Artigos
A experiência docente e o uso de novas tecnologias na Educação
Devir Educação
Universidade Federal de Lavras, Brasil
ISSN: 2526-849X
ISSN-e: 2526-849X
Periodicidade: Semestral
vol. 4, núm. 2, 2020
Recepção: 03/11/20
Aprovação: 25/11/20
Resumo: Este artigo traz como tema a experiência docente e suas implicações ante as novas tecnologias. Dessa forma, o objetivo do artigo consiste em suscitar um debate sobre a experiência docente perante as novas tecnologias, a exemplo do Google For Education. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, elaborada a partir de oito etapas. Apontamos como principais resultados as possibilidades positivas e negativas da experiência docente diante do Google For Education. Assim, como considerações finais, reforçamos a necessidade de o Estado, de as instituições e de os docentes estarem dispostos a compreender esta nova realidade e se apropriarem de forma positiva das tecnologias.
Palavras-chave: Experiência, Trajetória docente, Novas tecnologias.
Abstract: This article has as its theme the teaching experience and its implications in the face of new technologies. Thus, the aim of the article is to raise a debate about the teaching experience in the face of new technologies, such as Google For Education. It is a qualitative bibliographic research, developed from eight stages. We point out as main results the positive and negative possibilities of the teaching experience compared to Google For Education. And so, as final considerations, we reinforce the need for the State, institutions and teachers to be willing to understand this new reality and appropriately appropriate technologies.
Keywords: Experience, Teacher Trajectory, New technologies.
A Experiência Docente e o uso do Google For Education na Educação The Teaching Experience and the Use of Google For Education in Education
Resumo
Este artigo traz como tema a experiência docente e suas implicações ante as novas tecnologias. Dessa forma, o objetivo do artigo consiste em suscitar um debate sobre a experiência docente perante as novas tecnologias, a exemplo do Google For Education. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, elaborada a partir de oito etapas. Apontamos como principais resultados as possibilidades positivas e negativas da experiência docente diante do Google For Education. Assim, como considerações finais, reforçamos a necessidade de o Estado, de as instituições e de os docentes estarem dispostos a compreender esta nova realidade e se apropriarem de forma positiva das tecnologias.
Palavras-chave: Experiência. Trajetória docente. Novas tecnologias.
Abstract
This article has as its theme the teaching experience and its implications in the face of new technologies. Thus, the aim of the article is to raise a debate about the teaching experience in the face of new technologies, such as Google For Education. It is a qualitative bibliographic research, developed from eight stages. We point out as main results the positive and negative possibilities of the teaching experience compared to Google For Education. And so, as final considerations, we reinforce the need for the State, institutions and teachers to be willing to understand this new reality and appropriately appropriate technologies.
Keywords: Experience, Teacher Trajectory, New technologies.
Introdução
Concordando com Felicetti (2018), acreditamos que, atualmente, cabe ao professor, além de ensinar, preocupar-se em resolver problemas sociais e familiares, atuar com e na comunidade e ainda possuir um perfil gestor. Neste contexto, vemos a necessidade de verificar a importância da experiência do professor na prática docente, pois esta se faz muito necessária. Pensando sobre as influências do eu pessoal do professor, Nóvoa (1992, p. 16) descreve “os três AAA que sustentam o processo identitário dos professores”: 1) A de Adesão, pois o professor deve aderir a princípios e valores; 2) A de Ação, devido às decisões que o docente toma em sala de aula e que terão sucesso ou insucesso, o que o afeta pessoal e profissionalmente; e 3) A de Autoconsciência, que é o processo reflexivo que o professor realiza sobre suas ações.
Desse modo, notamos a importância de compreender as particularidades de cada professor a partir das experiências adquiridas em sua trajetória acadêmica e sua história de vida, pois o trabalho e a história de vida vão moldando a identidade profissional do docente ao longo do tempo, desde o período em que este foi aluno. Vemos que a inovação pedagógica depende dos três AAA de Nóvoa, uma vez que é a partir de sua experiência que o professor pode agir com flexibilidade e avaliar suas próprias práticas.
