Demanda Contínua
Recepção: 16 Outubro 2023
Aprovação: 14 Março 2024
Resumo: Em tempos de incertezas, mudanças e desafios enfrentados pela Educação Superior, as estratégias de trabalho docente podem contribuir para a implantação da aprendizagem ativa na sala de aula. Todavia, as metodologias ativas apresentam controle, monitoramento e avaliação de todo o processo de ensino-aprendizagem, ao passo que as estratégias de trabalho docente, não necessariamente têm essa intenção. Sendo assim, as metodologias ativas de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) e de Aprendizagem Baseada em Projetos (ABPj) são apresentadas de forma estruturada, como candidatas em potencial para uso na Educação Superior. Ademais, são apresentadas novas possibilidades para as estruturas que compõem um currículo, denominadas células curriculares, propostas a partir de quatro modelos: (a) célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABP (modelo A); (b) célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABPj (modelo B); (c) célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj (modelo C); e (d) célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj, e aulas expositivas dialogadas (modelo D). A partir de pequenas modificações nos modelos B e C das células, é apresentada uma proposta de estruturação do currículo para um Curso de Especialização Lato Sensu em Engenharia Intercultural. Os desafios na implantação das metodologias ativas são enormes, e a busca da inovação curricular não pode vir repentinamente ou radicalmente. De fato, é preciso diálogo, compreensão das práticas estabelecidas e construção de alicerce sólido, para que os envolvidos no processo compreendam a importância da verdadeira transformação.
Palavras-chave: metodologias ativas, Aprendizagem Baseada em Problemas, Aprendizagem Baseada em Projetos, currículo, Engenharia Intercultural.
Abstract: In times of uncertainty, changes and challenges faced by Higher Education, the teaching work strategies can contribute to the implementation of active learning in the classroom. Nonetheless, active methodologies present control, monitoring and assessment of the entire teaching-learning process, while the teaching work strategies do not necessarily have this intention. Thus, active methodologies of the Problem-based Learning (PBL) and the Project Led Education (PLE) are presented in a structured way, as potential candidates for use in Higher Education. Additionally, new possibilities are presented for the structures that comprise a curriculum, called curriculum cells, proposed from four models: (a) curriculum cell that uses only the PBL (model A); (b) curriculum cell that uses only the PLE (model B); (c) hybrid curriculum cell that uses the PBL and the PLE (model C); and (d) hybrid curriculum cell that uses the PBL and the PLE, and the dialogued expository classes (model D). A proposal for structuring the curriculum for a Lato Sensu Specialization Course in Intercultural Engineering is then presented, and it based on the small modifications in cell models B and C. The challenges in implementing active methodologies are enormous, and the pursuit of curriculum innovation cannot come suddenly or radically. Certainly, it takes dialogue, understanding of established practices and building a solid foundation, so that those involved in the process understand the importance of true transformation.
Keywords: active methodologies, Problem-based Learning, Project Led Education, curriculum, Intercultural Engineering.
Resumen: En tiempos de incertidumbre, cambios y desafíos que enfrenta la Educación Superior, las estrategias de trabajo docente pueden contribuir a la implementación del aprendizaje activo en el aula. Sin embargo, las metodologías activas presentan control, seguimiento y evaluación de todo el proceso de enseñanza-aprendizaje, mientras que las estrategias de trabajo docente no necesariamente tienen esta intención. Por lo tanto, se presentan de forma estructurada las metodologías activas de Aprendizaje Basado en Problemas (ABP) y de Aprendizaje Basado en Proyectos (ABPy), como potenciales candidatas para su uso en la Educación Superior. Además, se presentan nuevas posibilidades para las estructuras que conforman un currículo, denominadas células curriculares, propuestas a partir de cuatro modelos: (a) célula curricular que utiliza únicamente la metodología ABP activa (modelo A); (b) célula curricular que utiliza únicamente la metodología ABPy activa (modelo B); (c) célula curricular híbrida que utiliza las metodologías activas ABP y ABPy (modelo C); (d) célula curricular híbrida que utiliza las metodologías activas ABP y ABPy, y clases expositivas dialogadas (modelo D). A partir de pequeñas modificaciones a los modelos celulares B y C, se presenta una propuesta de estructuración curricular para un Curso de Especialización Lato Sensu en Ingeniería Intercultural. Los desafíos en la implementación de metodologías activas son enormes y la búsqueda de innovación curricular no puede darse de manera repentina ni radical. De hecho, el diálogo, la comprensión de las prácticas establecidas y la construcción de una base sólida son necesarios, para que quienes participan en el proceso comprendan la importancia de una verdadera transformación.
Palabras clave: metodologías activas, Aprendizaje Basado en Problemas, Aprendizaje Basado en Proyectos (ABPy), plan de estudios, Ingeniería Intercultural.
Introdução
A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) (do inglês: Problem-based Learning – PBL) é uma metodologia ativa onde situações reais são enfrentadas por meio de operações do pensamento reflexivo, crítico, criativo e inovador, com busca de soluções de problemas. É importante enfatizar que os problemas relacionam-se com uma “situação problema” ou “algum pensamento real”, e não absolutamente com cálculos matemáticos (Alper; Fendel; Fraser; Resek, 1996).
Em geral, os problemas são interdisciplinares na metodologia ativa de ABP, com destaque para um currículo não composto por disciplinas tradicionais. Assim, a “inter-poli-transdisciplinaridade” é pretendida por meio de componentes curriculares e/ou eixos temáticos. E neste sentido, para Edgar Morin (2017):
Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada. (Mourin, 2017, p. 16).
Na metodologia ativa de ABP, o problema é utilizado para iniciar, convergir, motivar e concentrar na aprendizagem por meio da agregação entre elementos teóricos e práticos na busca da solução do problema. Aprender por si mesmo faz parte do desenvolvimento metacognitivo do(a) aprendente e sua capacidade de compreender, controlar e manipular habilidades. Deste modo, o(a) ensinante atua como “professor(a)-facilitador(a)” no processo de ensino-aprendizagem (Ribeiro, 2005; Ribeiro, 2010).
A proposição da metodologia ativa de ABP foi influenciada pelos estudos do psicólogo americano Jerome Seymour Bruner e do filósofo John Dewey. As ideias no Currículo em Espiral, proposto por Bruner, deveriam ser elaboradas em encontros sucessivos para uma construção de uma compreensão apurada. Apesar disso, Dewey acreditava que a utilização de desafios educacionais no formato de problemas era compreendida como parte natural do processo de aprendizagem (Lima, 2017).
Os estudos de Bruner e de Dewey influenciaram a criação da metodologia ativa de ABP. Apesar disso, Lima (2017) e Ribeiro (2010) evidenciam a origem da metodologia ativa de ABP na Escola de Medicina da Universidade de Mc-Master (Canadá) no final dos 1960, a partir da aplicação da Metodologia Baseada em Casos no ensino de Direito pela Escola de Direito da Universidade de Harvard na década de 1920, e no modelo desenvolvido pela Universidade Case Western Reserve, proposto para o ensino de Medicina nos anos 1950 (Deus Júnior, 2022).
