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DIRETRIZES CURRICULARES E RECONVERSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

CURRICULAR GUIDELINES AND TEACHER RECONVERSION IN BASIC EDUCATION: A COMPARATIVE ANALYSIS

DIRECTRICES CURRICULARES Y RECONVERSIÓN DOCENTE EN LA EDUCACIÓN BÁSICA: UN ANÁLISIS COMPARATIVO

Vinícius Frederico de Oliveira Silveira 1
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
Carlos Augusto de Medeiros 2
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
Luciana Leandro da Silva 3
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil

Revista Espaço do Currículo

Universidade Federal da Paraíba, Brasil

ISSN: 1983-1579

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 17, núm. 3, e71597, 2024

rec@ce.ufpb.br

Recepção: 28 Setembro 2024

Aprovação: 01 Dezembro 2024



DOI: https://doi.org/10.15687/rec.v17i3.71597

Resumo: O processo de reconversão docente faz parte do projeto neoliberal que se caracteriza por ser um movimento de reformulações políticas com o interesse de adequação dos professores às novas demandas do mercado. O presente estudo, ancorado em uma pesquisa documental, tem por objetivo analisar comparativamente as Resoluções que instauram a BNC-Formação Inicial (2019) e a BNC-Formação Continuada (2020) com as Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação Inicial e Continuada (2015) de professores da Educação Básica, a fim de compreender as implicações do processo de reconversão docente presentes nesses documentos. As análises indicam que as novas Resoluções CNE/CP nº 2/2019 e nº 1/2020 estão em concordância com o projeto neoliberal, que busca a reconversão do professor, influenciando na construção da padronização de um perfil docente, e determinando o seu alinhamento pedagógico, para atuar a serviço do capital.

Palavras-chave: formação de professores, reconversão docente, diretrizes curriculares..

Abstract: The process of teacher reconversion is part of the neoliberal project, which is characterized by being a movement of political reformulations with the aim of adapting teachers to the new demands of the market. This study, anchored in documentary research, aims to comparatively analyze the Resolutions that establish the BNC-Initial Training (2019) and the BNC-Continuing Education (2020) with the National Curriculum Guidelines for Initial and Continuing Teacher Training (2015) for Basic Education teachers, in order to understand the implications of the teacher reconversion process present in these documents. The analyses indicate that the new CNE/CP Resolutions No. 2/2019 and No. 1/2020 are in line with the neoliberal project, which seeks the reconversion of teachers, influencing the standardization of a teaching profile and determining their pedagogical alignment to serve the interests of capital.

Keywords: teacher education, teacher reconversion, curricular guidelines.

Resumen: El proceso de reconversión docente forma parte del proyecto neoliberal, que se caracteriza por ser un movimiento de reformulaciones políticas con el interés de adecuar los profesores a las nuevas demandas del mercado. El presente estudio, basado en una investigación documental, tiene como objetivo analizar comparativamente las Resoluciones que instauran la BNC-Formación Inicial (2019) y la BNC-Formación Continua (2020) con las Directrices Curriculares Nacionales de Formación Inicial y Continua (2015) para los docentes de la Educación Básica, con el fin de comprender las implicaciones del proceso de reconversión docente presentes en estos documentos. Los análisis indican que las nuevas Resoluciones CNE/CP nº 2/2019 y nº 1/2020 están en consonancia con el proyecto neoliberal, que busca la reconversión del docente, influyendo en la construcción de la estandarización de un perfil docente y determinando su alineación pedagógica para actuar al servicio del capital.

Palabras clave: formación de docentes, reconversión docente, directrices curriculares.

Introdução

A educação não pode ser analisada fora do contexto econômico, político, social e cultural no qual é produzida e que também contribui para produzir, pois é atravessada pelas relações fundamentais e pelos modos de produção que conformam cada sociedade em seu tempo histórico. Desse modo, na atualidade, é preciso situá-la e analisá-la a partir da lógica neoliberal, enquanto racionalidade ancorada nos princípios do individualismo e da livre concorrência (Dardot; Laval, 2016), com o objetivo de formar sujeitos empreendedores, contribuindo para a consolidação do sistema capitalista e para o fortalecimento da classe dominante (Garcia; Silva, 2023).

Nos últimos anos, a educação tem passado por significativas mudanças, principalmente no que diz respeito à participação de organizações do setor privado nas decisões educacionais, tratando a educação como um serviço, não como um direito, dentro de uma perspectiva mercadológica. Sob os discursos de eficiência, produtividade, eficácia e qualidade, a educação vai se ajustando à lógica do capital (Ribeiro; Nunes, 2018).