Ao considerar-se o momento em que vivemos – de uma Era digital –, indica-se a necessidade de os docentes estarem abertos ao uso das “novas tecnologias”, a fim de compreenderem o universo de seu aluno. Além disso, a apropriação, por parte do professor, das novas tecnologias, possibilita a ele que desenvolva atividades mais atrativas e inovadoras com o seu auxílio. Dentre tais tecnologias, destacamos o Google For Education, que foi desenvolvida com o intuito de auxiliar no processo de ensino e de aprendizagem com diversos aplicativos que agilizam, facilitam e inovam as formas de atuar na educação. Vale salientar, porém, que nem sempre as instituições, o Estado e os professores estão preparados para fazer frente às necessidades pedagógicas do mundo atual, as quais exigem, no dia a dia, o trato com o digital.
Após esta breve introdução, descrevemos, a seguir, nosso percurso metodológico com as principais fases da pesquisa em tela, seguido do referencial teórico no terceiro tópico, contendo conteúdos referentes à trajetória e à experiência docente em quatro momentos: Os dilemas enfrentados; Os conteúdos e as regras; A experiência docente; Google For Education. Feito isso, realizamos a discussão dos achados, à qual foi dada o nome de “A experiência do professor e as novas tecnologias”, e finalizamos com as considerações finais e a exposição das referências bibliográficas consultadas na pesquisa.
Metodologia
Este trabalho teve como orientação metodológica a tipologia qualitativa por meio de uma pesquisa bibliográfica em torno do tema da experiência docente com o uso dos artefatos tecnológicos do Google For Education, a qual é descrita por Gil (2008, p. 50) como aquela desenvolvida “a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Para a seleção dos materiais a serem utilizados no trabalho, buscamos por artigos e livros pertinentes ao tema, influenciados por uma disciplina de Mestrado pela qual os autores passaram.
Conforme Gil (2008), existem algumas etapas a serem executadas para garantir a qualidade da pesquisa científica. Na primeira fase planejamos o estudo e, a partir deste, realizamos as etapas que o autor descreve. Com embasamento em Gil (2008) determinamos as oito etapas, como vemos na Figura 1.
Figura 1 – Etapas da pesquisa
Fonte: Elaboração própria a partir de Gil (2008).
Neste sentido, descrevemos as etapas de nossa pesquisa em oito momentos específicos: a) Planejamento; b) Elaboração dos objetivos; c) Escolha da metodologia; d) Organização dos prazos e metas; e) Busca por conteúdos teóricos adequados; f) Análise dos dados encontrados; g) Construção de reflexões entre autores; e h) Considerações finais. Após esta breve abordagem metodológica, veremos, a seguir, o desenvolvimento de nosso trabalho em quatro tópicos, a saber: Os dilemas enfrentados; Os conteúdos e as regras; A experiência docente; e Google For Education, seguidos da discussão dos achados da pesquisa nomeada “A experiência do professor e as novas tecnologias”, e as considerações finais.
Trajetória e Experiência Docente
Neste tópico iniciamos nossas discussões sobre o tema de estudo que engloba a importância da experiência docente. Em 1984, o livro “O professor é uma pessoa”, de Ada Abraham, deu origem a muitas outras literaturas pedagógicas sobre a vida dos professores, as carreiras e os percursos profissionais, biografias e autobiografias docentes, ou mesmo o desenvolvimento pessoal destes. A atenção sobre as práticas de ensino tem levado em consideração a vida e a pessoa do docente, conforme Nóvoa (1992), e assim vemos que a identidade do professor se constrói num processo que necessita de tempo, numa época de mudanças e inovações. Haveria um verdadeiro movimento socioeducativo baseado nas histórias de vida com abordagens (auto)biográficas.
Nóvoa (1992) lembra-nos que o saber em torno da educação é desenvolvido a partir da própria reflexão, percebendo “[...] as dificuldades de mobilizar as dimensões pessoais nos espaços institucionais, de equacionar a profissão à luz da pessoa (e vice-versa) [...]”. O autor acredita que as histórias de vida tragam outras perspectivas sobre a profissão e alterem a formação docente (NÓVOA, 1992). Por outro lado, existem muitos professores que desvalorizam sua própria experiência, mantendo-se apenas com atividades tradicionais, apegando-se a práticas já usadas com sucesso por eles (NÓVOA, 1992).
