Artigos
A influência da Indústria Cultural e as suas implicações nas mídias sociais como práticas educativas
Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Brasil
ISSN-e: 2446-774X
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 8, e167422, 2022
Resumo: Este artigo visa discutir a influência da Indústria Cultural na sociedade contemporânea e as suas implicações na utilização de mídias sociais nas práticas docentes. O acesso às mídias sociais, muitas vezes, é visto como vício e atividades para o lazer pessoal. Entretanto, tem-se uma sociedade tecnológica que cada vez mais faz uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) no seu cotidiano. Essas mídias têm constituído um canal de comunicação, inclusive na educação. Assim, é importante realizar estudos sobre o uso delas no contexto educacional. E, dessa forma, surge a seguinte problemática: quais as implicações da utilização das mídias sociais nas práticas docentes, levando-se em consideração o sujeito pós-moderno e a indústria cultural que permeia a contemporaneidade? Diante do exposto, objetiva-se discutir essa utilização e as relações estabelecidas desse uso na vida desse sujeito que está inserido em uma cultura de divulgação massiva de informações. Para tanto, realizou-se uma revisão de literatura com base em livros e artigos escritos no período de 2013-2019 e foi promovida uma busca exploratória nas bases do Scielo, Google Scholar e Periódicos da Capes, sendo que dessa consulta foram selecionadas 18 pesquisas que envolvem as temáticas estudadas e, para que se edifique uma efetiva discussão sobre os assuntos em questão, foram incluídas as ideias de Hall (2001), Kensky (2012), Geertz (2008) e Adorno (2003). Dessa forma, pretende-se destacar a importância de inserção das mídias sociais nas práticas educativas, considerando o contexto e o sujeito contemporâneo.
Palavras-chave: Contexto da educação Tecnologia e educação. Crítica da educação..
Abstract: This article aims at discussing the influence of the Cultural Industry in contemporary society and its implications for the use of social media in teaching practices. Access to social media is often treated as addiction and activities for personal leisure, however, we live in a technological society that has increasingly used Digital Information and Communication Technologies (TDIC) in their daily lives. These media have been a communication channel, including in education, so it is important to carry out studies about their use in the educational context. Thus, a question has been arisen: what are the implications of the use of social media in teaching practices, considering the postmodern subject and the cultural industry that permeates contemporary times? In this way, the objective is to discuss the use of these media and its reflection in the postmodern subject’s life. Thus, a literature review was carried out based on books and articles written in the period 2013-2019 and an exploratory search on the basis of Scielo, Google Scholar, and Capes Journals was developed, from this research 18 researches that involve the themes studied were selected and, in order to build an effective discussion on the issues treated on this paper, the ideas of Hall (2001), Kensky (2012), Geertz (2008) and Adorno (2003) were included. This way, it is intended to highlight the importance of inserting social media in educational practices, considering the context and contemporary subject.
Keywords: Educational context Technology and education. Critique of education..
A influência da Indústria Cultural e as suas implicações nas mídias sociais como práticas educativas
The influence of the Cultural Industry and its implications on social media as educational practices
Resumo
Este artigo visa discutir a influência da Indústria Cultural na sociedade contemporânea e as suas implicações na utilização de mídias sociais nas práticas docentes. O acesso às mídias sociais, muitas vezes, é visto como vício e atividades para o lazer pessoal. Entretanto, tem-se uma sociedade tecnológica que cada vez mais faz uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) no seu cotidiano. Essas mídias têm constituído um canal de comunicação, inclusive na educação. Assim, é importante realizar estudos sobre o uso delas no contexto educacional. E, dessa forma, surge a seguinte problemática: quais as implicações da utilização das mídias sociais nas práticas docentes, levando-se em consideração o sujeito pós-moderno e a indústria cultural que permeia a contemporaneidade? Diante do exposto, objetiva-se discutir essa utilização e as relações estabelecidas desse uso na vida desse sujeito que está inserido em uma cultura de divulgação massiva de informações. Para tanto, realizou-se uma revisão de literatura com base em livros e artigos escritos no período de 2013-2019 e foi promovida uma busca exploratória nas bases do Scielo, Google Scholar e Periódicos da Capes, sendo que dessa consulta foram selecionadas 18 pesquisas que envolvem as temáticas estudadas e, para que se edifique uma efetiva discussão sobre os assuntos em questão, foram incluídas as ideias de Hall (2001), Kensky (2012), Geertz (2008) e Adorno (2003). Dessa forma, pretende-se destacar a importância de inserção das mídias sociais nas práticas educativas, considerando o contexto e o sujeito contemporâneo.
Palavras-chave: Contexto da educação. Tecnologia e educação. Crítica da educação.
Abstract
This article aims at discussing the influence of the Cultural Industry in contemporary society and its implications for the use of social media in teaching practices. Access to social media is often treated as addiction and activities for personal leisure, however, we live in a technological society that has increasingly used Digital Information and Communication Technologies (TDIC) in their daily lives. These media have been a communication channel, including in education, so it is important to carry out studies about their use in the educational context. Thus, a question has been arisen: what are the implications of the use of social media in teaching practices, considering the postmodern subject and the cultural industry that permeates contemporary times? In this way, the objective is to discuss the use of these media and its reflection in the postmodern subject’s life. Thus, a literature review was carried out based on books and articles written in the period 2013-2019 and an exploratory search on the basis of Scielo, Google Scholar, and Capes Journals was developed, from this research 18 researches that involve the themes studied were selected and, in order to build an effective discussion on the issues treated on this paper, the ideas of Hall (2001), Kensky (2012), Geertz (2008) and Adorno (2003) were included. This way, it is intended to highlight the importance of inserting social media in educational practices, considering the context and contemporary subject.