Mas, de nada adiantaria propor reformas e alterações educacionais se os professores não estiverem convencidos disso. Foi partindo dessa constatação que organismos internacionais e diversos outros atores que participaram da elaboração das diretrizes, passaram a intervir também no campo da formação de professores. Evangelista e Shiroma (2008) contribuem para o entendimento acerca do interesse dessas instâncias, em participar, do processo de elaboração das diretrizes de formação docente, afirmando que isso ocorre, a partir do momento em que a educação passa a ser culpabilizada pela pobreza e pela miséria do país, e que o professor precisa ser reconvertido, para que, junto com ela, possa surgir também o novo trabalhador. Evangelista e Triches (2009) apontam que esse movimento de reconversão docente articula-se organicamente com os princípios da política neoliberal, levando em consideração que essa transformação almeja a construção de um trabalhador produtivo e flexível às demandas do mercado.

Mas, afinal, o que é reconversão docente? Como esse processo se concretiza? Evangelista e Shiroma (2008) afirmam que o processo de reconversão docente refere-se à qualificação e à adaptação dos professores para atender às novas demandas educacionais e políticas curriculares emergentes, propostas pelas políticas internacionais. Com isso,

a reconversão docente é parte de um projeto que busca adequar a formação docente às demandas e às rápidas transformações da sociedade contemporânea, na busca por superar o professor tradicional, tido como atrasado, e qualificá-lo e profissionalizá-lo visando a sua adequação à lógica capitalista (Rodrigues, 2021, p.30).

Entende-se, assim, que a reconversão docente é um processo antigo e mais amplo, mas que ganha novo fôlego a partir da aprovação das Resoluções CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019 e Resolução CNE/CP nº 01, de 27 de outubro de 2020, que criam, respectivamente, a Base Nacional Comum de Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) e a Base Nacional Comum de Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada). Rodrigues e outros (2021), ao tratarem dos referidos documentos, vão afirmar que as resoluções são apenas cópias das competências presentes na BNCC, que foram aprovadas sem entrar em debate com especialistas e pesquisadores da educação.

Esses documentos são orientações que definem as diretrizes curriculares que devem ser contempladas durante o processo formativo inicial e continuado dos professores da educação básica, isto é, estabelece desde a organização curricular, a carga horária de cada competência, os fundamentos políticos da formação docente, até o processo avaliativo interno e externo (Brasil, 2019). Mas é preciso entender esse processo de modo mais amplo, como parte de uma agenda global estruturada localmente, a partir de grupos hegemônicos, nem sempre coesos, mas que têm obtido sucesso em impor suas propostas, mudando profundamente a formação docente (Hypólito, 2019).

Diante do exposto, a presente pesquisa teve como questão problematizadora entender de que maneira o processo de reconversão docente está presente nas Resoluções CNE/CP n°2 de 2019 e CNE/CP n°1 de 2020[1] partindo da comparação com a Resolução CNE/CP nº 02/2015. Com isso, o objetivo geral do estudo é analisar comparativamente as Resoluções que instauram a BNC-Formação Inicial (2019) e a BNC-Formação Continuada (2020) com as Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação Inicial e Continuada (2015), buscando compreender as possíveis implicações do processo de reconversão docente presentes nesses documentos.

Para alcançar o objetivo proposto, foi realizada uma análise documental, que segundo Ludke e André (1986) expõem que se trata de uma técnica valiosa para pesquisas em educação, já que se trata da exploração e da análise de documentos, que são fontes primárias. Com isso, foram analisados os seguintes documentos: Resolução CNE/CP nº 02 de 1° de julho 2015, Resolução CNE/CP n° 02 de 20 de dezembro de 2019 e a Resolução CNE/CP n° 01 de 27 de outubro de 2020.

A justificativa para desenvolver essa pesquisa baseia-se na necessidade de compreender as mudanças nas diretrizes que orientam o processo de formação de professores, identificando quais os avanços e retrocessos presentes nesses documentos. Nesse sentido, o presente estudo torna-se relevante por colocar em foco a discussão acerca do perfil de professor que está sendo formado e quais os interesses em disputa nesses documentos.

Dessa forma, o texto estrutura-se da seguinte maneira: além desta introdução, apresenta-se o percurso metodológico e, em seguida, os resultados e discussões, subdivididos em três categorias de análise: Formação Docente, Orientação Curricular, Alinhamento Pedagógico e Político. Finalmente, apresenta-se algumas considerações que não visam esgotar a discussão, mas suscitar questionamentos e provocar reflexões no sentido de contribuir para a continuidade das pesquisas sobre o tema.

Metodologia

A pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, tendo em vista que pretende compreender as possíveis implicações causadas pelo processo de reconversão docente presentes nas resoluções analisadas, interpretando os dados com base no que se propõe.

