Artigos Científicos
O Arduino como recurso tecnológico para explicitação de invariantes operatórios relacionados à Teoria da Relatividade
Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Brasil
ISSN-e: 2446-774X
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 10, e231624, 2024
Recepção: 14 Novembro 2023
Aprovação: 06 Março 2024
Resumo: O avanço das tecnologias nas últimas décadas tem feito com que os aparatos tecnológicos se tornem cada vez mais presentes na sociedade. Dentre os diversos dispositivos presentes no mundo contemporâneo, o GPS (Global Positioning System) se apresenta como um recurso de extrema importância em áreas como a aviação e o transporte de mercadorias. Esse dispositivo possui fortes bases na teoria da relatividade restrita, devido à diferença de velocidade entre os satélites em órbita e os receptores localizados na superfície terrestre, ocasionando em uma dilatação temporal. Este trabalho desenvolveu um produto tecnológico, de cunho pedagógico, utilizando a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) como referencial metodológico, com o objetivo de responder a seguinte questão de pesquisa: Quais invariantes operatórios relacionados à Teoria da Relatividade Restrita podem ser mobilizados por meio de uma atividade investigativa, tendo a aprendizagem baseada em projetos como referencial metodológico? Para análise dos dados, utilizamos a Teoria dos Campos Conceituais (TCC) desenvolvida por Gerard Vergnaud. A pesquisa foi implementada em uma turma de terceiro ano do ensino médio com um grupo de 20 estudantes em uma escola pública. Os resultados demonstram que, aliado à metodologia da ABP, o produto tecnológico se apresentou como um recurso pedagógico significativo, mobilizando diversos grupos de invariantes operatórios, alguns explícitos, outros implícitos, indo assim ao encontro da TCC, possibilitando uma demonstração dos efeitos relativísticos no cotidiano. Por fim, acreditamos que esta pesquisa venha favorecer a prática pedagógica do professor e o processo de aprendizagem dos estudantes.
Palavras-chave: teoria especial da relatividade, aprendizagem baseada em projetos, teoria do campo conceitual.
Abstract: The advancement of technologies in recent decades has led technological devices to become increasingly prevalent in society. Among the various devices present in the contemporary world, the Global Positioning System (GPS) stands out as a resource of extreme importance in areas such as aviation and the transportation of goods. This device has strong foundations in the theory of special relativity, due to the difference in velocity between the orbiting satellites and the receivers located on the Earth's surface, resulting in temporal dilation.This study developed a technological product with a pedagogical focus using Project-Based Learning (PBL) as a methodological framework, aiming to answer the following research question: What operational invariants related to the Theory of Special Relativity can be mobilized through an investigative activity using Project-Based Learning as a methodological reference? For data analysis, we employed the Theory of Conceptual Fields (TCF) developed by Gerard Vergnaud. The research was implemented in a third-year high school class with a group of twenty students in a public school. The results demonstrate that, coupled with the PBL methodology, the technological product emerged as a significant pedagogical resource, mobilizing various groups of operational invariants, some explicit, others implicit, thus aligning with the TCF and allowing for a demonstration of relativistic effects in everyday life. Ultimately, we believe that this research will contribute to teachers' pedagogical practice and students' learning process.
Keywords: special theory of relativity, project-based learning, conceptual field theory.
Resumen: El avance de las tecnologías en las últimas décadas ha hecho que los dispositivos tecnológicos sean cada vez más frecuentes en la sociedad. Entre los diversos dispositivos presentes en el mundo contemporáneo, el Sistema de Posicionamiento Global (GPS) se presenta como un recurso de extrema importancia en áreas como la aviación y el transporte de mercancías. Este dispositivo tiene bases sólidas en la teoría de la relatividad especial, debido a la diferencia de velocidad entre los satélites en órbita y los receptores ubicados en la superficie terrestre, lo que resulta en una dilatación temporal.Este estudio desarrolló un producto tecnológico con un enfoque pedagógico utilizando el Aprendizaje Basado en Proyectos (ABP) como marco metodológico, con el objetivo de responder a la siguiente pregunta de investigación: ¿Qué invariantes operativas relacionados con la Teoría de la Relatividad Restringida pueden ser movilizados a través de una actividad investigativa utilizando el Aprendizaje Basado en Proyectos como referencia metodológica? Para el análisis de datos, se empleó la Teoría de Campos Conceptuales (TCC) desarrollada por Gerard Vergnaud. La investigación se implementó en una clase de tercer año de secundaria con un grupo de veinte estudiantes en una escuela pública Los resultados demuestran que, junto con la metodología de ABP, el producto tecnológico se presentó como un recurso pedagógico significativo, movilizando diversos grupos de invariantes operativos, algunos explícitos y otros implícitos, así alineándose con la TCC y permitiendo una demostración de los efectos relativistas en la vida cotidiana.En última instancia, creemos que esta investigación contribuirá a la práctica pedagógica de los profesores y al proceso de aprendizaje de los estudiantes.
Palabras clave: teoría especial de la relatividad, aprendizaje en base a proyectos, teoría de campos conceptuales.
