Ateliê didático: um processo formativo docente para a ressignificação do ensino de microbiologia

Danielle Ribeiro Rocha
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil
Gabriele Marisco
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil

Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Brasil

ISSN-e: 2446-774X

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 9, e209223, 2023

educitec.revista@ifam.edu.br

Recepção: 14 Outubro 2022

Aprovação: 15 Fevereiro 2023

Publicado: 03 Março 2023



DOI: https://doi.org/10.31417/educitec.v9.2092

Resumo: Os microrganismos são importantes para a saúde humana e o ensino sobre esses organismos é capaz de favorecer o conhecimento sobre eles, de modo que as pessoas possam entender seus benefícios e agir em relação às doenças. Como abordar os conteúdos de microbiologia costuma ser desafiador para os professores, a formação continuada é uma ferramenta que contribui para o processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, o objetivo do presente artigo é apresentar o “Ateliê didático Reinventa docente: ensino de microbiologia” e evidenciar suas contribuições para a (re)construção de saberes e práticas docentes no ensino de microbiologia com ênfase em saúde na Educação Básica. O contexto da pesquisa-formação é um processo formativo online realizado com professores de Ciências e Biologia. Na coleta de dados foram utilizados diferentes instrumentos, como questionários e diário formativo, avaliados com a análise de conteúdo. Durante o processo formativo, os participantes relataram questões sobre o ensino de microbiologia, como a importância do conhecimento prévio e da relação dos microrganismos com o cotidiano, além dos desafios enfrentados para abordar conteúdos dessa área do conhecimento. Além disso, houve reflexões, aprendizados e descobertas, demonstrando que o processo formativo contribuiu com aportes teóricos e metodológicos que propiciaram o interesse em incorporar novas estratégias na prática pedagógica. Assim, evidencia-se que o desenvolvimento de processos formativos no âmbito da formação continuada pode contribuir com saberes para a constituição de novos sentidos e práticas no que tange ao ensino de microbiologia com ênfase em saúde.

Palavras-chave: Formação continuada Educação básica. Educação em saúde..

Abstract: Microorganisms are important for human health and teaching about these organisms are importante to promote knowledge about them, so that people can understand their benefits and act in relation to diseases. As addressing microbiology content is often challenging for the teachers, continuing education is a tool that contributes to the teaching and learning process. Thus, the objective of this article is to present the “Didactic workshop Reinvents teaching: teaching microbiology” and highlight its contributions to the (re)construction of knowledge and teaching practices in the teaching of microbiology with an emphasis on health in Basic Education. The context of research-training is an online training process carried out with Science and Biology teachers. In the data collection, different instruments were used, such as questionnaires and training diary, evaluated with content analysis. During the training process, participants reported questions about teaching microbiology, such as the importance of prior knowledge and the relationship between microorganisms and everyday life, in addition to the challenges faced in approaching content in this area of knowledge. In addition, there were reflections, lessons learned and discoveries, demonstrating that the training process contributed with theoretical and methodological contributions that led to an interest in incorporating new strategies into pedagogical practice. Thus, it is evident that the development of training processes within the scope of continuing education can contribute with knowledge for the constitution of new meanings and practices regarding the teaching of microbiology with an emphasis on health.

Keywords: Continuing training Basic education. Health education..

Resumen: Los microorganismos son importantes para la salud humana y la enseñanza sobre los microorganismos es capaz de promover el conocimiento sobre ellos, para que las personas puedan comprender sus beneficios y actuar en relación a las enfermedades. Como abordar los contenidos de microbiología suele ser un desafío para los docentes, la educación continua es una herramienta que contribuye al proceso de enseñanza y aprendizaje. Así, el objetivo de este artículo es presentar el “Taller de enseñanza Reinventa: la enseñanza de la microbiología” y destacar sus aportes para la reconstrucción de saberes y prácticas docentes en la enseñanza de la microbiología con énfasis en salud en la Educación Básica. El contexto de formación en investigación es un proceso de formación en línea que se lleva a cabo con profesores de Ciencias y Biología. En la recolección de datos se utilizaron diferentes instrumentos, como cuestionarios y diario de capacitación, evaluados con análisis de contenido. Durante el proceso de formación, los participantes relataron interrogantes sobre la enseñanza de la microbiología, como la importancia de los conocimientos previos y la relación de los microorganismos con la vida cotidiana, además de los desafíos que enfrentan al abordar contenidos en esta área del conocimiento. Además, hubo reflexiones, aprendizajes y descubrimientos, demostrando que el proceso de formación posibilitó aportes teóricos y metodológicos que despertaron el interés por incorporar nuevas estrategias a la práctica docente. Así, se evidencia que el desarrollo de procesos formativos en el ámbito de la educación permanente puede contribuir con conocimientos a la constitución de nuevos sentidos y prácticas en torno a la enseñanza de la microbiología con énfasis en la salud.

Palabras clave: Formación continua Educación básica. Educación para la salud..

Ateliê didático: um processo formativo docente para a ressignificação do ensino de microbiologia

Resumo

Os microrganismos são importantes para a saúde humana e o ensino sobre esses organismos é capaz de favorecer o conhecimento sobre eles, de modo que as pessoas possam entender seus benefícios e agir em relação às doenças. Como abordar os conteúdos de microbiologia costuma ser desafiador para os professores, a formação continuada é uma ferramenta que contribui para o processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, o objetivo do presente artigo é apresentar o “Ateliê didático Reinventa docente: ensino de microbiologia” e evidenciar suas contribuições para a (re)construção de saberes e práticas docentes no ensino de microbiologia com ênfase em saúde na Educação Básica. O contexto da pesquisa-formação é um processo formativo online realizado com professores de Ciências e Biologia. Na coleta de dados foram utilizados diferentes instrumentos, como questionários e diário formativo, avaliados com a análise de conteúdo. Durante o processo formativo, os participantes relataram questões sobre o ensino de microbiologia, como a importância do conhecimento prévio e da relação dos microrganismos com o cotidiano, além dos desafios enfrentados para abordar conteúdos dessa área do conhecimento. Além disso, houve reflexões, aprendizados e descobertas, demonstrando que o processo formativo contribuiu com aportes teóricos e metodológicos que propiciaram o interesse em incorporar novas estratégias na prática pedagógica. Assim, evidencia-se que o desenvolvimento de processos formativos no âmbito da formação continuada pode contribuir com saberes para a constituição de novos sentidos e práticas no que tange ao ensino de microbiologia com ênfase em saúde.

