

Demanda Contínua
PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA EM FORMAÇÃO NAS/DAS/COM AS REDES DOS COTIDIANOS ESCOLARES
PORTUGUESE LANGUAGE TEACHERS IN TRAINING IN/OF/WITH EVERYDAY SCHOOL NETWORKS
PROFESORES DE LENGUA PORTUGUESA EN FORMACIÓN EN/DE/CON LAS REDES ESCOLARES COTIDIANA
Revista Espaço do Currículo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
ISSN: 1983-1579
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 17, núm. 2, e68451, 2024
Recepção: 30 Outubro 2023
Aprovação: 08 Janeiro 2024

Resumo: Este estudo valoriza nos processos formativos de professores, as astúcias, as singularidades e as subjetividades das práticaspolíticas nas/das/com as redes cotidianas escolares. Teve-se como objetivo principal problematizar as tramas de professores de Língua Portuguesa em formação, bolsistas egressos(as) do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, da Universidade Federal do Amazonas (PIBID/UFAM), tecidas nas redes de saberesfazeres dos/nos/com os cotidianos de escolas públicas estaduais de Manaus-Am. A inspiração teórico-metodológico-política foi dos estudos dos/nos/com os cotidianos escolares no Brasil, sob a luz da teoria do cotidiano de Michel de Certeau. As imagens-narrativas relatam as práticaspolíticas dos currículos-formação das professoras produzidas nas tessituras coletivas de afetos, trocas, negociações e conflitos, que são potencialmente significativos à formação docente contínua.
Palavras-chave: professores de Língua Portuguesa em formação, PIBID, cotidianos escolares.
Abstract: This study values the singularities and subjectivities of the political practices of teachers in/of/with the daily networks of schools. The main objective was to problematize the webs of Portuguese language teachers in training, graduates of the Institutional Program for Teaching Initiation Scholarships at the Federal University of Amazonas (PIBID/UFAM), woven into the networks of knowledge and actions of/with the daily lives of state schools in Manaus. The theoretical-methodological-political inspiration was from studies of/in/with school everyday life in Brazil, in the light of Michel de Certeau's theory of everyday life. The narrative images report the political practices of teacher training curricula produced in the collective fabrics of affections, exchanges, negotiations and conflicts, which are potentially significant for ongoing teacher training.
Keywords: Portuguese language teachers in training, PIBID, everyday school life.
Resumen: Este estudio valora las singularidades y subjetividades de las prácticas políticas de los profesores en/de/con las redes cotidianas de las escuelas. Su principal objetivo fue problematizar las tramas de los profesores de lengua portuguesa en formación, egresados del Programa Institucional de Becas de Iniciación a la Enseñanza de la Universidad Federal de Amazonas (PIBID/UFAM), tejidas en las redes de conocimiento y trabajo en/con la vida cotidiana de las escuelas estatales de Manaus. La inspiración teórico-metodológica-política provino de estudios sobre/en/con la vida cotidiana escolar en Brasil, a la luz de la teoría de la vida cotidiana de Michel de Certeau. Las imágenes narrativas dan cuenta de las prácticas políticas de los currículos de formación docente producidas en los tejidos colectivos de afectos, intercambios, negociaciones y conflictos, que son potencialmente significativos para la formación docente permanente.
Palabras clave: profesores de Portugués en formación, PIBID, la vida cotidiana en la escuela.
Tessituras iniciais
As políticas de formação de professores no Brasil ainda são pautadas pela racionalidade técnica e conteudista, geralmente, focadas em processos de transmissão e memorização em detrimento de processos que envolvem a reflexão crítica, o que pode contribuir para a ampliação das desigualdades sociais. Esse, modo de vida e organização social neoliberal tem afetado os países ocidentais. As propostas educacionais pautadas nessa lógica buscam compor um currículo único e padronizado que não valoriza os currículos praticadospensados[1] dos(as) professores(as) nas redes cotidianas, quais sejam, aqueles produzidos a todo instante de forma singular, (re)criado, (re)inventado, negociado na relação com o outro e que na maioria das vezes subvertem as hierarquias e padronizações formativas e curriculares (Carvalho; Silva; Delboni, 2019).
Nesse sentido, apostamos nos atravessamentos éticospolíticospoéticos que agenciam criações heterogêneas que são potencializadas pelas subjetividades e alteridades dos sujeitos praticantes no dinamismo dos múltiplos espaçostempos cotidianos. Portanto, buscamos nesta pesquisa[2] de forma ética-estética-política tecer os processos formativos docentes singulares, vividos nas/das/com as redes cotidianas de escolas públicas (Alves, 2008; Oliveira, 2010).
Traçamos como objetivo principal deste estudo problematizar as tramas de professoras de Língua Portuguesa em formação, bolsistas egressos(as) do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, da Universidade Federal do Amazonas (PIBID-UFAM), tecidas nas redes de saberesfazeres dos/nos/com os cotidianos de escolas públicas de Manaus-Am. Tivemos como objetivos específicos: a) problematizar os desafios e as possibilidades tensionadas e tecidas pelas professoras de Língua Portuguesa, egressas do PIBID-UFAM b) problematizar os saberesfazeres tecidos nas práticas pedagógicas das professoras de Língua Portuguesa, egressas do PIBID-UFAM das/nas/com as redes cotidianas das escolas.
Desse modo, para tecer as potências das práticas pedagógicas nas/das/com as redes cotidianas, problematizamos o que acontece no miudinho das escolas (Ferraço, 2007), pois, os praticantespensantes (Oliveira, 2016) que fazem parte dessas múltiplas redes educativas (Alves, 2010), (re)criam novas artes de fazer (Certeau, 1994) no ser-e-estar-sendo professor em formação da educação básica. Ou seja, bricolam, na maioria das vezes, as regulações das políticas educacionais autoritárias e hegemônicas (Ferraço, et al. 2019).