O Arduino como recurso tecnológico para explicitação de invariantes operatórios relacionados à Teoria da Relatividade
Resumo
O avanço das tecnologias nas últimas décadas tem feito com que os aparatos tecnológicos se tornem cada vez mais presentes na sociedade. Dentre os diversos dispositivos presentes no mundo contemporâneo, o GPS (Global Positioning System) se apresenta como um recurso de extrema importância em áreas como a aviação e o transporte de mercadorias. Esse dispositivo possui fortes bases na teoria da relatividade restrita, devido à diferença de velocidade entre os satélites em órbita e os receptores localizados na superfície terrestre, ocasionando em uma dilatação temporal. Este trabalho desenvolveu um produto tecnológico, de cunho pedagógico, utilizando a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) como referencial metodológico, com o objetivo de responder a seguinte questão de pesquisa: Quais invariantes operatórios relacionados à Teoria da Relatividade Restrita podem ser mobilizados por meio de uma atividade investigativa, tendo a aprendizagem baseada em projetos como referencial metodológico? Para análise dos dados, utilizamos a Teoria dos Campos Conceituais (TCC) desenvolvida por Gerard Vergnaud. A pesquisa foi implementada em uma turma de terceiro ano do ensino médio com um grupo de 20 estudantes em uma escola pública. Os resultados demonstram que, aliado à metodologia da ABP, o produto tecnológico se apresentou como um recurso pedagógico significativo, mobilizando diversos grupos de invariantes operatórios, alguns explícitos, outros implícitos, indo assim ao encontro da TCC, possibilitando uma demonstração dos efeitos relativísticos no cotidiano. Por fim, acreditamos que esta pesquisa venha favorecer a prática pedagógica do professor e o processo de aprendizagem dos estudantes.
Palavras-chave: teoria especial da relatividade; aprendizagem baseada em projetos; teoria do campo conceitual.
Arduino as a technological resource for explicit operational invariants Related to the Theory of Relativity
Abstract
The advancement of technologies in recent decades has led technological devices to become increasingly prevalent in society. Among the various devices present in the contemporary world, the Global Positioning System (GPS) stands out as a resource of extreme importance in areas such as aviation and the transportation of goods. This device has strong foundations in the theory of special relativity, due to the difference in velocity between the orbiting satellites and the receivers located on the Earth's surface, resulting in temporal dilation.This study developed a technological product with a pedagogical focus using Project-Based Learning (PBL) as a methodological framework, aiming to answer the following research question: What operational invariants related to the Theory of Special Relativity can be mobilized through an investigative activity using Project-Based Learning as a methodological reference? For data analysis, we employed the Theory of Conceptual Fields (TCF) developed by Gerard Vergnaud. The research was implemented in a third-year high school class with a group of twenty students in a public school. The results demonstrate that, coupled with the PBL methodology, the technological product emerged as a significant pedagogical resource, mobilizing various groups of operational invariants, some explicit, others implicit, thus aligning with the TCF and allowing for a demonstration of relativistic effects in everyday life. Ultimately, we believe that this research will contribute to teachers' pedagogical practice and students' learning process.
Keywords: special theory of relativity; project-based learning; conceptual field theory.
El Arduino como recurso tecnológico para invariantes operativas explícitos relacionados a la Teoría de la Relatividad
Resumen
El avance de las tecnologías en las últimas décadas ha hecho que los dispositivos tecnológicos sean cada vez más frecuentes en la sociedad. Entre los diversos dispositivos presentes en el mundo contemporáneo, el Sistema de Posicionamiento Global (GPS) se presenta como un recurso de extrema importancia en áreas como la aviación y el transporte de mercancías. Este dispositivo tiene bases sólidas en la teoría de la relatividad especial, debido a la diferencia de velocidad entre los satélites en órbita y los receptores ubicados en la superficie terrestre, lo que resulta en una dilatación temporal.Este estudio desarrolló un producto tecnológico con un enfoque pedagógico utilizando el Aprendizaje Basado en Proyectos (ABP) como marco metodológico, con el objetivo de responder a la siguiente pregunta de investigación: ¿Qué invariantes operativas relacionados con la Teoría de la Relatividad Restringida pueden ser movilizados a través de una actividad investigativa utilizando el Aprendizaje Basado en Proyectos como referencia metodológica? Para el análisis de datos, se empleó la Teoría de Campos Conceptuales (TCC) desarrollada por Gerard Vergnaud. La investigación se implementó en una clase de tercer año de secundaria con un grupo de veinte estudiantes en una escuela pública Los resultados demuestran que, junto con la metodología de ABP, el producto tecnológico se presentó como un recurso pedagógico significativo, movilizando diversos grupos de invariantes operativos, algunos explícitos y otros implícitos, así alineándose con la TCC y permitiendo una demostración de los efectos relativistas en la vida cotidiana.En última instancia, creemos que esta investigación contribuirá a la práctica pedagógica de los profesores y al proceso de aprendizaje de los estudiantes.
Palabras clave: teoría especial de la relatividad; aprendizaje en base a proyectos; teoría de campos conceptuales.
Introdução
O mundo em que as novas gerações de estudantes crescem está cada vez mais repleto de tecnologias com os mais variados fins. Elas estão presentes, por exemplo, quando usamos aplicativos nos telefones que dependem da informação de localização do aparelho para fornecer um serviço (aplicativos de entregas de comida, de transporte público), fazendo uso do GPS (Global Positioning System). Contudo, é importante refletirmos sobre as palavras de Moreira (2017, p. 2), ao expressar que “estamos no século XXI, mas a Física ensinada não passa do século XIX”, pois é desatualizada em termos de conteúdo e tecnologias, tendo seu grande foco em provas e exames, abordando essa área do conhecimento como uma ciência acabada.
Nesse sentido, Calheiro (2014) destaca que a ausência de tópicos relacionados aos avanços científicos e tecnológicos na educação básica se dá por diversos fatores. Dentre eles, há a dificuldade por parte dos professores de ministrar essas aulas pela complexidade em torno dessa área do conhecimento, ou mesmo pela falta de uma formação continuada pautada nessa questão.
Russo e Ardono (2018) apontam que existe uma dificuldade de inserir tópicos da Física Moderna e Contemporânea (FMC), uma vez que contém ideias abstratas, frequentemente exigindo um formalismo matemático que pode dificultar o processo de ensino e aprendizagem.