A partir daí, a metodologia ativa de ABP se expandiu com o tempo para outras Instituições de Ensino Superior (IES), com aplicação inicial nos cursos de graduação de Medicina (Dochy; Segers; Bossche; Gijbels, 2003). Apesar disso, ela pode ser utilizada por qualquer curso de graduação e de pós-graduação, em diferentes áreas. Neste sentido, a obra de John Dewey foi muito além de influenciar a metodologia ativa de ABP, como afirma Trindade (2020):
De facto, foi só após 1974 que, no nosso país, o pensamento pedagógico de Dewey adquiriu relevância e, sobretudo, uma maior visibilidade, como fonte de inspiração e instrumento de legitimação de algumas decisões políticas de natureza curricular nos anos referentes à escolaridade obrigatória (Roldão, 1994), em iniciativas relacionadas com o desenvolvimento de projetos que foram desenvolvidos na área da educação para a cidadania (Bento, 2001) ou na reflexão acerca da gestão e organização do trabalho pedagógico, nomeadamente através da difusão e utilização da Metodologia de Projeto. (Trindade, 2020, p. 23).
O perfil e as competências dos egressos dos cursos de graduação são amplos, e variam muito. Por exemplo, no caso do Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada) prevê:
A Formação Continuada, para que tenha impacto positivo quanto à sua eficácia na melhoria da prática docente, deve atender as características de: foco no conhecimento pedagógico do conteúdo; uso de metodologias ativas de aprendizagem (grifo é do autor); trabalho colaborativo entre pares; duração prolongada da formação e coerência sistêmica. (Brasil, 2020, p. 104).
Como atingir tal formação com um currículo tradicional de ensino? As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica prevê o incentivo e o uso de metodologias ativas, com destaque para o inciso II do Artigo 7º:
Uso de metodologias ativas de aprendizagem - as formações efetivas consideram o formador como facilitador do processo de construção de aprendizados que ocorre entre e/ou com os próprios participantes, sendo que entre as diferentes atividades de uso de metodologias ativas estão: a pesquisa-ação, o processo de construção de materiais para as aulas, o uso de artefatos dos próprios discentes para reflexão docente, o aprendizado em cima do planejamento de aulas dos professores. (Brasil, 2020, p. 104).
É interessante que essa postura de mudança e de incentivo no uso de metodologias ativas está presente não apenas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (Brasil, 2020), mas também nas DCNs para a Educação Profissional e Tecnológica (Brasil, 2021a), nas DCNs do curso de Odontologia (Brasil, 2021b), nas DCNs dos cursos de Engenharias (Brasil, 2019a), nas DCNs do curso de Medicina Veterinária (Brasil, 2019b), nas DCNs do curso de Direito (Brasil, 2018), nas DCNs do curso de Medicina (Brasil, 2014), etc. Apesar disso, o Brasil está muito longe de usar metodologias ativas nos cursos de graduação na sua plenitude, diferentemente do que ocorre do curso de Medicina no Brasil (Cavalcante; Lira; Neto; Lira, 2018) e no mundo (Trullàs; Blay; Sarri; Pujol, 2022), que já utilizam a ABP em escala muito maior.
A Aprendizagem Baseada em Projetos (ABPj) (do inglês: Project Led Education – PLE) é outra metodologia muito importante. Ela se diferencia pela substituição do “problema”, presente na metodologia ativa de ABP, pelo desenvolvimento de um “projeto” (Deus Júnior, 2022).
Tavares, Campos e Campos (2014) ampliam as diferenças entre as duas metodologias. Na metodologia ativa de ABP, espera-se que os(as) aprendentes “resolvam” problemas do mundo real, enquanto na metodologia ativa de ABPj, espera-se que os(as) aprendentes “criem” novos materiais, protótipos, processos e sistemas inovadores. No caso da metodologia ativa de ABP, a abordagem educacional é concebida como “modelo de pesquisa”, onde há uma ênfase na análise e contextualização interdisciplinar do conhecimento. Por outro lado, no caso da metodologia ativa de ABPj, a abordagem educacional é concebida como “modelo de produção”, com ênfase na prática da profissão. Na metodologia ativa de ABP, o currículo é organizado com base na proposição de questões e/ou solicitações, com foco no “processo”. Já no caso da metodologia ativa de ABPj, o currículo é organizado com base na proposição de “tarefas” para entrega de produtos devidamente especificados (Deus Júnior, 2022).
Outra diferença entre as duas metodologias refere-se ao número de semanas de aplicação e à dinâmica de aplicação em cada uma delas (Tavares; Campos; Tavares, 2014). Na metodologia ativa de ABP, o número de semanas pode variar entre 1 a 2 semanas. E no caso da metodologia ativa de ABPj, o número de semanas geralmente é muito maior. No caso da metodologia de ABP, as soluções são geralmente conhecidas e/ou previsíveis. Assim, os(as) aprendentes são incentivados a compartilhar “hipóteses e/ou sugestões” na busca de solução do problema, a partir de pequenas tarefas elaboradas pelo(a)/pelos(as) ensinante(s). Já na metodologia ativa de ABPj, os(as) aprendentes buscam informações para o “desenvolvimento” do projeto, identificação ou “criação” de teorias no desenvolvimento do(s) produto(s) com supervisão do(a)/dos(as) ensinante(s), geralmente a partir de questões e/ou solicitações desconhecidas (Deus Júnior, 2022).
Apesar dos resultados de muitos projetos de disciplinas e/ou módulos de graduação e/o pós-graduação serem previsíveis, a inovação pode, e deve ser almejada na utilização da metodologia ativa de ABPj. Para tanto, é importante a busca da maturidade no uso da metodologia ativa de ABPj por parte do(a)/dos(as) ensinante(s), a partir da seleção, do uso e da avaliação de algumas estratégias de trabalho docente (Deus Júnior, 2022).
Pode-se definir uma estratégia de trabalho docente como uma ferramenta, uma técnica e/ou uma dinâmica capaz em torná-la um processo de ensino-aprendizagem mais ativo, ou menos ativo para os(as) aprendentes. Por outro lado, pode-se definir uma metodologia ativa como um processo de ensino-aprendizagem fortemente caracterizado pelo controle, monitoramento e avaliação de todo o processo, onde uma ou mais estratégias de ensino estão “embarcadas”.
Dessa forma, a Figura 1 apresenta diversas estratégias de trabalho docente, a partir de uma ampliação da lista de estratégias propostas por Anastasiou e Alves (2015).