Nesse sentido a prática da bricolagem, passa a ser um consumo produtivo de reinvenção das práticas educacionais, pois a formação docente dentrofora das escolas são espaçostempos de aprendizados, ensinos, (des)encontros, inventividades, (re)criações e negociações (Ferraço; Carvalho, 2008; Alves, 2010) das formas e jeitos singulares de tecer os espaços educativos para uma formação humana integral. Logo, a relevância deste estudo, encontra-se na valorização do currículo-formação docente experienciado nas redes de saberesfazeres dos/nos/com os cotidianos escolares, o que pode tensionar a hegemonia político-educacional que busca tornar a diversidade em homogeneidade acrítica.
Então, apostamos nas artes de fazer dos praticantes, a partir de uma leitura com a teoria do cotidiano de Michel de Certeau (1994) para problematizar as práticas pedagógicas astuciosas, subjetivas e singulares, tecidas nas múltiplas redes cotidianas das escolas (Alves, 2008). Sendo assim, a prática docente (re)criada nos saberesfazerespoderes podem problematizar/romper/superar as lógicas hegemônicas das políticas de formação e curricular educacionais, alinhadas ao neoliberalismo.
Dessa forma, por meio das narrativas das professoras de Língua Portuguesa em formação, das vivências/experiências formativas em escolas públicas, intermediadas pelo PIBID/UFAM, problematizamos as tramas das práticaspolíticas de formação e autoformação docente tecidas nos desafios, possibilidades, bricolagens, usos e consumos das/nas/com as redes cotidianas das escolas e que foram ressignificadas neste estudo, de fio em fio, com a possibilidade de (des)trançar muitos fios e destramar outros para também nos historicizar enquanto sujeitos transformadores das lógicas opressoras que desumanizam as pessoas.
As pesquisas dos/nos/com os cotidianos das escolas no brasil
Muitas pesquisas educacionais brasileiras dos/nos/com os cotidianos foram advindas dos estudos do antropólogo e filósofo francês, Michel de Certeau (1994), um intelectual atento às artes de fazer, às invenções, às táticas e estratégias e às bricolagens dos praticantespensantes que forjam as relações de poder, as crises e os conflitos institucionais e sociais (Ferraço; Soares; Alves, 2018). O cotidiano contemplado a partir de Certeau (1994) são as próprias artes de fazer dospraticantes, consideradas como práticas de caça não autorizada, ou seja, trata-se das possíveis astúcias, chamadas pelo autor de bricolagens – que são modos de operar um consumo subversivo das estratégias (im)postas pelas classes de poder.
Em 1990, surgiram os primeiros estudos dos/nos/com os cotidianos escolares no Brasil, por meio das professoras Nilda Alves, Regina Leite Garcia e Corinta Geraldi. Essa corrente teórica, se diversificou em outros grupos de pesquisa, como os da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), coordenado pela professora Inês Barbosa de Oliveira e da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), coordenado pelos professores Carlos Eduardo Ferraço e Janete Magalhães Carvalho (Oliveira, 2016), da Universidade Federal Fluminense (UFF) coordenado por Regina Leite Garcia e Maria Teresa Esteban, da Universidade de Campinas liderado por Antonio Carlos Rodrigues de Amorim, entre outros (Santos, 2016).
Nilda Alves foi uma das precursoras das questões teórico-metodológico-epistemológicas dos estudos nos/dos/com os cotidianos escolares no Brasil. Apresentou, em setembro de 1998, na XXI Reunião Anual da ANPED a pesquisa sobre currículo e cotidianos escolares (Alves, 2008a). Em 2001, publicou: Decifrando o pergaminho - os cotidianos das escolas nas lógicas das redes cotidianas. Nessa pesquisa discutiu os caminhos necessários para decifrar o pergaminho e pensar em tessituras de conhecimentos em redes cotidianas (Alves, 2008; Alves, 2015).
A ideia de tessitura de conhecimento em rede, de acordo com Alves (2008) é como um emaranhado de conhecimentossignificados produzidos coletivamente, (re)criada no fazerpensar dos praticantes de forma provisória e contínua. Sendo assim, as reflexões educacionais éticas, estéticas, políticas e poéticas dos estudos dos/nos/com os cotidianos valorizam o que de fato se produz nas escolas, com a preocupação de não apenas explicar os fenômenos enfrentados, mas tecer os saberesfazeres dos praticantespensantes nessa relação dialógica de enfrentamento.
O estudo de Garcia e Oliveira (2015) ressalta que a complexidade que rodeia nos cotidianos vem da subjetividade docente, pelo fato das práticas escolares serem não lineares, contraditórias e incontroláveis pela presença da pluralidade das circunstâncias dos sujeitos. As pesquisas nos/dos/com os cotidianos escolares não devem traduzir ou reproduzir lógicas/códigos/normatividades a serem aplicadas, pois as proposituras metodológicas se distanciam dos moldes tradicionais, então, não se trata de explicar um fenômeno, entretanto, busca-se problematizar os cotidianos escolares (Ferraço; Alves, 2015; Ferraço; Perez; Oliveira, 2021). Outro aspecto, trata-se da necessidade de rompimento de algumas determinações engessadas nos modelos cartesianos das pesquisas, em destaque a presença das dicotomias, tais como: sujeito e objeto, prática e teoria, prática e política, pelo qual busca-se a neutralidade e objetividade do conhecimento.
Dessa forma, os estudos com os cotidianos escolares mergulham no que é feito, pensado, falado e vivido nos diferentes espaçostempos (Ferraço; Perez; Oliveira, 2021). Nessas pesquisas, as narrativas-imagens, os sons, os cheiros, os gostos, trazem sentimentos de conhecimentossignificações de praticantespensantes, de suas criações, resistência e complexidades (Andrade, Caldas; Alves, 2019). Então, os múltiplos saberesfazeres docentes subjetivos tecidos na complexidade dos cotidianos escolares são imprevisíveis e não lineares. Portanto, analisar os processos formativos a partir de conceitos preestabelecidos, dicotomiza a complexidade da formação docente.