Keywords: Educational context. Technology and education. Critique of education.
Introdução
A sociedade atual está cada vez mais modernizada e conectada ao mundo digital. A globalização ajudou significativamente neste processo. No âmbito educacional, esse contexto não é diferente, percebe-se a necessidade de desenvolvimento das práticas educativas, a fim de tornar o conteúdo mais atrativo e interessante aos discentes, haja vista que a educação também precisa adequar-se e adaptar-se a essas mudanças que permeiam e envolvem os processos sociais como um todo.
Todavia, é necessário deixar claro que não se tem, neste estudo, nem de longe, a ilusão de que o uso das mídias sociais no processo de globalização e nas práticas educativas acarreta somente consequências positivas para a sociedade (ou, mais especificamente, para a educação). Um exemplo disso é a influência da Indústria Cultural na vida coletiva, esse conceito é trabalhado por Adorno e Horkheimer (1947) e será discutido de forma mais detalhada na seção a seguir.
Dessa forma, surge o seguinte questionamento: quais as implicações da utilização das mídias sociais nas práticas docentes, levando-se em consideração o sujeito que está inserido numa sociedade influenciada pela Indústria Cultural?
A fim de responder tal questão, objetiva-se, a partir das leituras de trabalhos selecionados, discutir a influência da Indústria Cultural na sociedade e as suas implicações na utilização das mídias sociais nas práticas educativas.
Sendo assim, a seguir, serão discutidos conceitos que fundamentam este trabalho, por meio de estudiosos das respectivas áreas temáticas. Logo após, será detalhada a metodologia que norteia esta pesquisa para, em seguida, iniciarem-se as análises e discussões dos artigos, o que culminará nas considerações finais que representarão as impressões e resultados obtidos após o percurso analítico.
Fundamentações teóricas
Antes de iniciar efetivamente as análises e discussões dos artigos encontrados, faz-se necessária a elucidação de conceitos que são cruciais para o entendimento e fundamentação da temática em questão: sujeito pós-moderno e Indústria Cultural, por exemplo, requerem um esclarecimento à parte. Cabe ressaltar que tais conceitos aqui discutidos não esgotam as possibilidades de exploração das temáticas, mas buscam clarear e apontar ao leitor as perspectivas teóricas que embasam este estudo.
Ao se pensar acerca da sociedade em que vivemos e que continuaremos a viver, é preciso que se extirpe o pensamento baseado na imutabilidade da vida social ou dos fatos, uma vez que, conforme será exposto nas próximas linhas deste trabalho, a sociedade será caracterizada como dinâmica, instável e extremamente adaptável. De fato, para se discutir a sociedade, um dos requisitos necessários é a percepção de que ela possui características mutáveis e que se desenvolve a todo tempo, adaptando-se às inovações e às novidades que surgem com o passar do tempo e a partir das conquistas sociais, tecnológicas e científicas.
Conforme discute Hall (2001), o sujeito aqui não é considerado como possuidor de uma identidade fixa, uno e centrado (Sujeito do Iluminismo) e já se ultrapassou a ideia também de um indivíduo que tem uma identidade formada pelas relações que estabelece socialmente (Sujeito Sociológico). Neste artigo, o sujeito é visto como um ser que não possui apenas uma, mas diversas identidades que são ininterruptamente “formadas e transformadas” (HALL, 2001, p.13) justamente devido à maneira como esse mesmo sujeito é representado ou influenciado pela cultura que o envolve (Sujeito pós-moderno).
Também é importante destacar que, para Hall (2001), as pessoas são vistas como sujeitos e, aqui, quando se iniciarem as análises, também será utilizada essa perspectiva, porque acredita-se que esse termo tem mais sentido para a ideia de produção de autonomia social.
A sociedade atual é formada por sujeitos pós-modernos que possuem a capacidade de se adequarem ao meio em que estão inseridos, adaptando-se, construindo-se e desconstruindo-se sempre que necessário.
Ainda discutindo sobre a sociedade, vale ressaltar que esta é intrínseca ao processo educativo. Sendo assim, é preciso considerar a cultura a que ela está exposta. Dessa forma, torna-se imprescindível deixar claro, aqui, características do sujeito e a cultura na qual ele está imerso, a fim de, após esse esclarecimento, aprofundar na discussão pretendida.
É lícito ratificar que o objetivo desta pesquisa está relacionado às implicações da utilização das mídias sociais nas práticas educativas dos docentes e, consequentemente, na vida dos discentes, uma vez que considera-se que a tecnologia representa uma forma de adaptação cultural, sendo um forte mecanismo de ajustamento e aprimoramento humano e adequar-se a esse desenvolvimento tecnológico pode significar o rompimento de paradigmas impostos e a quebra de preconceitos, que são adquiridos por meio da falta de esclarecimento e de conhecimento.
Nesse ínterim, a primeira discussão proposta por esta pesquisa diz respeito à ideia de que tanto a Biologia quanto as questões geográficas geram a diversidade cultural humana, assim como defende Laraia (2001).
Esse determinismo biológico, cuja concepção defende que a raça, o gênero, enfim, que o código genético do indivíduo é fator decisivo para limitação ou desenvolvimento do sujeito, revela-se como ultrapassado.
Sobre isso, Laraia (2001) resume que “o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que chamamos de endoculturação. Um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada” (LARAIA, 2001, p.19-20), que está relacionada à anatomia biológica do corpo de cada um e, no caso, a cultura em que eles estão inseridos responde a essa biologia.