Note que na Figura 1, o diagrama de afinidades das estratégias de trabalho docente apresenta oito grupos de estratégias de trabalho docente, em função de nível de contribuição das estratégias de trabalho docente para o processo de avaliação dos(as) aprendentes, e do nível importância das estratégias de trabalho docente para as metodologias ativas de ABP e de ABPj. Assim, o Grupo 1 é constituído apenas da “Aula expositiva dialogada”, sendo considerada a estratégia de trabalho docente menos importante do ponto de vista da avaliação numa aplicação com as metodologias ativas de ABP e de ABPj. Por outro lado, o Grupo 8, constituído de “Solução de problemas”, “Portfólio”, “Prototipagem em papel”, “Prototipagem em escala reduzida”, “Elaboração de projeto”, “Elaboração de produto”, “Relatório de síntese” e “Relatório de projeto”, é considerado o grupo mais importante para a avaliação, pois pode ocorrer diversidade na aplicação das duas metodologias ativas.
Particularmente, as estratégias de trabalho docente do Grupo 6 fazem parte das ferramentas de Design Thinking (Vianna; Vianna; Adler; Lucena; Russo, 2012). Assim, essas estratégias de trabalho docente, bem como as estratégias de trabalho docente apresentadas no Grupo 7, podem ser consideradas aprendizagens ativas (Berggren; Brodeur; Crawley; Ingemarsson; Litant; Malmqvist; Östlund, 2003), (Clark; Osterwalder; Pigneur, 2013), (Finocchio Júnior, 2013), (Osterwalder; Pigneur; Bernarda; Smith, 2014), (Mathany; Dodd, 2018), (Anas, 2019), (Jitaru, 2019), (Gren, 2020), (Murillo‑Zamorano; Sánchez; Godoy‑Caballero; Muñoz, 2021). Por outro lado, é importante ressaltar que essas estratégias de trabalho docente, incluindo as estratégias de trabalho docente apresentadas no Grupo 8, podem tornar-se metodologias ativas, desde que apresentem controle, monitoramento e a avaliação de todo o processo de ensino-aprendizagem. Ademais, elas podem ser incluídas na descrição dos problemas da metodologia ativa de ABP e na descrição do roteiro de projeto da metodologia ativa de ABPj. Portanto, as metodologias ativas de ABP e de ABPj podem fazer uso de outras estratégias de trabalho docente numa disciplina e/ou módulo de forma isolada, parcial, ou até mesmo na totalidade das disciplinas e/ou módulos de um curso de graduação ou pós-graduação.
O uso intenso da estratégia de trabalho docente “Portfólio” do Grupo 8, acompanhado de um método de ensino, processo de aprendizagem e de avaliação, é proposto por Cotta e Costa (2016). Assim, essa estratégia de trabalho docente “Portfólio” torna-se, neste caso, uma metodologia ativa, denominada Portfólio Reflexivo (Cotta; Costa, 2016). Por outro lado, nada impede que o uso da estratégia de trabalho docente “Portfólio” possa ser utilizado por outras metodologias de ensino. De fato, as estratégias de trabalho docente “Soluções de problemas” e “Portfólio” são, originalmente, partes integrantes da metodologia ativa de ABP (Ribeiro, 2010).
Sendo assim, a principal contribuição deste trabalho, neste aspecto, é: todas as estratégias de trabalho docente apresentadas na Figura 1 podem ser usadas pelas metodologias ativas de ABP e de ABPj. Mas como? Elas podem ser “embarcadas” nas descrições dos roteiros dos problemas e/ou na(s) descrição/descrições do(s) roteiro(s) do(s) projeto(s). Isso é muito positivo, uma vez que se desfaz a “polarização” do uso de uma única estratégia de trabalho docente, tornando-se mais agradável o aprendizado. É importante ressaltar que mesmo fazendo o uso de mais de uma estratégia de trabalho docente, a ABP e a ABPj são ainda consideradas metodologias ativas, uma vez que devem ocorrer sistematicamente o controle, o monitoramento e a avaliação de todo o processo de ensino-aprendizagem.
As estratégias de trabalho docente apresentadas nos Grupos 1, 2, 3, 4 e 5 podem ser usadas pelas metodologias ativas de ABP e de ABPj com menos intensidade, uma vez que possuem um nível de importância menor para essas metodologias ativas. Para ilustrar, a realização de uma “Mostra fotográfica”, uma “Mostra de arte”, uma “Mostra para público interno”, ou uma “Mostra para público externo”, pode ser vista como um produto a ser “entregue”, no caso realizado, devidamente especificado num projeto utilizando a metodologia ativa de ABPj.
Uma “Aula expositiva dialogada” pode ser considerada uma estratégia de trabalho docente muito interessante (Anastasiou; Alves, 2015), desde que as operações do pensamento, a dinâmica das atividades e as avaliações, tais como prova(s), entrega de lista(s) de exercícios, resenha(s), formulário(s), etc., aconteçam de forma intensa, a partir da(s) aula(s). E neste caso, se o controle da oferta das disciplinas e/ou módulos de um curso de graduação ou de pós-graduação tradicional for acompanhado por um monitoramento e avaliação do processo de ensino-aprendizagem de forma satisfatória, a Aprendizagem Baseada em Aulas Expositivas Dialogadas (ABAED) pode ser considerada uma metodologia ativa. Entretanto, nem sempre isso ocorre. De fato, a ABAED falha gravemente quando os(as) ensinantes tornam-se meros “transmissores” de conhecimentos científicos e tecnológicos (Ribeiro, 2007), concentram-se a avaliação em provas tradicionais, e para piorar o cenário, a avaliação de todo o processo de ensino-aprendizagem ocorre por mera conveniência e/ou obrigação legal da instituição.
Além do aspecto do nível de importância das estratégias de trabalho docente para as metodologias ativas de ABP e de ABPj, a Figura 1 apresenta outro aspecto importante: o nível de contribuição das estratégias de trabalho docente para o processo de avaliação dos(as) aprendentes. Assim, a elaboração de “Relatórios de síntese”, a elaboração de “Relatórios de projeto”, a entrega de produto(s), a entrega de protótipo(s), as realizações e participações em mostra(s) de arte, mostra(s) de vídeos, mostra(s) para público externo, mostra(s) para público interno, a produção de vídeos, a produção de áudios, a produção de podcasts, a produção de software(s), a produção de aplicativo(s), a produção de jogos (gamificação), a confecção de Quadros de Modelos de Negócios (QMN), a confecção de Quadros de Modelo Negócios Pessoal (QMNP), a confecção de jornadas dos usuários, a confecção de mapas mentais, a confecção de personas, a confecção de diagramas de afinidades, a confecção de esboços sequenciais, a confecção de cartões de sensibilização, dentre inúmeros produtos e/ou outras produções, devem fazer parte da avaliação de desempenho dos(as) aprendentes, indo muito além da aplicação de prova(s), que podem ou não ser realizadas.