Para alcançar o que foi determinado, a pesquisa iniciou sua investigação por meio de uma revisão bibliográfica, realizando uma leitura crítica dos conhecimentos já produzidos acerca da temática. Nesse sentido, a revisão bibliográfica envolve a análise de obras e estudos anteriores, extraindo informações e teorias já discutidas por outros autores. Dessa forma, fundamenta-se a investigação nas contribuições disponíveis na literatura, utilizando esses textos como base para desenvolver novos questionamentos (Severino, 2013). Os textos usados como referência foram encontrados nos bancos de dados Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, no Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Google Acadêmico, utilizando os descritores “Reconversão docente” e “Diretrizes Curriculares para formação de professor”.

Posteriormente, realizou-se uma análise documental que, segundo Ludke e André (1986, p. 38), é o tipo de pesquisa que tem como técnica de coleta de dados a utilização de “documentos como recursos essenciais para a construção de conhecimentos específicos sobre determinados fenômenos". Cellard (2008) evidencia que esse percurso metodológico oferece ao pesquisador uma oportunidade de verificar uma fonte primária, isto é, sem ter passado por nenhum tipo de análise e, além disso, permite uma compreensão de como esses documentos exercem influência sobre a sociedade.

Os documentos que foram analisados correspondem a resoluções emitidas pelo Ministério da Educação (MEC) em consonância com o Conselho Nacional da Educação (CNE) e o Conselho Pleno (CP), sendo eles: a Resolução CNE/CP n° 02 de 1º de Julho de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada dos professores da educação básica; a Resolução CNE/CP n° 02 de 20 de dezembro de 2019; que institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), e a Resolução CNE/CP n° 01 de 27 de outubro de 2020; que institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada).

A análise desses documentos foi conduzida comparativamente, o que possibilitou identificar as semelhanças e diferenças entre as normativas educacionais, destacando as implicações e transformações para a formação docente. Schneider e Schmitt (1998) afirmam que as pesquisas que tomam como direcionamento o raciocínio comparativo, conseguem compreender o fenômeno constatando a sua regularidade, os deslocamentos, transformações, as continuidades e rupturas, conseguindo assim construir categorias e tipologias para análise da realidade. Os autores ainda apontam que "a comparação aparece como sendo inerente a qualquer pesquisa no campo das ciências sociais" (Schneider; Schmitt, 1998, p. 1).

Já na etapa da análise dos documentos propriamente dita, Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009, p. 10) afirmam que “a análise é desenvolvida através da discussão que os temas e os dados suscitam e inclui geralmente o corpus da pesquisa, as referências bibliográficas e o modelo teórico”. Dessa maneira, as categorias de análise foram definidas a posteriori e em diálogo com os textos, sendo elas: a) Formação Docente, b) Orientação Curricular e c) Alinhamento Pedagógico e Político.

Indícios e resultados preliminares

Após a leitura dos textos referenciados e análise das Resoluções, emergiram problemáticas que convergem com o processo de reconversão docente e, dessa forma, foram agrupadas em três categorias. A primeira foi denominada como “Concepção de Formação Docente” na qual pretende-se discutir sobre o perfil do professor que os documentos objetificam construir, analisando os princípios que encaminham a sua formação. A segunda categoria, “Orientação Curricular”, desloca o debate para as determinações destinadas aos cursos em nível superior de licenciatura, quanto a divisão de carga horária e os critérios para definição dos componentes curriculares. Por último, trata-se do “Alinhamento Pedagógico e Político” que tem como objeto de debate o direcionamento da própria prática docente, por meio das Resoluções, como também a análise das influências políticas.

Concepção de Formação Docente

O processo de reconversão docente gera uma ampla divergência de opiniões. Por um lado, há os defensores desse movimento, que acreditam na necessidade de adaptações para manter ou readequar a educação aos princípios da competitividade e atender às novas demandas do mercado de trabalho, exigindo dos trabalhadores atualizações e novas capacitações (Scalcon, 2011). Por outro lado, existem críticos que representam resistência às reformulações impostas pelas políticas neoliberais. De Rossi (2005), por exemplo, argumenta que a reconversão docente consiste em um processo de racionalização dos sistemas educativos, voltada para atender às pressões das agências internacionais.

Albino e Silva (2019) também vão apontar que a formação passa a ser subalternizada por condicionantes de ordem internacional, isto é, os formuladores destas políticas não estão preocupados com a real necessidade nacional, mas, sim, com a intenção de promover respostas que estão em consonância com o desenvolvimento econômico mundial.

A compreensão do alinhamento das reformas com os interesses privatistas, empresariais e internacionais fica ainda mais notória quando Evangelista e Shiroma (2008) expõem duas redes que atuam na disseminação do consenso em torno da necessidade da criação de um novo perfil do professor e na formulação das políticas educativas, são elas: Rede Kipus de Formação Docente e o Programa Regional da Reforma Educativa na América Latina (PREAL). Parte-se do pressuposto de que um novo perfil de professor e novas práticas educativas se dão pela necessidade de formar novos profissionais (reconversão profissional) que atendam às demandas dos novos modelos de produção, novos ordenamentos sociais e mudanças no funcionamento gerencial e técnico das empresas (Scalcon, 2011).