Aposta teórico-metodológico-política
Tecemos esta pesquisa de forma qualitativa, nos inspiramos na abordagem metodológica-ética-política potencializada pelos estudos nos/dos/com os cotidianos das escolas de Alves (2008; 2010), Ferraço (2007), Garcia e Oliveira (2015), Ferraço, Soares, Alves (2018), Certeau (1994), entre outros.
Nos inspiramos na ideia de imagens-narrativas de Ferraço e Alves (2016) como pistas para problematizar as políticas-éticas-estéticas-poéticas dos currículos-formação praticadospensandos nos/dos/com as redes cotidianas das escolas. Então, mergulhamos nos gestos, silêncios, conversas, imagens e nas diferentes expressões, para tecer as tramas das professoras de Língua Portuguesa, egressas do PIBID-UFAM. Nesse sentido, compreendemos que as pistas das imagens-narrativas, por mais efêmeras que sejam, podem potencializar os múltiplos sentidos vividos pelos sujeitos praticantes (Ferraço et al., 2019).
Convidamos a participar da pesquisa os(as) professores(as) de Língua Portuguesa em formação, bolsistas do PIBID, do edital N° 073/2018 DPA/PROEG, que estiveram em experiência profissional nas escolas públicas da rede estadual de Manaus-AM. Submetemos o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), obtivemos a aprovação para realizar a pesquisa por meio do parecer: 5.223.713. 13. Nove professores(as) aceitaram a participar da pesquisa, as entrevistas-narrativas foram realizadas em 2022, sete entrevistas foram realizadas presenciais e duas online, por meio da plataforma do Google Meet, todas foram gravadas individualmente e salvas em repositório particular em formato de vídeo. As entrevistas narrativas foram produzidas de maneira não estruturada, pois visamos a espontaneidade, a imprevisibilidade e a profundidade dos relatos singulares dos(as) professores (as).
Sendo assim, diante de uma limitação temporal em virtude das demandas impostas pelo sistema de pós-graduação brasileiro para a defesa da dissertação (que impacta na avaliação dos programas de pós-graduação no quesito tempo médio de titulação), tecemos as tramas de seis professoras de Língua Portuguesa, bolsistas egressas do PIBID-UFAM, edital N° 073/2018 DPA/PROEG. A seguir, fazemos uma breve apresentação das participantes da pesquisa, ressaltando que todos os nomes escolhidos são fictícios para proteger a privacidade dos sujeitos.
Margarida, licencianda de Língua Portuguesa e bolsista egressa do PIBID-UFAM (2018-2019), quando concedeu a entrevista estava cursando o 6º período de Letras Língua Portuguesa. Dália, licencianda de Língua Portuguesa, bolsista egressa do PIBID/UFAM (2018-2019), cursava o 9º período de Letras Língua Portuguesa na UFAM quando concedeu a entrevista narrativa. Estela, licenciada em Letras Língua Portuguesa, bolsista egressa do PIBID-UFAM (2018-2019), concluiu o Curso de Licenciatura em Letras Língua Portuguesa na UFAM em 2022. Violeta, licenciada em Língua Portuguesa, bolsista egressa do PIBID-UFAM (2018-2019) e concluiu o curso de Licenciatura em Letras Língua Portuguesa na UFAM em 2020. Ana, licencianda de Letras Língua Portuguesa e bolsista egressa do PIBID-UFAM (2018-2019) e, cursava o 7º período de Letras-Língua Língua Portuguesa na Universidade de Brasília (UnB). Melissa, licencianda de Letras Língua Portuguesa, bolsista egressa do PIBID-UFAM (2018-2019), estava cursando o 9º período quando concedeu a entrevista narrativa.
As experiências profissionais das pibidianas: Margarida, Dália, Melissa e Ana foram na Escola “Raio de Sol[3]”, Escola de Tempo Integral, da rede pública estadual, situada na Zona Sul de Manaus-AM. As pibidianas Violeta e Estela viveram as experiências profissionais na “Escola Arte do Saber[4]”, escola da rede pública estadual regular, que oferta somente ensino médio, nos três turnos, situada na Zona Centro-Sul de Manaus-AM.
As tramas das professoras foram tecidas a partir do mergulho das narrativas, vivências, sentimentos, memórias, táticas, possibilidades e desafios vivenciados por cada praticante, afim de problematizar os emaranhados da práticateoriaprática experienciadas nos/dos/com os saberesfazerespoderes e produzidos de forma contínua na trajetória formativa de cada docente. Nesses movimentos, refletimos as tramas do currículo-formação tecidos pelas professoras nas/com as redes cotidianas escolares.
Tramas do currículo-formação nas/com as/das redes cotidianas de professoras de língua portuguesa, bolsistas egressas do PIBID-UFAM
Nesta pesquisa problematizamos as práticaspolíticas, usos e consumos da vida-formação de professoras de Língua Portuguesa, que são inseparáveis ao tecer, pois inventamos e (re)criamos outras lembranças. Essas problematizações buscam valorizar as circunstâncias criadas e (re)inventadas nos desafios, possibilidades, encontros, negociações, saberesfazeres das professoras nas/das/com as redes cotidianas de escolas públicas estaduais de Manaus-AM.
A ideia de currículo-formação foi inspirada em Ferraço et al. (2019). Os autores ressaltam a necessidade de se “[...] pensar os currículos-formação como processos múltiplos, complexos e interdependentes, que dizem respeito à produção e à negociação de políticas educacionais que não se reduzem às prescrições oficiais [...]” (Ferraço et al., 2019, p. 68, grifos dos autores). Destarte, o currículo-formação insurge no (des)trançar dos acontecimentos nos espaçostempos escolares, nas vivências profissionais dos múltiplos fios das diferenças, invenções e deslocamentos dos praticantespensantes.