Apesar dos obstáculos citados, a inserção de tópicos relacionados à FMC na educação básica se mostra importante, uma vez que a sociedade atual se beneficia das tecnologias decorrentes do conhecimento adquirido nessa área. Dessa maneira, há uma motivação para trabalhos voltados a essa área, visando a uma maior difusão e validação das diferentes formas na abordagem da física moderna e contemporânea na educação básica.
O debate relacionado à inserção da FMC no meio escolar já data de algumas décadas (Calheiro, 2014; Moreira, 2000; Osterman; Siqueira, 2006; Terrazan, 1992).
Embora exista diversas pesquisas que apontam para a importância da inserção dessa área do conhecimento na educação básica, existem poucos materiais didático-pedagógicos que sejam contextualizados com a tecnologia atual e disponível para os professores (Tironi et al., 2013).
Sendo de grande aplicabilidade no cotidiano, o GPS, tem suas bases findadas na FMC, visto que a relatividade geral estabelece que a presença de um campo gravitacional faz com que o tempo passe mais devagar, pois
como os satélites estão mais distantes da Terra, a força gravitacional neles é menor, dessa maneira o tempo na órbita passa mais rápido, tendo um acréscimo, segundo o cálculo da equação da Teoria da Relatividade Geral (Silva, 2023, p. 22).
Em conjunto, esses dois efeitos resultam em diferenças no fluxo temporal entre os relógios a bordo dos satélites de GPS e os receptores de GPS na Terra.
Com vistas a promover o avanço nas práticas pedagógicas e na inovação tecnológica no contexto da educação básica, adotamos o Arduino e a impressão 3D para a fabricação de relógios que foram usados como recurso pedagógico educacional.
Para o planejamento e as ações das atividades desenvolvidas, empregamos a aprendizagem baseada em projetos (ABP) como metodologia e a teoria dos campos conceituais (TCC) como referencial teórico para a análise dos dados obtidos, com vistas a responder seguinte questão de pesquisa: Quais invariantes operatórios relacionados à teoria da relatividade restrita podem ser mobilizados por meio de uma atividade investigativa tendo como recurso a plataforma Arduino e a impressão 3D?
O Arduino e impressão 3D no contexto da sala de aula
O Arduino é uma placa controladora de código aberto, permitindo que pessoas o acessem com facilidade e criem seus projetos de eletrônica e automação autênticos e interativos (Arduino.cc, 2018)[4]. Aliada ao Arduino é possível encontrar na literatura as chamadas máquinas de fabricação digital, como, por exemplo, a impressora 3D, que permite a construção de objetos físicos e o desenvolvimento de protótipos e aparatos experimentais (Farias Neto; Loubet; Albuquerque, 2019).
Por serem consideradas versáteis e de simples utilização, essas tecnologias têm se revelado recursos motivadores para os processos de ensino e aprendizagem, proporcionando aos professores um recurso didático que os auxilia nas atividades experimentais nas aulas de física (Moreira et al., 2018).
De acordo com Martinazzo et al. (2014), os estudantes não mais se satisfazem com aulas tradicionais, enquanto os professores vivem uma angústia diante da mudança comportamental da nova geração, ressaltando que um meio interessante de trabalhar os conceitos de física seria por meio da modelagem computacional, a qual, quando bem conduzida, tem a capacidade de tornar as aulas mais dinâmicas e potencialmente significativas.
De modo a trabalhar os aspectos positivos mencionados, esta pesquisa propôs utilizar o Arduino aliado à impressão 3D como um recurso pedagógico em aulas de física, buscando promover um ambiente potencialmente estimulante para a aprendizagem dos estudantes e servindo como referência para professores e pesquisadores que visam desenvolver atividades similares em suas práticas pedagógicas ou acadêmicas.
Aprendizagem baseada em projetos
A metodologia da ABP busca proporcionar aulas mais interativas, colocando o estudante como um agente ativo durante os processos de ensino e aprendizagem a fim de romper com as metodologias tradicionais, que apenas dão respostas curtas e sem criticidade em sala de aula. Nesse sentido, a ABP vem ao encontro da criação de um espaço pedagógico que permita ao estudante analisar de forma crítica as situações cotidianas, por meio de
projetos autênticos e realistas, baseados em uma questão, tarefa ou problema altamente motivador e envolvente, com o objetivo de ensinar conteúdos acadêmicos aos estudantes no contexto do trabalho cooperativo para a resolução de problemas (Bender, 2014, p. 15).
São vários os modelos de implementação da metodologia de projetos, variando desde projetos de curta duração (uma ou duas semanas) – restritos ao âmbito da sala de aula e baseados em um assunto específico – até projetos de soluções mais complexas, que envolvem temas transversais e demandam a colaboração interdisciplinar, com uma duração mais longa (semestral ou anual) (Bacich; Moran, 2018).
A seleção de uma metodologia é importante e deve estar de acordo com os objetivos buscados no trabalho. De acordo com Morán (2015):
As metodologias precisam acompanhar os objetivos pretendidos. Se queremos que os estudantes sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os estudantes se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de mostrar sua iniciativa (Morán, 2015, p. 17, grifo nosso).
A ABP vem justamente ao encontro das discussões acerca do protagonismo estudantil, apresentando-se com potencial para evitar problemas usuais no ensino de física, contribuindo para desenvolver capacidades voltadas à responsabilidade social, ao uso de ferramentas tecnológicas e à transposição de conhecimentos em diferentes contextos (Pasqualetto; Veit; Araujo, 2017).