Em relação ao determinismo geográfico, o pensamento aqui defendido segue a mesma perspectiva anterior, uma vez que, considerar que o ambiente físico em que o indivíduo está inserido é fator condicionante de seu comportamento, mostra-se como uma teoria superada, já que os sujeitos, independentemente do local em que vivem, demonstram uma grande capacidade de adaptação a outras regiões, acrescenta-se a isso o fato de que, em uma mesma região, existe uma diversidade cultural significativa (LARAIA, 2001).
Nessa medida, se nem a Biologia, nem a Geografia explicam a diversidade de comportamento dos indivíduos, a que se pode atribuir tal variedade? A resposta para tal problemática é justamente o conceito que será desenvolvido em seguida: cultura.
Para clarificar em que medida a cultura determina a diversidade de comportamento humano, primeiramente, é necessário que se tenha bem definido o conceito de cultura com o qual este artigo trabalha. Entre tantas outras conceituações existentes, pode-se destacar o de Tyler (apud LARAIA, 2001, p.28) que “definiu cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética”.
Laraia (2001) reforça ainda que, mesmo diante da fragilidade física do homem (se comparado a outros animais), a capacidade de adaptação e de compartilhamento de cultura permite que o ser humano lidere toda a natureza e se revele como o mais temível predador, tendo em vista que, para cada dificuldade encontrada, o sujeito cria artifícios que minimizam ou resolvem todos os seus problemas.
Clifford Geertz (2008) ressalta que o conceito de cultura, quando tratado de forma geral, acaba se fragilizando. Assim, ele se propõe a restringir e especificar o conceito, a fim de torná-lo mais denso e bem fundamentado. Nessa medida, Geertz (2008) defende que a cultura contribui para determinar regras e manipular a sociedade.
Na tentativa de alcançar uma imagem mais exata do homem, quero propor duas ideias. A primeira delas é que a cultura é melhor vista não como complexos padrões concretos de comportamento — costumes, usos, tradições, feixes de hábitos —, como tem sido caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções (que os engenheiros de computação chamam "programas" — para governar o comportamento (GEERTZ, 2008, p. 32).
Essa ideia vai ao encontro do que este trabalho discute e entende do conceito de cultura e suas implicações na vida social e educacional. A partir do exposto e, considerando que a tecnologia representa uma parte desse “conjunto de mecanismos de controle”, uma vez que é uma forte estratégia de ajuste e controle do comportamento humano, ser ativo e presente nesse mundo tecnológico também pode significar o rompimento de paradigmas impostos e a quebra de preconceitos, que são adquiridos por meio da falta do esclarecimento ou de entendimento equivocados de muitas informações.
O que se destaca é que fazer uso do instrumento que pode contribuir para o seu próprio controle (e estar ciente disso), pode fazer com que o sujeito passe a ter o poder de manipulá-lo e não se permitir ser manipulado por ele, superando os preceitos da Indústria Cultura, que carregam a ideia de que a manipulação estará sempre presente nas relações sociais.
Sobre essa manipulação massiva que tende e pode acontecer no mundo virtual, há que se destacar o conceito de Indústria Cultural, que foi proposto, primeiramente, na obra Dialektik der Aujklärung (Dialética do Esclarecimento), publicada em 1947, por Adorno e Horkheimer. No livro em questão, os autores optam por substituir o termo “cultura de massa” por “Indústria Cultural”, uma vez que a primeira terminologia pode dar margem ao entendimento de uma cultura que surge do povo, mas, na verdade, o que se discute é a cultura que é imposta à população, que massifica e limita o sujeito.
Essa discussão proposta por Adorno e Horkheimer, ainda que tenha iniciado em 1947, é de grande valia para os estudos atuais. O surgimento da Indústria Cultural contribui significativamente para a semiformação do sujeito e difunde a falsa impressão de satisfação e prazer para este, que, sentindo-se “satisfeito”, não se atenta para o fato de que está sendo manipulado. Sobre isso, Zuin (1999) afirma que,
na verdade, a essência do conceito de indústria cultural não só permanece atual, como também é relevante sobretudo para a investigação dos mecanismos psicológicos determinados pelas relações sociais que exigem a universalização da semiformação e, por que não dizer, da nossa educação danificada. (ZUIN, 1999, p.1)
Essa semiformação mencionada é uma consequência da Indústria Cultural que promove as características e ideias da cultura capitalista (dominante), o que faz com que o sujeito internalize os padrões impostos como sendo o ideal a ser seguido e incorporado, isto é, o homem adquire uma formação “parcial”, ilusória, já que se considera muito bem informado e esclarecido graças ao acesso às informações difundidas, não percebendo, todavia, que está sendo utilizado como um “objeto” de todo o processo, objeto esse que é manipulado e moldado dentro dos princípios preconizados (currículo formal). Essa falsa sensação de esclarecimento gera ainda uma onda de conformismo e aceitação, tornando os sujeitos apáticos e, cada vez mais, acomodados (ZUIN, 1999).
O que na verdade precisa ocorrer é a conversão dessa semiformação em uma formação de fato, que contribua para a emancipação do sujeito que precisa amadurecer e sair da menoridade, sendo esta última consequência da própria incapacidade do homem de libertar-se das amarras sociais e procurar pensar e refletir por si próprio (KANT, 2009).
Essa ideia da cultura como instrumento de massificação social ganha força com a teoria da Indústria Cultural citada anteriormente, que considera a cultura emaranhada de forma submissa à indústria e aos interesses dominantes da sociedade.
