Resenhas

O AVANÇO DOS AGENTES PRIVADOS E A PRODUÇÃO DE OUTRA (DES)ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

THE ADVANCE OF PRIVATE AGENTS AND THE PRODUCTION OF ANOTHER (DIS)ORGANIZATION OF EDUCATION

EL AVANCE DE LOS AGENTES PRIVADOS Y LA PRODUCCIÓN DE OTRA (DES)ORGANIZACIÓN DE LA EDUCACIÓN

Valdelaine Mendes 1
Universidade Federal de Pelotas, Brasil

Revista Espaço do Currículo

Universidade Federal da Paraíba, Brasil

ISSN: 1983-1579

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 17, núm. 3, e72204, 2024

rec@ce.ufpb.br

Recepção: 14 Novembro 2024

Aprovação: 15 Novembro 2024



DOI: https://doi.org/10.15687/rec.v17i3.72204

Resumo: A obra reúne nove artigos sobre a região nordeste e quatro sobre a região sudeste, produções decorrentes de uma pesquisa nacional, desenvolvida por pesquisadores da Unicamp, que pretendeu analisar a incidência de atores privados em todas as redes estaduais de educação e do Distrito Federal, nas três dimensões da política educativa – oferta, gestão e currículo – de modo a identificar possíveis desdobramentos para a efetivação da educação como direito humano. Neste volume foram analisadas a educação nos estados do Nordeste e Sudeste. O recorte temporal estabelecido na pesquisa foi de 2005-2018.

Palavras-chave: atores privados, gestão, currículo, privatização.

Abstract: The book brings together nine articles on the Northeast region and four on the Southeast region, productions resulting from a national survey, developed by researchers from Unicamp, which aimed to analyze the incidence of private actors in all state education networks and the Federal District, in the three dimensions of educational policy – ​​supply, management and curriculum – in order to identify possible developments for the implementation of education as a human right. This volume analyzed education in the Northeast and Southeast states. The time frame established in the research was 2005-2018.

Keywords: private actors, management, curriculum, privatization.

Resumen: El libro reúne nueve artículos sobre la región noreste y cuatro sobre la región sureste, producciones resultantes de una encuesta nacional, desarrollada por investigadores de la Unicamp, que tuvo como objetivo analizar la incidencia de los actores privados en todas las redes educativas estatales y del Distrito Federal, en tres dimensiones de la política educativa –oferta, gestión y currículo– con el fin de identificar posibles desarrollos para la realización de la educación como un derecho humano. En este volumen se analizó la educación en los estados del Noreste y Sudeste. El marco temporal establecido en la investigación fue 2005-2018.

Palabras clave: actores privados, gestión, curriculum, privatización.

A obra Currículo, gestão e oferta da Educação Básica brasileira: incidência de atores privados nos sistemas estaduais das regiões Nordeste e Sudeste (2005-2018), organizada por Selma Venco, Regiane Helena Bertagna e Teise Garcia, constitui o terceiro volume da Coleção Estudos da Privatização no Brasil. A obra reúne nove artigos sobre a região nordeste e quatro sobre a região sudeste, produções decorrentes de uma pesquisa nacional, coordenada por Theresa Adrião, que pretendeu analisar a incidência de atores privados em todas as redes estaduais de educação e do Distrito Federal, nas três dimensões da política educativa – oferta, gestão e currículo – de modo a identificar possíveis desdobramentos para a efetivação da educação como direito humano. O recorte temporal estabelecido na pesquisa foi de 2005-2018. A coleta de dados sobre programas e atores privados ocorreu em duas etapas,2005-2015 e 2016-2018, nos sites das Secretarias de Educação e na Plataforma Google, com a utilização dos seguintes descritores: Programas, Convênios, Contratos e Projetos; Políticas e Programas na educação, acrescidos do nome do governador no período; e Pacto e compromisso.

O prefácio da obra, assinado por Gonzalo Berrón, sinaliza para as múltiplas formas e dimensões da privatização do sistema educacional em que os atores privados atuam na definição das políticas públicas. Essa ofensiva começa nos governos, mas logo avança para uma atuação no Estado. As múltiplas partes interessadas na privatização constroem uma bem articulada rede para tornar o caminho da privatização uma decisão natural, para governos cumprirem a obrigação constitucional de assegurar o direito à educação. Os grandes fóruns internacionais, por sua vez, colocam na agenda de debates os interesses e as soluções do setor privado, e se organizam para formar uma governança global. O grande desafio para os defensores da educação pública é, diante da escassez de financiamento público, demonstrar o impacto e contestar a influência exercida por fundações, empresas, bancos, entre outros, sobre as políticas educacionais.