Deste modo, tais docentes deparam-se com dificuldades em atuar na Era tecnológica em que vivemos, pois não estão abertos a novas possibilidades e a usar seu próprio conhecimento para aprimorar-se. Notamos, então, que a trajetória do professor define suas características não apenas pessoais, mas também suas atitudes dentro da sala de aula. A maneira como cada um ensina depende daquilo que somos quando ensinamos. Tardif e Raymond (2000, p. 56) complementa asseverando que “[...] o trabalho modifica a identidade do trabalhador.” Ou seja, a identidade do professor carrega as marcas de sua atividade e sua profissão é transformada no e pelo trabalho, em um contínuo ciclo de construções e reconstruções.
Desse modo, podemos afirmar que os saberes ligados ao seu trabalho são temporais, pois “[...] são construídos e dominados progressivamente durante um período de aprendizagem [...]” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 58). O tempo de profissão muda a identidade profissional, assim como a maneira de trabalhar. O saber dos professores é múltiplo e temporal, uma vez que é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional, e são aprendidos progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente por meio da experiência profissional e pessoal do professor. Esses conhecimentos vão se constituindo a partir da interação com seus alunos e colegas de profissão durante sua carreira.
Por sua vivência, muitos saberes são constituídos não apenas pelo que foi aprendido na Licenciatura ou em outro curso que o tenha preparado, mas pela experiência pessoal desde o tempo como aluno até a atuação como docente. Os saberes dos docentes vêm de diversas origens, inclusive de sua proveniência social. Tardif e Raymond (2000) também ressalta que, para muitos professores, a sua experiência, os anos que ensina, tornam-se sua principal e mais importante referência sobre saber-ensinar. O ensinar, na prática, não é determinado pelos conteúdos que foram passados ao professor numa Graduação ou em Especializações, mas, sim, pela ação diária e nos saberes construídos por intermédio de sua experiência como docente. Dificilmente se concluirá que a formação teórica do docente não tenha de ser complementada com uma formação prática, isto é, com uma experiência direta do trabalho.
A partir de sua pesquisa, Tardif e Raymond (2000) indica algumas possibilidades de fonte dos saberes dos docentes, que são: a família, a cultura pessoal, a escola, a formação, a utilização de materiais diversos (livros didáticos, exercícios, etc.) e a prática do ofício. O saber profissional se dá, de certa maneira, na convergência de várias fontes de saberes saídas da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos e dos lugares de formação. Nas palavras do autor, os fundamentos do ensino, ou do saber ensinar, são, “[...] a um só tempo existenciais, sociais e pragmáticos” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 103). Nesse sentido, tomamos os dilemas enfrentados pelos educadores como elementos de grande importância a serem considerados na experiência dos docentes.
Os dilemas enfrentados
Como vimos, no contexto atual novas habilidades são requeridas aos docentes, englobando questões sociais, familiares, de ensino, aprendizagem e até mesmo de gestão (FELICETTI, 2018). Assim, vários fatores influenciam na escolha dos cursos de formação docente, apontando a pesquisa de Felicetti (2018, p. 229) “[...] indicativos de que a escolha inicial do curso se deu por afinidades e habilidades; pela vontade de investir em novos desafios e pela percepção da relevância social da profissão em pauta [...]”.
Se, no entanto, por um lado demanda-se “[...] maior quantidade de profissionais e melhor qualificados, porém, por outro lado, apresenta-se a dificuldade de formar professores para atender tal demanda, em virtude da desvalorização dada à profissão” (FELICETTI, 2018, p. 217), assim como demonstramos na Figura 2.
Figura 2 – Desnivelamento da necessidade e valorização docente
Fonte: Elaboração própria a partir de Alves et al. (2013), Maués; De Camargo (2014) e Felicetti (2018)
Além do fator da desvalorização, encontramos alguns outros dilemas que são enfrentados pelos professores em sua prática docente. Alves et al. (2013, p. 1) salientam que a docência é exercida sob “[...] influência de fatores como baixos salários, jornadas de trabalho constituídas com poucas horas destinadas ao estudo e preparação de aulas”. Complementando, a pesquisa de Alves et al. (2013, p. 9) apurou que os professores “[...] reclamam das dificuldades enfrentadas nas escolas por conta das carências materiais ou do comportamento dos jovens com os quais lidam”. Estas barreiras materiais podem obstaculizar o uso das novas tecnologias.