Sendo assim, as metodologias ativas de ABP e de ABPj são apresentadas de forma estruturada na Seção 2. Quatro modelos básicos para as estruturas que compõem um currículo, denominadas células curriculares, são apresentadas na Seção 3. Para ilustrar o processo de construção de um currículo utilizando as metodologias de ABP e de ABPj, é apresentada na Seção 4 uma proposta de estruturação do currículo para um Curso de Especialização Lato Sensu em Engenharia Intercultural, voltado para pessoas indígenas. Por fim, é apresentada na Seção 5 uma argumentação de como superar o limiar de fronteira das práticas pré-estabelecidas e inovar o currículo.
Estruturação das metodologias ativas
A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)
A dinâmica da metodologia ativa de ABP fundamenta-se no entendimento do problema proposto na primeira Sessão Tutorial, onde o problema é amplamente conhecido pelos(as) aprendentes, a partir da mediação realizada pelo(a)/pelos(as) ensinante(s) responsável/responsáveis pela disciplina e/ou módulo. Neste momento, é realizado o levantamento dos objetivos educacionais, a identificação dos termos desconhecidos, o levantamento das questões e/ou solicitações, e a elaboração das hipóteses, a partir do conhecimento prévio dos(as) aprendentes (Deus Júnior, 2022).
A partir do encerramento da primeira Sessão Tutorial, os(as) aprendentes buscarão uma solução para o problema por meio de estudos individualizados, familiarização com os conceitos, e compreensão das teorias relacionadas com o problema.
Na segunda Sessão Tutorial, o(a)/os(as) ensinante(s) faz/fazem uma aula com os(as) aprendentes com o objetivo principal de buscar uma solução para o problema, além de resolver eventuais dúvidas provenientes dos estudos individualizados. Após isso, os(as) aprendentes estarão aptos(as) para elaborar o “Relatório de síntese” com a solução do problema no final da aula, ou para ser entregue na semana seguinte.
Dependendo da experiência da equipe de implantação da metodologia de ABP, e do desempenho dos(as) aprendentes, uma nova aula para o fechamento de um determinado problema poderá ocorrer. Apesar disso, os riscos podem ser minimizados com a experiência vivenciada e uma boa programação prévia por parte dos(as) ensinantes na elaboração dos problemas. Não obstante, o número de aulas necessário para o fechamento de um problema na metodologia ativa de ABP é inferior ao número de aulas necessário para o fechamento e cumprimento das etapas do projeto na metodologia ativa de ABPj (Deus Júnior, 2022).
Dessa forma, o(a) aprendente é o(a) protagonista(a) da ação de ensino na metodologia ativa de ABP. De fato, espera-se que ele(ela) colabore com seu conhecimento, tenha foco no processo e desenvolva o raciocínio com o objetivo de se chegar numa solução compatível com o problema proposto pelo “professor(a)-facilitador(a)” (Ribeiro, 2010).
Os formulários de Avaliação do Processo Educacional (APE) e de Avaliação de Desempenho (AD) dos grupos são aplicados ao final de cada ciclo de aplicação de um problema. Já o formulário de Avaliação do Método Instrucional (AMI), é aplicado somente ao final com o objetivo de avaliar a metodologia de ABP. Os formulários foram originalmente publicados por Ribeiro (2010).
A maior crítica da metodologia ativa de ABP é o excesso de avaliação por meio de formulários sistematizados. Não obstante, eles são muito importantes na estruturação desta metodologia ativa. Consequentemente, a sistematização de todo o processo é a “chave” de qualquer metodologia ativa (Deus Júnior, 2022).
A metodologia de ABP pode ser aplicada integralmente ou parcialmente. A implantação de currículos híbridos é muito indicada para IES com rejeição por parte dos(as) ensinantes, apesar da menor rejeição vir por parte dos(as) aprendentes. Sendo assim, deve ser realizada uma ampla discussão na implantação de um novo currículo utilizando a metodologia ativa de ABP, ou de qualquer metodologia ativa. Também é preciso envolver toda a comunidade no processo (ensinantes, aprendentes e equipe técnica da IES), além de realizar um treinamento especial, antes mesmo da implantação (Deus Júnior, 2022).
O conteúdo de um problema deve ser elaborado de forma simples e objetiva. O problema pode ser descrito em poucas linhas (Norman; Shmidt, 1992). Na maioria dos cursos, ele pode compor uma folha de papel tamanho A4, e pode conter aproximadamente 25 linhas. Já o formulário para compreensão do problema deve conter os seguintes itens (Deus Júnior, 2022): (1) Objetivos educacionais; (2) Termos desconhecidos; (3) Questões e/ou solicitações; e (4) Hipóteses. O termo “Objetivos educacionais” do formulário pode ser substituído pelo termo “Competências”, inspirado a partir dos conhecimentos, habilidades e atitudes desejadas numa disciplina e/ou módulo, baseado num Currículo por Competências.
O tamanho dos grupos de metodologia ativa de ABP nos cursos de Medicina tem geralmente, no máximo, 10 aprendentes. Por outro lado, é possível organizar a prática docente com 30 aprendentes, separado em 6 grupos com 5 aprendentes cada (Alves; Deus Júnior; Castro; Lemos, 2017).
Não são permitidas consultas(s) on-line e outras formas de consultas na primeira Sessão Tutorial, para compreensão do problema. A partir daí, cada aprendente buscará uma solução individual, e que será discutida em grupo na segunda Sessão Tutorial. A solução final do problema deverá ser apresentada no final do processo, ou na semana seguinte, por meio da elaboração de um “Relatório de síntese” (RS).
Diante disso, dois formulários são aplicados (Ribeiro, 2010): (1) Formulário de Avaliação do Processo Educacional (APE); e (2) Formulário de Avaliação de Desempenho (AD) dos grupos de ABP. Os relatórios de sínteses elaborados fazem parte de um portfólio.
Ao utilizar a metodologia ativa de ABP em cursos de graduação, é importante a aplicação de pelo menos uma prova ao final da oferta de uma disciplina e/ou módulo, como forma de promover o engajamento da aprendizagem por parte dos(as) aprendentes. E ao final de todo o processo, é aplicado o formulário de Avaliação do Método Instrucional (AMI), com o objetivo avaliar a metodologia ativa de ABP aplicada (Ribeiro, 2010).
A Figura 2 apresenta o ciclo da metodologia ativa de ABP baseado na construção do portfólio, aplicação dos formulários de APE, de AD e de AMI, e aplicação de prova(s).
Os formulários de APE, de AD e de AMI para a metodologia de ABP foram adaptados e publicados por Deus Júnior (2022), a partir da proposta original indicada por Ribeiro (2010). Deste modo, a nota final do(a) aprendente pode ser calculada apenas no final da disciplina e/ou módulo, levando em consideração a média ponderada das seguintes atividades (Deus Júnior, 2022): (a) avaliação dos relatórios de sínteses (portfólio); (b) aplicação dos formulários de APE; (c) aplicação dos formulários de AD; (d) aplicação do formulário de AMI; e (e) aplicação de prova(s).
