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Para onde foi a lama da barragem de Fundão (Mariana, Minas Gerais)? A distribuição dos rejeitos ao longo dos vales fluviais afetados pelo desastre da Samarco/Vale/BHP
Where is the mud from the Fundão dam (Mariana, Minas Gerais state)? The distribuition of tailings along the river valleys affected by the disaster of Samarco/Vale/BHP.
Revista Espinhaço
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
ISSN-e: 2317-0611
Periodicidade: Semestral
vol. 11, núm. 1, 2022
Recepção: 15 Dezembro 2021
Aprovação: 11 Janeiro 2022
Resumo: Após o rompimento de uma barragem com mais de 60 milhões de m³ de rejeitos de ferro, localizada em Mariana, Minas Gerais, um enorme fluxo de detritos e lama alterou a morfologia e morfodinâmica dos vales fluviais a jusante. Parte dos rejeitos foi levada até o Oceano Atlântico, mas um grande volume permanece acomodado no fundo dos vales fluviais da bacia do rio Doce. Surge então a pergunta: onde esses sedimentos se acomodaram? Uma resposta breve indicaria que quanto mais perto da barragem, mais largos são os depósitos. Mas isso não é o que encontramos no campo. Níveis de base (locais e regionais) como cachoeiras, corredeiras e confluências desempenham um papel importante no controle da energia do rio e, portanto, das zonas de deposição sedimentar. Este trabalho tem como objetivo mostrar a relação entre a largura dos depósitos de rejeitos ao longo dos vales afetados pelo rompimento da Barragem do Fundão e o perfil geomorfológico dos rios. Utilizamos uma abordagem topográfica, baseada em dados de radar e imagens de satélite, associada a excursões de campo para interpretar a distribuição longitudinal de rejeitos. Os resultados reforçam a relevância dos knickpoints para compreender a tragédia e a fragilidade de modelos automáticos e simplistas para prever os efeitos do rompimento de barragens.
Palavras-chave: Antropogeomorfologia, mineração, nível de base, Mariana-MG.
Abstract: After the collapse of a dam with more than 60 million m³ of iron tailings, a huge debris and mud flow changed the morphology and morphodynamics of downstream fluvial valleys. Part of the tailings traveled to the Atlantic Ocean, but a large volume is still settled on the valleys bottom of the Doce river watershed. However, where did these sediments settle? A brief answer would point out that the closer to the dam, the wider the deposits. But it is not what we see on the field. Knickpoints as waterfalls, rapids, and confluences play an important role to control the river energy, and so, the depositional zones. This paper aims to show the relationship between the width of tailings deposits through the valleys affected by the Fundão Dam Break (Mariana, MG, Brazil) and rivers' geomorphological profile. We used a topographic approach, based on radar data and satellite images, associated with field excursions to interpret the longitudinal tailings distribution. The results reinforce the relevance of knickpoints to comprehend the tragedy, and the fragility of automatic and simplistic models to predict the effects of dam breaks.
Keywords: Anthropogeomorfology, mining, base level, Mariana-MG.
1. Introdução
Em 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, localizada em Mariana, Minas Gerais, contendo rejeitos de mineração de ferro, de responsabilidade da Samarco Mineração S.A., uma joint venture da Vale S.A. e da BHP Billiton (Mansur et al., 2016). Longe de ser um fato isolado na história, rompimentos de barragem de mineração são historicamente frequentes no Brasil, inclusive em Minas Gerais, denotando severos problemas institucionais no planejamento, regulação e fiscalização das atividades minerárias (Costa et al., 2016; Wanderley et al., 2016). O que chama atenção para o desastre da Samarco S.A. é o volume de rejeitos desprendidos e a extensão atingida ao longo do sistema fluvial e oceano Atlântico. Considerando estes motivos, temos o maior desastre ambiental da história do Brasil[1] e o maior rompimento de barragem de rejeitos de mineração do mundo (GEMG, 2016). O rompimento de Fundão liberou, aproximadamente, 60 milhões de m³ de rejeitos, causando 19 mortes, deixando um rastro de destruição em mais de 800 km de rios e promovendo incomensuráveis danos ao meio ambiente (Felippe et al. 2016).