Segundo Ferraço (2021, p. 172, grifo do autor):
Trabalhar com histórias narradas se mostra como uma tentativa de dar visibilidade a esses sujeitos, afirmando-os como autores-autoras [...]. Mesmo com todo o empenho e determinação de pesquisadores comprometidos, como sujeitos-individuais-coletivos que se pensam com os cotidianos, ainda somos nós, alguns poucos que decidimos que fios, que lembranças, que relatos, que imagens, que histórias, que sons, sombras e silêncios se tornarão visíveis aos olhos dos nossos leitores.
Dessa forma, tecer as narrativas de vida-formação potencializam a legitimidade, a beleza e a pluralidade ética, estética, política e poética das professoras de Língua Portuguesa participantes desta investigação. Vale ressaltar, que por mais vivos que sejam nossos discursos, eles estão longe de captar toda a intensidade da vida cotidiana (Ferraço, 2007), nesse sentido, nossas análises apontam para possíveis leituras comprometidas ético-politicamente com uma educação laica que tensione/supere a hegemonia que reforça as desigualdades sociais. Nesse sentido, as tramas do currículo-formação foram tecidas nas/das/com as redes de fazeressaberes e negociadas nas/com vivências-experiências com o outro, dentrofora das escolas. Assim, buscamos produzir/tecer os dados e não apenas coletar/reproduzir (Ferraço; Perez; Oliveira, 2021).
Desafios e possibilidades tensionados-tecidos pelas professoras de Língua Portuguesa em formação nas/das/com as redes cotidianas escolares
Iniciamos um movimento reflexivo com a seguinte questão: como problematizar as práticasteoriaspráticas (Alves, 2008) se não pela voz/vivências das professoras praticantes? Nesse sentido, dar voz ao que as professoras de Língua Portuguesa: Margarida, Dália, Estela, Violeta, Ana e Melissa, viveram nas escolas públicas estaduais de Manaus-Am, é também uma forma de oportunizar a valorização profissional docente contínua, nos aproximando dos acontecimentos e das bricolagens singulares das professoras nas/das redes de fazeressaberes das práticas pedagógicas cotidianas.
A professora Margarida relatou que seu maior desafio foi aprender a lidar com os adolescentes, por conta da faixa etária de idade dos alunos, outro desafio foi o medo de ministrar aula. Margarida rememora as experiências vividas no cotidiano escolar:
[...] Lembro de um aluno do 6º ano 3, que ele tinha uma má fama na escola, ninguém enxergava ele com um olhar muito bom, porque ele era indisciplinado, não fazia nada, do tipo aluno problemático da sala de aula. Ele se sentia à vontade comigo e minha dupla do PIBID, pra conversar e contar sobre a vida dele. Foi então que a gente começou a ter um olhar um pouco mais empático com ele, prestar uma atenção maior, incentivá-lo a estudar, fazer as atividades. Ele sentia vontade de contar sobre a vida dele, o que acontecia, e a gente, foi percebendo, porque ele era daquela forma e acabou tendo um olhar mais carinhoso. Enquanto outras pessoas não tinham, porque ele era difícil de lidar [...].
Percebemos na narrativa da professora Margarida um olhar empático e afetivo para com o aluno que era considerado indisciplinado. Essa relação afetiva entre professor-aluno além de mediar o aprendizado, reforça os laços de amizade, o respeito, a confiança e a solidariedade de ambos (Rodrigues, 2019). Essa dimensão afetiva, constitui-se o tensionamento do medo de Margarida, a fim de construir formas de dar aulas para um público que a faixa etária era desafiadora. A figura 1 mostra Margarida ministrando uma aula em que a professora faz uma atribuição das superações mediadas nas oportunidades cotidianas estabelecidas pelo PIBID.

Então, compreendemos as superações produzidas por Margarida como práticaspolíticas subjetivas e astuciosas, criadas ao conceber outras formas de olhar os alunos considerados “problemáticos”. Conforme Baltor (2020), as práticas pedagógicas cotidianas possibilitaram aos licenciandos(as) de Língua Portuguesa a aproximação com o processo de ensino-aprendizagem e desenvolvimento da autoconfiança. Portanto, precisamos lutar contra as nossas próprias instabilidades para que possamos produzir uma forma de vida pautada no sentimento de compaixão pela humanidade (Alves, 2000). Podemos vislumbrar esses sentimentos humanos e afetuosos no relato da prática pedagógica da professora Margarida, quando disse que teve um olhar mais empático para o aluno.
A professora de Língua Portuguesa em formação, Dália, contou que seu maior desafio na prática pedagógica cotidiana foi seguir o mesmo planejamento nas cinco turmas do 6º ano, do Ensino Fundamental II. Ela também expressou a dificuldade em lidar com a superlotação de alunos nas salas de aula:
[...] cada turma é uma turma, eu não tinha essa noção, eu achava que faria um planejamento e estava bom. Mas eram cinco turmas. Como eu aplico esse planejamento? Vai dar certo? Vou seguir meu cronograma? Só que na prática não é assim, a gente descobriu isso durante esse processo. Eu lembro até o número da turma o 6º ano cinco era complicado, era difícil de lidar [...] eu percebi que o professor se relaciona diferente com turmas diferentes, tinha turmas que a gente era muito bem recebido muito acolhido e os alunos colaboravam pra aula fluir e tal e tinha turmas que a gente ia chamar atenção o tempo inteiro que a gente não conseguia muito manter a atenção deles, porque a gente tinha que buscar meios [...] então, eu acho que os conflitos que eu resolvi nesse sentido eram esses [...] teve turmas que a gente teve que mudar o planejamento por conta disso porque algumas turmas andavam mais rápido do que outras [...].