Fabiano (1998) ratifica o pensamento anterior ao afirmar que
a massificação cultural cumpre assim um papel de não elevar a consciência da massa, ao contrário, das mais diversas e ardilosas formas, fragmentar a subjetividade humana para nela introjetar uma objetividade ideológica que retroalimente a própria estrutura dominante (FABIANO, 1998, p. 161).
Assim, considera-se que a Indústria Cultural promove o controle da sociedade a partir de imposições ideológicas dominantes e da submissão social a essas imposições, o que, muitas vezes, acontece sem que o sujeito perceba que está sendo subordinado a todo o processo.
Diante da ideia de contínua manipulação da sociedade, volta-se o pensamento ao que Adorno e Horkheimer (1985) ilustram: a influência da Indústria Cultural nos sujeitos e a consequente ilusão que estes possuem diante desse controle capitalista exercido.
O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção cotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.118).
A partir do exposto, pode-se afirmar que essa semiformação, oriunda da Indústria Cultural, gera sujeitos acríticos e passivos, que aceitam essas imposições e são incapazes de perceber as implicações dessa padronização imposta, que massifica, anula a sua individualidade e dissemina estereótipos considerados aceitáveis a partir da visão da cultura dominante produzida pela Indústria Cultural.
Vale destacar ainda que, nesta perspectiva, a globalização estimula e intensifica o consumo, debilitando o ego do sujeito que, consequentemente, sente-se gradualmente incompleto e homogeneíza o conhecimento e o currículo utilizado formalmente.
Desse modo, torna-se necessário dar o devido destaque à fala de Benjamin (1985, p.225) quando pontua que “nunca houve um documento de cultura que não fosse também um documento de barbárie”. E é justamente esse sentido que o pensamento crítico do sujeito deve seguir, já que a cultura é comumente imposta pelas ideias dominantes e traz consigo, consequentemente, a sensação de exclusão do “diferente”, de segregação, de hierarquização social e do próprio conhecimento.
A reflexão proposta a partir disso é a de que a civilização perde espaço para a selvageria, uma vez que, aquilo que se contrapor ao que for considerado como válido, ao que for culturalmente aceito, isto é, “o diferente”, deve ser modificado, deve adequar-se aos padrões ou, em caso de não adequação, deve ser extinto.
Em relação a essa busca incessante do sujeito por adaptar-se às imposições, veladas ou não, da Indústria Cultural. Adorno (1992, p.25) destaca que “a necessidade dessa adaptação, dessa identificação com o existente, com o dado, com o poder como poder, cria o potencial do totalitarismo”, isto é, a Indústria Cultural contribui de forma decisiva para o fortalecimento de sistemas ditatoriais e opressivos. E, assim como o próprio Adorno (2003) destaca, um dos principais, senão o mais importante objetivo da educação deve ser justamente o combate à barbárie.
Nessa perspectiva, ressalta-se um dos instrumentos utilizados pela Indústria Cultural, que acabam contribuindo com a divulgação de informações em massa e com o assujeitamento do indivíduo: as mídias sociais no cenário educacional.
Nesse ínterim, a mídia social pode ser considerada uma significativa ferramenta da Indústria Cultural na disseminação dessas ideias e concepções dominantes e, justamente por isso, é preciso que se realizem estudos sobre esse importante instrumento social e justifica-se a necessidade de se fazer uma revisão de literatura do assunto, a fim de discutir a relação e implicações da utilização de mídias sociais nas práticas educativas, levando-se em consideração todo o contexto contemporâneo, especificamente entre o período de 2013 a 2019.
Metodologia
Este artigo, a partir de uma revisão de literatura, discute a relação e as implicações da utilização de mídias sociais nas práticas educativas, considerando o sujeito e a influência da Indústria Cultural na sociedade atual, nas pesquisas realizadas entre 2013 e 2019, ressaltando o sujeito envolvido nesse processo, bem como o currículo formal imposto e a Indústria Cultural que influencia a sociedade.
Esse tipo de revisão de literatura tem como característica principal a de não utilizar critérios explícitos e sistemáticos para a busca e análise crítica da literatura. Promove uma busca pelos estudos sem precisar esgotar as fontes de informações e também não precisar da aplicação de estratégias de busca de forma sofisticadas e exaustivas.
As revisões de literatura do tipo narrativa podem ser constituídas de introdução, desenvolvimento, comentários e referências, conforme definidos pelo autor de cada artigo e também pode consistir em elaborar estratégias para responder a um objetivo específico que serve para identificar, selecionar e avaliar criticamente os estudos incluídos na revisão (ROTHER, 2007).
Para Vosgerau e Romanowski (2014), esses estudos favorecem examinar as contribuições das pesquisas, na perspectiva da definição da área, do campo e das disciplinas que o constituem, avaliação do acumulado da área, apontando as necessidades de melhoria do estatuto teórico e metodológico, por uma análise crítica indicando tendências, recorrências e lacunas.
As revisões de literatura podem apresentar uma revisão para fornecer um panorama histórico sobre um tema ou assunto considerando as publicações em um campo. Muitas vezes uma análise das publicações pode contribuir na reformulação histórica do diálogo acadêmico por apresentar uma nova direção, configuração e encaminhamentos (VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014, p. 167).
Nessa perspectiva, foram utilizadas as bases do Scielo, Catálogo de Teses e DissertaçõesParte superior do formulário e Periódicos da Capes, a fim de buscar os trabalhos mais relevantes e concernentes ao tema proposto. Assim, entre os inúmeros resultados obtidos pela busca realizada utilizando as palavras-chave: mídias sociais, Indústria Cultural e educação, foram selecionados 18 trabalhos que representariam a amostra, vale ressaltar a preocupação em elencar artigos cujos conteúdos mostraram-se mais próximos da abordagem aqui discutida.