Neste seguimento, os autores ainda relatam a falta de uma institucionalização de procedimentos de acolhimento a novos professores (ALVES et al., 2013). O professor, portanto, passa por uma série de dificuldades que podem afetar seu desempenho com os estudantes, principalmente na sua fase de inserção na área. Não suficiente, vemos também que “Uma das principais críticas apresentadas é a de que a formação dos docentes da educação básica é muito teórica, desvinculada da prática efetiva e distanciada das escolas para as quais ela prepara.” (MAUÉS; DE CAMARGO, 2014, p. 79).
Compreendemos que o modelo de formação continuada de docentes não condiz com as reais necessidades de desenvolvimento. Também se evidencia a desmotivação dos professores em se desenvolverem em razão da desvalorização da profissão, baixa remuneração e demasiadas exigências, o que vai contra a profissão, pois esta “[...] exige atenção em todos seus estágios de desenvolvimento, ou seja, na entrada e no percurso na universidade, e quando da entrada na profissão e no contínuo da mesma.” (FELICETTI, 2018, p. 218).
Vê-se, porém, que, apesar de existirem políticas de formação docente, estas “[...] vêm sendo cumpridas parcialmente, não atingindo os objetivos de seus formuladores de atrair jovens para o magistério, bem como qualificar melhor aqueles professores que já se encontram atuando.” (MAUÉS; DE CAMARGO, 2014, p. 89). Alves et al. (2013, p. 4) criticam o fato de não se considerar na seleção de professores os seus “[...] saberes da experiência, características pessoais, engajamento social, compromisso com a emancipação do outro”.
Por outro lado, mesmo com estas evidências de desvalorização docente, a fala dos professores, segundo a pesquisa de Alves et al. (2013), “[...] revela que no contexto escolar experimentam certa valorização através do reconhecimento expresso pelos pais de seus alunos, que reconhecem a importância do trabalho realizado.” No mesmo sentido, os autores afirmam que os “[...] professores sentem-se realizados com as conquistas proporcionadas aos alunos.” (ALVES et al., 2013, p. 9).
Entre outros objetivos, o estudo de Alves et al. (2013) trata de compreender os possíveis efeitos dos indicadores de qualidade, tais como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp) na formação da profissionalidade dos professores. Estes autores conceituam a profissionalidade como a existência de um corpo de saberes específicos de natureza acadêmica, imprescindível ao exercício do trabalho e ao domínio de habilidades específicas de natureza prática. Os autores complementam que há no profissional uma capacidade de realizar um trabalho com qualidade que somente ele pode praticar, e põem em dúvida a existência de saberes próprios da docência. Desse modo, Alves et al. (2013) consideram este um dos fatores da referida desvalorização social da categoria dos professores, o que nos leva, de novo, à questão da profissionalização como prática dependente das identidades individuais.
Em suma, entendemos que os docentes passam por variados dilemas em sua trajetória acadêmica, o que, ao longo das vivências, vai agregando conhecimentos e habilidades com as diferentes situações. Desde o ingresso em uma nova instituição vemos a dificuldade do professor em sua inserção em razão da ausência de um processo estabelecido institucionalmente, assim como a falta de valorização, a qualificação incoerente, o baixo salário e a pouca carga horária destinada para a elaboração de aulas. Assim, destacamos, a seguir, os conteúdos e as regras a fim de continuarmos nossa discussão e apresentar outro elemento relevante na prática docente.