A professora Dália faz diversos questionamentos diante dos planejamentos de aula construídos em uma “moldura hegemônica” (pautada apenas na transmissão e memorização de conteúdos). A partir da experiência com o PIBID, observou que o cotidiano pode ser (re)tecido de maneiras idiossincráticas com cada turma e aluno. Assim, passou a refletir que há uma pluralidade de alunos nas salas de aula. Destarte, notamos que Dália criou microliberdades para lidar com cada aluno e turma de forma diferente, construindo outras maneiras didático-pedagógicas para produzir coletivamente os saberesfazeres nas diversidades cotidianas.
Já a professora Melissa relatou que seu maior desafio vivenciado na prática pedagógica cotidiana, intermediada pelo PIBID-UFAM, foi trabalhar com alunos com diferentes níveis de aprendizados. contou que:
Nessa vivência na prática pedagógica do cotidiano, eu acho que um dos maiores desafios é que a gente trabalha com alunos que vêm de realidades totalmente diferentes, então muitas vezes, eu percebo né, eu ainda não atuo como professora titular, mas percebo que muitas vezes um professor só, tem que dar conta de uma turma, com uma turma totalmente heterogênea, com alunos com realidade diferente, com níveis de aprendizado diferente, então isso é um grande desafio [...] Então, existe essa diferença de cada escola né, e aí muitas vezes, precisa seguir um currículo, que é um currículo só, né por exemplo da SEDUC-AM um currículo só, da SEMED-AM, também, sendo que cada escola é uma escola, de realidades diferentes, por isso, não tem como seguir um único currículo [...].
Diante dos desafios relatados por Dália e Melissa, têm como seguir um currículo homogêneo na prática pedagógica cotidiana das escolas? Os relatos nos direcionam a uma percepção das professoras em formação de que “cada escola é única”, ou seja, elas possuem muitas diversidades sociais, econômicas e culturais. Diante disso, faz-se necessário compreender que a prática educacional é também prática social, por isso, não devemos tê-las como receita ou tecnicismo modelador (Gatti, 2013).
A professora Estela relatou que a escola pública Educação de Jovens e Adultos (EJA) em que viveu sua experiência profissional, teve diversos desafios, como:
[...] os alunos tinham uma outra responsabilidade, colocava talvez o estudo no segundo plano, né... alunos com família, que tinha se preocupar em sustentar a família, filho. Então, a evasão escolar foi uma outra coisa preocupante para o nosso núcleo né, porque, nós tínhamos que estimular os alunos a frequentarem a escola [...] (Estela - professora de Língua Portuguesa em formação, egressa do PIBID-UFAM).
A evasão escolar, principalmente no turno noturno e o aprender a lidar com alunos mais velhos, que tinham outras responsabilidades, foram os principais desafios vivenciados pela professora Estela. Então, podemos perceber que os cotidianos escolares são espaçostempos de artes que abrigam diferentes pessoas e contextos. Segundo Gonçalves (2018; 2019), os sujeitos são impregnados de culturas e conhecimentos de mundo e do contexto do qual fazem parte. Por isso, encontram-se desafios que tensionam a professora diante da hegemonia educacional, mostrando que há outras particularidades a serem consideradas no ato de ensinar e aprender.
Na prática pedagógica cotidiana, a professora Violeta, relatou que passou por alguns desafios, como: saber se portar diante dos alunos com idade parecida com a sua; estimular os alunos do Ensino Médio a fazer vestibular, além de ter que incentivá-los a não desistirem de estudar. Ela relatou também que:
[...] as experiências no PIBID eram outras, a gente tinha pessoas ali que acabavam vendo a gente como super-heróis [...] porque, a gente fazia uma graduação. Até a gente destrinchar pra essas pessoas que pra elas era possível também[...], de demonstrar por exemplo: você morava no bairro X, eu também moro no bairro X, eu estudei numa escola pública também, prestei esse vestibular e consegui ingressar. Então, mais do que aprender sobre a docência de pegar algumas coisas que na teoria por vezes não condizem com a prática e não tem ensinamento maior do que você está realmente experimentando [...] o PIBID foi de encontro com essas realidades que às vezes se assemelhavam às minhas, mas que aquelas pessoas que estavam lá não sabiam disso [...] (Violeta, professora de Língua Portuguesa em formação, egressa do PIBID-UFAM).
Os desafios vivenciados pela professora Violeta e as demais pibidianas, a partir da intermediação do PIBID nos permitem destacar, as reflexões sobre as limitações de um sistema educacional pautado hegemonicamente em currículos centralizados e focados apenas nas práticas de transmissão e memorização de conteúdo. Tais currículos buscam estabelecer estratégias homogeneizadoras do processo educacional como uma linha de montagem que fabrica pessoas acríticas. No entanto, as políticas educacionais como o PIBID ressaltam a reflexão para o tensionamento dessas lógicas, pois as professoras ao perceberem as dificuldades, demonstraram processos reflexivos que contribuem a sua formação e que de alguma forma essas bricolagens são encharcadas de práticas de microliberdades das professoras. Essas práticas docentes precisam ser ressaltadas, para que se reflita que a educação ocorre nas diferenças, nas ampliações das visões de mundo e não apenas como depósito (bancário), por aquele conhecimento tradicional, que não oportuniza o protagonismo dos alunos (Freire, 2018).
Portanto, acreditamos no processo formativo docente contínuo que ocorre nos diversos espaçostempos dos cotidianos, um ciclo que não tem como definir início e fim, visto que é (re)tecido e (des)tecido continuamente, levando sempre em consideração os diversos contextos formativos vividos por cada professor(a) (Gallo, 2011). Nessa esteira, a formação docente se emaranha nos acontecimentos, nas relações práticaspolíticas dos sujeitos praticantes. Nessa relação produz saberesfazeres, emergidos nos processos de subjetivação de práticasteoriaspráticas das quais a narrativa da Margarida relatou, e nos faz refletir que as redes cotidianas das escolas possibilitam a tessitura de diálogos (auto)formativos sempre em devir.
