Resumo: A entrevista foi realizada em dezembro de 2022, e conduzida por Mariana Azevedo dos Santos e Victoria Caroline Vidal, na cidade de Belo Horizonte. Guilherme Pereira de Vargas é Geógrafo formado pela Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, em 2006. Mestre em Geografia, na Área de Concentração Organização do Espaço, pela UFMG (2012). Especialista em Geoprocessamento pela UFMG (2013). Especialista em Elaboração, Gestão e Avaliação de Projetos Sociais em Áreas Urbanas pela UFMG (2008). Atualmente é diretor de monitoramento da legislação urbanística da Secretaria de Política Urbana de Belo Horizonte. Nessa entrevista, ele fala sobre a produção de loteamentos irregulares e os desafios e avanços das políticas habitacionais populares no município de Belo Horizonte.
Palavras-chave: habitação popular,periferização,política habitacional.
Artigos
Revista Espinhaço entrevista Guilherme Pereira de Vargas (PBH): Políticas inclusivas de habitação popular em Belo Horizonte
Recepção: 01 Dezembro 2022
Aprovação: 14 Dezembro 2022
A produção do espaço urbano em Belo Horizonte está inserida no contexto da urbanização segregadora, comum nas grandes cidades brasileiras. O crescimento das periferias faz parte desse processo maior que é a urbanização, em um contexto de profunda desigualdade socioeconômica, e deve ser compreendido a partir da lógica do modo de produção capitalista, ou seja, na produção de coisas e de obras que são acessados como mercadorias. Essas mercadorias compreendem os terrenos e as edificações, que se originam da própria necessidade de morar ou de se estabelecer.
O mercado imobiliário de Belo Horizonte reproduz as mesmas características de outras metrópoles brasileiras. As mudanças contínuas na demanda por solo urbanizado, decorrentes do processo de expansão do tecido urbano e da retenção de terrenos e imóveis pelos proprietários, de modo a antecipar ou influenciar no preço do solo urbano, tentando valorizar determinadas áreas quando elas ainda não foram contempladas por melhorias. Isso torna o mercado imobiliário bastante especulativo e local de atuação dos incorporadores imobiliários em busca de ganhos baseados na renda da terra.
A ocupação do solo urbano pelas classes sociais se baseará na capacidade de cada grupo de pagar pelo uso do solo urbano. Dessa forma, existe uma relação intrínseca entre o fenômeno da especulação fomentada por proprietários e incorporadores imobiliários em busca da renda extraída pelos terrenos e imóveis urbanizados e a expansão das periferias pobres, que consistem em áreas com pouca ou inexistente infraestrutura, como serviços urbanos de água e esgoto, escolas, comércio, transporte. Além de problemas na pavimentação nas ruas e da baixa acessibilidade aos equipamentos urbanos em geral.
No município de Belo Horizonte, nos últimos anos, proliferaram as ocupações informais em partes distintas do território. As favelas ou loteamentos precários estão sempre associadas a um processo de aumento da pobreza urbana e às dificuldades de acesso ao mercado formal, assim como à especulação imobiliária decorrente de novos investimentos realizados no município. Então, os assentamentos informais se consolidaram por todo o município.
Esse modelo de parcelamento do solo é também um tipo de produto do mercado imobiliário. Os loteamentos irregulares são uma das possibilidades de aquisição de moradia pelas camadas de menor renda da população. A obtenção dos domicílios é possibilitada pelos financiamentos de longo prazo e pela prática generalizada da autoconstrução. A casa própria é um fator de subsistência para os trabalhadores que alivia o orçamento familiar em uma economia com a perda do poder de compra dos salários.
Estes empreendimentos privados se caracterizam como uma das poucas alternativas de aquisição da habitação pela população pobre frente às insuficiências das políticas habitacionais por parte do Estado. Através do não provimento dos equipamentos urbanos, o loteador oferece um lote “urbanizado” mais barato, que não conta com todas as infraestruturas determinadas pela legislação e assim garante que haja possibilidade de compra pela população.
Em Belo Horizonte, existem diversos loteamentos desse tipo espalhados pelo território municipal. Eles podem ser localizados praticamente em todas as regiões da cidade, mas são mais facilmente identificados nas franjas de expansão urbana de baixa renda nas regionais Barreiro, Venda Nova, Nordeste e Norte.