O objeto de estudo no qual o projeto se desenvolverá busca promover um ambiente de maior engajamento por meio da característica delimitada por Bender (2014) como a “questão motriz”. Essa questão motriz é escolhida de forma a prender a atenção dos estudantes, uma vez que todos os seus esforços são direcionados a resolvê-la. A escolha dessa característica pode acontecer em dois momentos: antes do início das atividades, quando o professor delimitará previamente o conteúdo que será abordado, ou durante o processo, de forma a dar voz aos estudantes quanto ao tema que eles desejam estudar.
Nesse trabalho, a questão norteadora foi delimitada previamente pelos pesquisadores, considerando o referencial escolar que deveria ser seguido. Portanto, os esforços dos estudantes se concentraram em torno da teoria da relatividade restrita, mais especificamente a dilatação temporal, um conceito essencial para compreender o funcionamento da tecnologia GPS.
A Teoria dos Campos Conceituais
Desenvolvida pelo matemático, filósofo e psicólogo francês Gérard Vergnaud (1933-2021), a teoria dos campos conceituais se apresenta como uma teoria cognitiva dando aporte para a análise dos dados obtidos durante a pesquisa, possuindo fortes influências da teoria piagetiana, visto que Vergnaud foi um dos doutorandos do pensador (Moreira, 2002).
De acordo com Vergnaud (1983), o conhecimento está organizado em campos conceituais, tendo a conceitualização como tema central, de forma que o domínio desse campo só ocorrerá ao longo do tempo, após diversas experiências ao qual o estudante deverá ser exposto. Em sua obra, o autor destaca como pontos centrais da TCC: o campo conceitual que é um Conjunto de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações de pensamento, interligados uns aos outros e relacionados durante o processo de ensino; o conceito que é definido por um conjunto triplo, C = (S, I, R), sendo: S – conjunto de situações que darão sentido ao conceito; I – conjunto de invariantes operatórios associados ao conceito; R – conjunto de representações simbólicas ( Vergnaud,1983).
A pesquisa teve como foco investigar os invariantes operatórios mobilizados pelos estudantes. Como apresentamos no Quadro 1, esses invariantes podem ser divididos em duas classes: os teoremas-em-ação e os conceitos-em-ação.
De acordo com Moreira (2002), o conceito-em-ação se apresenta como tudo aquilo que se mostra relevante perante uma situação, com potencial para se tornar um conhecimento científico, enquanto o teorema-em-ação pode ser algo verdadeiro ou não, estando implícito na estrutura cognitiva do aprendiz, sendo papel então do pesquisador/professor explicitá-lo. Portanto, a explicitação dos invariantes operatórios possibilitará verificar um possível domínio do campo conceitual da teoria da relatividade restrita, uma vez que o estudante terá sido exposto a uma série de situações-problema, de diferentes níveis de complexidade e natureza, promovendo o surgimento dos teoremas e conceitos em ação.
Elaboração do Produto Tecnológico
Com o objetivo de explorar a dilatação temporal prevista pela teoria da relatividade, que interfere diretamente no funcionamento do GPS, foram construídos 10 pares de relógios em uma impressora 3D Creality modelo Ender 5, utilizando plástico PLA (o modelo para impressão foi obtido em um repositório[5]) de forma a tornar didática a simulação sobre a dilatação do tempo.
Os ponteiros dos relógios impressos são movidos por um motor de passo controlado pelo Arduino e um sistema de engrenagens. Desse modo, alterando os parâmetros no código fonte[6] usado no Arduino, podemos alterar a velocidade dos ponteiros. A Figura 1 apresenta imagens das peças do relógio impressas, um esquema do circuito eletrônico e uma foto do relógio completamente montado.
Figura 1 – a) Peças do relógio impressas ainda antes da montagem, b) circuito mostrando as conexões do motor de passo com o controlador e a placa Arduino Nano e c) imagem do relógio montado.
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).
A atividade desenvolvida buscou trabalhar o popularmente conhecido “Paradoxo dos Gêmeos”, o qual trata de uma situação em que dois irmãos gêmeos se separam, de forma que um irmão viaja em uma nave próximo à velocidade da luz, enquanto o seu par permanece na superfície terrestre. Segundo a teoria da relatividade, o tempo passa mais lentamente para o viajante numa velocidade próxima à velocidade da luz, assim, do ponto de vista do irmão na Terra, ele reencontra seu irmão viajante mais novo. O paradoxo se estabelece ao avaliarmos a simetria das equações envolvidas, pois no referencial do irmão viajante, ele ficou parado e foi a Terra que se movimentou numa velocidade alta, de modo que, do ponto de vista do irmão viajante, deveria o irmão da Terra estar mais novo. De fato, a segunda alternativa não acontece, e quem envelhece mais rapidamente é o irmão na Terra (Falciano, 2007).
Metodologia
A metodologia aqui apresentada é de caráter qualitativo e foi desenvolvida em uma escola pública estadual na cidade de Campo Grande – Mato Grosso do Sul, em uma turma de 3º ano do ensino médio com um total de 20 estudantes, com faixa etária entre 16 anos e 18 anos, matriculados no turno integral durante as aulas regulares de física.
A atividade foi desenvolvida e aplicada em um total de 5 aulas, sendo que o tempo dedicado ao planejamento e à elaboração do material didático equivalem a três aulas e duas aulas para a aplicação da atividade, sendo cada aula com uma duração de 50 minutos.
A turma foi dividida em duplas, de forma que cada dupla recebeu um par de relógios programados para mostrar o tempo com velocidades diferentes (o tempo do irmão na Terra e o tempo do viajante). Após cada dupla estar devidamente posicionada com seus relógios, foi entregue uma atividade composta por três situações-problema (Quadro 2) sobre o tema da dilatação temporal.