O escoamento dos rejeitos atingiu o córrego do Fundão, percorreu o córrego Santarém, o rio Gualaxo do Norte e o rio do Carmo; em seguida, os rejeitos alcançaram o rio Doce e desaguaram no oceano em 21 de novembro de 2015. Posteriormente esses resíduos se espalharam pelo mar, chegando ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos e as reservas extrativistas do Corumbau e Cassurubá, no sul do litoral da Bahia (IBAMA, 2016; Felippe et al. 2016; Marta-Almeida, et al., 2016; Carmo et al., 2017).
Os rejeitos oriundos da barragem de Fundão causaram o recobrimento de muitas áreas de planícies aluviais e baixos terraços, além do assoreamento de diversos trechos dos cursos hídricos atingidos. Contudo, esse recobrimento não se deu de maneira uniforme ao longo do sistema fluvial, sofrendo interferência, principalmente, de fatores relacionados à geomorfologia e hidrodinâmica da área (Mendes e Felippe, 2019).
Os materiais que compõem o rejeito da barragem de Fundão constituem-se, sobretudo, por quartzo (60% em peso) e hematita (35% em peso), que possuem granulometrias, predominantemente, de silte e areia fina, fazendo com que esses materiais se agreguem pouco e, consequentemente, os tornam altamente erodíveis (CH2M, 2017). Em relação a composição química do rejeito, Soares et al. (2017) encontraram variados elementos, sendo o teor de ferro (Fe) o mais elevado com 97,85%, em seguida o alumínio (Al) com 1,27% e o manganês (Mn) com 0,25%. Esse material, contudo, está heterogeneamente distribuído ao longo dos vales fluviais. Os principais depósitos se encontram nas margens do córrego do Fundão, córrego Santarém, rio Gualaxo do Norte e rio do Carmo. Se estendem por 104,5km desde a barragem colapsada até a represa de Risoleta Neves (antiga Candonga), a qual foi responsável pela retenção de grande parte do material sólido derivado de Fundão, perfazendo uma área de recobrimento de 17km² (Mendes e Felippe, 2019).
A mobilização completa desses materiais para os oceanos demorará um tempo ainda indefinido e dependerá do volume das chuvas, principais responsáveis pelo transporte do material depositado nas margens para os rios. Por isso, estudar a disposição desses rejeitos ao longo das margens dos canais atingidos, e entender porque esses rejeitos se depositaram mais em determinados locais do que em outros, são fundamentais para estudos que investigam o comportamento desses materiais no sistema fluvial.
Por outro lado, a compreensão da espacialidade da deposição também é de grande importância para que se possam elaborar modelos que melhor representem o comportamento desse material em diferentes bacias hidrográficas, caso ocorram novos rompimentos de barragem, com objetivo de mitigar possíveis danos. Atualmente, há certa uniformidade metodológica nos chamados estudos de ‘dam break’, com variações entre distintos modelos matemáticos, mas que possuem premissas similares. No entanto, a validação (sobretudo topográfica) dessas ferramentas é algo ainda problemático, sobretudo no que tange à dinâmica dos fluxos que, notadamente, tem nuances relacionadas à especificidades como viscosidade, densidade do material, teor de umidade etc. (Lima et al., 2020; Lima et al., 2021), o que difere os estudos de dam break para represas de água e de estocagem de sedimentos/rejeitos.
Assim, os rejeitos do colapso de uma barragem se deslocam com a dinâmica de movimentos de massa, como fluxo de detritos ou fluxo de lama, a depender das características do material (sólido e líquido) e da morfologia do relevo local (Lima et al., 2020). Por esse motivo, o depósito dos rejeitos nas margens fluviais não é um típico depósito de planície, tanto pela dinâmica do processo, quanto pela seleção do material. Antes da acomodação dos rejeitos, o fluxo remove a camada superficial do solo, misturando o material original com o deslocado para, somente aí, promover o depósito (Carvalho et al., 2021; Oliveira et al., 2021).