A pauta da habitação popular foi aprofundada na revisão da legislação urbanística, incorporando conceitos das agendas internacionais de política urbana contemporânea, assim como novos instrumentos urbanísticos para o desenvolvimento da política habitacional. O Novo Plano Diretor incorporou diretrizes do debate urbano recente identificadas na chamada Nova Agenda Urbana de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável promovida pela Organização das Nações Unidas, como:
- Até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar as favelas
- Até 2030, aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planejamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis, em todos os países
Entre as premissas utilizadas para alcançar esses objetivos é importante o destaque especial à alguns princípios previstos na Lei 11.181/2019, como efetivar o cumprimento da função social da propriedade, por meio do combate à retenção especulativa de imóveis e à ociosidade das edificações, e garantir o acesso à habitação social.
Entre os avanços na identificação e definição de instrumentos relacionados à produção de habitação pode se destacar os seguintes, identificados nos incisos X, XI e XII da Lei 11.181/2019. Estes incisos tratam da disponibilização de recursos financeiros e humanos para a urbanização, requalificação, reconversão e prevenção da formação de assentamentos informais. Falam também do desenvolvimento de normas para o setor habitacional, que combatam a especulação, e da promoção do desenvolvimento urbano sustentável.
Um grande desafio é a consolidação de mecanismos de financiamento ao investimento público na política de habitação e nas áreas de interesse social já delimitadas no município. Trata-se da instituição de uma lógica de inversão de prioridades com ênfase na distribuição de recursos para as áreas de assentamento precários. A Lei 11.181/2019 trouxe mecanismos que permitem a captação das mais valias fundiárias através do instrumento de outorga do direito de construir em que o munícipe, que esteja interessado em construir além do potencial construtivo permitido em seu terreno, terá que pagar pelo adicional, de acordo com um conjunto de regras de enquadramento dos empreendimentos. Esse instrumento possibilita a arrecadação de recursos que, conforme a legislação, serão destinados ao Fundo de Habitação Popular do município, podendo ser aplicados nas políticas previstas para o setor. A criação deste instrumento institui uma nova possibilidade para o orçamento público destinado à habitação, que está relacionada à estratégia global de desenvolvimento urbano pactuada no Plano Diretor municipal. Trata-se de uma importante ferramenta adicional aos mecanismos tradicionais já previstos no orçamento público para a área habitacional.
Outra questão importante está relacionada à disponibilização de terrenos para a produção habitacional. Apesar da definição de áreas de especial interesse social para construção de moradias ser um grande avanço, ainda existem dificuldades na utilização de imóveis subutilizados ou vazios para destinação para à política habitacional. A aplicação do instrumento de parcelamento, edificação e utilização compulsória, a exemplo do IPTU progressivo, está prevista na Lei 11.181/2019, indicando prioritariamente terrenos bem localizados em relação à infraestrutura urbana. No entanto, trata-se de uma política de complexa execução. Os terrenos e edificações disponibilizados na aplicação do instrumento poderiam ser massivamente destinados, de forma compulsória, para programas de habitação popular.
De maneira geral, o principal desafio é trazer efetividade às políticas públicas já previstas na legislação municipal através de arranjos institucionais estáveis e investimento do orçamento público.
A política urbana pode avançar consolidando as práticas previstas no Plano Diretor Municipal, expresso na Lei 11.181/2019. Como uma construção coletiva realizada com à sociedade através da Conferência de Política Urbana, o Plano Diretor Municipal tem legitimidade e incorpora o debate técnico associado às demandas populares relacionadas a esse tema. As estratégias identificadas na lei replicam a agenda global da política urbana e habitacional. Portanto, trata-se da aplicação dos princípios previstos no Estatuto da Cidade que regulamenta a questão em nível de legislação federal associado ao debate internacional sobre o tema.
Em resumo, podemos identificar algumas estratégias presentes no Plano Diretor para mitigação dos problemas habitacionais com expansão para produção para a população de baixa renda:
- Política habitacional em áreas com infraestrutura, estações de transporte coletivo e centralidade;
- Incentivo à produção de diferentes tipologias de Habitação de Interesse Social;
- Aplicação de compulsórios e IPTU progressivo;
- Habitação de Interesse Social conjugadas à equipamento público de uso coletivo;
- Desconto na outorga de direito de construir para a produção de Habitação de Interesse Social;
- Destinação dos recursos ao Fundo Municipal de Habitação Popular;
- Parte dos recursos investidos na construção de Habitação de Interesse Social de propriedade pública para Locação Social.
Seria basicamente isto. Estes pontos são muito importantes.