Quadro 1 – Situações-problemas trabalhadas para abordar a dilatação temporal
Situações-problema | Resultado esperado |
Situação 1. Imagine que você e o seu parceiro são astronautas e irmãos(ãs) gêmeos(as). Um de vocês deverá embarcar em uma viagem intergaláctica em busca de vida em outra galáxia, enquanto o outro permanecerá na Terra. A nave em questão é capaz de se mover em uma velocidade próxima à da luz. Com o objetivo de medir os tempos da viagem, você e seu amigo sincronizam seus relógios antes da partida. Quando você e o seu parceiro de expedição estavam lado a lado, na mesma sala, vocês notaram alguma diferença em relação ao tempo do seu relógio e do dele? Explique. | Identificar que dois corpos que se movem com a mesma velocidade sob um mesmo referencial não possuem diferença no que diz respeito à passagem do tempo. |
Situação 2. Após o seu parceiro realizar a sua viagem intergaláctica, ele retorna para a Terra. Imagine agora que o seu parceiro era o seu irmão(ã) gêmeo(a). Após o seu retorno, vocês resolvem comparar os seus relógios. O que é possível observar em relação aos dois relógios? O que é possível constatar em relação à idade dos gêmeos(as)? Explique. | Identificar que um corpo que se move com uma velocidade diferente de um segundo corpo terá uma diferença na passagem do tempo de acordo com o referencial estabelecido. |
Situação 3. Os seus pais encontram você e seu irmão(ã) gêmeo(a) e se deparam com a situação. De que forma você explicaria para eles o efeito sofrido por vocês? | Explicar que quando um corpo se move com velocidade diferente do corpo em um referencial com velocidade nula, os corpos sofrerão uma dilatação temporal devido a essa diferença de velocidade. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).
Durante a situação-problema 1, cada dupla deveria escolher qual dos integrantes permaneceria na Terra (sala de aula) e qual realizaria a viagem espacial (indo para outra sala), de forma que cada estudante ficaria com um relógio observando o seu tempo próprio.
No decorrer da Situação-Problema 2, as duplas se separaram, com um membro indo para outra sala (movendo-se próximo à velocidade da luz) e o outro permanecendo na sala (na superfície terrestre). Após cerca de 10 minutos, eles se reuniram novamente na sala de aula. Em seguida, discutiram a Situação-Problema 3, analisando as conclusões sobre os tempos passados para relógios em velocidades diferentes, encerrando assim a atividade sobre o paradoxo dos gêmeos.
De forma a organizar os resultados obtidos por meio das situações-problema às quais os estudantes foram expostos, os dados apresentados foram trabalhados em duas etapas, possibilitando agrupar as respostas em categorias de conceito-em-ação e teorema-em-ação. Com o objetivo de preservar a privacidade dos estudantes que participaram da pesquisa, suas identidades foram alteradas para A1, A2, A3, e assim por diante. Importante ressaltar que esta pesquisa foi submetida e aprovada pela Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos CAAE: 60894722.4.0000.0021.
Resultados e Discussão
Durante a primeira etapa da análise dos dados buscamos encontrar nas respostas dos participantes uma regra de ação do tipo “se... então”, visando localizar uma situação de causa e efeito. Por exemplo, para a situação-problema 1, o estudante A20 respondeu que “Não, porque a velocidade é a mesma, se todo mundo está na mesma velocidade não existe diferença (de tempo)” (A20).
Podemos observar então a seguinte relação de causa e efeito no discurso do estudante A20: (se) todo mundo está na mesma velocidade, (então) não existe diferença de tempo. Portanto, é possível obter o seguinte teorema-em-ação: Se a velocidade dos dois corpos é a mesma, então não existe diferença em relação ao tempo.
Uma vez definida a regra que orientou a explicitação dos teoremas-em-ação, deu-se início à segunda etapa, cujo objetivo foi determinar os conceitos-em-ação que estariam implícitos ou explícitos em cada teorema. Para o exemplo apresentado, é possível observar que o único conceito-em-ação mobilizado foi o da velocidade, visto que a sua relação de causa e efeito estava relacionada somente a uma diferença ou não de velocidade entre os dois corpos. Por sua vez, o estudante A2 apresentou o seguinte discurso para a mesma situação-problema: “Não, por conta da mesma Gravidade da sala em que estão, e a velocidade que os relógios se encontram são as mesmas” (A2).
Neste caso, é possível observar que o estudante mobilizou dois conceitos-em-ação: a gravidade e a velocidade. Ao analisar a sua situação de causa, nota-se que o participante atribui a não mudança no tempo dos relógios não somente à velocidade, mas também ao fato de os dois corpos se encontrarem sob a mesma aceleração gravitacional. Porém, nem todas as respostas foram passíveis de serem aplicadas à causa e efeito descritos, como é o caso do estudante A6, que, para a situação-problema 2, apresentou a seguinte resposta: “quem estava na Terra o tempo passou mais rápido do que quem estava no espaço” (A6).
Neste caso, o estudante apenas afirmou que existiu uma diferença de tempo entre os relógios dos gêmeos, porém não indicou, nem de forma implícita, qual foi a causa dessa mudança. As respostas desse gênero foram classificadas como inadequada, visto a ausência da relação “se... então” definida previamente. A pesquisa contou com um total de 20 estudantes participantes em cada situação-problema, conforme o Quadro 2. No Quadro 3, apresentamos os invariantes operatórios mobilizados pelos estudantes para a situação-problema 1.
Quadro 2 – Invariantes operatórios mobilizados pelos estudantes para a situação-problema 1.
