para garantir o acesso à água, os agricultores e agricultoras buscaram articular diversas fontes naturais e socialmente construídas, visto que o mesmo recipiente que armazena chuva também armazena água do rio, da cisterna e do poço.

O sentimento de escassez é por vezes atenuado através de uma hierarquização do uso e da boa governança comunitária dos recursos obtidos. A criação de animais de grande porte, outrora muito presente nessas comunidades foi substituída por aquelas criações que dependem menos de água como as aves, animais que também consomem menos alimento. A lavoura só é feita no período das chuvas, evitando alimentos como o feijão de arranque, mesmo sendo ele muito importante para a dieta local; se a chuva é pouca, a área plantada é reduzida.

A falta de água causada pela morte de fontes naturais é um grande ônus legado pela monocultura de eucalipto para essas três comunidades, um problema coletivo cotidiano. As famílias têm criado acordos comunitários a fim de minimizar a escassez. Entretanto, quando os ajustes familiares são insuficientes para mitigar o problema, as famílias tendem a buscar soluções por intermédio do poder público. Nas três comunidades, constatou-se presença e relevância dos programas na busca dos moradores por uma água que suprisse as necessidades sociais, culturais e produtivas. Entretanto, apesar do conjunto de ações públicas para prover o abastecimento nas localidades rurais, essas ações dialogavam muito pouco entre si, criavam poucas sinergias e, ao final, cabia às famílias organizarem acesso a fontes e aparatos de aprisionamento de água que dispunham.

Agricultores do Alto Jequitinhonha buscam assim formas de lidar com a escassez hídrica vinculada à monocultura de eucalipto e agudizada pela seca, adaptando e reorganizando seus sistemas produtivos, com possiblidades criadas por políticas públicas e por ajustes na gestão das águas, procurando assegurar soberania alimentar.

Agradecimentos

A pesquisa que originou este artigo contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, da FAPEMIG, do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica e de agricultoras e agricultores familiares das comunidades rurais de Campo Buriti, José Silva e Cabeceira do Tanque, a todos os autores agradecem.

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