Os percentuais de ponderação de cada atividade são de responsabilidade do(a)/dos(as) ensinante(s) da disciplina e/ou módulo. Apesar disso, é razoável a aplicação dos percentuais de 30%, 10%, 10%, 10% e 40%, respectivamente, como forma de promover o engajamento dos(as) aprendentes em cada atividade. Ademais, outras atividades podem compor a nota final, bem como outras ponderações para a obtenção da nota final, desde que aprovadas no Plano de Ensino da disciplina e/ou módulo.
No âmbito dos(as) aprendentes, as principais vantagens da metodologia ativa de ABP são (Deus Júnior, 2022): motivação às bases do conhecimento; estímulo e pró-atividade; desenvolvimento da autonomia; desenvolvimento da metacognição; aumento do senso de responsabilidade; construção do conhecimento; interação com a realidade; desenvolvimento social; e trabalho em equipe; dentre outras. E as principais desvantagens são (Deus Júnior, 2022): relutância de aceitação da metodologia; risco de elaboração de problemas mal formulados; ingerência do tempo; falta de controle das atividades realizadas; risco de menos cobranças; questionamentos quanto ao resultado final; dentre outras.
Assim, a metodologia ativa de ABP tem seu potencial, apesar dos seus riscos, como qualquer metodologia ativa (Ribeiro, 2010).
No âmbito dos(as) ensinantes, os riscos podem ser minimizados por meio da capacitação do corpo docente, definição dos papeis de cada membro do corpo docente, integração das equipes do corpo docente, realização de encontros periódicos para realização do trabalho docente, controle do cronograma, sistematização dos processos envolvendo a metodologia ativa de ABP, dentre outras tarefas e/ou atividades (Deus Júnior, 2022).
A Aprendizagem Baseada em Projetos (ABPj)
A ABPj é utilizada em todas as etapas educacionais (Amaral, 2021): primária, secundária, graduação e pós-graduação.
Na Educação Superior, ela apresenta uma abordagem educacional baseada no modelo de produção, com interesse na prática profissional. O currículo é organizado levando em conta a proposição de tarefas e o desenvolvimento de produtos. Assim, espera-se que os(as) aprendentes criem novos materiais, artefatos e sistemas para um mundo real complexo, a partir do cumprimento de tarefas sofisticadas (Deus Júnior, 2022).
Em geral, as soluções são inovadoras a partir de questões desconhecidas. O processo é realizado com a busca de informações em consonância com o desenvolvimento de um projeto, gerenciamento de recursos, e identificação e/ou “criação teorias” (Tavares; Campos; Campos, 2014).
O tempo de duração do ciclo para solução de problemas e do(s) projeto(s) são diferentes para as metodologias ativas de ABP e de ABPj, com destaque para um tempo maior para o desenvolvimento do(s) projeto(s). É importante destacar o trabalho direcionado para o desenvolvimento de projetos em muitas profissões. Por isso, a ABPj é uma metodologia ativa que não pode ser desconsiderada. Além disso, a diversificação e o uso de mais de uma metodologia ativa são importantes características para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem (Deus Júnior, 2022).
Os formulários de APE, de AD e de AMI para a metodologia ativa de ABPj foram publicados por Deus Júnior (2022). Eles foram propostos a partir da experiência da utilização das metodologias ativas de ABP e de ABPj, e também da ampliação de aplicação dos formulários originalmente publicados por Ribeiro (2010) para a ABP. De fato, eles se destacam pela avaliação dos relatórios de projeto, no lugar dos relatórios de sínteses da metodologia ativa de ABP. Outra diferença é a entrega de produto(s), devidamente especificado(s), no primeiro roteiro do projeto, parte importante da metodologia ativa de ABPj (Deus Júnior, 2022). A avaliação também deve ser pré-estabelecida no Plano de Ensino da disciplina e/ou módulo por meio uma média ponderada dos relatórios de projeto (RP), da entrega dos formulários de APE, de AD e de AMI ao final do ciclo de um projeto, do(s) produto(s) entregue(s) especificado(s), e até mesmo de aplicação de uma prova.
Experiências de aplicações das metodologias de ABP e de ABPj
Como “fonte de inspiração” para uma proposta de construção de currículos, a partir de células curriculares, apresentadas na próxima seção, são apresentados alguns “sentimentos” positivos e negativos com respeito à aplicação das metodologias ativas de ABP e de ABPj por parte dos(as) aprendentes, em duas disciplinas de graduação diferentes. Destacaram-se:
[ABP:] [Às] vezes um pouco trabalhosos de serem feitos, mas de grande proveito. [PLE:] A parte mais “legal” do curso, a parte que gera maior interesse[1]. (Aprendente 1).
A aprendizagem baseada em problemas é útil para exercitar o pensamento crítico e aumentar o conhecimento em novas áreas1. (Aprendente 2).
Era difícil interpretar o texto e entender qual era o problema, as pesquisas eram demoradas1. (Aprendente 3).
De maneira geral, creio que o método em si, é bom, pois é interessante resolver problemas e colocar as soluções em prática1. (Aprendente 4).
Pra mim foi a parte de maior aprendizagem, onde conseguimos praticar os conceitos e ferramentas. Mas ter que entregar o PBL junto com o PLE pesava um pouco, tanto que algumas atividade[s] eu entreguei atrasado1. (Aprendente 5).
Nos casos em que os protótipos de papel, de fato, realçariam a visualização do projeto, foi interessante, mas nos casos das propostas relacionadas a interfaces digitais, não se mostraram muito úteis1. (Aprendente 6).
Não houve nenhuma dificuldade relevante ao construir o protótipo e na gravação do vídeo1. (Aprendente 7).
A proposta nova de resolução de problemas por uma metodologia diferente é realmente intrigante, contudo, como não estamos acostumado[s] a esse tipo de resolução, se tornou um pouco complicado para mim durante o semestre, de toda forma, foi algo a ser modelado ao longo do tempo, portanto, acredito que essa metodologia deva ser usada em outras disciplinas além de DT1. (Aprendente 8).
Eficaz para me fazer compreender as relações existentes entre os vários parâmetros dos negócios propriamente dito[s] [2]. (Aprendente 9).
O método é bom para alguns cursos, mas não consegui me adaptar2. (Aprendente 10).
Quanto a ser divido em várias etapas achei satisfatório, mas alguns problemas deveriam ser explicados de maneira mais clara2. (Aprendente 11).
Gostei muito dessas atividades[,] [ABPj] pois me estimulava a aprender coisas novas e utilizar ferramentas que nunca tinha usado antes2. (Aprendente 12).