A primeira parte de cada texto conta com uma contextualização política do estado em tela e, na sequência, com uma apresentação de dados gerais de cada rede estadual de ensino. Feita a contextualização, em cada escrita são apresentadas as informações levantadas sobre cada estado na pesquisa nacional. Essa forma de organizar os textos permite ao leitor agrupar informações e interpretações, e produzir aproximações entre os achados da pesquisa nas diferentes unidades da federação.

No período analisado, a redução no número de matrículas, de estabelecimentos escolares e de docentes, e o aumento do trabalho precarizado de docentes e de gestores escolares, nas redes estaduais de ensino, foram encontrados em todos os estados estudados. A queda no número de matrículas na rede estadual, identificada nos estados da região nordeste, é analisada por Teise Garcia, no texto Privatização da Educação Básica: a rede estadual do Espírito Santo (2005-2018). A autora também mostra a atuação de três programas no estado, que têm ampla inserção em outras secretarias no país, o que revela a capilaridade das organizações privadas. Além dessa constatação, no texto intitulado Tendências de privatização na educação pública: atores e programas privados na rede educacional do estado da Paraíba (2015-2018), de autoria de Luiz de Sousa Junior e Sérgio Andrade de Moura, os dados educacionais analisados permitem concluir que, no mesmo período, foram introduzidas as tecnologias de avaliação, responsabilização e meritrocacia nas políticas educacionais no estado. Com os parâmetros do mercado, os autores mostram que se amplia o processo de privatização da educação na Paraíba, o que repercute no trabalho nas escolas e enfraquece os processos democráticos e de promoção da justiça social.

O texto Sergipe: onde a busca por eficiência nas políticas governamentais com base em parcerias público-privadas tem revelado sua ineficácia social, de Antônio Lisboa Souza, mostra a grave situação socioeconômica do estado e das condições de existência da população, e a alternância de sobrenomes entre oligarquias familiares sergipanas nos mandatos no governo do estado que adotam, em nível estadual, as orientações neoliberais, e portanto buscam, nas parcerias público-privadas, soluções para os sistemas públicos de ensino. Na mesma perspectiva, Selma Venco e Flávio Bezerrra de Sousa, no texto A Educação Básica em Alagoas: predisposição à privatização, descrevem as precárias condições econômicas do estado, com elevada concentração de riqueza e baixo Índice de Desenvolvimento Humano, cenário que não se alterou com o alinhamento político de centro-direita dos últimos governos no estado.

Os programas que preveem premiação aos gestores e educadores que melhorarem seus resultados, a partir de indicadores de rendimento, estão fortemente presentes nas regiões nordeste e sudeste. Elisângela Maria Pereira, no texto Estratégias de privatização da Educação Básica no Ceará: atores, programas e consequências para a educação pública estadual (2005-2018), encontrou três programas que premiam educadores com projetos significativos no campo educacional, a partir dos critérios definidos pelas organizações.

A predominância absoluta de indicações para a composição das equipes diretivas das escolas, em detrimento dos processos eleitorais, cria condições favoráveis para uma atuação, no interior das escolas, sem contestação e alinhada com as orientações de uma secretaria de educação que firma parcerias com entes privados. No Maranhão, Samuel Gomes de Jesus, no texto Programas e parcerias privadas na educação pública: atores e programas privados na rede educacional do Estado do Maranhão (2015-2018), identificou que aproximadamente 80% do provimento do cargo de diretores de escola ocorre por indicação. A correlação entre a ampliação da atuação dos atores privados e a redução do processo eleitoral, no âmbito da gestão das escolas, também foi observada por Samara Silva, Lucine Almeida e Marina Soares, no texto Privatização da gestão na rede estadual de ensino do Piauí: análise de programas e atores privados (2005-2018).

A redução de docentes concursados nas redes estaduais de ensino também é expressão das políticas governamentais de adequação da gestão aos modelos empresariais. Nicanor Matheus Lopes, no texto Atores privados na educação pública pernambucana, conclui que, em 2011, esse número era menor que 10%, e ultrapassou os 70% em 2016. Teise Garcia, no texto Privatização da Educação Básica: a rede estadual do Espírito Santo (2005-2018), encontra dados semelhantes e demonstra que os concursos públicos deixam, paulatinamente, de ser a forma predominante de contratação na rede estadual do ES. A autora encontrou 52 atores privados atuando em conjunto com a Secretaria Estadual de Educação.