Os conteúdos e as regras
Neste tópico abordamos conceitos e discussões em torno da gestão da matéria, que trata, propriamente, dos conteúdos a serem ministrados, e a gestão de classe, ou seja, do ambiente de sala de aula. Esses vieses são, segundo Gauthier et al. (2013), as duas grandes funções da pedagogia. Os resultados do estudo destes autores partem de sínteses de pesquisas feitas sobre a eficácia do ensino, realizadas, principalmente, a partir da década de 70 do século 20 (GAUTHIER et al., 2013). Tratadas como as duas dimensões fundamentais da pedagogia, são analisadas em três aspectos, o que os autores chamam de intervenção pedagógica, realizada por uma sequência: o aspecto do planejamento, o aspecto interativo que se dá com o aluno e o aspecto da avaliação.
A gestão da matéria está relacionada ao ensino de conteúdos. Seu planejamento, apresentação aos alunos e avaliação, seja somativa ou formativa, têm relevância para a eficácia do ensino, com um efeito positivo sobre a aprendizagem. Professores experientes, diferentemente de novatos, costumam tomar decisões mais cedo no ano letivo, alcançando, com isso, melhores resultados. Compreendemos, também, como parte da gestão da matéria, as atividades de aprendizagem, o ensino explícito, a utilização de perguntas pelos professores e a quantidade de instrução. Entre outras coisas, Gauthier et al. (2013) sugerem que os professores dediquem mais tempo às atividades de grande grupo, apresentem os conteúdos em sequência lógica, com certo grau de redundância, dediquem um tempo à prática dirigida, façam perguntas com determinada frequência aos alunos e saibam utilizar o tempo a seu favor para obterem melhores resultados com os estudantes.
Já a gestão de classe consiste em um conjunto de regras, rotinas de trabalho e um aparato disciplinar que pode ser até punitivo, no intuito de desenvolver um ambiente ordenado e favorável à aprendizagem. Dependendo do contexto, contudo, é usada pelos docentes para introduzir e manter “[...] uma ordem geral na sala de aula [...].” (GAUTHIER et al., 2013, p. 241). Fica clara, na visão dos autores, a moderação do comportamento dos alunos. No planejamento da gestão da classe, os autores concluem como principais itens: “[...] Planejamento das Medidas Disciplinares [...]; Planejamento das Regras e dos Procedimentos [...]; As Representações e Expectativas do Professor [...].” (GAUTHIER et al., 2013, p. 243-244). Compreendemos, então, que esta gestão é importante para as rotinas de funcionamento da turma e o seu sequenciamento, e, por isso, estas devem ser decididas e informadas aos estudantes nas primeiras semanas do ano, a fim de prevenir os problemas de gestão.
Como o funcionamento da classe deve ser conhecido pelos alunos desde seus primeiros contatos com a turma, os professores, considerados mais eficientes pela pesquisa de Gauthier et al. (2013), são aqueles que só iniciam conteúdos programados após a compreensão e discussão sobre as regras, procedimentos e rotinas. Um professor costuma intervir muitas vezes para manter a ordem da classe, além de buscar ações que criem rotina, simplicidade e familiaridade.
O professor eficiente também é visto por seu comprometimento com o progresso dos alunos e sua sensibilidade com as diferentes necessidades, por exemplo, de “[...] crianças oriundas de meios socioeconômicos diferentes.” (GAUTHIER et al., 2013, p. 264). Quanto à avaliação e o controle das atividades de gestão da classe, os autores consideram a importância de conversar com o aluno e reconhecer até que ponto este está ciente das regras, para, só após, fazer as possíveis sansões, que, porém, são colocadas como formas questionáveis de ação educativa e devem ser empregadas com muito cuidado.
Com relação a recompensas materiais e às felicitações, Gauthier et al. (2013) apontam que sua utilidade varia de acordo com o grau de ensino e com o efeito das críticas aos alunos, com o nível socioeconômico daqueles ou com alunos cujas habilidades são reduzidas e/ou os trabalhos são insatisfatórios. Por fim, vale destacar que a gestão da matéria e a gestão de classe estão profundamente imbricadas uma na outra, pois a segunda somente se justifica pela primeira, e, portanto, ambas determinam a aprendizagem dos alunos.
Os professores necessitam saber gerir a sala de aula para manter o interesse, a atenção e o empenho dos estudantes, adaptando-se às necessidades dos mesmos. O ensino seria uma atividade interativa. Com os resultados apresentados por Gauthier et al. (2013), o docente pode procurar, dentro de sua prática, respostas, apoiando-se em tais resultados para atingir um ensino eficiente. Após percorrer os temas de trajetória e experiência docente, os dilemas enfrentados e os conteúdos e as regras, seguimos, mais especificamente, para a experiência docente, foco de nossa pesquisa.