Outro argumento usado por essas redes para justificar a reformulação das políticas de construção de um novo professor diz respeito à ideia de que a educação é responsável pela miséria, pobreza e pelo desemprego. Segundo essa abordagem, o anacronismo da formação docente afetava negativamente a formação do trabalhador. Então, como oferecer uma nova educação “se a escola só pode contar com o ‘velho’ professor?” A resposta é linear: para reconverter o trabalhador, reconverta-se o professor" (Evangelista; Shiroma, 2008, p. 33).

Afinal, qual seria esse novo perfil de docente que se deseja formar? São evidentes os objetivos que perpassam dentro dessas reformas na formação de professores que buscam ampliar as funções e o papel dos professores, tanto dentro, como fora da escola, pautada em “uma concepção de ‘docência instrumental’”, pois o professor foi dado como executor de tarefas para as quais não terá formação consistente” (Evangelista; Triches, 2009, p. 3)

Scalcon (2011) defende que esse alargamento das funções acaba por provocar uma crise identitária dos professores, pois existe um afastamento do papel do professor e da sua própria prática profissional. Evangelista e Triches (2009) dividem o mesmo ponto de vista e expõem que essa identidade profissional é deixada de lado, tanto que passam a ser usados discursos que distanciam dessa construção identitária, como por exemplo o uso do termo “professor gestor”.

Analisando comparativamente as resoluções sob análise, constatamos que as DCNs de 2015, as quais são fruto de intensa mobilização por parte dos professores, pesquisadores e especialistas em educação que conquistaram a revogação das diretrizes impostas em 2002, orientam a formação de um tipo de professor, numa perspectiva ampla e crítica, a partir da articulação teoria-prática, enquanto a BNC-Formação Inicial e BNC-Formação Continuada foram instituídas sem nenhum diálogo e participação dos grupos citados anteriormente, além de terem sido aprovadas em meio a uma conjuntura política bastante conturbada, logo após o impeachment de Dilma Rousseff, como presidente democraticamente eleita, o que resultou na ascensão da extrema direita no Brasil.

No Art. 3°, § 5° das DCNs de 2015, são apresentados os Princípios da Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, que orientam uma formação baseada

no compromisso com projeto social, político e ético que contribua para a consolidação de uma nação soberana, democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação dos indivíduos e grupos sociais, atenta ao reconhecimento e à valorização da diversidade e, portanto, contrária a toda forma de discriminação (Brasil, 2015, p.4)

A BNC-Formação Inicial de 2019, em seu Art. 3°, define os Princípios das Competências que devem orientar a formação dos professores. O Art. 4°, por sua vez, estabelece que essas competências específicas se organizam em três dimensões: “conhecimento profissional”, “prática profissional” e “engajamento profissional” (Brasil, 2019, p.2). Comparando os documentos, evidenciam-se as divergências atribuídas desde os princípios que devem orientar a formação docente.

Um manifesto composto pelo coletivo que forma a Frente Nacional pela Revogação das Resoluções CNE/CP 02/2019 e 01/2020 e pela retomada da Resolução CNE/CP 02/2015, sinaliza para as deficiências expressas nas resoluções BNC-F e BNC-Formação Continuada, desde a forma antidemocrática e autoritária que foram implementadas, até os princípios expressos nos documentos, sendo os principais: a imposição da ultrapassada pedagogia das competências, a redução da tarefa docente a uma prática instrumental de aplicação da BNCC, a secundarização da construção do conhecimento pedagógico e científico e a desconsideração da autonomia das instituições de ensino superior (ANFOPE, 2023)

Albino e Silva (2019) apresentam argumentos de que a BNC-F e a BNC-F Continuada, são desdobramentos da Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), que, por si só, já se configurava como um assalto à autonomia do professor, já que funciona como um verdadeiro manual, submetendo o professor à mera execução das tarefas que estão pré-estabelecidas. Isso fica claro quando na Resolução CNE/CP nº 01/2020, Capítulo 1, afirma-se que um dos seus objetivos é apresentar as diretrizes para a formação continuada, tendo como referência a BNCC (Brasil, 2020).

Em ambos os documentos da BNC-F e BNC-F Continuada, os anexos vão abordar as dimensões de “conhecimento profissional”, “prática profissional” e engajamento profissional”, assemelhando-se com a estrutura da BNCC, ao tratar cada dimensão com “competências específicas” e “habilidades” que devem ser desenvolvidas no processo de formação, demonstrando ainda mais o seu alinhamento e o reducionismo da prática educativa à aplicação da BNCC (Evangelista, 2017).