Grupo | Conceitos-em-ação | Teoremas-em-ação | Exemplos das respostas | Total de estudantes |
1.1 | Velocidade | Se a velocidade dos dois corpos é a mesma, então não existe diferença em relação ao tempo. | “Não, porque a velocidade é a mesma, se todos mundo está na mesma velocidade não existe diferença (de tempo)” (A20) | A1, A14, A15, A20 |
1.2 | Velocidade e gravidade | Se a velocidade e a aceleração gravitacional são as mesmas, então não ocorre mudança no tempo. | “Não, por conta da mesma Gravidade da sala em que estão, e a velocidade que os relógios se encontram são as mesmas” (A2). | A2, A3, A5, A8, A19 |
1.3 | Velocidade e gravidade | Se a aceleração gravitacional é a mesma, então a velocidade não muda, logo, o tempo será o mesmo para os dois. | “Não terá diferença no tempo, a velocidade é a mesma por que a gravidade e igual” (A9). | A9, A10, A11 |
1.4 | Espaço-tempo | Se dois corpos dividem o mesmo espaço-tempo, então não sofrem diferença no tempo entre eles. | “Não, porque estamos no mesmo espaço-tempo, juntos” (A17) | A4, A13, A16, A17 |
1.5 | Gravidade | Se dois corpos estão sob a mesma aceleração gravitacional, então o tempo não passa diferentemente. | “Não teve por que à gravidade é a mesma do meu parceiro” (A6) | A6, A12, A18 |
1.6 | Gravidade e espaço-tempo | Se dois corpos dividem o mesmo espaço-tempo e têm a mesma aceleração gravitacional, então o tempo não passará diferentemente. | “Não vai ter diferencia por que está ao mesmo espaço-tempo e a gravidade é igual para todos” (A7) | A7 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).
A partir do Quadro 3, é possível verificar que os estudantes do Grupo 1.1 atribuíram a não mudança de tempo à velocidade, ou seja, se os dois corpos estão com a mesma velocidade, então não existe mudança no tempo. Por sua vez, os estudantes do Grupo 1.2 atribuíram a não mudança de tempo à velocidade, porém mobilizando também o conceito da gravidade, estabelecendo a não mudança de tempo ao par dos conceitos: se a velocidade e a gravidade são as mesmas, então não ocorre mudança no tempo. Como é possível observar, os conceitos de velocidade e gravidade foram mobilizados duas vezes, porém de formas distintas. Os estudantes do Grupo 1.3 estabeleceram uma causa diferente para a mudança do tempo, afirmando que: se a gravidade é a mesma, então a velocidade não muda, logo, o tempo será o mesmo.
Esse caso se difere do segundo grupo de invariantes, devido à mudança da velocidade ser uma causa da gravidade, ou seja, fica implícito no discurso do estudante que só ocorrerá uma mudança de velocidade caso ocorra uma mudança na aceleração gravitacional que ele sofre, podendo, dessa forma, alterar a forma como o tempo transcorre. Para esse caso, é possível notar que o invariante operatório estabelecido se afasta em alguns pontos do conceito científico, visto que a gravidade não é um fator obrigatório para a mudança de velocidade de um corpo. Porém, existem indícios de que esse grupo de teorema-em-ação e conceito-em-ação tem potencial para vir a se aproximar do conhecimento científico, visto que ainda existe uma relação da aceleração gravitacional e da velocidade com a dilatação temporal.
Um exemplo de invariante implícito na estrutura cognitiva do estudante é observado no Grupo 1.4, no qual o conceito-em-ação mobilizado se concentra em torno do conceito de espaço-tempo. Para esse caso, é possível notar que a relação de causa e efeito está atribuída à posição dos corpos no espaço-tempo, ou seja, se dois corpos dividem o mesmo espaço-tempo, então não existe uma diferença de tempo entre eles.
Um outro grupo de conceitos e teoremas-em-ação (Grupo 1.5) atribui a não mudança de tempo somente à gravidade, estabelecendo que se dois corpos estão sob uma mesma aceleração gravitacional, então não existe uma diferença no tempo. A aceleração gravitacional como um efeito relativístico aparece somente na teoria da relatividade geral, e apesar desse grupo não relacionar a velocidade como uma causa, ainda existe uma aproximação com o objetivo esperado, apresentando potencial para evoluir para um conhecimento científico, visto que a aceleração da gravidade também surge dentro da relatividade, porém sob outro contexto.
Por fim, o estudante A7 (Grupo 1.6) mobilizou um invariante operatório que relaciona não somente a relatividade restrita, mas também a geral. Em seu discurso, ele atribui a dilatação temporal ao fato de que se dois corpos dividem o mesmo espaço-tempo e estão sob uma mesma aceleração da gravidade, então não ocorrerá qualquer mudança no tempo. Nesse caso, observa-se que a causa da não mudança no tempo está relacionada tanto ao espaço-tempo (a velocidade é a mesma) quanto à aceleração da gravidade, a qual surge somente nas discussões da relatividade geral. Para a situação-problema 1, é possível observar que todos os invariantes operatórios mobilizados tiveram algum grau de relação com a teoria da relatividade restrita, de forma que todos apresentaram potencial de se aproximar daquilo que se determinou como objetivo da atividade.
No Quadro 4, apresentamos os invariantes operatórios mobilizados para a situação-problema 2.
Quadro 3 – Invariantes operatórios mobilizados pelos estudantes para a situação-problema 2.