A partir dos comentários, é importante fazer o registro sobre as percepções positivas e negativas dos(as) aprendentes com respeito ao uso simultâneo das metodologias ativas de ABP e de ABPj:
2. Uso amplo das metodologias ativas em outras disciplinas e/ou módulos (Aprendentes 2 e 8);
3. Dificuldade de adaptação (Aprendentes 3, 5, 8 e 10);
4. Dificuldade de compreensão do roteiro de alguns problemas, parte do processo da metodologia de ABP (Aprendentes 3 e 11);
5. Boa aceitabilidade (Aprendentes 1, 2, 4, 8 e 10), e em especial, quando envolve a entrega de produto(s) (Aprendentes 5, 6, 7 e 9);
6. Rejeição de uso das duas metodologias ativas concomitantemente (Aprendente 5);
7. Aceitação de outras estratégias de trabalho docente “embarcadas” no roteiro dos problemas e/ou do projeto (Aprendentes 5, 7, 9 e 12);
8. Dificuldade na realização de prototipagem em papel, em especial, quando o produto é intangível (Aprendente 6);
9. Facilidade na construção dos protótipos (Aprendente 7);
10. Boa aceitação da dinâmica das metodologias ativas com divisão de etapas para a realização das atividades (Aprendente 11).
Proposta de construção de currículos, a partir de células curriculares
A dinâmica da metodologia ativa de ABP fundamenta-se no entendimento do problema proposto na primeira Sessão Tutorial, onde o problema é amplamente conhecido pelos(as) aprendentes, a partir da mediação realizada pelo(a)/pelos(as) ensinante(s) responsável/responsáveis pela disciplina e/ou módulo. Neste momento, é realizado o levantamento dos objetivos educacionais, a identificação dos termos desconhecidos, o levantamento das questões e/ou solicitações, e a elaboração das hipóteses, a partir dos conhecimentos prévios dos(as) aprendentes (Deus Júnior, 2022).
O currículo é normalmente apresentado no formato de “caixinhas do conhecimento”. De fato, as disciplinas dos cursos de graduação e de pós-graduação no Brasil são divididas, distribuídas e apresentadas no formato de uma matriz curricular com suas respectivas estruturas curriculares e cargas horárias.
Mas qual é a origem do currículo? Certamente, a organização curricular em disciplinas surgiu no século XIX, e se desenvolveu ostensivamente no século XX (Morin, 2017). Assim, para alguns educadores, a origem do currículo remonta a proposta apresentada por Bobbitt (1918) no seu livro The Curriculum, logo após a Revolução Industrial, na virada do século XX.
Neste caso específico, Bobbitt (1918) foi categórico ao apresentar as “caixinhas do conhecimento” distribuídas num currículo estratégico com objetivos bem definidos, aplicado no treinamento especializado de grupos de trabalhadores nos Estados Unidos da América (Bobbit, 1918). Portanto, pode-se comprovar que um currículo pode conter componentes com orientação social, política e/ou econômica (Organização das Nações Unidas, 2018), (União Europeia, 2019), (Fórum Econômico Mundial, 2019), (Todos pela Educação, 2018).
Neste sentido, Libâneo (2016) identifica três orientações em relação às finalidades e formas de funcionamento da escola:
a orientação dos organismos multilaterais, especialmente do Banco Mundial, para políticas educativas de proteção à pobreza associadas ao currículo instrumental ou de resultados imediatistas; a orientação sociológica/intercultural de atenção à diversidade social e cultural, geralmente ligada aos estudos no campo do currículo; e a orientação dialética-crítica assentada na tradição da teoria histórico-cultural ou em versões de pedagogias sociocríticas. (Libâneo, 2016, pp. 41-42).
Com a polarização política e a volta de ideias conservadoras no mundo, Libâneo (2019) ainda inclui, pelo menos, duas orientações para o currículo: a orientação política, moldada pelos governos da sociedade civil a partir de “critérios de qualidade da educação” e “políticas educacionais”; e a orientação conservadora, moldadas pela cultura e/ou pela religião de um país, dentre outros aspectos, como tentativa de “assegurar certa homogeneização ideológica” (Libâneo, 2019).
A Figura 3 apresenta a possibilidade da proposição de formatos de currículos, a partir de referenciais para qualidade do ensino e cinco orientações, na visão de Libâneo (2016, 2019).
As orientações apresentadas na Figura 3 não são únicas, sendo que uma nova orientação e/ou uma “mescla”, pode ser proposta e/ou surgir, como ressalta Libâneo (2019):
Em sexto lugar, finalidades e políticas educacionais se concretizam nas diretrizes curriculares, estas, por sua vez, determinantes do funcionamento das escolas e do trabalho dos professores. Além de serem diretamente resultantes das orientações das políticas educacionais, elas necessitam de uma estrutura e de práticas gestão que assegurem a concretização dessas políticas e dos dispositivos legais. (Libâneo, 2019, p. 37).
É importante ressaltar que o ponto de vista do que é conservador para uma cultura, pode não ser para outra cultura. Portanto, é preciso empatia. É preciso respeito. É preciso compreensão de mundo. É preciso “mobilizar diversas ciências e disciplinas, para ensinar a enfrentar a incerteza” (Morin, 2017, p. 56). Por outro lado, Libâneo (2016) aponta um possível caminho na construção do currículo por meio da Orientação Dialética Crítica, apesar dos riscos envolvidos nas cinco orientações apresentadas:
A terceira orientação, também de cunho crítico, defende um currículo assentado na formação cultural e científica em interconexão com as práticas socioculturais (grifo é do autor), tendo como pressuposto que a escola é uma das mais importantes instâncias de democratização da sociedade e de promoção de inclusão social, cabendo-lhe propiciar os meios da apropriação dos saberes sistematizados constituídos socialmente, como base para o desenvolvimento das capacidades intelectuais e a formação da personalidade, por meio do processo de ensino-aprendizagem. Estas orientações resultam em distintos referenciais de qualidade de ensino, os quais, por sua vez, influenciam os modos de conceber atividades no âmbito da escola e das salas de aula. (Libâneo, 2016, p. 42).
Portanto, é muito importante levar em consideração a “formação cultural e científica” na elaboração de qualquer currículo. Ainda assim, além de outros importantes aspectos relevantes na proposição de qualquer currículo, são propostas quatro combinações de células curriculares para a oferta de uma disciplina e/ou módulo de um eixo temático para uso geral na elaboração de currículos, apresentadas a partir de uma aplicação numa disciplina específica, publicada por Deus Júnior (2022), a saber:
2. Modelo B: Célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABPj;
3. Modelo C: Célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj;
4. Modelo D: Célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj, e aulas expositivas dialogadas.
ortanto, é apresentado neste trabalho uma generalização para as quatro células curriculares, muito úteis na construção de currículos por meio das metodologias ativas de APB e de ABPj. Ademais, a proposta pode ser adaptada para outras metodologias ativas.
A Figura 4 apresenta o modelo de célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABP, para uma disciplina e/ou módulo com carga horária total de 128 horas[3].
A Figura 5 apresenta o modelo de célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABPj, para uma disciplina e/ou módulo com carga horária total de 128 horas.
A Figura 6 apresenta o modelo de célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj, para uma disciplina e/ou módulo com carga horária total de 128 horas.