Assim, o input de energia e matéria advindas do rompimento da barragem é distribuído (e controlado) pelo sistema fluvial. Por esse motivo, compreender a topografia da bacia hidrográfica é fundamental para entender a dispersão dos rejeitos (Lima et al., 2021). Em termos gerais, sabe-se que uma bacia hidrográfica possui distintas zonas morfodinâmicas traduzidas simplificadamente, de montante para jusante, em zona de produção, zona de transferência e zona de acumulação (Charlton, 2007). Porém, a essa visão generalista, somam-se fatores locais que podem dar ou retirar energia do sistema, promovendo trechos fluviais mais erosivos e outros com balanço tendendo à deposição. Os níveis de base são elementos fundamentais para compreender essas mudanças ao longo dos rios (Christofoletti, 1980), configurando uma sucessão complexa e interescalar de controladores para os processos de erosão e deposição fluvial.
Por isso, para o entendimento do comportamento dos rejeitos em uma bacia hidrográfica, é necessário compreender os perfis longitudinais dos rios, que se constituem, essencialmente, em um gráfico feito a partir da relação entre a altitude do fundo do canal ou da superfície da água e a distância da nascente para a foz (Stevaux e Latrubesse, 2017). Dentro da dinâmica de um perfil fluvial, diversos fatores vão influenciar na velocidade do fluxo das águas e nos processos de erosão e deposição, como a declividade do perfil, a rugosidade do leito e a forma da secção transversal (largura e profundidade) (Guerra e Cunha, 2003).
De acordo com Christofoletti (1980), em um canal fluvial, alguns elementos afetam as próprias características do canal, ao mesmo tempo são afetados pela dinâmica dos processos fluviais. Estes elementos são variáveis semidependentes do sistema fluvial. Entre essas variáveis pode-se apontar a resistência ao fluxo (que é influenciada pela granulometria dos sedimentos, pela topografia do leito e pela forma do canal), o mecanismo de transporte da carga detrítica e o tipo de canal fluvial. As rupturas de declive (knickpoints), nesse contexto, ganham importância, pois funcionam como níveis de base locais que controlam os processos fluviais que ocorrem.
Diante disso podemos considerar que na dinâmica do perfil fluvial dos canais afetados pelo rompimento de Fundão diversos fatores estão influenciando na distribuição espacial dos rejeitos, não apenas a proximidade com a barragem. Antes de buscar a compreensão desses fatores, é necessário, contudo, reconhecer ao longo do perfil, as variações de largura dos rejeitos, que ora se mantém na margem proximal, a poucos metros do canal, ora se estendem para além das planícies e terraços, alcançando o sopé das vertentes. Perante as considerações apresentadas, o objetivo deste artigo é relacionar a largura dos depósitos de rejeitos e o perfil geomorfológico dos rios ao longo dos vales afetados pelo rompimento da Barragem do Fundão (Mariana-MG).
2. Materiais e Métodos
A pesquisa pauta-se em uma abordagem geomorfológica do sistema fluvial, buscando compreender a distribuição espacial dos rejeitos ao longo dos vales afetados, com a finalidade de contribuir para antever as consequências de eventuais novos colapsos de barragens de rejeito. Por esse motivo, as análises estão fundamentadas em atividades de campo pré e pós produção de dados para reconhecimento e validação das informações, bem como na interpretação de imagens orbitais e análise de dados topográficos.
Para interpretações analíticas elegeu-se como recorte espacial o corredor hídrico formado pelos vales do córrego do Fundão, córrego Santarém, rio Gualaxo do Norte, rio do Carmo e um pequeno trecho do rio Doce, até a Usina Hidrelétrica de Risoleta Neves. A área circunscreve-se dentro da zona de maior ocorrência de deposição de rejeitos, conforme demonstraram estudos previamente realizados (Saadi e Campos, 2015; Felippe et al., 2016; Oliveira et. al., 2017; CH2M, 2017; Mendes e Felippe, 2019; Oliveira et. al., 2021)
Foi organizado um banco de dados cartográficos a partir de informações governamentais referentes às cartas topográficas da região de estudo, em escala original de 1/50.000. De posse das informações altimétricas e da malha hidrográfica ajustada à topográfica, foi traçado o perfil longitudinal do corredor hídrico. A partir das curvas de nível, disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e a hidrografia, disponibilizada pelo Instituto Mineiro de Gestão de Águas (IGAM), determinou-se no software ArcGIS Desktop® 10.5 (ferramenta régua) a extensão dos trechos fluviais entre duas curvas de nível. A dispersão dos pares ordenados obtidos delimita o perfil, tendo sido gerada uma linha de tendência logarítmica para ilustrar o perfil de equilíbrio, fundamentado em conforme Christofoletti (1980).