Grupo | Conceitos-em-ação | Teoremas-em-ação | Exemplos das respostas | Total de estudantes |
2.1 | Dilatação temporal, velocidade e espaço-tempo | Se um corpo tiver velocidade diferente do outro e estes não dividirem o mesmo espaço-tempo, então ocorrerá uma dilatação temporal entre eles. | “[...] estando os irmãos em velocidades diferentes, o tempo para eles também passou de forma diferente, visto que estavam em posições distintas do Espaço-Tempo. Logo, o relógio de um terá ficado para trás em relação ao outro, considerando que para um o tempo passou mais rápido e para o outro não, sendo assim um estará mais jovem em relação ao outro”. (A19). | A19 |
2.2 | Velocidade e dilatação temporal | Se a diferença de velocidade aumenta (entre os irmãos), então ocorrerá uma dilatação temporal maior. | “Quanto maior a velocidade, maior a distorção a diferença é que um estava parado e o outro se movendo. Assim o tempo se passou diferente”. (A1). | A1 |
2.3 | Gravidade | Se aceleração gravitacional é diferente, então ocorrerá uma mudança no tempo dos relógios. | “O horário dos relógios está diferente, porque a gravidade do irmão que foi pro espaço era menor com isso fazendo o relógio se atrasar em vista do irmão que ficou na Terra”. (A2) | A2, A7, A12 |
2.4 | Gravidade e velocidade | Se existe uma diferença de velocidade e aceleração gravitacional entre os corpos, então ocorrerá uma mudança no tempo dos relógios. | “No Espaço a gravidade e menor e tem mais velocidade, mais na terra a gravidade é maior e a velocidade menor, por isso para quem tá na terra o tempo passou mais rápido e no espaço o tempo passou mais devagar”. (A5) | A3, A4, A5 |
2.5 | Inadequado | Inadequado. | “Quem estava na Terra o tempo passou mais rápido do que quem estava no espaço”. (A6) | A6, A8, A9, A10, A11, A13, A14, A15, A16, A17, A18, 20 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).
Quanto aos invariantes mobilizados na segunda situação-problema, um estudante (A19, grupo 2.1) mobilizou conceitos-em-ação que remetem à dilatação temporal, velocidade e espaço-tempo. Dessa maneira, assume-se uma relação de causa dupla, em quese um corpo tiver velocidade diferente do outro . estes não dividirem o mesmo espaço-tempo, então ocorrerá uma dilatação temporal entre eles. Já o A1 (grupo 2.2) aponta para uma relação de que se a diferença de velocidade for maior entre os corpos então, maior será a dilatação temporal ocorrida, mobilizando conceitos-em-ação relacionados à velocidade e à dilatação temporal.
Enquanto isso, os estudantes do grupo 2.3 apontaram uma causa relacionada ao conceito da gravidade, remetendo assim à relatividade geral, de forma que se a aceleração gravitacional for diferente para os dois corpos, então ocorrerá uma mudança no tempo. Nesse caso, o invariante explicitado não atingiu o objetivo, que era identificar que a diferença de velocidade causa a dilatação temporal; porém, existem subsídios que apontam para uma aproximação do conceito científico proposto, visto que foi sensibilizado um teorema-em-ação em potencial.
Ainda no campo da relatividade geral, os estudantes incluídos no grupo 2.4 apontaram que se existe uma diferença de velocidade . aceleração gravitacional entre os corpos, então ocorrerá uma mudança no tempo dos relógios, apontando conceitos-em-ação relacionados à velocidade e à gravidade. Por sua vez, esse grupo apresenta um problema ao apontar um efeito de causa dupla, afirmando que só ocorrerá uma alteração na passagem do tempo caso ocorra tanto a diferença entre as velocidades quanto a diferença na aceleração da gravidade.
Por fim, o último grupo (2.5) de invariantes mostra que 12 estudantes se enquadraram na categoria inadequado, pois em seus discursos não foram apresentadas situações de causa e efeito. É possível observar que houve uma compreensão de que o tempo passou diferentemente para os gêmeos, porém sem indicar de forma implícita ou explícita a causa dessa diferença.
No Quadro 5, apresentamos os invariantes operatórios referentes à situação-problema 3.
Quadro 4 – Invariantes operatórios mobilizados pelos estudantes para a situação-problema 3.
Grupo | Conceitos-em-ação | Teoremas-em-ação | Exemplos das respostas | Total de estudantes |
3.1 | Velocidade, dilatação temporal e espaço-tempo | Se dois corpos estão com diferentes velocidades e não dividem o mesmo local do espaço-tempo, então ocorrerá uma dilatação temporal entre eles. | “Foi por conta da relatividade temporal já que estávamos em locais diferentes e em velocidades diferentes”. (A13) | A19, A13 |
3.2 | Velocidade e gravidade | Se existe diferença de velocidade e aceleração gravitacional entre os corpos, então o tempo será diferente para os dois. | “Que a uma diferença de tempo no espaço, por causa do campo gravitacional que influência no tempo, no espaço (a nave) a velocidade é maior que a das pessoas na Terra por isso que ocorre na diferença de idade”. (A7) | A2,A5,A7,A8,A9,A10,A11 |
3.3 | Gravidade | Se a aceleração gravitacional for diferente entre os corpos, então o tempo passará diferente. | “A gravidade interferiu no tempo que fez nos diferenciar na idade”. (A6) | A1, A3, A4, A6 |
3.4 | Velocidade | Se existe diferença na velocidade entre dois corpos, então o tempo passará diferentemente para eles. | “Um exemplo que posso te dar é do filme do Flash, que enquanto ele está super rápido o restante está super lento, por conta da super velocidade dele, e isso muda o tempo.” (A20) | A15,A17,A20 |
3.5 | Relatividade | Ocorreu diferença no tempo por conta da relatividade. | “eu falaria que foi a teoria da relatividade, e também foi por causa do tempo que o meu irmão passou no espaço”. (A14) | A14, A12 |
3.6 | Espaço-tempo e relatividade | Se dois corpos não dividem o mesmo espaço-tempo, então ocorrerão efeitos da relatividade entre eles. | “eu saí do mesmo espaço-tempo que ela, o que de acordo com a relatividade pode causar essa consequência de diferença de idade”. (A16) | A16 |
3.7 | Órbita | Se a órbita de dois corpos é diferente, então o tempo passará diferentemente para eles. | “na Terra o tempo passa mais rápido já no espaço e de certa forma lento pois a órbita e totalmente diferente”. (A18) | A18 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).