A Figura 7 apresenta o modelo de célula híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj, e aulas expositivas dialogadas, para uma disciplina e/ou módulo com carga horária total de 128 horas.
É importante ressaltar que o modelo D da célula curricular inclui aulas expositivas dialogadas. Ele é indicado para cursos de graduação e/ou pós-graduação com interesse na implantação das metodologias ativas de ABP e de ABPj de forma gradual, ou para cursos onde as aulas expositivas dialogadas são muito importantes para a parte teórica do curso, como no caso das Engenharias, por exemplo. Não obstante, a partir da experiência e uso das metodologias ativas, o modelo D pode ser substituído por um dos outros três modelos de células curriculares. Assim, os problemas de implantação das metodologias ativas podem ser suavizados durante a implantação (Deus Júnior, 2022).
Inúmeras combinações de distribuição da carga horária nas células curriculares podem ser realizadas, bem como a distribuição dos elementos que fazem parte das metodologias ativas de ABP e de ABPj. Um exemplo de aplicação destas células curriculares é apresentado por Deus Júnior (2022) para uma disciplina específica com carga horária de 64 horas, a partir de várias experiências em outras disciplinas de graduação.
Dessa forma, os quatro formatos de células curriculares foram amplamente testados. Apesar disso, o modelo C de célula curricular é o mais indicado com a maturidade do docente, em função da diversidade nos resultados e produto(s) entregue(s) pelos(as) aprendentes numa disciplina e/ou módulo.
Exemplo de aplicação: proposta de estruturação do currículo para um Curso de Especialização Lato Sensu em Engenharia Intercultural
As células curriculares apresentadas neste trabalho podem ser aplicadas em disciplinas e/ou módulos de cursos de graduação e de pós-graduação. Mas o que é uma disciplina? Para Morin (2017), a disciplina tem sua virtude da especialização, mas também o risco da hiperespecialização. Por isso, ele escreveu sobre a importância da “inter-poli-transdisciplinaridade” na construção de bons projetos:
Certos conceitos científicos mantêm a vitalidade porque se recusam ao fechamento disciplinar. Assim, acontece com a história da École des Annales, que, depois de ter ocupado um espaço marginal na Universidade, agora é extremamente valorizada. A história da Annales foi construída pela transdisciplinaridade e dentro dela: deu lugar na História; em seguida, uma segunda geração de historiadores introduziu a perspectiva antropológica, em profundidade, como provam os trabalhosde Duby e Le Goff sobre a Idade Média. A História, assim fecundada, não pode mais ser considerada como uma disciplina sctrito sensu: é uma ciência histórica multifocalizadora, muldimensional, em que se acham presentes as dimensões de outras ciências humanas, e onde a multiplicidade de perspectivas particulares, longe de abolir, exigem a perspectiva global. (Morin, 2017, p. 10942).
Assim, é preferível propor um currículo estruturado em módulos distribuídos em eixos temáticos formativos, ao invés de um currículo estruturado puramente em disciplinas, como se fossem “caixinhas do conhecimento”. Por outro lado, não adianta distribuir os conteúdos em módulos ao invés de disciplinas, se o currículo proposto não tiver elementos para busca da “inter-poli-transdisciplinaridade” tão almejada no processo de ensino-aprendizagem e formação dos(as) aprendentes. Portanto, além de um currículo devidamente estruturado em módulos distribuídos em eixos formativos, é necessário um projeto consistente e verdadeiro.
Neste contexto, é apresentado um exemplo de uso das células curriculares apresentadas anteriormente, com pequenas modificações nos modelos de células curriculares B e C, na proposição de um Curso de Especialização Lato Sensu em Engenharia Intercultural, utilizando as metodologias ativas de ABP e de ABPj, como modelo de aplicação. Assim, três pontos merecem destaque na apresentação deste exemplo de aplicação, para maior compreensão de um projeto que tem como objetivo maximizar a probabilidade de ocorrência da “inter-poli-transdisciplinaridade” no processo de ensino-aprendizagem e formação diferenciada dos(as) professores(as) do curso voltado para pessoas indígenas, a partir da estruturação do currículo:
1. A equipe no desenvolvimento do projeto deve trabalhar de forma unida e integrada;
2. As células curriculares devem ser estruturadas em módulos distribuídos em eixos temáticos, ao invés de serem distribuídas em disciplinas como se fossem “caixinhas do conhecimento” isoladas;
3. A proposta do currículo deve ser articulada de forma que os conteúdos possam ser trabalhados de forma “inter-poli-transdisciplinar” para atender demandas não apenas da ciência (academia) e do mercado, mas também para atender demandas sociais dos povos indígenas.
O organograma para o Curso de Especialização Lato Sensu em Educação Intercultural é composto pelo(a) coordenador(a), pelo(a) secretário(a), pelos(as) supervisores(as) de módulos, pelos(as) ensinantes[4] e pelos(as) aprendentes. É importante ressaltar que toda a equipe trabalhe de forma unida e integrada com foco na aprendizagem dos(as) aprendentes.
Nessa lógica, o(a) coordenador(a) do curso é responsável pelo exercício da direção executiva das atividades de ensino e pesquisa vinculados ao curso. Portanto, o(a) coordenador(a) do curso é responsável pela elaboração e concepção do projeto do curso e do plano de trabalho de cada turma do curso junto com os(as) supervisores(as) de módulos, sendo apoiado pelo(a) secretário(a), responsável pelo apoio administrativo do curso.
Apesar disso, a estrutura do organograma destaca-se pelo importante papel dos(as) supervisores(as) de módulos do curso, responsáveis pela elaboração dos programas dos módulos do curso, e pela customização dos roteiros dos problemas utilizando a metodologia de ABP e dos roteiros de projetos utilizando a metodologia de ABPj, propostos pelos(as) ensinantes do curso. Portanto, os(as) supervisores(as) de módulos do curso são responsáveis por coordenar, orientar e integrar pedagogicamente as atividades que serão ofertadas pelos(as) ensinantes dos módulos.
Os(as) ensinantes são responsáveis pela oferta dos módulos e devem responder as dúvidas dos(as) aprendentes e atuar como “professores(as)-facilitadores(as)”. Atuam também como “curadores(as)” dos diversos conteúdos produzidos pelos(as) aprendentes, bem como são responsáveis pela avaliação dos relatórios de sínteses, relatórios de projetos e produtos entregues pelos(as) aprendentes. Portanto, os(as) ensinantes são responsáveis pela aprovação ou não dos(as) aprendentes.
Os(as) aprendentes são os(as) protagonistas na construção do conhecimento. Dessa forma, o aprendizado é centrado no(a) aprendente. As ferramentas ou estratégias de trabalho docente deverão ser utilizadas nos roteiros dos problemas e nos roteiros de cada etapa do(s) projeto(s) dos módulos que utilizam as metodologias ativas de ABP e de ABPj. Ademais, elas deverão ser utilizadas nos roteiros de cada etapa do projeto do módulo do Eixo Projeto: Futuro da Vida, e que utiliza a metodologia ativa de ABPj.