Palavras-chave: Formação continuada. Educação básica. Educação em saúde.

Didactic workshop: a teaching training process for the re-signification of microbiology teaching

Abstract

Microorganisms are important for human health and teaching about these organisms are importante to promote knowledge about them, so that people can understand their benefits and act in relation to diseases. As addressing microbiology content is often challenging for the teachers, continuing education is a tool that contributes to the teaching and learning process. Thus, the objective of this article is to present the “Didactic workshop Reinvents teaching: teaching microbiology” and highlight its contributions to the (re)construction of knowledge and teaching practices in the teaching of microbiology with an emphasis on health in Basic Education. The context of research-training is an online training process carried out with Science and Biology teachers. In the data collection, different instruments were used, such as questionnaires and training diary, evaluated with content analysis. During the training process, participants reported questions about teaching microbiology, such as the importance of prior knowledge and the relationship between microorganisms and everyday life, in addition to the challenges faced in approaching content in this area of knowledge. In addition, there were reflections, lessons learned and discoveries, demonstrating that the training process contributed with theoretical and methodological contributions that led to an interest in incorporating new strategies into pedagogical practice. Thus, it is evident that the development of training processes within the scope of continuing education can contribute with knowledge for the constitution of new meanings and practices regarding the teaching of microbiology with an emphasis on health.

Keywords: Continuing training. Basic education. Health education.

Taller didáctico: un proceso de formación docente para la resignificación de la enseñanza de la microbiología

Resumen

Los microorganismos son importantes para la salud humana y la enseñanza sobre los microorganismos es capaz de promover el conocimiento sobre ellos, para que las personas puedan comprender sus beneficios y actuar en relación a las enfermedades. Como abordar los contenidos de microbiología suele ser un desafío para los docentes, la educación continua es una herramienta que contribuye al proceso de enseñanza y aprendizaje. Así, el objetivo de este artículo es presentar el “Taller de enseñanza Reinventa: la enseñanza de la microbiología” y destacar sus aportes para la reconstrucción de saberes y prácticas docentes en la enseñanza de la microbiología con énfasis en salud en la Educación Básica. El contexto de formación en investigación es un proceso de formación en línea que se lleva a cabo con profesores de Ciencias y Biología. En la recolección de datos se utilizaron diferentes instrumentos, como cuestionarios y diario de capacitación, evaluados con análisis de contenido. Durante el proceso de formación, los participantes relataron interrogantes sobre la enseñanza de la microbiología, como la importancia de los conocimientos previos y la relación de los microorganismos con la vida cotidiana, además de los desafíos que enfrentan al abordar contenidos en esta área del conocimiento. Además, hubo reflexiones, aprendizajes y descubrimientos, demostrando que el proceso de formación posibilitó aportes teóricos y metodológicos que despertaron el interés por incorporar nuevas estrategias a la práctica docente. Así, se evidencia que el desarrollo de procesos formativos en el ámbito de la educación permanente puede contribuir con conocimientos a la constitución de nuevos sentidos y prácticas en torno a la enseñanza de la microbiología con énfasis en la salud.

Palabras clave: Formación continua. Educación básica. Educación para la salud.

Introdução

Os microrganismos são responsáveis por benefícios, como a produção de antibióticos, de insulina e de vacinas. Além disso, também são responsáveis por alguns malefícios, como patologias que afetam os seres humanos. Dessa forma, o conhecimento sobre os microrganismos é importante para que seja possível usufruir dos seus benefícios e agir sobre as patologias, não apenas de forma curativa, mas investindo na prevenção (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012; MADIGAN et al., 2016).

Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um documento normativo que define as competências, habilidades e aprendizagens essenciais relacionadas à Educação básica do Brasil, são destacadas questões que envolvem políticas públicas e indicação de cuidados necessários para a integridade do organismo e a manutenção da saúde. Além disso, há uma associação com a microbiologia em objetos do conhecimento e habilidades que envolvem medidas para prevenir doenças, enfatizar a importância da vacinação e garantir a manutenção da saúde individual e coletiva (BRASIL, 2017).

Nessa perspectiva, evidencia-se que o ensino de microbiologia pode visar à promoção da saúde para garantir a formação de cidadãos saudáveis. Sua importância tornou-se mais evidente com a pandemia da COVID-19, uma doença viral que afeta o mundo inteiro desde o início de 2020.

Entretanto, a abordagem dos microrganismos pode ser considerada um desafio para quem está ensinando, assim como para quem está aprendendo. No ensino de microbiologia, ambos precisam enfrentar uma grande quantidade de conceitos e palavras diferentes daquelas utilizadas com frequência no cotidiano. Além disso, a microbiologia é considerada uma ciência complexa por tratar-se do estudo de seres que não são visíveis a olho nu (DURÉ; ANDRADE; ABÍLIO, 2018).

Diante das dificuldades dos estudantes para compreender os conteúdos de microbiologia e para associar os microrganismos com o cotidiano, com intencionalidade pedagógica os professores podem conduzir o processo de ensino e aprendizagem de forma significativa. Nessa perspectiva, a formação continuada pode contribuir para que os professores percebam diferentes maneiras de trabalhar com o ensino de microbiologia com enfoque em saúde, de forma contextualizada com o cotidiano dos estudantes.