Simionato e Hobold (2021, p.9) afirmam que “o professor não é um intelectual produtor de conhecimentos, então passa a ser um instrumento de aplicação de conhecimentos, com o agravante do empobrecimento teórico” ao discutir sobre todas as dimensões da BNC-F e BNC-F Continuada terminarem com o termo “profissional”, o que sugere uma padronização dos professores ao cargo de tarefeiro de conhecimentos, a fim de obter bons resultados nas avaliações e atuar no processo de adequação profissional, de acordo com os ordenamentos dos novos modelos de produção.

Orientação curricular

A Resolução CNE/CP n° 02/2015 que instaura as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e a Resolução CNE/CP n° 02/2019 que define a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-F) impõem determinações quanto à organização curricular dos cursos de formação inicial de professores para a educação básica. Para compreender a discrepância existente entre os documentos, é necessário fazer uma análise comparativa da estrutura determinada por cada um, nesse sentido foram elaborados dois quadros para facilitar esse processo.

Na tabela 1 abaixo, observa-se a carga-horária estabelecida para os cursos de licenciatura, dividida em quatro blocos, que organizam os componentes curriculares segundo a sua natureza.

Tabela 1
Tabela 1: Orientação curricular das DCNs
Resolução CNE/CP n° 02 de 2015 - Diretrizes Curriculares para a formação inicial e continuada de professores (DCNs)Carga-horária determinada (h)
I - Atividades formativas2.200
II - Estágio Supervisionado400
III - Prática dos componentes curriculares400
IV - Horas de aprofundamento200
Total3.200
Fonte: Elaborado pelos autores, 2024

No bloco I, por exemplo, trata-se das horas dedicadas a atividades formativas, especificamente “núcleo de estudos de formação geral, das áreas específicas, e do campo educacional”, e também “núcleos de aprofundamento e diversificação de estudos das áreas de atuação profissional, incluindo os conteúdos específicos e pedagógicos” (Brasil, 2015). Os blocos II e III consistem nos estágios supervisionados e na prática dos componentes curriculares, ou seja, são destinadas 800 (oitocentas) horas para o “treinamento” da prática docente. Deve-se destacar que, nas DCNs-2015, outorga-se certa liberdade e autonomia para as Instituições de Ensino Superior, pois ao determinar essa estrutura curricular, o documento ressalta a importância de estar em consonância com o Projeto Pedagógico do Curso (Brasil, 2015).

Por fim, tratando-se das orientações curriculares, as DCNs (Brasil, 2015) ainda determinam 200 (duzentas) horas de estudos de aprofundamento, podendo ser realizadas por meio da participação em projetos de extensão, monitoria, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), grupos de estudo e entre outros conforme o PPC do curso.

Já na tabela 2, abaixo, apresenta-se a estrutura organizacional estabelecida pela Resolução CNE/CP n° 02 de 2019, a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-F). No documento, a distribuição segue uma divisão semelhante à da resolução anterior, diferenciando-se, principalmente, pela carga horária destinada a cada bloco.

Tabela 2
Tabela 2: Orientação curricular da BNC-F
Resolução CNE/CP n° 02 de 2019 -Base Nacional Comum para Formação Inicial de professores (BNC-F)Carga-horária determinada (h)
I-Base comum800
II-Conteúdos específicos1.600
III-Estágio supervisionado400
IV-Prática dos componentes400
Total3.200
Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.

Nota-se que existe uma fragmentação do que seria “Atividades Formativas” do documento anterior, destinando então 800 (oitocentas) horas para os conhecimentos científicos, educacionais e pedagógicos, e 1.600 (mil e seiscentas) horas para “a aprendizagem dos conteúdos específicos das áreas, componentes, unidades temáticas e objetos do conhecimento da BNCC, e para o domínio pedagógico desses conteúdos” (Brasil, 2019, p. 6).

Essa fragmentação resulta no interesse de articular a aprendizagem específica alinhada à aplicação da BNCC, tanto que se destina 1.600 horas para essa articulação, reduzindo para 800 horas o contato com os fundamentos sociais, históricos, filosóficos e políticos da educação. Entendemos que tal mudança se relaciona com o que Evangelista e Shiroma (2008) chamam de estratégias para a reconversão docente, sendo uma delas a busca por uma prática instrumental e alienada, e isso se concretiza quando na formação existe um empobrecimento teórico, um afastamento de uma formação sólida.

Além dessas 1.600 horas alinhadas à aprendizagem dos conteúdos específicos e sua aplicação, seguindo as determinações da BNCC, os blocos III e IV são essencialmente práticos, o que, no caso, caracteriza-se pela pura execução das competências e habilidades determinadas pela Base Nacional Comum Curricular. Dessa forma,

o currículo é perspectivado em um modelo de organização corporativa para atender ao mercado em que as ciências humanas são suprimidas/marginalizadas, no rol de saberes “importantes”. A boa formação parece apontar para aquela que o sujeito “sabe fazer” (Albino; Silva, 2019, p. 14).