Além disso, os desafios do/no cotidiano das práticas pedagógicas emergem diversas possibilidades. As narrativas das professoras Ana e Dália trazem essas diversas possibilidades criativas e astuciosas vivenciadas nas práticas pedagógicas. Percebemos também a busca por novos conhecimentos a serem ensinados de maneira mais dinâmica aos alunos. Ana enfatizou em sua narrativa que mediou algumas atividades com o gênero discursivo autobiografia com os alunos, dos 6º anos do Ensino Fundamental II (Figura 2).

Percebemos o aprenderensinar da professora Ana com as atividades dinâmicas e criativas que produziu em sala de aula com os alunos, participou e incentivou a criação de suas próprias histórias. Ana, assim como Dália, refletiram um contraste de suas vivências no PIBID em relação aos Estágios Supervisionados, pois relataram que não oportunizaram as mesmas experiências e aprendizados que o PIBID, como podemos perceber em suas narrativas:
[...] Eu achei muito legal que a gente poder ajudar e orientar a escrita, isso foi legal também, porque a professora tava sempre disponível para orientar a gente e ao mesmo tempo ela permitia que a gente também agisse né. Então, isso era legal também, porque você em alguns estágios fica mais como observador [...] mas, eu percebi assim que no PIBID a gente já entrou um pouco com a mão na massa a gente teve orientações, orientações básicas, mas a gente já começou a orientar e ajudar os alunos [...] (Narrativa da professora em formação, Ana, pibidiana egressa de Língua Portuguesa da UFAM).
[...] eu hoje, eu pós minha participação no PIBID, hoje depois disso tudo, de finalizado de feito projeto de extensão, de ter apresentado banner sobre o projeto, hoje eu consigo entender que os Estágios não são suficientes, são três estágios, mas eu não fiz o último, mas o primeiro e o segundo pra mim não me ensinaram um terço do que eu aprendi no PIBID [...] (Narrativa da professora em formação, Dália, pibidiana egressa de Língua Portuguesa da UFAM).
As professoras Ana e Dália relatam que o subprojeto de Língua Portuguesa do PIBID-UFAM proporcionou a arte de fazer, ou seja, de (re)criar e (re)inventar sua prática pedagógica nas diversas redes dos cotidianos escolares, diferente dos Estágios Supervisionados, por serem apenas de observação. Gatti, (2014), enfatiza que os estágios supervisionados apresentam muitas fragilidades à formação docente, como a falta de planejamento alinhado aos propósitos e ações docentes, a ausência do alinhamento dos estágios com os cotidianos escolares, entre outras situações. Assim, observamos que seria profícuo que os estágios pudessem se alinhar às políticas do PIBID, inclusive, destacando maior permanência nos cotidianos escolares, visto que não apenas a universidade possui o conhecimento formador.
O PIBID intermediou vivências e reflexões singulares a formação profissional de Dália, pois contou que:
[...] o Pibid me ajudou a me entender como profissional a me reconhecer como profissional e eu também já me senti capaz. Acho que o Pibid fez muito isso comigo, me senti capaz de assumir uma turma, porque, porque... a gente entrou no primeiro ano do curso, aí a gente trabalhou o projeto mesmo no segundo ano. Mas, só esse contato bem no início do curso a gente já ir lá e já conseguir dar aula já conseguir trabalhar com esses alunos, conviver e criar laços, porque o professor ele cria laços ele não tá ali, ele não é um objeto, ele não é um robô que chega na frente ministra o conteúdo e vai embora a gente se envolve, cria relação com aqueles alunos. Então tudo isso eu acho que foi de extrema importância pra minha formação, porque me faz entender o que que seria esse cotidiano o que é a sala de aula [...].
A narrativa da professora Dália destaca que o Pibid possibilitou apoio emocional dos colegas, pela subjetividade compartilhada nas práticas pedagógicas que realizou de forma coletiva, assim como: o apoio da professora supervisora do PIBID e dos colegas no momento de assumir a sala de aula; a troca de conhecimentos com os alunos; a realização de projetos; a superação do medo de ministrar aula; o reconhecimento e a autoconfiança profissional.
Sendo assim, também contribui com o relato da professora Dália, os estudos realizados por Marcelo (2009), quando compreende que o desenvolvimento profissional dos professores perpassa pela tessitura da identidade docente e a maneira como os(as) professores(as) definem os demais sujeitos e a si próprio. Sendo assim, uma construção do eu profissional que vive em constante desenvolvimento ao longo da carreira docente, influenciado pelas vivências dos cotidianos escolares, contextos políticos, sociais e econômicos, constituído pelo compromisso, produção/criação, subversão de cada praticantepensante.
Desse modo, as imagens-narrativas das professoras de Língua Portuguesa em formação trazem diversos desafios vividos de forma singular nas práticasteoriaspráticas dos cotidianos escolares, com as intermediações do PIBID, tais como: ministrar aula pela primeira vez; saber lidar com a indisciplina dos alunos; lidar com a evasão escolar no turno noturno, entre outros. Além disso, percebemos que essas vivências possibilitaram também afetos, trocas, aprendizados, partilhas, reconhecimentos e burlas vividas/constituídas nas/das/com as redes cotidianas culturais, sociais, políticas e cognoscentes das professoras.
Saberesfazeres tecidos nas redes cotidianas de escolas públicas das professoras de Língua Portuguesa em formação
As tramas dos saberesfazeres das pibidianas de Língua Portuguesa, foram tecidas de fio em fio a partir dos relatos das práticas pedagógicas das/nas/com as redes cotidianas das escolas estaduais de Manaus-AM. Tecemos, então, os saberesfazeres de professoras de Língua Portuguesa em formação nas redes cotidianas das escolas de educação básica, com a possibilidade de potencializar as redes de subjetividades compartilhadas (Carvalho; Silva; Delboni, 2019), pois, essas redes, na maioria das vezes, são tecidas nas dificuldades, nos afetos, nas esperanças e nas resistências de todos os sujeitos que fazem parte das escolas.