Os depósitos de rejeito foram reconhecidos com base na fotointerpretação, utilizando-se a técnica de vetorização manual a partir da individualização dos alvos a partir da cor, textura e padrão de pixel vizinhos. Utilizaram-se de imagens do software Google Earth Pro® com datas de 09, 11, 12 e 20 de novembro de 2015, gratuitas e de alta resolução. A vetorização foi realizada no software Google Earth Pro® e posteriormente exportadas para o software ArcGIS Desktop® 10.5. para realização da morfometria.
Em cada interseção de curva de nível com o canal fluvial, foi mensurada manualmente a largura dos depósitos em segmento perpendicular à direção do canal fluvial, em ambas as margens. Trechos longos sem dados foram aleatoriamente amostrados para mensurações complementares, de modo a produzir uma nuvem contínua de dados.
Os primeiros trabalhos de campo foram realizados imediatamente após o rompimento da barragem, ainda em novembro de 2015. A partir de então, sucessivas visitas foram realizadas sempre no intuito de reconhecimento da área recoberta pelos rejeitos, sendo a última visita realizada em outubro de 2019. O controle de campo foi fundamental para validação dos dados orbitais e identificação dos níveis de base locais que controlaram a deposição sedimentar.
3. Área de Estudo
A área de estudo da presente pesquisa está localizada na bacia hidrográfica do rio Doce, abrangendo o fundo de vale dos seguintes canais fluviais: córrego Fundão, córrego Santarém, rio Gualaxo do Norte, rio do Carmo e rio Doce até a UHE Risoleta Neves. Abarcando parte dos territórios dos municípios de Mariana, Barra Longa, Rio Doce e Ponte Nova (Figura 1).
A área estudada compreende parte de duas unidades geomorfológicas: o Quadrilátero Ferrífero e os Planaltos Dissecados do Sul e Sudeste de Minas. O curso superior do corredor hídrico, onde se encontra o Complexo Industrial de Germano, ao qual a barragem de Fundão fazia parte, encontra-se na Serra do Caraça, seção leste da unidade do Quadrilátero Ferrífero. Possui embasamento geológico composto por litologias metamórficas que integram o Supergrupo Minas, de origem sedimentar, o Supergrupo Rio das Velhas, com rochas de origem vulcânica e sedimentar (Vervloet, 2016). Nessa faixa, o relevo é tipicamente serrano, com alinhamentos de cristas estruturadas, frequentemente sustentadas por cangas. A herança da evolução geotectônica regional é presente na paisagem na forma de sinclinais suspensos e anticlinais esvaziados (Souza et al., 2005).
O papel da desnudação diferencial no Quadrilátero Ferrífero (Salgado e Valadão, 2003) pode ser corroborado pela área de estudo, em que litologias quartzíticas sustentam os altos topográficos. Ao longo do Cenozóico, os cursos d’água tiveram sucessivos episódios de entalhamento (muitas vezes, dos próprios depósitos), conformando vales fluviais que abrem planícies aluviais relativamente extensas a partir das escarpas serranas. Episódios de reativações tectônicas recentes são evidenciados no escalonamento de terraços e evidências de controle estrutural dos níveis de base (Magalhães Jr e Saadi, 1994; Lana e Castro, 2010). No Antropoceno, conforme Vervloet (2016), essa região, ao longo dos anos, vem passando pelos processos de garimpo e mineração que conformam relevos antropogênicos notórios, gerando enormes cavas de mineração, pilhas de rejeitos e grandes barragens de rejeito.
A partir do curso médio do rio Gualaxo Norte inicia-se a unidade dos Planaltos Dissecados do Centro-Sul e Leste de Minas. Compondo cerca de 70% da bacia hidrográfica do rio Doce (IGAM, 2010), essa unidade possui morfogênese fortemente relacionada à dissecação fluvial de rochas granito-gnáissicas (e suas coberturas superficiais), principalmente. As formas do relevo são os característicos “Mares de Morros”, com mamelonização extensiva e colinas com vales encaixados e de fundo chato (Costa, 2001).