Ao analisar as respostas para a última situação-problema, o primeiro grupo (3.1) de teoremas e conceitos-em-ação se apresenta de forma implícita, visto que ao se referir à “relatividade temporal”, o discurso estava remetendo ao conceito da dilatação temporal e, ao afirmar que os corpos estavam em locais diferentes, temos uma referência ao não-compartilhamento do mesmo espaço-tempo, resultando em uma situação de causa e efeito como descrita anteriormente.
No que diz respeito ao segundo grupo (3.2), o ocorrido foi atribuído não somente à velocidade, mas também à aceleração gravitacional, de forma que a dilatação temporal apenas ocorreria caso houvesse uma diferença tanto na velocidade quanto na aceleração da gravidade, incidindo em conceitos da relatividade geral.
Os três grupos seguintes mobilizaram somente um conceito-em-ação. Os estudantes do Grupo 3.3 trouxeram novamente uma situação que remete à relatividade geral, atribuindo que a causa da dilatação temporal estava na diferença da aceleração gravitacional entre os corpos e não na diferença da velocidade entre eles. Os estudantes do Grupo 3.4 mobilizaram justamente o campo da relatividade restrita ao dizerem que a causa da mudança no tempo remete à mudança de velocidade entre eles. Já os estudantes do Grupo 3.5 mobilizaram somente um invariante, deixando explícito que o efeito foi a relatividade, porém não apontando a causa. Por meio de outros grupos de situações-problema, seria possível que eles desenvolvessem conceitos e teoremas-em-ação mais elaborados em torno da questão.
Já o estudante do Grupo 3.6 estabelece como causa o fato de que se dois corpos estão em diferentes posições do espaço, então ocorrerão efeitos relativísticos entre eles. O discurso aqui se apresenta de modo raso, não deixando claro quais exatamente seriam esses efeitos, nem o motivo de estarem em espaço-tempo distintos e causarem tal efeito. Porém, existe uma possibilidade desse invariante operatório evoluir para um possível do campo conceitual em questão.
Por fim, o estudante do Grupo 3.7 apresentou uma resposta que nem atinge os objetivos da atividade nem se aproxima do conhecimento científico esperado, visto que a atribuição da dilatação temporal foi colocada como um efeito da órbita dos planetas, o que é uma inverdade. Para esse caso, faz-se necessária uma nova série de situações-problema para que ele possa ter possíveis avanços dentro do campo conceitual abordado.
Considerações finais
O produto tecnológico desenvolvido se revelou um recurso pedagógico significativo, proporcionando ao estudante explorar o campo conceitual da relatividade restrita, não apenas teoricamente, mas também observando na prática, por meio dos tempos medidos nos relógios, como os efeitos relativísticos impactam nosso cotidiano, pois sem essa descoberta, seria inviável a utilização dos GPS.
A tecnologia GPS possui diversos campos conceituais associados ao seu funcionamento, de forma que a pesquisa se ateve especificamente ao efeito da dilatação temporal, pois pertencente ao campo conceitual da teoria da relatividade. A análise revelou que nem todos os participantes atingiram o objetivo proposto pela atividade, apresentando em seus discursos invariantes operatórios com potencial para virem a se tornar um conhecimento próximo do científico.
Já a aprendizagem baseada em projetos se revelou uma metodologia promissora, promovendo não somente o trabalho cooperativo, como também incentivando o desenvolvimento de pensamento crítico, gerando um ambiente de trabalho estimulante para os participantes.
Observamos que a atividade desenvolvida possibilitou mobilizar diversos grupos de invariantes operatórios, alguns explícitos, outros implícitos, indo ao encontro de um dos desafios da TCC, que é identificar os invariantes que se apresentam de maneira implícita, cabendo ao mediador entre o problema abordado e o aprendiz a tarefa de explicitar esses conceitos e teoremas-em-ação. Segundo Moreira (2002), é raro que os estudantes consigam expressar em linguagem natural os seus próprios teoremas e conceitos-em-ação. Nesse contexto, a combinação do uso de tecnologias com a metodologia da ABP propiciou ao pesquisador/professor a oportunidade de tornar explícitos esses invariantes operatórios.
Em relação aos estudantes que apresentaram invariantes inadequados, é necessário elaborar um novo conjunto de situações, possibilitando, dessa forma, um possível domínio desse campo conceitual. Nesse caso, é necessário que se compreendam mais precisamente em que pontos tais dificuldades ocorrem. Se identificadas durante o desenvolvimento das situações de aprendizagem, é possível explorar as causas subjacentes que levaram aos invariantes inadequados apresentados pelos 12 estudantes. Analisar essas dificuldades de maneira aprofundada é fundamental para criar estratégias eficazes de intervenção e promover uma compreensão mais sólida dos conceitos abordados, a partir de novas situações e diferentes estratégias.
Por fim, acreditamos que esta pesquisa venha favorecer a prática pedagógica do professor e o processo de aprendizagem dos estudantes, bem como que o produto tecnológico e a metodologia de ABP estimulem o desenvolvimento do senso crítico diante de questões científicas e tecnológicas, indo além dos limites da sala de aula.
Agradecimentos
Este trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES).
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