As imagens-narrativas da professora Margarida, fazem emergir do seu relato o prazer em vivenciar a experiência profissional na Escola Raio de Sol (figura 3). Essas relações coletivas representadas por Margarida na imagem-narrativa expressam as redes de afetos (Spinoza, 2007) intermediadas pelo Pibid e tecidas com os alunos e seus colegas pibidianos. Notamos que essas práticas coletivas de ensinaraprender (Alves, 2008) colaboram com o processo formativo contínuo das professoras.

Nas imagens-narrativas da pibidiana Ana, percebemos as partilhas de ideias entre os(as) licenciandos(as) do PIBID-UFAM e as atividades diversificadas criadas em suas práticas de ensinaraprender (Alves, 2008) no cotidiano da escola pública de Manaus-AM (figura 4). A pibidiana relatou a criação com seus colegas do Pibid um espaço de movimentação microbiana (Ferraço et al., 2019), visto que ela agenciou nas suas ações pedagógicas, práticas-teorias-políticas emancipatórias e inventivas no dia a dia da escola, tecidas nas relações intersubjetivas entre os professores da educação básica, os(as) pibidianos(as) e os demais atores educativos.

A professora Ana contou, ainda, que a produção de planejamentos em conjunto com a professora supervisora do PIBID-UFAM, trouxe muitas partilhas de aprendizados que foram essenciais a sua prática educativa (figura 5).

Ana ainda relatou a criação, com seus colegas pibidianos(as), de aulas consideradas dinâmicas e atrativas aos alunos em diversos ambientes da escola (Figuras 6 e 7). Podemos observar nas imagens-narrativas as táticas criadas diante das estratégias que eram impostas tanto pelo programa quanto pela escola que viveu sua experiência profissional.


As práticas pedagógicas das pibidianas Ana e Margarida reforçam a criação dos currículos em redes (Alves, 2008), ou seja, dos currículos realizados/vividos (Ferraço; Carvalho, 2008) que consideram os artefatos culturais da comunidade escolar como currículo-formação. As professoras também criam currículo-formação nas partilhas subjetivas dos valores e das crenças com todos que fazem parte da escola.
Essas atividades criadas pelas pibidianas contribuem para a superação da imagem do professor como único detentor do saber, quando o (a) professor (a) assume a posição central da sala de aula e os alunos ficam organizados em fila, apenas prontos para receber um depósito de conteúdo. Percebemos que a professora Ana produziu saberesfazeres de resistência criados para que os alunos participassem das aulas de forma mais dinâmica e atraente. Relatou que sempre fazia os alunos participarem, inclusive, sempre ouvindo-os. Notamos, então, o valor e o protagonismo partilhado com os alunos(as) da rede pública estadual de Manaus-AM.
A professora Ana contou que expôs algumas experiências vividas na escola no evento do PIBID-UFAM (Figura 8). Os saberesfazeres produzidos por Ana e seus colegas do PIBID dentrofora das escolas fazem parte de sua formação docente contínua. Logo, “[...] são os tipos de operações nesses espaços que as estratégias são capazes de produzir, mapear e impor, ao passo que as táticas só podem utilizá-los, manipular e alterar” (Certeau, 1994, p. 92). Portanto, percebemos que, apesar das estratégias normativas tensionarem a formação das professoras, elas subvertem suas práticas pedagógicas com os consumos produtivos das táticas criadas e efetivadas em diversos saberesfazeres.

Podemos tecer a criação do currículo-formação nos/dos cotidianos das escolas, nos relatos da professora Melissa:
[...] Eu penso assim que, a gente aprende muito regra gramatical, regra gramatical, e às vezes na escola isso se toma muito tempo, muito monótono [...], quando a gente ensina regras gramaticais desconectadas da nossa vivência [...] Então, o primeiro projeto aplicado foi do conto e miniconto, que era as outras meninas que eram o quarteto né, foi o primeiro a ser aplicado, e dali a gente já começou, a ver os resultados, que eram muito positivos nas produções deles, eles eram muito criativos, era usado no 6º ano esqueci de falar, eles eram muito muito criativos, e eles escreviam muito, eles, eles pensavam em coisas que a gente nem imaginava, faziam muitos desenhos e tal assim, aí naquele momento, a gente já conseguiu perceber essas produções né... e depois a gente aplicou o nosso que foi de poesia [...]. Eu lembro dessa época com muito carinho, porque a gente teve que produzir slides e tudo mais... esse material, a gente tinha que ir escolhendo as poesias, a gente escolheu música também. Então, primeiro, a gente perguntava para os alunos o que eles achavam que era poesia, e a gente ia escrevendo as palavras no quadro, eles iam falando várias coisas, a poesia é amor, é o que eles falavam, poesia é o tempo, pois aí falavam várias coisas assim [...].
A professora Melissa fez uma crítica ao ensino da gramática normativa descontextualizada da realidade dos(as) alunos(as). Além disso, narrou a criação de algumas atividades diferenciadas em sala de aula para explicar os gêneros discursivos miniconto e poema. O relato da Melissa e das demais pibidianas deste estudo ressaltam que o engessamento do ato educativo, aparentemente proposto nas normativas curriculares, é tensionado/rompido/substituído por práticas significativas. Nesse sentido, vale ressaltar que cada escola possui contextos diferentes, portanto, devem ser levados em consideração na produção das ações pedagógicas.
O currículo-formação de cada pibidiana também é singular, como podemos perceber nas experiências vividas por Estela e Violeta na Escola Arte do Saber no turno noturno. Cabe ressaltar que essa é uma das poucas escolas regulares de Manaus-Am, que ainda oferta o ensino médio no turno noturno.