Em relação aos canais fluviais, segundo Oliveira et al. (2017), eles possuem leitos predominantemente rochosos, confinados a semi-confinados, na região serrana, com transição longitudinal gradual para leitos aluviais em vales não-confinados. Muitas vezes as planícies são pouco largas e alguns segmentos dos canais exibem corredeiras (sobretudo quando o rio escava seus depósitos pretéritos e expõe o substrato rochoso na calha). Saadi e Campos (2015) destacam a ocorrência de vales estreitos e encaixados, com declividade consideravelmente alta, o que responde por trechos de alta energia, encachoeirados. Os autores ainda asseguram que essas características dos canais e o fato da corrente fluvial se dar diretamente sobre o substrato geológico contribuem para explicar o porquê de existirem poucas planícies e terraços aluviais na área. Todavia, as condições morfodinâmicas dos canais se alteram consideravelmente no terço inferior do rio do Carmo, e o fundo de vale se torna mais largo, sobretudo à partir da confluência dos rios Carmo e Piranga, onde o rio recebe a toponímia de Doce (Saadi e Campos, 2015). Desse modo, no conjunto área estudada encontram-se diferentes formas de vales fluviais, como desfiladeiro com perfil em V, confinado com perfil em V, estreitos com perfil em V, largos com planície de inundação pequena e vales largos com planície um pouco mais extensa com perfil suave a plano (GEMG, 2016).
Após o rompimento da barragem de Fundão, os rejeitos, ao serem soltos no sistema fluvial e conforme a massa desses rejeitos seguia a jusante dos canais, foram erodindo partes do solo e arrancando parcela da vegetação, que passaram a compor a torrente (CH2M, 2017). Adiante, causaram o assoreamento de diversos trechos dos canais fluviais, o recobrimento de áreas de planícies e a descaracterização de diversas feições do sistema fluvial, como lagoas naturais e artificiais, meandros abandonados, barras fluviais, ilhas e afloramentos rochosos (Mendes, 2018).
4. Resultados e Discussões
4.1 Aspectos geomórficos do corredor hídrico diretamente afetado
A instalação da barragem de Fundão ocorreu a partir da obstrução do córrego do Fundão. A morfologia original denotava um vale semi-confinado, de vertentes íngremes e retilíneas, com interflúvios nas cristas das serras da Serra do Caraça. Suas cabeceiras se conformaram em área escarpada com altitude aproximada de 900m, embasadas por litologias paleoproterozóicas do Grupo Piracicaba (Figura 2). Seu perfil longitudinal não apresenta a concavidade tradicionalmente apregoada (como em Summerfield, 1991, Knighton, 1998 e Charlton, 2007), definida por uma curva logarítmica entre as nascentes e a foz, conforme proposto por Hack (1973). De um modo geral, o perfil se configura como sequências de segmentos retilíneos intercalados por trechos de significativas inflexões de altitude.
O controle litoestrutural se faz mostrar nas sucessivas rupturas de declive que ocorrem nos primeiros 10km desde sua nascente, promovendo uma amplitude altimétrica de 220m e uma declividade de 0,016m/m. Nesse primeiro setor, o córrego do Fundão aflui para o córrego Santarém, que segue em direção SE para o nível de base definido pelo rio Gualaxo do Norte. Esse trecho é marcado pelas litologias xistosas do Grupo Paraopeba que possui contato em falha com o Grupo Dom Silvério, superimposta pelo córrego Santarém.
Nas proximidades de Bento Rodrigues, o córrego Santarém impõe-se sobre uma falha contracional que marca o contato do Grupo Piracicaba com o Grupo Dom Silvério. Após 18km de corredor hídrico, ocorre a confluência do córrego Santarém com o rio Gualaxo do Norte, não coincidentemente, em uma zona de controle litológico marcado pelo contato entre o Grupo Dom Silvério e o Maquiné (Supergrupo Rio das Velhas).