A ampliação das parcerias público-privadas torna a escola mera executora de programas que não guardam relação com as especificidades e necessidades da comunidade atendida. Antônio Lisboa Souza discute essa questão no texto A experiência do Rio Grande do Norte: da ‘descentralização’ à lógica gerencial privatizante, e mostra como os projetos político-pedagógicos se tornam, nessa lógica, subordinados ao modo de operar do mundo corporativo.

No texto As relações entre as esferas pública e privada na oferta, gestão e currículo da Educação Básica em Minas Gerais (2005-2018), as autoras Maria Vieira Silva, Úrsula de Lélis e Edirlene Pereira expõem que, no estado de MG, as parcerias com o empresariado antecederam a Reforma do Estado da década de 1990, o que criou condições favoráveis para a ampliação dessa atuação nas décadas seguintes, dada a organicidade que os processos de privatização cimentam na educação.

Há instituições que atuam sobre as três dimensões analisadas na pesquisa: currículo, gestão e oferta. É o caso do Programa Energia que Transforma, ofertado pela Fundação Roberto Marinho, Canal Futura, Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia e Empresa do Grupo Neoenergia. A predominância da atuação de instituições parceiras com fins lucrativos nas secretarias de educação pode ser vista no texto intitulado Estratégias da privatização da Educação Básica na rede estadual da Bahia (2005-2018), de autoria de Santiago Castigio e Monteiro.

A presença de dezenas de programas prevalece nos estudos expostos na coletânea, mas com a prevalência da atuação de algumas organizações, que são destacadas em cada texto. Entretanto, no RJ, Sabrina Moehlecke, no texto Processos de privatização na rede estadual do Rio de Janeiro: o crescimento das parcerias difusas?, não identifica a prevalência de uma instituição em específico na condução dos programas, e suspeita que as 91 instituições encontradas formem um leque de atuação em parceria.

Na análise de uma das maiores redes públicas da América Latina, Theresa Adrião mostra que, desde o primeiro governo do PSDB, no governo do Estado de São Paulo, os docentes foram submetidos a formas de precarização do trabalho. Na escrita do texto Atores privado na educação pública paulista: relação duradoura e melhorias pouco evidentes, a autora identifica um programa com 12 anos de execução, o Programa Escola Aberta, que se organiza para atuar sobre duas vertentes da privatização: a oferta e o currículo.

Em cada texto da coletânea é feita uma análise daquelas parcerias que apresentaram, no levantamento, maior capilaridade, abrangência e perenidade. É o caso do Programa Jovem de Futuro, do Instituto Unibanco, escolhido pela maior parte dos autores para ser analisado, cuja dimensão da atuação, em muitos estados, abrange a oferta, a gestão e o currículo.

A densidade dos dados e análises apresentados na coletânea permite o entendimento da dimensão da privatização da educação pública no país, em que as parcerias se afirmam, independentemente da sigla partidária. Está em curso uma reorganização da educação pública, sem debate com os trabalhadores e usuários desses serviços, o que compromete o princípio constitucional da gestão democrática. As reformas estruturam-se nas promissoras propostas do setor privado, em que os gestores públicos, por sua vez, assumem político-ideologicamente uma postura muito afinada com esses projetos. Com o discurso da qualificação da educação e da redução das desigualdades, as organizações privadas buscam transformar a educação pública em um negócio rentável. Nessa lógica, é preciso alinhar as políticas educacionais ao interesse do mercado para justificar as estratégias usadas pelo setor privado como mais adequadas para produzir resultados melhores no campo educacional. Para tanto, a alteração nos currículos, que se cristaliza também na gestão e na oferta, é colocada em prática.

Referências

VENCO, Selma; BERTAGNA, Regiane H.; GARCIA, Teise (Orgs.). Currículo, gestão e oferta da educação básica brasileira: incidência de atores privados nos sistemas estaduais das regiões Nordeste e Sudeste (2005-2018). Vol. 3. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. 403p. ISBN: 978-65-5869-349-9 [Digital] DOI: 10.51795/9786558693499

Autor notes

1 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Docente na Universidade Federal de Pelotas.
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