A formação continuada tem se tornado presente na realidade dos professores da Educação básica, mas alguns processos formativos são desmotivadores por ser conteudistas, não contribuir para mudanças na prática pedagógica e não colocar os professores como agentes transformadores do próprio processo de formação. Desse modo, afirma-se a necessidade de desenvolver processos formativos onde o professor tenha um papel ativo, que favoreça a ressignificação da prática educativa e considere os conhecimentos científicos e cotidianos (BRAZIER; SOARES, 2020).

Considerando a necessidade de contribuir com a formação docente e a demanda de alternância de metodologias e estratégias para abordar conteúdos da microbiologia, foi realizado um processo formativo online com professores de Ciências e Biologia de diferentes estados brasileiros. Com essa conotação, o objetivo do presente artigo é apresentar o processo formativo e evidenciar as contribuições dele para a (re)construção de saberes e práticas docentes no ensino de microbiologia com ênfase em saúde na Educação básica.

Metodologia

A pesquisa apresentada foi realizada a partir do princípio de que há uma demanda de possibilitar uma formação docente com ênfase no ensino de microbiologia na Educação básica. Para tanto, foi proposto um processo formativo que se configura como uma pesquisa-formação, por ser desenvolvido a partir das narrativas reflexivas dos professores participantes. Para Josso (2004), a pesquisa-formação é um tipo de pesquisa que considera a possibilidade de transformação da própria prática, sendo que, no contexto de um processo formativo os participantes são os sujeitos e os objetos da investigação, favorecendo descobertas sobre si e participando ativamente da construção da própria aprendizagem.

Além disso, é considerada uma abordagem qualitativa, sendo esta uma abordagem focada em significados, motivações e experiências, buscando compreender a complexidade e especificidade da realidade que envolve relações, processos e fenômenos. Para isso, há um ciclo de pesquisa que começa com a fase exploratória dedicada a construção do projeto, o trabalho de campo que se refere a prática empírica, e o tratamento do material recolhido que consiste nos processos de compreensão e interpretação dos dados, além da articulação com a teoria (DESLANDES; GOMES; MINAYO, 2009).

Considerando a pandemia da COVID-19, a pesquisa foi realizada online. Após a realização de uma pesquisa exploratória que possibilitou verificar o cenário da experimentação e compreender aspectos que envolvem o ensino de microbiologia na Educação básica, definiu-se uma proposta para desenvolver o processo formativo, visando atender a demanda dos professores e favorecer a ressignificação do ensino de microbiologia, apresentando possibilidades de metodologias, recursos e estratégias didático-pedagógicas.

Nessa perspectiva, o contexto da pesquisa constitui-se do “Ateliê didático Reinventa Docente: ensino de microbiologia”, um processo formativo online que foi desenvolvido e ofertado para professores com área de concentração na Educação básica, que lecionam Ciências ou Biologia em turmas dos anos finais do ensino fundamental e/ou ensino médio no Brasil. Foi utilizado como inspiração o Ateliê didático proposto pelo Programa de Formação Pedagógica do Docente da Universidade Federal da Bahia (D’ÁVILA; MADEIRA, 2018).

Após o planejamento do processo formativo, foi criada uma ficha de inscrição com 14 questões sobre a identificação pessoal, caracterização demográfica, formação, contexto de trabalho, abordagem da microbiologia, desafios para desenvolver estratégias didáticas e disponibilidade para participar do ateliê didático. Essa ficha foi hospedada no Google Forms e enviada para 66 respondentes de uma etapa anterior da pesquisa, que foram convidados a participar do ateliê didático e tiveram permissão para enviar a ficha de inscrição para outros professores da área que pudessem ter interesse na temática.

Na fase de planejamento, foi definido que seria disponibilizado um total de 20 vagas, com a justificativa de garantir o bom desenvolvimento do processo formativo, considerando o bom acesso à internet no momento síncrono e as possibilidades de interações em pequenos grupos. Como as atividades foram mediadas apenas por uma pesquisadora, esse número também foi definido de acordo com o tempo disponível para auxiliar os participantes individualmente ou em pequenos grupos.

Para selecionar os professores, as fichas de inscrições foram analisadas, sendo considerados critérios de inclusão e posteriormente de exclusão. Como critério de inclusão, foram priorizados aqueles que responderam ter dificuldade para abordar microbiologia na Educação básica e que não realizavam aulas práticas ou experimentais nas turmas em que lecionam. Como critério de exclusão, não foram considerados professores que relataram não ter nenhuma dificuldade para ensinar microbiologia e aqueles que não tinham disponibilidade nas datas e horários definidos para a realização dos encontros síncronos.

A carga horária do processo formativo foi 40 horas. Os encontros síncronos foram realizados em cinco terças-feiras seguidas, no turno noturno, totalizando 10 horas de duração. Os encontros assíncronos tiveram duração total de 30 horas, para que os professores participantes realizassem as atividades propostas e preenchessem um diário formativo, tendo liberdade para pontuar inquietações sobre a prática pedagógica, compartilhar sentimentos, fazer reflexões, narrar suas experiências e expor suas visões sobre o ateliê didático.

A escolha do diário formativo é justificada com a pesquisa-formação, que considera as narrativas dos professores. Para D’Ávila, Madeira e Guerra (2018), os diários formativos são dispositivos que dão liberdade para que os participantes façam reflexões sobre sua formação durante um período determinado, permitindo que posteriormente a própria ação seja investigada através do que foi registrado.

As principais plataformas virtuais utilizadas para realizar o processo formativo foram o Google meet e o Google ClassRoom. O Google meet foi utilizado para a realização dos encontros síncronos e outros recursos tecnológicos digitais foram incluídos para garantir uma construção colaborativa de conhecimento, com a participação dos professores participantes. O Google ClassRoom, por sua vez, foi utilizado para compartilhar materiais complementares, disponibilizar as gravações dos encontros e receber as atividades realizadas em momentos assíncronos.