O rio Gualaxo do Norte segue alternando entre vales sinuosos com formações de planícies aluviais heterogêneas e vales encaixados com canal encachoeirado até a extensão de 60km. Nesse trecho, destaca-se a cachoeira formada na PCH Bicas (município de Mariana) e a cachoeira de Pedras (município de Barra Longa); esta última, marcada pelo contato dos Grupos Maquiné e Nova Lima. Enquanto drena os terrenos da Faixa Araçuaí, o curso fluvial ocorre predominantemente perpendicular às estruturas brasilianas, promovendo sucessivas interceptações por falhas que geram profundas mudanças na morfologia do vale.
O trecho controlado pelo nível de base da cachoeira de Pedras marca uma baixa declividade de 0,002m/m, que aumenta localmente enquanto o vale é esculpido sobre as rochas do Grupo Nova Lima. Nesse ponto, há um contato com o embasamento granito-gnáissico a partir de uma Zona de Cisalhamento Transpressional, nas proximidades da localidade de Gesteira (município de Barra Longa).
A partir desse ponto, o perfil do rio Gualaxo do Norte se torna mais uniforme, mesmo quando se sobrepõe às estruturas brasilianas. O vale se torna mais aberto e planícies e baixos terraços são comuns, até que seja coletado pelo rio do Carmo, nível de base regional, nas imediações de Barra Longa. O vale sinuoso, com planícies assimétricas, ora mais largas, ora mais estreitas, se prolonga até a confluência com o rio Piranga, já nas litologias do Complexo Piedade, onde inicia-se a toponímia Rio Doce. À jusante dessa confluência, o perfil ganha energia, porém, o barramento da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves promove um profundo controle hidrossedimentológico no canal.
4.2 Distribuição dos rejeitos no corredor hídrico afetado
Os depósitos de rejeitos no corredor hídrico afetado são encontrados a partir de 1,5km de extensão (Figura 3), ainda nas confluências do que originalmente era o córrego do Fundão (completamente descaracterizado pelo barramento e, posteriormente, pelo assoreamento) e o córrego Santarém. Esse trecho, imediatamente a jusante do dique colapsado, chegou a ter uma extensão dos rejeitos recobrindo mais de 600m de largura, perfazendo 45,6% da largura total do vale na cota de 760m.
Até a confluência com o rio Gualaxo do Norte (próximo à cota 680m), os os rejeitos apresentam vasta deposição, alcançando, frequentemente, mais de 300m de largura (Figura 3a). É nesse contexto que foi destruída parte da estrutura urbana de Bento Rodrigues (município de Mariana). No alto curso, onde as planícies fluviais naturais correspondem a pequenos alvéolos muito bem delimitados por vertentes mais íngremes, os depósitos tecnogênicos ocuparam em média 27,3% da largura dos vales, superando frequentemente os depósitos aluviais originais e sobrepondo-se à materiais colúvio-eluviais do sopé das vertentes.
Coletados pelo rio Gualaxo do Norte, de maior competência, os rejeitos são transportados com maior eficiência, diminuindo a deposição no leito maior. Ainda assim, promove recobrimentos de planícies da ordem de 100m, até as proximidades da PCH Bicas. Além do barramento para produção hidrelétrica, o local marca uma importante ruptura de declive no perfil longitudinal, que funciona como nível de base e promove a retenção significativa de sedimentos a montante, com 211m de largura.
Após a cachoeira de Bicas, o rio Gualaxo do Norte ganha energia e a extensão dos sedimentos nas planícies reduz abruptamente para 62m, aumentando gradualmente até a cachoeira de Pedras. Este knickpoint, a 92,4km de extensão desde a nascente do córrego do Fundão, tem grande capacidade de retenção de sedimentos, com largura máxima mensurada em 273m (maior, inclusive, do que a própria retenção da PCH Bicas). Ressalta-se que à montante da cachoeira, novamente mais de 10% da largura do vale é preenchida pelos depósitos tecnogênicos (Figura 3b).
Os 32km do rio Gualaxo do Norte após a cachoeira de Pedras mostra uma queda abrupta na extensão dos depósitos de rejeitos e sua manutenção em valores inferiores a 100m de largura. Esse valor salta para 383m nas imediações da confluência com o rio do Carmo, coletor do Gualaxo do Norte (Figura 3c). A zona de baixa energia compreende uma faixa de 32,8km que se estende até a confluência com o rio Piranga, onde a toponímia rio Doce se inicia. Nesse trecho também se localiza o centro urbano do município de Barra Longa (Figura 3d).