Outro ponto de divergência diz respeito a horas de aprofundamento, ou que também podem ser chamadas de horas-extracurriculares. Enquanto nas DCNs de 2015 está previsto o mínimo de 200 (duzentas horas) compreendendo o “núcleo de estudos integradoras para enriquecimento curricular” (Brasil, 2015), na BNC-F de 2019, essas horas não são sugeridas, e para não diminuir a carga horária total estabelecida, ela é reintegrada dentro das 1.600 (mil e seiscentas) horas para aprendizagem dos componentes específicos em alinhamento com a BNCC.

Em suma, na comparação dos dois documentos, constata-se que a carga horária total dos cursos de Licenciatura se manteve em 3.200 (três mil e duzentas) horas, porém, o que mais distancia as resoluções é a ênfase que é dada em cada bloco. Na Resolução que implementa a BNC-F, observa-se uma formação tecnicista e instrumental, na qual o papel do professor é reduzido a um mero aplicador das diretrizes estabelecidas pela BNCC. Albino e Silva (2019, p. 6) argumentam que essa abordagem "pode ser um reforçador de desigualdades, quando parte de uma lógica de formação humana, sobretudo pensada a partir de 'evidências internacionais'". Dessa forma, considerando que a BNC Formação e a BNC Formação Continuada podem ser vistas como desdobramentos desse documento inicial, é possível compreender que também podem funcionar como mecanismos de reforço das desigualdades.

Simionato e Hobold (2021, p.7) também irão argumentar acerca da fragilidade desses documentos, ao expor que a BNCC potencializa “o caráter prescritivo para essa formação, pois, além de retirar a autonomia do currículo das escolas, o faz também no currículo da formação de professores". Diante do exposto, fica claro que os cursos de formação de professores, por meio das resoluções perdem a sua autonomia, em decorrência de o currículo estar totalmente direcionado à BNCC, atuando fortemente na formação de um professor reconvertido aos interesses hegemônicos do sistema capitalista neoliberal.

Alinhamento pedagógico e político

As determinações presentes nas Resoluções CNE/CP nº 2/2015, nº 02/2019 e nº 1/2020 refletem diferentes alinhamentos políticos e pedagógicos, evidenciando suas implicações na formação de professores. Este bloco de discussão propõe-se a analisar como essas diretrizes, formuladas sob distintas orientações políticas, impactam a prática pedagógica e a formação dos docentes.

O primeiro ponto a ser destacado é que as resoluções mais recentes fazem parte de um amplo projeto neoliberal e mercantilista, elaborado com a participação de empresas internacionais e organismos privatistas. Esse projeto visa promover o desenvolvimento do capital privado e adequar a educação às exigências do mercado, transformando a educação em um campo para a reprodução das relações de poder e do capital (ANFOPE, 2023). A Resolução nº 02/2019, em particular, e a Resolução nº 01/2020, ao priorizarem a eficiência e a adequação ao mercado, refletem essa agenda neoliberal, contrastando com as abordagens pedagógicas anteriores. Esse cenário contrasta profundamente com a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2015, que, na época, representaram uma conquista significativa dos movimentos docentes em busca da revogação das Diretrizes de 2002 (Simionato; Hobold, 2021).

A presença do Banco Mundial, das entidades privadas, da Organização Mundial para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de outras instâncias nas formulações das políticas educacionais, termina por colocá-las a serviço da reprodução social e ideológica da classe dominante, negando o seu caráter transformador e emancipador e, ainda, afirma que “essa concepção respalda-se em uma visão instrumental de educação, com vistas a garantir eficiência, eficácia e produtividade dos resultados” (Garcia; Silva, 2023, p. 475).

Cintra e Da Costa (2020, p. 19) afirmam que as Diretrizes de 2019 representam um retrocesso na educação, argumentando que os docentes devem resistir a essas diretrizes, e ao invés de segui-las cegamente nas escolas. Eles ressaltam que "os professores têm autonomia para que sua prática educativa possa ser uma ação transformadora", e que é essencial buscar políticas que compreendam o papel político do professor na formação humana. Nesse sentido, os autores defendem que é necessário adotar uma formação reflexiva e integral, que considere a complexidade do ensino e a capacidade dos docentes de promover mudanças significativas na educação.

Os princípios das competências, que são definidos nos documentos da BNC-F e que são denominados como “conhecimento profissional”, “prática profissional” e “engajamento profissional” (Brasil, 2019, p.2) reiteram a redução da carga horária dos componentes curriculares que tratam dos fundamentos específicos e educacionais, em detrimento do aumento das horas que são destinadas à “prática”. Juntamente com os anexos presentes nos dois documentos (BNC-F e BNC-F Continuada) que estruturam o desenvolvimento das dimensões por competências e habilidades, confirmam a formação em uma mera aplicação da BNCC e representam uma medida de reconversão docente e que, em articulação à disseminação do consenso da necessidade de uma nova educação, promovida pelas Redes Kipus, Preal e os APH´s, buscam formar o trabalhador ideal às novas demandas do capital (Albino; Silva, 2019).