Na coleta de dados, foi realizada a observação e a gravação dos encontros, com permissão dos participantes. Nesse processo, os professores preencheram questionários e o diário formativo. Após a realização do processo formativo também foi encaminhado por e-mail um convite para preencher uma ficha avaliativa.

Os dados coletados na pesquisa foram analisados através da análise de conteúdo (BARDIN, 2016), sendo inicialmente transcritos e organizados. De posse da leitura e codificação, foram elencadas diferentes categorias. No presente artigo, o ateliê didático é descrito e os dados apresentados emergem de uma categoria que aponta resultados sobre as contribuições dele para os professores participantes.

Para interpretar os dados foi considerado o referencial teórico, as ideias dos professores participantes e a interpretação da pesquisadora, sendo que, as respostas dos participantes foram apresentadas e houve a associação com a ideia de outros autores. Alguns dados foram apresentados em percentagem para facilitar a compreensão dos resultados.

Após apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), a pesquisa foi aprovada por meio do parecer nº 4.130.452, CAAE 33615220.1.0000.0055. Todos os aspectos éticos foram garantidos e os professores participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados e Discussão

Ao abrir as inscrições para o “Ateliê didático Reinventa Docente: ensino de microbiologia”, 85 professores se inscreveram através da ficha de inscrição que ficou disponível para preenchimento durante 10 dias. Desses, 71,8% são do sexo feminino e 28,2% do sexo masculino. Em relação à faixa etária, 27,1% possuem entre 18 a 25 anos, 21,2% possuem de 31 a 35 anos, 18,8% estão acima de 41 anos, 17,6% possuem de 36 a 40 anos e 15,3% possuem entre 26 a 30 anos.

Esses dados evidenciam uma amostra predominantemente feminina (71,8%) e jovem, com 63,6% dos professores com até 35 anos. Esses resultados condizem com os dados do perfil dos professores em nível nacional, pois, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), as mulheres predominam na Educação básica e a idade é um indicador de experiência, sendo comum a busca por atualizações ao longo da prática docente (CARVALHO, 2018).

Todos os professores são graduados em Ciências Biológicas, sendo que, 2% possuem doutorado completo e 11% estão com mestrado completo ou em andamento. Desses, 78,8% atuam em escolas públicas e 21,2% atuam em escolas particulares. Além disso, os professores estão distribuídos em diferentes regiões do Brasil, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1 – Distribuição dos professores que preencheram a ficha de inscrição

Distribuição dos professores que preencheram a ficha de
inscrição
Figura 1
Distribuição dos professores que preencheram a ficha de inscrição
Fonte: Elaborado pelos autores (2023)

Assim, considerando os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 20 professores, número definido antes da divulgação da ficha de inscrição. Durante a realização do processo formativo, os participantes ativos da pesquisa foram 14 professores com área de concentração na Educação básica em diferentes regiões do Brasil, que lecionam Ciências e/ou Biologia.

Cada encontro do ateliê didático foi planejado pensando na prática pedagógica dos professores no ensino de microbiologia. Dessa forma, foram abordadas temáticas complementares, sendo apresentadas possibilidades de metodologias, recursos e estratégias didático-pedagógicas. O Quadro 1 apresenta uma síntese da estrutura básica do ateliê didático.

Quadro 1 – Composição do ateliê didático

Quadro 1
Composição do ateliê didático
Dia Temática Procedimentos síncronos Atividades assíncronas
01 Apresentação geral do ateliê didático - Apresentação e socialização da proposta; - Aplicação de um questionário inicial sobre o ensino de microbiologia, constando o TCLE; - Atividade síncrona no Mentimeter; - Explanação sobre microbiologia com ênfase em saúde; - Apresentação das inspirações teóricas. Elaboração de um plano de aula
02 Desafios docente; Estratégias potencialmente significativas - Socialização das respostas obtidas no questionário inicial, enfatizando os desafios e interesses docentes; - Apresentação de estratégias e instrumentos facilitadores de acordo com a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS): Revisão (David Ausubel), Mapas conceituais (Novak e colaboradores), atividades colaborativas e em pequenos grupos (Moreira) e Vê de Gowin; - Apresentação de estratégias didáticas potencialmente significativas: jogos didáticos, estudos de caso, etc.; - Apresentação de recursos tecnológicos digitais, como o Kahoot, Coggle, Jamboard e Padlet; - Atividades síncronas: resolução de um Estudo de caso, brainstoming no Padlet e registro das impressões sobre o encontro no Quadro Jamboard. Produção de um estudo de caso
03 Potencialidades da experimentação - Realização de Brainstorming; - Aplicação de um questionário sobre os equipamentos e materiais de laboratório; - Apresentação de experimentos que podem ser realizados com materiais de baixo custo; - Aplicação de um questionário sobre o potencial das atividades práticas e experimentais; - Registro das impressões sobre o encontro no Padlet. Preencher o diário formativo
04 Estratégias potencialmente significativas; Cinema + microbiologia - Socialização de estratégias didáticas: Histórias em Quadrinhos, mural de fatos e notícias, painel integrado, aprendizagem em espiral e árvore de problemas. - Palestra: “O uso de filmes como recurso pedagógico com possibilidades na aprendizagem significativa”. - Registro das impressões sobre o encontro no Padlet. Preencher o diário formativo
05 Ressignificação dos planos de aula - Aplicação de um questionário sobre a produção dos planos de aula; - Ressignificação dos planos de aula através de uma atividade colaborativa realizada em pequenos grupos. Preencher o diário formativo e ficha avaliativa
Fonte: Elaborado pelos autores (2023)

Fonte: Elaborado pelos autores (2023)

Com as etapas do processo formativo apresentadas acima, a seguir é realizada uma breve descrição dos encontros, enfatizando principalmente os resultados obtidos que dizem respeito aos teóricos de referência e discussões que envolvem o ensino de microbiologia com ênfase em saúde.