Essa seleção foi feita após a exclusão de artigos que se repetiam nas três bases e na opção por priorizar as datas de publicação dos textos (buscando aqueles que eram mais atuais), esses filtros reduziram significativamente a quantidade de estudos e possibilitou a leitura dos resumos dos trabalhos, com a finalidade de escolher aqueles que se relacionavam com o problema que norteia esta pesquisa.
O esquema (Figura 1) ilustra o passo a passo na busca pelos artigos utilizados neste trabalho.
Fonte: Esquema produzido pelas autoras (2020)
A partir do exposto, segue abaixo o Quadro 1 com os trabalhos, em ordem cronológica de publicação, seus títulos e respectivos autores.
Quadro 1 – Relação de trabalhos selecionados (continua)
Ano de publicação | Título do trabalho | Autor (es) |
2013 | “A atualidade da discussão sobre a indústria cultural em Theodor W. Adorno” | Jean Henrique Costa |
2013 | “Juventude e direitos humanos: o uso socialmente útil das mídias sociais” | Simone Cabral Marinho dos Santos e Ana Maria Morais Costa |
2013 | “Um arcabouço para análise de opiniões expressas em mídias sociais” | Fernanda Bruno dos Santos |
2014 | “Manifestações sociais e novas mídias: a construção de uma cultura contra-hegemônica” | Paulo Rodrigues Gajanigo e Rogério Ferreira de Souza |
2015 | “As redes sociais na internet e suas apropriações por jovens brasileiros e Portugueses em idade escolar” | Luiz Alexandre da Silva Rosado e Vitor Manuel Nabais Tomé |
2015 | “Por uma Didática Não-Fascista: problematizando a formação docente à educação básica” | Samilo Takara e Teresa Kazuko Teruya |
2016 | “Adorno: uma crítica aos advogados da indústria Cultural” | Edimar Brígido e Sales C. De Melo Nogueira |
2017 | “Cultura digital e educação, uma leitura dos estudos culturais sobre os desafios da contemporaneidade” | Bruna Damiana Heinsfeld e Magda Pischetola |
2017 | “Docência, experiência intelectual, formação: Theodor W. Adorno como professor” | Franciele Bete Petry e Alexandre Fernandez Vaz |
2017 | “Identidade, pertencimento e engajamento político nas mídias sociais” | Pedro Simonard e Anny Rochelly Vieira Santos |
2018 | “A Violência institucionalizada pela indústria cultural: debates educativos” | Adilson Cristiano Habowski; Elaine Conte e Lilian Soares Alves Branco |
2018 | “Indústria cultural, biopolítica e educação” | Amarildo Luiz Trevisan e Geraldo Antônio da Rosa |
2018 | “Mídias sociais digitais e narrativas de resistência no espaço escolar” | Nívea Rohling; Maria de Lourdes Rossi Remenche e Nelita Bortolotto |
2018 | “Mídias sociais: construção de narrativas de si de adolescentes” | Raquel de Andrade Souza Ew; Cristiano Hamann; Gustavo Affonso Gomes; Adolfo Pizzinato e Kátia Bones Rocha |
2018 | “O “esquematismo industrial” e a produção das dificuldades para a educação formal” | Cesar Augusto Alves da Silva |
2019 | “Adorno, leitor de Marx” | Bruna Della Torre |
2019 | “Ensino e divulgação em organização do conhecimento com o apoio de mídias sociais” | Cibele Araújo C.M. dos Santos |
2019 | “Justiçamento em rede: direitos humanos e efeito midiático” | Viviane de Melo Resende e María del Pilar Tobar Acosta |
Fonte: Quadro produzido pelas autoras.
Através dessa seleção, os trabalhos foram analisados, a fim de que se destacassem, neste artigo, as partes que mais chamaram a atenção considerando a profundidade das discussões levantadas pelos autores. Essas partes comporão as discussões e resultados a seguir e contribuirão para a elaboração das considerações finais desta revisão de literatura.
Análises e discussões
A partir da busca realizada, foram encontradas significativas pesquisas e valiosas discussões relacionadas à importância do uso das mídias sociais nas práticas educativas, levando em consideração a manipulação exercida pela Indústria Cultural na sociedade contemporânea, manipulação essa que acontece inclusive através das próprias mídias. Vale ressaltar que poucos artigos versam apenas sobre a temática da Indústria Cultural, mas que, ao serem analisados, trazem importantes discussões que podem contribuir diretamente com as análises voltadas para a educação e o ensino.
Nesse sentido, a inserção das mídias sociais na comunidade e na cultura convida e estimula o desenvolvimento de técnicas que visem a sua utilização no processo de aprendizagem, ao mesmo tempo, realizando um processo de inclusão digital e adaptação do estudante nas tendências e atualidades discutidas na sociedade de trabalho (GALVEZ JÚNIOR, 2014).
Portanto, é de extrema relevância que a educação utilize este mesmo mecanismo (mídias sociais) empregado pela Indústria Cultural, porém com vistas ao preparo e tomada de consciência do sujeito e não a sua manipulação e controle, uma vez que esse preparo, por questões inerentes a ele, aguçaria o senso crítico-reflexivo do sujeito que, neste contexto, deixa de ser uma “marionete” e passa a ser o protagonista de suas ações.
Nessa perspectiva, Brígido e Nogueira (2015) analisam a crítica realizada por Adorno (1947) à Indústria Cultural, destacando a industrialização da arte e da cultura, a fim de atender ao interesse das classes dominantes em detrimento dos reais objetivos dessas manifestações que deveriam ser os de “libertação” e “emancipação” humana, combatendo a semiformação e reificação do sujeito.