A experiência docente
O profissional da educação possui uma diversidade de saberes sobre a prática docente. Tardif (2005, p. 33) compreende que “[...] o saber docente se compõe, na verdade, de vários saberes provenientes de diferentes fontes.” Percebe-se, então, que o saber docente é plural, e assim o autor apresenta quatro saberes que constroem a profissão docente: os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica), que se caracteriza pelo “[...] conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores” (TARDIF, 2005, p. 36); os saberes disciplinares, que integram “[...] à prática docente através da formação (inicial e continuada) dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pela universidade” (TARDIF, 2005, p. 38); os saberes curriculares que “[...] correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita.” (TARDIF, 2005, p. 38); e os saberes experienciais trazidos ao longo do tempo pela “[...] experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser.” (TARDIF, 2005, p. 39).
É dada ênfase aos saberes experienciais, os quais se originam “[...] na prática cotidiana dos professores em confronto com as condições da profissão.” (TARDIF, 2005, p. 52). Tais saberes são transmitidos entre pares não apenas por meios formais, mas também por compartilhamento de material didático, modos de organizar a sala de aula, meios de fazer, informações sobre alunos, etc. Tardif (2005) descreve os saberes experienciais como possuidores de três objetos:
a) as relações e interações que os professores estabelecem e desenvolvem com os demais atores no campo de sua prática; b) as diversas obrigações e normas às quais seu trabalho deve submeter-se; c) a instituição enquanto meio organizado e composto de funções diversificadas (p. 50).
Neste contexto, Tardif (2005, p. 53) salienta que a “[...] experiência provoca, assim, um efeito de retomada crítica (retroalimentação) dos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional.”. A experiência provoca um efeito de retomada crítica dos saberes adquiridos, pois Tardif (2005, p. 56) traz a ideia de que o trabalho “[...] modifica a identidade do trabalhador, pois trabalhar não é somente fazer alguma coisa, mas fazer alguma coisa de si mesmo, consigo mesmo.” O autor ainda destaca, como vimos, que a história de vida é parte importante nas competências profissionais. Conforme o autor: “Ao longo de sua vida pessoal e escolar, supõe-se que o futuro professor interioriza um certo número de conhecimentos, de competências, de crenças, de valores, etc., os quais estruturam sua personalidade e suas relações com os outros.” (TARDIF, 2002, p. 72). Como vimos anteriormente, a tecnologia está muito presente na prática dos educadores, e, dentre inúmeras possibilidades e artefatos tecnológicos, destacamos a Google For Education e, em especial, o Google Sala de Aula.
Google For Education e Google Sala de Aula
Em uma Era tecnológica a educação não pode ficar distante disso, e, nesse sentido, muitos aplicativos voltados para o ensino vêm surgindo. Dentre estes, o Google For Education, lançada em 2014, possui diversos artefatos tecnológicos com o propósito de auxiliar, facilitar e inovar no processo de ensino e de aprendizagem. Dessa forma, a Google lança o pacote G Suite, totalmente gratuito e destinado à educação, com uma diversidade de aplicativos que, se bem utilizados, podem ajudar o professor em suas atividades com as turmas. Conforme o site do Google For Education, estão entre seus principais aplicativos o Classroom ou Google Sala de Aula, o Gmail, o Calendar, o Drive, o Docs, Sheetse e Slides. Segundo Aruquipa, Chávez e Reyes (2016), tais itens possuem todos os artefatos que as instituições de ensino necessitam. Os mesmos autores ainda salientam a possibilidade de trabalho em conjunto de forma on-line a partir deste pacote. Como vantagens mais destacadas do Google For Education, encontramos a inovação, a fácil configuração, a economia de tempo, a eficácia na organização, a acessibilidade, a comunicação instantânea e a segurança (ARUQUIPA; CHÁVEZ; REYES, 2016). Os aplicativos são gratuitos e contam com facilidade, simplicidade e mobilidade, além do suporte dos produtos Google. Tem como proposta possibilitar aos educadores manter o aprendizado personalizado, buscando melhor desempenho de suas turmas. Já os alunos poderiam beneficiar-se com a facilidade da plataforma e ganhar mais tempo para aprendizagem. Dentro da plataforma Google For Education, encontramos o Google Sala de Aula como o aplicativo mais focado para a educação, podendo este integrar-se com os demais.