Na Resolução nº 02/2019 (Res. 02/19) e n°1/2020 (Res. 01/20), é expresso que ambas as formulações são fundamentadas conforme as exigências da BNCC, infringindo ainda mais a autonomia do professor, já que esses documentos definem o que se deve ensinar, quando ensinar e como ensinar. Nesse sentido, “a noção de competência profissional docente de viés neoliberal, contida na BNC da Formação Inicial, traz dimensões que retomam o tecnicismo, subsumindo conceitos como autonomia e criticidade docente ao longo do texto da normativa” (Simionato; Hobold, 2021).

Como desdobramento da BNCC, a BNC-F e a BNC-FC são pautadas em uma formação orientada pela pedagogia das competências, a qual, de acordo com Saviani (2011), consiste em uma pedagogia que fragmenta o conhecimento e foca em uma formação que contempla habilidades específicas, o que acaba por desvalorizar os conteúdos sistematizados e a formação integral do sujeito, subordinando a educação às imediatas demandas do mercado de trabalho.

O manifesto da ANFOPE (2023) compartilha desse mesmo ponto de vista, ao afirmar que essa nova estrutura fere a Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996, ao violar a pluralidade de concepção e autonomia didático-científica, já que, com base na “pedagogia das competências”, compreende a formação do professor

como recurso humano e não como sujeito, o que lhe confere a feição de um “objeto do capital moderno”. A formação por competências visa à preparação do homem para atender às condições contemporâneas de produção de bens e serviços em suas novas formas de organização do trabalho (Albino; Silva, 2019 p.140)

As autoras afirmam ainda que a pedagogia das competências induz a uma série de problemas, dos quais vale destacar a formação com enfoque de adestramento, bem como por ser uma pedagogia que se caracteriza na busca pela formação de indivíduos eficientes para o sistema produtivo (Albino; Silva, 2019). Diante do exposto, torna-se atual a afirmação de que essas novas imposições negam “a tarefa histórica da escola e o conteúdo cultural e científico produzido pelo desenvolvimento histórico humano, noutras palavras, nega-se aquilo o que é simultaneamente de todos e de cada um” (Scalcon, 2011, p.12).

As políticas para a formação continuada (Resolução n.º 01/2020) seguem a mesma lógica neoliberal e mercantilista da educação, tanto que no Art. 2° do documento, é afirmado que a BNC-FC está atuando em articulação com a BNCC e com a BNC-F (Brasil, 2020). Ou seja, a formação continuada dos professores da educação básica, também atua no processo de reconversão docente na lógica do capital, ao propor

uma concepção aligeirada e rasa de formação, pautada numa visão instrumental de docência, distanciando-a de uma perspectiva educacional capaz de articular teoria e prática bem como de prover uma visão emancipadora e inclusiva de educação, que caracterizava a diretriz anterior. (Garcia; Silva, 2023).

Em conclusão, compreende-se que as resoluções justificadas pela ideia de inovação, modernização escolar e flexibilização do ensino (termos carregados de ironia) consistem em um verdadeiro retrocesso, diante do seu engajamento ao projeto neoliberal, em que a educação torna-se um serviço a favor da lógica empresarial, reduzindo o papel do Estado e justificando o esvaziamento de suas responsabilidades quanto à garantia do direito à educação. Além disso, o empobrecimento teórico causado pela redução de componente teóricos no currículo, em detrimento da supervalorização do “aprender a fazer”, reforça um ensino instrumental, neotecnicista, pautado na pedagogia das competências, a qual tem sido veiculada pelos organismos internacionais desde os anos 1990 e que remetem a uma perspectiva fragmentada e reducionista do processo.

“Novos” ordenamentos?

É necessário salientar que as resoluções investigadas no trabalho foram revogadas por meio da homologação do Parecer CNE/CP Nº. 04/2024, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissional do Magistério da Educação Escolar Básica (cursos de licenciatura, de formação pedagógica para graduados não licenciados e de segunda licenciatura). De que maneira essas novas diretrizes apresentam continuidades e/ou rupturas com as resoluções anteriores?

Kuenzer (2024) afirma que a nova elaboração da resolução novamente não foi submetida à discussão pública, mesmo sendo esse um dos motivos das duras críticas feitas pela elaboração da BNC-F. Além disso, a autora alerta para a necessidade de estarmos atentos às três principais propostas apresentadas pela nova resolução: I) eliminação das 400 horas de prática, II) discussões a respeito dos cursos de licenciatura à distância e III) Inclusão dos grupos minorizados na formação docente.