O entendimento dos autores em relação à Indústria Cultural na sociedade é o mesmo desta pesquisa, isso fica evidente quando pontuam em seu resumo que “assim, nossa análise compreende esta indústria como um braço do sistema capitalista, que através dos meios de comunicação de amplo acesso, exerce grande influência na difusão e disseminação da ideologia desse sistema” (BRÍGIDO; NOGUEIRA, 2015, p.61).
Ainda nessa linha de pensamento, Trevisan e Rosa (2018) destacam a significativa espetacularização do cotidiano cujas tragédias foram banalizadas a “novidades impactantes” que são disseminadas a internautas sequiosos por representações da realidade, representações essas que são difundidas pela Indústria Cultural.
Silva (2018) é outro estudioso que discute a Indústria Cultural, ressaltando a expressiva manipulação e controle exercidos por ela e busca discutir sobre os problemas atuais relacionados à aprendizagem a partir da investigação das condições em que a sociedade está imersa e como esse contexto contribui ou dificulta o processo de formação dos sujeitos.
Sobre essa manipulação imposta ao sujeito através da Indústria Cultural, Lacombe (2019, p.2) ressalta que esse sistema acaba modificando o indivíduo e “transformando-o em simples engrenagem do sistema que o envolve”.
As discussões atuais sobre a Indústria Cultural demonstram o quão “vivo” está este conceito, embora tenha sido criado há mais de meio século, isto é, o poder e a influência da Indústria Cultural demonstram ainda a sua força diante da sociedade, sendo, portanto, alvo de muitas discussões e estudos.
Essas ideias demonstram a necessidade de uma reflexão crítica diante das mídias sociais que são comumente utilizadas pela Indústria Cultural, a fim de preparar o sujeito para o uso consciente desse instrumento, com o intuito de torná-lo ativo, e não submisso a esse processo.
Os pesquisadores Petry e Vaz (2017) discutem essa mesma temática através da análise das aulas e da obra adorniana de forma mais detalhada e específica, o que facilita o entendimento do pensamento e teorias propostas por Adorno (1947), contribuindo significativamente para a problematização do processo ensino e aprendizagem frente à influência da Indústria Cultural e reflexão dos papéis dos sujeitos que fazem parte da educação.
Os impactos deste processo do uso da web e seus recursos, como as redes e mídias sociais na capacidade de aprendizagem social dos sujeitos têm levado ao reconhecimento de que a sociedade em rede está modificando a maioria das nossas capacidades cognitivas. Raciocínio, memória, capacidade de representação mental e percepção estão sendo constantemente alteradas pelo contato com os bancos de dados, modelização digital, simulações interativas, dentre outros (BRENNAND, 2006), e que essas alterações, como já foi mencionado anteriormente, podem ser aprendidas e apreendidas por nós, para que elas passem a se tornar instrumentos de emancipação e não de controle da Indústria Cultural.
Vale destacar o trabalho de Torre (2019) que, ao escrever sobre Adorno (1947), objetiva, a partir da menção a teóricos renomados, demonstrar a aproximação da obra adorniana com a obra marxista, a partir da premissa de que a primeira é um desdobramento da última.
Outro relevante e atual estudo sobre a Indústria Cultural é o de Habowski, Conte e Branco (2018) que abordam a temática relacionando-a com a famosa série televisa Game of Thrones. Assim, os autores citam o importante papel da educação no sentido de propor novos debates e valorizar a diversidade que existe na sociedade e na cultura.
Deve-se ressaltar que o aprofundamento no conceito de Indústria Cultural contribui de forma considerável para a percepção da necessidade de discutir a utilização das mídias sociais no processo ensino e aprendizagem e da consequente ligação deste último à formação efetiva do sujeito.
A partir do exposto, Gajanigo e Souza (2014) analisam manifestações sociais em alguns países, a fim de identificar os impactos do uso das mídias, especialmente, as redes sociais, nessas manifestações, destacando a cultura contra-hegemônica que emerge dessas mídias sociais.
Nessa mesma perspectiva, Santos e Costa (2013) destacam o Projeto Juventude e Direitos em Rede que objetivava incentivar o “uso socialmente útil das mídias sociais na promoção da cidadania e dos direitos humanos” (SANTOS; COSTA, 2013, p.1), o que já demonstra a potencialidade que essa ferramenta pode possuir quando utilizada de forma adequada e crítica.
De forma mais peculiar, porém muito próxima dos autores anteriormente mencionados, Rohling, Remenche e Bortolotto (2018) escrevem sobre a ocupação que ocorreu nas escolas públicas de São Paulo, em 2015, a partir de manifestações do movimento estudantil que objetivavam ir de encontro ao discurso oficial do Governo daquele ano. Os estudantes decidiram pelas ocupações após o projeto de reorganização das escolas públicas estaduais do Governo de São Paulo, anunciado em setembro de 2015.
O referido projeto almejava o fechamento de aproximadamente 90 escolas, o que influenciaria diretamente na vida de cerca de 300 mil estudantes, os quais buscaram ampliar o protesto por meio de diversos perfis criados em inúmeras redes sociais, a fim de expandir o alcance das suas vozes e atingir o maior número possível de pessoas. A partir de tais atos e as pressões políticas inerentes a ele, o Governo optou pela revogação do projeto no mês de dezembro daquele mesmo ano.