A professora Estela contou em sua narrativa que a professora supervisora do PIBID-UFAM de Língua Portuguesa trabalhou de forma diferenciada para atender as necessidades dos seus alunos, até mesmo na questão da explicação e planejamento dos conteúdos. Essas maneiras de fazer (Certeau, 1994) da licencianda Estela e da supervisora, contrapõe as políticas educacionais impostas pelos documentos curriculares oficiais. Ela disse que precisou, juntamente com os colegas e a supervisora do PIBID, criar outras maneiras de fazer, ou seja, criar táticas para trabalhar os conteúdos a partir do contexto dos alunos. Logo, “[...] essas táticas desviacionistas não obedecem à lei do lugar” (Certeau, 1994, p. 92), visto que, criar táticas metodológicas coerentes ao contexto de cada aluno reforça a preocupação que as professoras tiveram com a aprendizagem integral deles.
A professora Estela contou alguns impactos vividos na escola estadual da rede pública de Manaus, que faz parte da modalidade Ensino Médio, no turno noturno:
[...] Então, assim, o primeiro contato que eu tive foi com alunos mais velhos, que estavam muito tempo sem estudar [...] lá a noite era ensino médio[...] e assim eu vou falar agora da realidade mesmo em sala de aula, tinha alunos do ensino médio que não sabiam ler, que copiava a minha letra do quadro. Então, assim, você via quando ele não estava escrevendo como uma pessoa já alfabetizada, já letrado, ele estava basicamente desenhando a minha letra. Isso foi o primeiro diagnóstico que nós fizemos. Então, o professor estava dando uma aula e nós estávamos circulando pela sala perguntando se alguém tinha dúvida e aí era perceptível [...], um outro aluno estava ali desenhando. Isso me impactou [...] para além da área profissional, gerou muita reflexão [...] E aí, como aplicar um projeto para um aluno que não era letrado que não era alfabetizado e que ainda assim estava no primeiro ano do ensino médio, dá pra perceber que tem uma lacuna e essa lacuna ela precisava ser estudada, assim foi a outra parte que eu fiquei assim meio impactada. Mas, eu sabia que de um jeito ou de outro, esse aluno, ele ia continuar avançando nos estudos [...] alunos levavam para a sala de aula filhos pequenos [...] alunas grávidas [...] Mas, você não vê isso com tanta frequência numa escola de ensino regular à noite é mais comum (Estela, professora de Língua Portuguesa, egressa do PIBID-UFAM).
As vivências da professora Estela nessa escola, reforçou a distância que ainda existe entre os cotidianos das escolas e dos diversos espaçostempos, como: das universidades, das práticas docentes, dos cotidianos disciplinares, das políticas públicas, dos cotidianos dos PIBIDs, dos projetos e dos cotidianos dos (as) alunos(as). Esse distanciamento, na maioria das vezes, se dá pelas imposições e hierarquias instituídas pelos sistemas educacionais e currículos oficiais padronizados e sistematizados em funcionalidades dualistas e cartesianas.
Oliveira
Portanto, percebemos nas diferentes práticaspolíticas das professoras de Língua Portuguesa em formação, egressas do Pibid-UFAM, que nos cotidianos das escolas os currículos praticados (Ferraço; Carvalho, 2008) são (re)formulados e (re)significados continuamente pelas professoras de maneira que possa ser melhor compreendido pelos(as) alunos(as).
Considerações (in)conclusivas, ou para esperançar
Esta pesquisa nos permitiu compreender/tecer os múltiplos espaçostempos inventivos que valorizam os entrelugares subjetivos de formação, sendo assim, essenciais para superar a relação vertical que ainda existe no campo educacional entre escola e universidade.
Percebemos que os currículos-formações praticadospensados são produzidos nos emaranhados dos desafios, das possibilidades e dos saberesfazeres docentes, ou seja, nas táticas, nos usos e nos consumos vividos por cada professora de Língua Portuguesa em formação nos/dos/com os cotidianos escolares. Essas artes de fazer, de certa forma, oportunizaram o desenvolvimento profissional docente contínuo e saberes plurais experienciados nas complexas redes cotidianas.
Destarte, esses saberesfazeres são singulares, pois foram vivenciados pelas professoras de Língua portuguesa em formação de forma única nos múltiplos espaçostempos nas/das/com as redes cotidianas das escolas. Além disso, notamos que o PIBID vai além das estratégias da política formativa da CAPES, pois também se mostra em meio às redes de táticas, de usos e consumos astuciosos, que permitem a (re)criação de práticateoriaprática singulares e subjetivas ao currículo-formação docente. Logo, observou-se a existência e a experiência de vários PIBIDs, conforme cada contexto escolar. Sendo assim, acreditamos na potencialidade do programa na formação docente, oportunizando aos praticantes o uso inventivo e astucioso de práticas pedagógicas autoformativo e identitárias nos cotidianos escolares, o que possibilitou a construção ético-estético-político-pedagógica de outras possibilidades de ensino-aprendizagem e a humanização para a libertação de muitas imposições dos sistemas educacionais brasileiros.
Portanto, devemos valorizar a relação universidade-escola que oportuniza a pesquisa, o ensino e a extensão de forma contextualizada, humana, afetiva, plural e inclusiva, nos diversos campos de ensino, para formação de sujeitos emancipados. Entendemos que assim, podemos de alguma forma superar as concepções dicotômicas que há entre a universidade e a escola básica, principalmente em relação a prática e teoria, para assim produzir intermediações mais horizontais e epistemologicamente mais humildes, significativas e afetivas.
Sendo assim, acreditamos na potência de uma práticateoriaprática tecida de forma solidária e ética-política-estética-poética nas redes cotidianas do exercício profissional docente intermediada pelo PIBID. Para isso, precisamos (des)tecer também algumas questões generalizadas por nós professores e pelos sistemas educacionais, na tentativa de romper/superar as imposições e hierarquias presentes nos currículos formativos padronizados das escolas da rede pública. Por fim, cabe ainda esperançarmos por formas mais justas de educar, de viver e de celebrar as diferenças na sociedade hodierna brasileira.
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Notas
Autor notes