As águas do Piranga (Figura 3e) dão maior capacidade ao agora denominado Rio Doce, de modo que os depósitos tecnogênicos diminuem de largura consideravelmente. Todavia, aproximadamente 30km a jusante, o remanso do lago da UHE Risoleta Neves (Figura 3f) se faz presente, promovendo novamente uma zona de baixa energia, com aumento gradual da largura dos rejeitos, até valores superiores a 350m, correspondentes a mais de 25% da largura do vale, nas imediações do dique, marcando o nível de base regional.
5. Considerações Finais
Um sistema fluvial é uma totalidade complexa, com múltiplos fatores controladores que se conectam de modo interescalar e promovem a distribuição espacial e temporal de água, sedimento e vida. Sendo assim, tanto fatores locais (como afloramentos rochosos, canalizações, falhas etc.) quanto fatores regionais (tectônica, regime pluviométrico, cobertura da terra etc.) são determinantes para compreender a dispersão dos sedimentos, sejam eles tecnogênicos ou não. Em outras palavras, cada rio é um rio, com suas idiossincrasias e especificidades, e modelos simplistas não são capazes de captar a morfodinâmica fluvial em escala de detalhe. Se os recursos financeiros ou tecnológicos não forem suficientes para uma modelagem adequada à complexidade do problema, é melhor que o modelo não seja utilizado, pois ferramentas inadequadas levam a conclusões equivocadas e a intervenções ineficientes.
Os estudos de dam break, que são tradicionalmente utilizados para análises de risco de rompimento de barragens, são rotineiramente falhos justamente por serem incapazes de enxergar tais especificidades. Notadamente, baseiam-se em níveis topográficos, compreendendo os rompimentos como engatilhadores de processos fluviais (em que a deposição ocorre de modo lento sob ação gravitacional). Isso é mais fidedigno para casos de barragens de água, onde o resultado de um rompimento é uma onda de cheia e, consequentemente, a inundação. Para barragens de rejeito, porém, a viscosidade e densidade do material faz com que o material (água e sedimentos) se desloque mecanicamente como um fluxo de lama ou detritos. A dinâmica de deposição desse material é distinta, dada à energia do processo. Consequentemente, seus depósitos são também distintos, espacial e estratigraficamente.
A sedimentação aluvial sob uma visão uniformitarista tem sua lógica desvirtuada em eventos catastróficos, como um rompimento de barragem. Para além da morfologia do vale os níveis de base (entendidos aqui pelos knickpoints e confluências) precisam ser considerados em escala local. Os resultados obtidos são emblemáticos nesse sentido, evidenciando que não há uma curva uniforme de para descrever a acumulação dos rejeitos no vale. Muito pelo contrário, observa-se um padrão ondulatório no comportamento de dissipação e acúmulo de sedimentos, associado a níveis de base de distintas importâncias escalares. Esse é um elemento imprescindível para ser incluídos nos futuros estudos de dam break.
Knickpoints, como a falha geológica em Bento Rodrigues e a cachoeira de Pedras se somam às confluências, como a Santarém/Gualaxo do Norte, Gualaxo do Norte/Carmo e Carmo/Piranga evidenciando os principais locais de acúmulo de rejeitos. Uma grande importância foi evidenciada para os barramentos artificiais na retenção de sedimentos, como a PCH Bicas e a UHE Risoleta Neves. Esses sete elementos são fundamentais para explicar a dramaticidade da tragédia nas comunidades atingidas mais severamente (Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira).
A relevância social e acadêmica deste trabalho pauta-se nesta constatação: é imprescindível estudar e compreender os níveis de base locais dos sistemas fluviais sob risco de rompimento de barragens. Isso pode colaborar para o refinamento dos estudos de dam break, fugindo do lugar comum das técnicas corriqueiras e direcionando o olhar para os aspectos locais da morfologia fluvial. Entender os níveis de base, funcionando como “armadilhas” de sedimentos, pode inclusive contribuir na gestão de tragédias, com ações de aprisionamento e retenção artificial dos rejeitos, visando proteger as comunidades em risco.
Referências
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Notas