Resende e Acosta (2019) também utilizam um caso específico para análise e discussão, relacionando o que é transmitido nas mídias sociais e o que acontece na realidade cotidiana. Relatam um caso de linchamento de um adolescente de 14 anos da cidade do Rio de Janeiro e que foi repercutido demasiadamente nas mídias sociais, levando a uma diversidade significativa de discursos em torno de um mesmo fato.
Seguindo outra perspectiva dentro da mesma temática, Simonard e Santos (2017) analisam as transformações proporcionadas pelas mídias sociais, considerando essa ferramenta como “território de pertencimento”, em que as políticas públicas podem ser veiculadas de forma democratizada e interativa graças à facilidade advinda da comunicação virtual.
Essa mesma ideia de pertencimento é trabalhada por Ew, Hamann, Gomes, Pizzinato, e Rocha (2018) que analisam o Facebook e narrativas de adolescentes sobre alguns temas e destacaram a interferência midiática na formação identitária desses adolescentes. A partir das entrevistas realizadas, os autores perceberam a influência do meio virtual na formação da identidade dos jovens. Os pesquisadores então concluem:
Assim, observa-se que a autoria se organiza dialogicamente com a representação da percepção dos Outros, se materializando, por exemplo, na preocupação em relação à sua imagem. Outro movimento de caracterização de si ocorre a partir de postagens que tivessem avaliação positiva da audiência – por meio de curtidas e comentários de concordância. (EW et al, 2018, p.6)
Nessa perspectiva, percebe-se que a formação do Eu do sujeito está intrinsecamente ligada à percepção do Outro e que as interações realizadas pelos amigos virtuais eram decisivas para considerarem o que é bom ou ruim para ser publicado em uma rede social.
Rosado e Tomé (2015) discutem o uso das redes sociais por jovens que estão no Ensino Fundamental e Médio e destacam a influência dessa utilização na vida desses indivíduos, seja no âmbito pessoal, escolar ou familiar. Os autores, em suas considerações finais, recomendam que as instituições de ensino incluam e incentivem a utilização das redes sociais pelos discentes com vistas à melhoria do processo ensino e aprendizagem.
Essa análise dos autores vai ao encontro do que afirmam Minhoto e Meirinhos (2011) quando ressaltam que
o sistema educativo carece de sentido se não for capaz de incorporar as ferramentas que a sociedade já está a utilizar ao nível da comunicação. Estas ferramentas parecem estar em condições de favorecer o desenvolvimento dos contextos de aprendizagem [...], conduzindo, de forma ativa, à construção de saberes pelos próprios alunos (MINHOTO; MEIRINHOS, 2011, p.27)
Essas teses ratificam a importância da adequação e evolução das práticas educativas, que precisam dar um “lugar” e espaço aos meios de comunicação, já que estes estão cada vez mais presentes na vida de pais, alunos, professores, da sociedade em geral e podem contribuir significativamente com o aprimoramento do processo educativo.
A dissertação escrita por Santos, em 2013, considera a importâncias das mídias sociais e preocupa-se com “construir um ferramental de simples utilização que seja capaz de capturar, armazenar e analisar dados provenientes das três principais mídias sociais disponíveis na Internet, Facebook, YouTube e Twitter” (SANTOS, 2013, p. 14). A referente pesquisa não está voltada diretamente para a área educacional, mas traz informações acerca dessas mídias sociais na atualidade, conceituando-as e descrevendo a importância de cada uma.
A partir das exposições das perspectivas de como os autores vêm trabalhando com as mídias sociais em suas pesquisas, ratifica-se a importância de se discutir o papel que essas ferramentas desempenham na contemporaneidade.
Heinsfeld e Pischetola (2017) utilizam esse contexto para promover a problematização da influência dessas novas tecnologias nos sujeitos, destacando também a função da escola nesse cenário e fundamentando-se nos estudos culturais. Assim, conceituam o termo “cultura”, a fim de adentrar de forma mais segura em outra terminologia: “cultura digital” e demonstrar que esta última ganhou força, mas que não deve ser considerada por si só como “salvadora da pátria” e sim como mais um elemento que pode contribuir para evolução humana.
Por esse prisma, a cultura desponta como componente decisivo em todo esse contexto e as mídias são continuamente utilizadas como instrumentos que disseminam ideais culturais a serem seguidos.
A partir disso, e partindo do princípio de que a educação dever ser emancipadora e libertadora, percebe-se a necessidade de o professor ser um verdadeiro mediador no processo ensino e aprendizagem, a fim de colocar o aluno em contato com uma diversidade cultural significativa, visando à ampliação e enriquecimento dos conhecimentos dos seus discentes.
Nessa perspectiva, Takara e Teruya (2015) questionam os modos como a didática é utilizada nos dias atuais e propõem novas possibilidades de performance docente. Essa pesquisa reforça o que pontua Vasconcelos (2010) quando afirma que
caberá ao educador investigar, dentre os vários recursos da rede virtual, quais deles possam ter um valor consideravelmente eficaz no processo de ensino e de aprendizagem. Quais deles melhor contribuem para que os alunos passem da passividade para a atividade. Mais do que utilizar os recursos disponíveis no panorama sociomundial, ou se apropriar das ferramentas tecnológicas, um dos principais objetivos do ensino é o de conseguir que os professores estabeleçam entendimento e reflexão no que concerne às mudanças tecnológicas. Isso transita pelo papel do professor investigador-colaborador (VASCONCELOS, 2010, p.30).
Essas problemáticas apontam para a função do professor na sala de aula, na importância das escolhas metodológicas e do preparo docente para lidar com as inúmeras possibilidades de recursos que a tecnologia oferece para a educação se desenvolver e seguir desempenhando de forma eficaz o seu papel.