No primeiro encontro foi realizada a socialização da proposta do processo formativo, com o cronograma estimado, os objetivos de cada encontro e os procedimentos metodológicos, permitindo aos professores uma compreensão da pesquisa-formação. Além disso, ocorreu uma explanação sobre o ensino de microbiologia com ênfase em saúde e a apresentação das inspirações teóricas, evidenciando a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) proposta por David Ausubel (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980) e a Didática sensível defendida por Cristina D’Ávila e colaboradores (D’ÁVILA; ZEN; GUERRA, 2020).

A apresentação sobre a TAS evidenciou diferentes aspectos, como o fato da teoria pressupor que os fatores que mais influenciam na aprendizagem significativa são, respectivamente, o conhecimento prévio do estudante, a disposição para aprender e a utilização de materiais potencialmente significativos (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980; MOREIRA, 2012; MOREIRA, 2014). Além disso, foi reforçado que há diversas variáveis de aprendizagem, como as cognitivas que são decisivas na aprendizagem e as afetivo-sociais, que são impactantes apesar de não ser indispensáveis, como a motivação (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980).

Nesse sentido, também foi apresentada a Didática sensível, baseada na necessidade de considerar o saber inteligível e o sensível, além de relacionar a arte e a ciência, sendo desenvolvida com práticas pedagógicas que envolvem ludicidade, diferentes metodologias e metáforas criativas capazes de motivar os estudantes (D’ÁVILA, 2014; D’ÁVILA; ZEN; GUERRA, 2020).

Ao enfatizar que aquilo que o estudante já sabe é um dos fatores que mais influenciam na aprendizagem, os professores fizeram comentários que reforçam a importância do conhecimento prévio no ensino de microbiologia:

(...) Os alunos às vezes também tem dificuldade porque há falta de conversa entre diferentes disciplinas e temas de uma mesma aula, fazendo com que não consigam estabelecer relações. (Professor 14)

Percebo muitas falhas e dificuldades porque os alunos não aprendem o básico. Se o aluno não tem reforçado o conceito do micro, como compreender coisas que ocorrem no macro? (...) Eu espero aprender práticas, de inovar um pouco no que eu puder pra ajudar o aluno a fixar essa parte mais microscópica da microbiologia, para que quando chegue lá na frente ele não tenha dificuldades em outros assuntos que precise ter o conhecimento prévio de microrganismos. (Professor 13)

No último fragmento apresentado, além de citar a importância do conhecimento prévio, o professor indicou o que esperava obter através do processo formativo. Nessa perspectiva, também foram realizados comentários que enfatizam a necessidade de contextualizar a microbiologia com o cotidiano dos estudantes, como apresentado no fragmento a seguir:

Ao tratar da microbiologia, muitas vezes já aconteceu comigo de perguntar assim “vocês sabem o que é uma bactéria, um vírus ou um fungo?”. Eles tem ideia do que é, mas se mostrar imagem, forma ou alguma coisa, eles não conseguem dizer quem é quem, e muito menos associar que o causador de uma gripe, por exemplo, é um microrganismo, né? Um vírus. Pelo menos o que eu já presenciei e vivi. Eles não conseguem fazer essa associação, tanto que a gente diz, por exemplo, ‘por que pegamos gripe mais de uma vez?’ e a gente vai explicar que o vírus sofre mutação e aquela coisa, e eles ficam assim, perplexos, e perguntam ‘como é que pode professor, uma coisa tão pequena que a gente nem vê e acaba deixando a gente doente?” Então, essa associação eles não tem. (Professor 8)

Nessa perspectiva, após reforçar a importância do conhecimento prévio como elemento facilitador do processo de ensino e aprendizagem, foi discutida a importância da associação entre a microbiologia e o cotidiano. Para Kimura et al. (2013), quando os estudantes não conseguem entender o papel dos microrganismos no cotidiano, dificilmente os conteúdos da microbiologia sairão da abstração, motivo pelo qual deve-se realizar associações com o cotidiano dos estudantes e reforçar a aplicabilidade dos microrganismos para a vida.

No diário formativo, os professores também registraram suas impressões sobre o encontro e a apresentação sobre os teóricos de referência:

Nós compreendemos um pouco mais sobre a teoria de David Ausubel e conhecemos a didática sensível, com informações interessantes sobre a sensibilidade, a razão, o conhecimento prévio e outros elementos importantes. Um conceito que me marcou foi a importância das emoções e a necessidade de contextualizar o conteúdo ministrado com o dia a dia do estudante, possibilitando que a temática convide o aluno a retornar para a realidade e enfrentar o que há nela. (Professor 3)

Após apresentar os teóricos pensei em como eu já conhecia um dos autores, mas nunca tinha pensado em como utiliza-lo de forma direta nas minhas aulas. Não conhecia a didática sensível, mas acredito que o vínculo entre aluno e professor, que razão e sensibilidade garantem uma melhor abordagem sobre o ensino de microbiologia e outras áreas do conhecimento também. (Professor 9)

Em seguida, o tema do encontro passou a ser microbiologia com ênfase em saúde. Nessa perspectiva, diante da pergunta norteadora “Qual é a importância de trabalhar microbiologia com ênfase em saúde?”, os professores incluíram três palavras na ferramenta colaborativa Mentimeter e possibilitaram a construção de uma nuvem de palavras (Figura 2).

Figura 2 – Nuvem de palavras produzida pelos professores participantes

Nuvem de palavras produzida pelos professores participantes
Figura 2
Nuvem de palavras produzida pelos professores participantes
Fonte: Elaborado pelos autores (2023)

Partindo da construção da nuvem de palavras, os principais elementos citados pelos professores estão relacionados com aspectos da Educação em saúde, como a prevenção de doenças, higiene e bem-estar.