Figura 3 – Google Clasroom ou Google Sala de Aula
Fonte: Site do Google (2020).[4]
Notamos que “A Classroom tem o objetivo de ajudar os professores a criar e receber tarefas dos alunos sem a necessidade de usar documentos em papel, e inclui recursos que economizam tempo (por exemplo, podem fazer uma cópia automática de um documento Google para cada aluno) [...]” (ARUQUIPA; CHÁVEZ; REYES, 2016, p. 21, tradução nossa). O Classroom tem a proposta de simplificar as tarefas, aumentar a colaboração e promover a comunicação contínua do educador com os alunos e os responsáveis deles em um único lugar, podendo estas possibilidades tornar o ensino mais produtivo e significativo. É nesse sentido que apresentamos nossas principais compreensões sobre a experiência docente e as novas tecnologias, em especial o Google For Education.
A Experiência do Professor e as Novas Tecnologias
Com o tempo, os professores passam a conhecer e compreender os limites e a desenvolver maiores habilidades, pois “[...] a evolução da carreira é acompanhada geralmente de um domínio maior do trabalho e do bem-estar pessoal no tocante aos alunos e às exigências da profissão.” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 89), pois o professor aprende a trabalhar trabalhando, ou seja, aprende a dar aula dando aula.
O docente que possui uma vasta experiência em sala de aula estará mais preparado para as adversidades que podem ocorrer, pois já passou por mais situações e vivências que profissionais iniciantes da área. Concordamos com Tardif (2005), que empodera a experiência docente ao ressaltar que esta realiza uma retomada crítica dos saberes adquiridos, ou seja, faz com que o docente reveja suas práticas e busque novas alternativas constantemente.
Desse modo, podemos considerar que um professor com mais vivências possui maiores conhecimentos sobre a prática da docência e as diversidades, e está mais apto a resolver problemas ou se adaptar a novas necessidades. Esta vivência pode, paradoxalmente, entrar em confronto com a pedagogia necessária para um mundo digital. A exemplo disso, trazemos as tecnologias deste universo como um elemento ainda não tão bem explorado em sala de aula, ainda mais quando nos referimos a professores com uma certa carreira e, por consequência, uma experiência da qual não passou pela formação dessa Era digital, instituições com carências de materiais ou alunos carentes. Por isso, Gadea et al. (2017, p. 48) sugerem: “[...] considerar a importância, para uma política para jovens, do desenvolvimento de ‘capital social’ e da ‘cultura digital’.” “Capital social” porque a cultura digital está associada a uma maior interação social e consequente desenvolvimento identitário dos estudantes.
Esperamos, porém, que a necessidade do conhecimento digital ultrapasse a faixa etária das juventudes e se inclua em todas as faixas etárias. Para tal realidade, professores e instituições devem estar preparados e atentos. Quando debatemos sobre a experiência docente ante as novas tecnologias, percebemos que profissionais com maiores competências de se adaptar às mudanças e às necessidades possuem mais facilidade de se apropriar dos artefatos tecnológicos e, assim, utilizá-los de forma adequada no ensino. O professor precisa, todavia, “[...] convencer-se de que realmente a tecnologia pode ajudá-lo.” (BARBOSA, 2004, p. 189). Em conformidade com estes achados, Behrens (2000) afirma que o professor deve refletir e realinhar suas práticas pedagógicas para se adaptar às novas realidades, o que condiz com as características positivas que a experiência docente proporciona.