A partir disso, vale destacar o que pontua Kenski (2012, p. 22) a respeito da palavra “tecnologia”, que, para a autora, “[...] diz respeito a muitas outras coisas além das máquinas. O conceito tecnologia engloba a totalidade de coisas que a engenhosidade do cérebro humano conseguiu criar em todas as épocas, suas formas de uso, suas aplicações”.
Esse conceito é muito válido para este estudo, visto que, quando o uso de mídias sociais em sala de aula é discutido, consequentemente abre-se espaço para reflexões sobre a utilização da tecnologia no contexto educacional, já que o primeiro recurso normalmente precisa deste último para exercer a sua função.
E, pensar a tecnologia como tudo aquilo que é resultado da criatividade humana, que é criado ou que é realizado utilizando os recursos disponíveis, dando novas funcionalidades e aplicabilidades a esses recursos, faz com que as visões acerca dessa temática possam ser mais flexíveis e progressistas.
As discussões suscitadas a partir da revisão de literatura demonstram a diversidade de perspectivas que podem ser seguidas por meio dessa temática que envolve as mídias sociais, a educação, bem como os demais temas que estão interligados de forma direta ou indireta no processo de formação educacional dos sujeitos.
Considerações finais
A revisão de literatura realizada apresenta diversas perspectivas teóricas relacionadas à temática. Pesquisar as mídias sociais na educação, por meio de um viés crítico, descrevendo os inúmeros benefícios provenientes do uso tecnológico, mas reconhecendo os “perigos” de uma utilização indiscriminada e sem “critérios” preestabelecidos, é uma ação de extrema relevância. As pesquisas analisadas reconhecem a necessidade de se discutir sobre a tecnologia por meio de um olhar crítico e reflexivo.
O mundo, em consonância com a globalização e a cultura, está em constante transformação e desenvolvimento, e a área educativa deve seguir essa mesma perspectiva e promover uma evolução contínua de seus métodos, atentando-se sempre para a importância de se instigar o desenvolvimento crítico-reflexivo daqueles que estão envolvidos em todo o processo educacional.
Reconhecer os aspectos negativos do mau uso da tecnologia e das mídias sociais é o primeiro passo para transformar a realidade imposta pela Indústria Cultural e procurar corrigir essa utilização, a fim de usufruir de todos os benefícios intrínsecos a ele.
Nessa medida, é possível inferir que as pesquisas realizadas nos últimos seis anos demonstram essa preocupação de analisar criticamente o uso das mídias sociais, destacando os benefícios, mas reconhecendo os aspectos negativos da utilização exacerbada e indiscriminada desse aparato na educação.
As mídias sociais, a partir das leituras e análises realizadas, mostraram-se muito presentes e ativas na vida cotidiana de alunos e professores. Ressalta-se que a utilização crítica dessas ferramentas em sala de aula pode contribuir para a formação de um corpo docente e de estudantes que reconhecem as possíveis manipulações inerentes a essas mídias e conseguem lidar com essa situação, a fim de não serem utilizados simplesmente como “marionetes” do sistema.
Todavia, há que se destacar que não basta ao profissional da educação, apenas adotar as novas tecnologias e as mídias sociais no dia a dia da sala de aula. Essa utilização precisa estar baseada no uso consciente – de professores e discentes – para que alcance efetivamente os objetivos genuínos da educação.
A Indústria Cultural está presente nas relações sociais, e as mídias são apenas uma das inúmeras ferramentas utilizadas para a manipulação dos sujeitos. Sendo assim, deixar o estudante familiarizado e ressaltar a importância do uso crítico dessas mídias implica a possibilidade de se formarem pessoas cada vez mais independentes e reflexivas.
Essa realidade tecnológica à qual a sociedade encontra-se exposta possui uma relação extremamente complexa, já que pode contribuir para a semiformação do sujeito, mas, paradoxalmente, pode, também, colaborar significativamente, quando utilizada de forma adequada, para a emancipação do indivíduo e para a sua formação e esclarecimento.
Dessa forma, dedicar-se à melhoria do processo educacional deveria ser uma ação de todos, uma vez que a educação pode exercer influência significativa na vida do indivíduo, o que consequentemente interferiria nos problemas que envolvem a sociedade de maneira geral. Assim, esse discurso crítico-reflexivo acerca do processo ensino e aprendizagem deve ser utilizado nas pesquisas atuais e, a partir das análises realizadas nesta pesquisa, em grande parte, ele já é utilizado, o que é muito positivo e enriquece ainda mais essa linha de autores críticos educacionais.
Nessa perspectiva, pesquisas que ressaltem essas temáticas discutidas, bem como destaquem a importância do desenvolvimento do senso crítico relacionado ao uso das mídias sociais, tendem a contribuir para a formação de profissionais da educação que reconhecem o seu papel na sociedade e na formação de cidadãos mais críticos e mais reflexivos.
Essas discussões podem gerar, nos professores, a necessidade de repensar as suas práticas, enriquecer as suas metodologias de trabalho e, consequentemente, trazer melhorias para o processo ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, pesquisas futuras sobre a utilização de outras ferramentas online –redes sociais específicas, jogos educativos, aplicativos de edição e publicação de vídeos, entre outros – que também fazem parte do cotidiano dos discentes e que podem colaborar com o aprimoramento do conhecimento e auxiliar no desenvolvimento do senso crítico dos alunos, são de suma importância para contribuir com o progresso da educação e da sociedade.
Agradecimentos
Ao Programa de Bolsas e Qualificação de Servidores – PBQS do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais pelo apoio financeiro concedido.
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