A Educação em saúde é uma ferramenta que contribui para a promoção da saúde ao oportunizar a participação da população em questões relativas a qualidade de vida, com o objetivo de gerar reflexões que repercutam em mudanças comportamentais responsáveis, visando a saúde individual e coletiva. Para isso, intervenções dialógicas são planejadas e executadas, considerando o cotidiano dos participantes para que percebam suas necessidades básicas e reforçando a autonomia deles para buscar uma vida saudável, evitar situações de risco e propagar conhecimentos (CONCEIÇÃO et al., 2020).

A palavra prevenção foi a mais citada pelos professores e por isso aparece em um tamanho maior na nuvem de palavras. Sobre essa escolha, evidencia-se o comentário de um professor:

Eu pensei muito em relação ao que os estudantes sempre apresentam de curiosidade durante as aulas, né? Tem muita relação com prevenção. Das coisas mais simples e básicas de problemas de saúde, com as mais complexas, que eles de certa forma associam com microbiologia. Sempre imaginei a palavra prevenção como fundamental para esse tema. (Professor 1)

Outros elementos apresentados na nuvem de palavras revelam uma visão positiva dos microrganismos, como a utilização deles na produção de vacinas.

Esse resultado é interessante, uma vez que, a maioria dos microrganismos não causam danos à saúde humana, mas muitas vezes são conhecidos apenas por esse motivo. Desse modo, é importante enfatizar que os microrganismos também são responsáveis por inúmeros benefícios e colaboram para o avanço de diversas áreas, como a medicina e a indústria farmacêutica (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012; MADIGAN et al., 2016).

Desse modo, é possível reduzir a visão de que os microrganismos são apenas prejudiciais para a saúde. Em relação a microbiologia com enfoque em doenças, evidencia-se que na nuvem de palavras apareceram poucos elementos que remetem puramente a uma abordagem biomédica.

No contexto educacional, frequentemente ocorre a abordagem biomédica, tratando saúde como ausência de doenças, discutindo tratamento e cura e desconsiderando fatores sociais, psicológicos e culturais (MARTINS; SANTOS; EL-HANI, 2012). Essa visão é reforçada pelos livros didáticos, que são muito utilizados no trabalho docente, onde apesar da saúde ser o conteúdo mais abordado sobre microbiologia, quase sempre vincula os microrganismos a existência de doença, construindo a ideia de que devem ser combatidos (CAMARGO; SILVA; SANTOS, 2018). Assim, evidencia-se a necessidade de buscar abordagens que desenvolvam uma compreensão a partir da promoção da saúde e da qualidade de vida.

Nesse sentido, há abordagens que não são limitadas a doenças e visam orientar e conscientizar, almejando a saúde individual e coletiva. Uma delas é a abordagem comportamental, focada em estratégias para reverter estilos de vida inadequados e garantir a promoção da saúde, contemplando aspectos da abordagem socioecológica. Essa última, não visa apenas o tratamento ou a prevenção, mas aponta os direitos e deveres dos indivíduos sobre saúde, desenvolve ações coletivas para reforçar o papel ativo de cada um no processo de mudança social e contribui no desenvolvimento de habilidades individuais para criar espaços saudáveis (MARTINS; SANTOS; EL-HANI, 2012).

Sobre a visão positiva ou negativa dos microrganismos, um professor relatou:

Embora a doença tenha sido mencionada, ela não teve um papel de destaque. Por exemplo, eu sempre começo as minhas aulas perguntando o que os alunos pensam quando falamos em microbiologia. E eu tenho observado uma melhora de parar o vínculo com doença, com coisa ruim. Eu gosto sempre de falar assim, que se a gente tivesse mais microrganismos bons do que maus, a gente não estaria aqui pra contar essa história. A gente tem muito mais microrganismos benéficos que maléficos, mas os maus quando atingem nosso corpo ou uma planta podem causar um estrago grande. Mas eu acho que um dos aspectos importantes da micro com ênfase em saúde é mostrar que tem os ruins, mas tem os bons, e a importância deles terem esse conhecimento da micro, pra saber a importância da higiene como colocado aqui, da higiene bucal, alimentação e prevenção das doenças. (...) A gente pode trazer muitas curiosidades e como colocaram, inovar atividades. Quando fazemos algo diferente, nem todos gostam, claro que não, mas outros amam. Então é uma forma da gente trabalhar inclusive com mais ludicidade, mais prazer pro nosso aluno e pra gente. (Professor 10)

Como reforçado nesse relato e em outras palavras presentes na nuvem, trabalhar com saúde no ensino de microbiologia não é abordar apenas as doenças causadas por microrganismos. Há microrganismos que causam infecções, mas a microbiologia pontua que a maior parte deles é contribuinte no equilíbrio dos organismos vivos, que estão relacionados com a microbiota, saúde bucal, saúde sexual e apresentam aplicações comerciais, como produção de medicamentos e de alimentos (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012).

Então, foi iniciada a abordagem sobre aspectos do ensino de microbiologia com ênfase em saúde. Para guiar a apresentação, foi utilizado um mapa mental construído no Coggle (Figura 3), com os principais pontos a ser abordados, como os conteúdos, a relação da microbiologia com a saúde humana e as estratégias e recursos didáticos que podem ser utilizados para abordar essa temática.