A experiência, no entanto, vem ligada aos anos de carreira e de vida, e, consequentemente, quanto maior for a experiência maior será o distanciamento deste docente da realidade digital em que os estudantes de hoje, geralmente, estão inseridos. Conforme Barbosa (2004, p. 189): “A postura limitada desse professor tradicional fica mais perceptível com a presença da internet. Quanto mais recursos tecnológicos estiverem disponíveis, as dificuldades desses professores aumentarão e o processo ensino-aprendizagem será difícil.” Grande parte dos docentes não está preparada para trabalhar com a tecnologia, em especial aqueles com maior experiência, pois já se acostumaram com uma forma de trabalho. Por isso, Barbosa (2004, p. 199) salienta que “[...] o investimento maior deve ser feito no corpo docente, com estratégias para aumentar sua auto-estima.”
Outra hipótese que Behrens (2000, p. 70) nos relata é sobre a insegurança que muitos professores sentem ao se depararem com as novas tecnologias, pois possuem “[...] dificuldade de ultrapassar a visão de que podia ensinar tudo aos estudantes.”. Ou seja, segundo este autor, ou professores devem aceitar que, mesmo com toda a experiência e conhecimento que carregam, por vezes precisam se abrir a novas possibilidades e aprender com seus colegas, superiores ou mesmos alunos, a interagir com as tecnologias.
Desse modo, o Google For Education, um dos focos deste trabalho, apesar de suas possibilidades de facilitar, agilizar e inovar o processo de ensino e de aprendizagem, ainda passa por muitas resistências. Professores com vasta experiência e com estrutura necessária na instituição de trabalho, por vezes são capazes de se desenvolver a fim de desfrutar destes benefícios das tecnologias, mas muitos acabam por rejeitá-las em razão da sua falta de flexibilidade ou conscientização.
Como foi exposto, Nóvoa (1992) mostra que agindo com rigidez os professores se tornam indisponíveis às mudanças da nossa época, apegando-se a práticas já usadas com sucesso por eles. Esta situação é ainda mais ressaltada com a chegada da pandemia em 2020, a qual nos mostrou o quão importante é a capacidade de adaptabilidade e desenvolvimento contínuo dos docentes. Além disso, esse momento adverso nos instiga a pensar sobre a importância das tecnologias, pois estas passaram a ser muito mais usadas neste período.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando nosso objetivo, que consistiu em suscitar um debate sobre a experiência docente perante as novas tecnologias, a exemplo do Google For Education, percebemos indicadores positivos e negativos. Tais dados foram destacados a partir de autores que trataram do tema proposto, sinalizando possibilidades e limitações, seguidos da intervenção das autoras deste artigo.
Compreendemos que possuímos como pontos positivos da experiência docente ante as novas tecnologias, como o Google For Education, a capacidade do docente de se adaptar a novas demandas e a habilidade de realinhar e repensar suas práticas, assim como suas vivências com situações similares de confronto com algo novo. Além disso, as tecnologias passaram a representar a viabilidade do ensino remoto para casos em que as aulas presenciais não eram possíveis neste período de pandemia. Por outro lado, no entanto, temos alguns pontos negativos, que são a ausência de flexibilidade por serem de outra geração, a cultura tradicional do professor com seus métodos de ensino, a falta de conscientização de que sua vasta experiência também precisa de atualização, ou o não oferecimento pela instituição de trabalho e pelo contexto social de uma estrutura que permita bem usá-lo. Estas não são falhas do Google for Education, propriamente, mas do contexto.
Os professores e instituições precisam, portanto, atentar-se às novas realidades e buscar compreender as possibilidades que o Google For Education disponibiliza para que, assim, este processo de inserção tecnológica seja mais fácil e vantajoso para docentes e discentes, do mesmo modo que as instituições de ensino devem se preocupar com a formação continuada de seus professores nesse sentido. Precisamos de docentes preparados para enfrentar diferentes situações e, assim como vimos pelas mudanças implicadas pela pandemia, as tecnologias são ótimas aliadas para a educação.
Logo, ressaltamos que a pesquisa se faz significativa em virtude da atualidade do tema que envolve a experiência docente e suas implicações nas novas tecnologias. Destacamos como uma das limitações deste estudo a quantia restrita de trabalhos sobre esta temática, e indicamos a continuidade desta investigação por meio de pesquisas empíricas ou mesmo atualização de dados conforme desenvolvimento de tal tema.
Referências
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Notas