Essas e outras ações contidas na Resolução CNE/CP nº 04/2024 são apresentadas com um caráter progressista e voltadas à valorização da formação docente. No entanto, a autora ressalta a importância de uma investigação mais aprofundada, “uma vez que a proposta de organização curricular permanece a mesma, à exceção da substituição das 400 horas de prática pela extensão e adensamento da formação geral em mais 80 horas” (Kuenzer, 2024, p.12).

Corroborando com essa ideia, a Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (ANFOPE) publicou uma nota tecendo considerações e sua posição a respeito da nova resolução. A nota enfatiza a falta de diálogo e de coerência entre os princípios definidos, os caminhos e os fins das orientações da resolução, com isso manifesta-se a favor da revogação das Resoluções CNE/CP n. 04/2024, CNE/CP n. 02/2019 e CNE/CP 01/2020, e da retomada imediata da Resolução CNE/CP nº 02/2015 (ANFOPE, 2024).

Diante do exposto, entende-se que é necessário analisar essa “nova” resolução sob uma ótica crítica, deslocando nossas reflexões e questionamentos para compreender até que ponto esta romperia com o que estava determinado ou se seria apenas uma tentativa de conciliar propostas e concepções divergentes de formação docente, na busca por angariar o consenso da comunidade educacional, na lógica do que apresentamos aqui como processo de reconversão docente.

Conclusões

A partir de leituras e da análise documental, foi possível compreender que as Resoluções CNE/CP, que estabelecem a Base Nacional Comum para a Formação Inicial e a Formação Continuada, inserem-se em um extenso projeto neoliberal. Este projeto exerce uma influência significativa sobre as redes de ensino, fomentando um consenso em torno da necessidade de ressignificar a educação, o que, por sua vez, implica a reconversão dos docentes.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação Inicial e Continuada de Professores (Res. CNE/CP 2/2015) representava uma vitória dos movimentos sindicais de professores, pesquisadores e especialistas na área de educação, que lutaram durante 13 anos para a revogação da primeira Resolução do CNE/CP, elaborada no ano de 2002. Diante dessa conquista, constata-se que houve um retrocesso com as resoluções de 2019 e 2020, pois, demonstram o seu alinhamento com os interesses do mercado, principalmente, quando sua elaboração é orientada por Organizações Internacionais, pelas redes, APHs, bancos, fundos de investimento, e inúmeras entidades privatistas, sem nenhum diálogo ou participação dos que participaram na conquista das DCN´s de 2015, o que expõe o quanto essa macropolítica foi estabelecida de forma autoritária e antidemocrática.

A análise comparativa das resoluções revelou que há uma intenção de padronizar a formação de professores, caracterizada pela imposição de competências específicas e metodologias uniformizadas, o que resulta na perda de autonomia docente. Esse movimento está alinhado com a pedagogia das competências, que enfatiza habilidades instrumentais e mensuráveis em detrimento de uma formação integral e crítica. Além disso, a ênfase na educação por desempenho reforça a lógica de eficiência e produtividade, típica do neoliberalismo, que visa preparar os professores para atender às demandas imediatas do mercado. Esse contexto, portanto, conduz o professor à figura do trabalhador reconvertido, moldado para atuar conforme os interesses do desenvolvimento econômico e do capital internacional, subordinando a educação às dinâmicas do mercado global.

Por fim, o presente trabalho sinaliza para a importância de aprofundamento das pesquisas neste campo que dirijam um olhar crítico para as definições que são impostas por essas resoluções, inclusive para a atual Resolução n° 04/2024, para que, dessa forma, os docentes tomem consciência acerca dos interesses e disputas que permeiam as concepções formativas a que são submetidos, podendo, assim, questionar e se articularem em defesa de uma formação ampla e reflexiva, que permita o domínio dos conhecimentos e dos fundamentos da Pedagogia, bem como o exercício da crítica e da autonomia no exercício do seu trabalho.

Referências

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Notas

[1] Cabe ressaltar que as mencionadas resoluções foram revogadas pela Resolução CNE/CP Nº 04, de 12 de março de 2024, que foi homologada em 27 de maio de 2024. No momento de produção do artigo, o parecer ainda não tinha sido homologado.
Como citar SILVEIRA, Vinícius Frederico de Oliveira; MEDEIROS, Carlos Augusto; SILVA, Luciana Leandro da. DIRETRIZES CURRICULARES E RECONVERSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA: uma análise comparativa. Revista Espaço Currículo, v. 17, n. 3, e71597, 2024. DOI: 10.15687/rec.v17i3.71597.

Autor notes

1 Graduado em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual da Paraíba. Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Campina Grande.
2 . Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Docente na Universidade Federal de Campina Grande.
3 Doutora em Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona. Docente na Universidade Federal de Campina Grande.
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