Figura 3 – Mapa mental utilizado para abordar aspectos do ensino de microbiologia e saúde

Mapa mental utilizado para abordar aspectos do ensino de
microbiologia e saúde
Figura 3
Mapa mental utilizado para abordar aspectos do ensino de microbiologia e saúde
Fonte: Elaborado pelos autores (2023)

No geral, esse mapa mental evidencia que a microbiologia é a ciência responsável pelo estudo dos microrganismos, pontuando alguns representantes, sendo que, por estar relacionada à saúde humana, sua abordagem envolve temas relacionados à saúde pública (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012; MADIGAN et al., 2016). Logo, estudar microbiologia pode contribuir para a formação de pessoas conscientes sobre os cuidados com saúde e o meio em que vivem. Para isso, o ensino de microbiologia deve aproximar o conhecimento científico ao cotidiano e não deve ser trabalhado apenas de forma tradicional, sendo sugerida a utilização de diferentes estratégias didáticas (KIMURA et al., 2013).

Nos três encontros seguintes, foram abordadas diferentes metodologias, técnicas, estratégias didáticas e recursos tecnológicos digitais capazes de potencializar o ensino de microbiologia. No segundo encontro a ênfase esteve nas estratégias de interesse dos professores e os instrumentos facilitadores de acordo com a TAS. No terceiro encontro o foco foi a experimentação. O quarto encontro, por sua vez, foi marcado pela realização da palestra “Uso de filmes como recurso pedagógico com possibilidades na aprendizagem significativa”, que enfatizou metodologias pedagógicas utilizando filmes, com foco na TAS.

Dentre o que foi abordado nos encontros, destaca-se que ao apresentar o estudo de caso como estratégia de ensino, os professores realizaram a resolução de um estudo de caso sobre uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST), respondendo “Qual IST é essa? Quem é o agente causador? Como posso tratar?”. Em seguida, houve uma discussão sobre a microbiologia e sua relação com a sexualidade, que começou com o comentário evidenciado abaixo:

Eu havia pensado aqui, se durante as aplicações com as turmas você ou alguém aqui passou por alguma dificuldade em relação a aceitação das famílias e se houve alguma estratégia de conseguir resolver esse problema, porque a gente tem tentado um pouco na nossa escola e é um assunto que não pode ficar silenciado e pode ser abordado com microbiologia, ainda mais que é delicado de forma social e biológica. É só pra saber se por experiências de prática, se já teve algum caso desse de resistência da família e qual foi a saída. (Professor 14)

Em seguida, outros comentários foram feitos. Ao abordar microbiologia relacionando-a com questões sobre a sexualidade, os professores foram enfáticos sobre o modo que o assunto é tratado em aula, bem como as dificuldades para abordar a temática, como é possível verificar no fragmento abaixo:

Tanto nas aulas de ciências quanto nas aulas de biologia a gente tem certos assuntos que se você deixar que a interação dos alunos continue, você não consegue dar aula. Por exemplo, microbiologia e educação sexual. São assuntos que eles perguntam muito. Eu nunca passei por nenhum problema, só passei pelo receio mesmo porque o receio sempre existe, mas nenhuma situação problemática. Alguns assuntos, inclusive esses que envolvem sexualidade, a gente tem que planejar calculando as palavras, porque qualquer coisa que você fala as vezes distorcem, entendem errado e acham legal que o professor tá falando esse tipo de assunto e pode gerar um problema, então é muito complicado planejar em cima disso, tem que ter muito controle. (Professor 13)

Dentre as dificuldades, os professores também ressaltaram ter medo de demissão ao abordar sexualidade e que trabalhar com IST é difícil porque os estudantes não acreditam na existência de microrganismos. Em uma pesquisa realizada por Barbosa e Oliveira (2015), foi constatado que os estudantes do ensino fundamental costumam ter informações sobre microrganismos, mas possuem dificuldades em perceber a existência deles. Para os autores, é preciso investir em estratégias adequadas para mostrar os microrganismos para os estudantes e para promover a compreensão dos microrganismos como seres que podem não ser vistos, mas estão presentes no cotidiano desempenhando diferentes aplicações.

Rocha e Marisco (2019) afirmam que fatores culturais, individuais e de formação influenciam no posicionamento dos professores diante de questões sobre sexualidade, então, eles podem apresentar resistência por motivos pessoais, receios em relação a família e inseguranças por acreditar que não possuem formação específica para abordar a temática.

A partir dos comentários realizados, é notório que ainda existe muita dificuldade por parte dos professores em abordar a temática por esses fatores, além da falta de domínio de conteúdo. Nesse sentido, a mediadora desenvolveu uma discussão sobre a importância do papel dos professores no processo de orientação em relação à sexualidade.

Para isso, foi usada como referência uma pesquisa sobre a vulnerabilidade na adolescência com enfoque em IST, onde, a partir de dados obtidos com estudantes, professores e pais, foi evidenciado que os estudantes possuem interesse na temática, mas raramente são orientadas pelos pais e os professores não se sentem confortáveis para abordar a temática, por falta de formação ou receio dos pais. Assim, uns jogam a responsabilidade para os outros e os estudantes permanecem vulneráveis por não obter informações seguras (ROCHA; MARISCO, 2019).

Além disso, uma professora comentou que reconhece o seu papel na abordagem da sexualidade, mas que os estudantes podem encontrar essas informações com facilidade na internet. Gondim et al. (2015) apontam que os estudantes costumam recorrer à internet para obter informações sobre saúde sexual e infecções causadas por microrganismos, mas que há meios mais seguros para adquirir conhecimentos com uma visão crítica sobre o assunto, como na escola.

Sob outra perspectiva, alguns professores ressaltaram a disposição que possuem para abordar a temática, apontando a importância de não se omitir:

Eu trabalho com essa questão da sexualidade e é uma questão que bato sempre de frente com pais e a direção da escola (...) A gente passa muitas coisas, mas acredito que nós, enquanto professores, é nossa obrigação, até pela legislação a gente tem que informar o aluno e não pode privar o aluno do direito ao conhecimento. É dar a testa, não tem o que fazer, precisamos correr atrás. Se a gente não informar esses meninos, quem é que vai? Porque muitos pais não tem o conhecimento necessário, não sabem o que é um vírus, uma bactéria, não sabem explicar o que é HPV, Herpes, Sifíllis. É ir contra política, corrente, maré, religiosidade, porque eu acredito que é uma obrigação e os alunos amam. Considere os princípios dos outros, mas não prive o direito de receber informações deles. Eu amo trabalhar saúde e sexualidade. (Professor 2)

No quinto encontro, os professores foram organizados em grupos, identificaram lacunas em planos de aulas elaborados após o primeiro encontro e depois reelaboraram, considerando a realidade que vivenciam no ambiente escolar e os saberes construídos durante o processo formativo. Assim, construíram planos de aula com o objetivo de destacar a importância da preservação dos alimentos para o consumo humano, evidenciar a existência de microrganismos no corpo humano e analisar as condições nutricionais e de temperatura essenciais para o desenvolvimento de leveduras e produção de O2.

Ao final do processo formativo, a partir da ficha avaliativa foram obtidas respostas que retratam os sentimentos dos professores em relação ao ateliê didático. Para fins de análise, as respostas foram agrupadas em três categorias: I) Resultados esperados e alcançados; II) Importância da interação; e, III) Implicações sobre as estratégias utilizadas. É importante salientar que comentários relacionados com a microbiologia com ênfase em saúde perpassam sob as três categorias.

Ao questionar o que os professores esperavam desenvolver no processo formativo e se tiveram sucesso, foram obtidas as seguintes respostas:

Entrei no curso com a expectativa de aprender novas formas de dar aulas de microbiologia gerando envolvimento dos alunos. Mas aprendi formas de tornar as aulas mais interativas, englobando diferentes práticas em sala de aula, visando um perfil investigativo e critico diante das situações propostas em qualquer disciplina, ou seja, o curso não foi conteudista, não ensina somente o conteúdo, mas os objetivos de cada atividade, o que se espera delas e muitas alternativas para desenvolver metodologias colaborativas. (Professor 11)

Novos métodos, plataformas e jeitos de abordar temas que na minha cabeça seria possível somente em aulas presenciais. Com toda certeza obtive sucesso, aprendi muito com o curso, novas ferramentas, interações, aulas práticas etc e além disso aprendi novos experimentos para trabalhar microbiologia com foco na saúde. (Professor 6)

Esperava desenvolver mais a criatividade, ou seja, ideias práticas e acessíveis para a realização de experimentos. E fiquei muito feliz, porque foi exatamente isso que aconteceu durante o curso e mostrar a aplicação de destaque dos microrganismos no favorecer da saúde. (Professor 3)

Os professores também ressaltaram a importância da interação e a troca de experiências com professores que atuam em escolas com realidades diferentes, como pode ser observado nos fragmentos abaixo:

Adorei conhecer a realidade das escolas de outros estados do Brasil. Sempre existe algo para aprendermos e aprimorarmos a nossa prática docente. (Professor 1)

(...) O curso foi maravilhoso, poder discutir ideias com outros colegas é muito enriquecedor. Fora que o conteúdo foi extremamente positivo, aprendi muitas estratégias pra abordar microbiologia e saúde. (Professor 5)

Por fim, foram apresentadas implicações sobre as estratégias utilizadas durante o processo formativo:

Gostei do jeito de apresentar o curso, de forma sensível, objetiva e didática, fazendo uso de imagens e do nosso conhecimento prévio. A linguagem clara e criativa prendeu a minha atenção e falar sobre aprendizagem significativa e estratégias didáticas utilizando elas é muito importante, aprendi muito. (Professor 10)

Foi um curso excelente que expande a criatividade e nos proporciona levar aos alunos atividades diferenciadas, contribuindo para a aprendizagem de forma lúdica e inovadora. (Professor 9)

A devolutiva sobre o processo formativo foi positiva na perspectiva da ressignificação do ensino de microbiologia. Através das estratégias adotadas para coletar dados, evidenciou-se que os encontros provocaram inquietações capazes de tirar os participantes da passividade, promovendo reflexões e reconstruções.

Considerações finais

O “Ateliê didático Reinventa docente: ensino de microbiologia” foi desenvolvido com a participação ativa dos professores participantes, considerando a realidade e suas demandas individuais. Ancorado em narrativas, permitiu elencar diversos fragmentos de falas que evidenciaram a presença de reflexões, aprendizados e descobertas.

Durante a realização das atividades que envolveram a microbiologia e saúde, a interação entre os participantes favoreceu a revelação de vivências, emoções e dificuldades. Desse modo, foi possível inferir que os professores não possuem uma visão puramente biomédica da microbiologia com ênfase em saúde, logo, não associam apenas com doenças e conseguem relacioná-la com diferentes aspectos, como saúde bucal, saúde sexual, higiene e a produção de alimentos e medicamentos. Entretanto, enfrentam desafios para abordar a temática, como o medo de serem reprimidos pelos responsáveis dos estudantes ao abordar IST.

Também foi possível refletir sobre as formas de contribuir com o ensino de microbiologia em termos de ressignificação, visto que a troca de conhecimentos e as discussões favoreceram uma (re)construção de saberes e foram capazes de evidenciar a necessidade de promover mudanças na prática pedagógica. Nesse sentido, constatou-se que os professores estão abertos a mudanças e dispostos a aprimorar a própria prática para contribuir com o aprendizado dos estudantes.

Nessa perspectiva, ressalta-se que o ateliê didático foi capaz de disponibilizar aportes teóricos e metodológicos, propiciando reflexões e o interesse em incorporar novas estratégias na prática pedagógica, para favorecer tanto o ensinar quanto o aprender. Por fim, evidencia-se a importância de investir em processos formativos no âmbito da formação continuada no que tange ao ensino de microbiologia com ênfase em saúde, por considerar que esse é um caminho capaz de contribuir com saberes para a constituição de novos sentidos e práticas educativas.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro concedido.

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