Neste contexto, são propostos três novos modelos de células curriculares para a oferta dos módulos do Curso de Especialização Lato Sensu em Engenharia Intercultural, a partir do modelo B, apresentado para a célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABPj, e a partir do modelo C, apresentado para a célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj, a saber:
1. Modelo B’: Proposta de célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABPj para implementação do Eixo Projeto: Futuro da Vida, único módulo com 32 horas;
2. Modelo C’: Proposta de célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj para implementação dos módulos com 60 horas;
3. Modelo C’’: Proposta de célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj para implementação dos módulos com 30 horas.
A Figura 8 apresenta o modelo de célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABPj, para implementação do módulo do Eixo Projeto: Futuro da Vida com 32 horas.
Figura 8 – Modelo B’: Proposta de célula curricular que utiliza apenas a metodologia ativa de ABPj, para implementação do módulo
A Figura 9 apresenta o modelo de célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj, para implementação dos módulos com 60 horas.
A Figura 10 apresenta o modelo de célula curricular híbrida que utiliza as metodologias ativas de ABP e de ABPj, para implementação dos módulos com 30 horas.
A Figura 11 apresenta a estruturação do currículo para um Curso de Especialização Lato Sensu em Engenharia Intercultural (EI), com uso das metodologias ativas de ABP e de ABPj na oferta de 9 módulos distribuídos em 5 eixos temáticos, e ainda a metodologia ativa de ABPj na oferta do Eixo Projeto: Futuro da Vida.
Dessa forma, o módulo do Eixo Projeto: Futuro da Vida faz uso de uma única célula curricular modelo B’. Os módulos dos Eixos 1, 2 e 3, bem como o módulo do Eixo Comum, fazem uso de 7 células curriculares modelo C’. E os módulos do Eixo Docência fazem uso de 2 células curriculares modelo C’’. É importante reforçar que não foram previstas a aplicação de provas nestes modelos de células curriculares, uma vez que se trata de uma proposta de projeto novo, e que poderá ser executado por uma equipe devidamente integrada com excelente engajamento dos(as) aprendentes.
A proposta da Carga Horária Total (CHT) de 360 horas (mínimo) e de 480 horas (máximo), não incluindo 32 horas alocadas para o desenvolvimento do projeto (obrigatório), pode ser verificada na Figura 11. Assim, a CHT no curso proposta é de 392 (trezentos e noventa e duas) horas (mínimo), podendo chegar a 512 (quinhentos e doze) horas (máximo).
A proposta do curso está baseada no uso das metodologias ativas de ABP e de ABPj, sendo que os problemas e os projetos devem fazer parte dos seguintes módulos: Engenharia Intercultural (EI) (obrigatório); EI e Humanidades; EI e Tecnologia; EI e Ciências; EI e Logística; EI, Meio Ambiente e Sustentabilidade; EI e Inovação; EI e Metodologias Ativas (obrigatório); e EI e Avaliação (obrigatório).
O exemplo apresentado é focado na proposta de um Curso de Especialização Lato Sensu. Apesar disso, a utilização das células curriculares na proposição de cursos de graduação é perfeitamente possível e viável, sendo considera um pouco mais complexa em função do número de anos mínimo necessário para integralização do currículo por parte dos(as) aprendentes. Por outro lado, os desafios de implantação das metodologias ativas em cursos de graduação tradicionais existentes são enormes.
Considerações finais
Como superar o limiar de fronteira das práticas pré-estabelecidas e inovar o currículo? Antes de responder essa pergunta, é importante avaliar alguns questionamentos pontuais sobre a prática pedagógica. Libâneo (2016) questiona:
A pergunta pedagógica, nesse caso, é: de que forma as condições sociais de vida dos alunos e suas práticas socioculturais podem ser incluídas no trabalho com os conteúdos científicos, fazendo o caminho de vai e vem entre os conceitos cotidianos e os conceitos científicos? (Libâneo, 2016, p. 159).
É interessante observar que Libâneo (2016) aponta uma possível argumentação em forma de pergunta de retórica, mas alinhada com a importância de uma “formação cultural e científica”. Por diversos motivos, isso não é tarefa fácil, e em especial por conta dos limiares ou barreiras impostas por práticas estabelecidas.
Mälkki e Lindblom-Ylänne (2012) apontam algumas descobertas como a existência de barreiras entre reflexão e ação, e a existência de visões baseadas em reflexão atualizadas em ação, como uma ponte entre a reflexão e ação. Neste contexto, elas perguntam: “A ação é restringida por limites de reflexão ou reflexão restringida pelos limites para a ação?” (Mälkki; Lindblom-Ylänne, 2012, p. 44).
A argumentação para uma possível resposta é mais intrigante ainda, ao avaliar as duas possibilidades apresentadas pelas autoras: “À luz dos dados, parece que pode ser benéfico considerar ambas as perspectivas, a fim de compreender a reflexão do professor, e a falta dela, respectivamente.” (Mälkki; Lindblom-Ylänne, 2012, p. 45).
Assim, é preciso cautela e verdadeiro senso de responsabilidade ao propor uma inovação curricular. De fato, os currículos podem ser propostos por orientações políticas, econômicas e/ou sociais, como apresentado anteriormente. Por outro lado, para que serve o propósito da reflexão? Mälkki (2016) argumenta:
Assim, a reflexão pode ser vista como servindo a duas direções entrelaçadas, em direção a uma compreensão mais verdadeira do mundo e conhecimento, e para uma compreensão mais verdadeira de seu próprio ser e experiência (Mälkki; Green, 2014). Aprendizagem transformativa, bem como possibilidades de criatividade e a ação crítica podem ser vistas como aprimoradas por ambos. (Mälkki, 2016, p. 172).
É incrível como a reflexão pode ser útil para busca de uma “aprendizagem transformativa”, apesar dos riscos e desafios envolvidos numa mudança curricular, ou na implantação de um currículo inovador. Assim, como forma de minimizar os riscos envolvidos, as ferramentas conceituais apresentadas por Mälkki (2016) devem ser levadas a sério.
Ademais, é preciso compreender melhor toda a dinâmica de um ambiente de aprendizagem seguro e por que não dizer, compreender melhor a verdadeira aceitação por parte dos atores envolvidos para facilitar os processos de reflexão e aprendizagem transformadora (Mälkki, 2016).
Não obstante, temas sensíveis à base da Teoria de Mezirow foram revistos Hoggan, Mälkki e Finnegan (2017), como a continuidade, a intersubjetividade e a práxis emancipatória. Por exemplo, quais as consequências sobre a continuidade ou não de uma prática pedagógica já estabelecida? Hoggan, Mälkki e Finnegan (2017) argumentam:
Além disso, os educadores devem ser transparentes sobre os resultados de aprendizagem pretendidos e os cuidados devem ser tomados de modo que os participantes tenham opções legítimas de não transformar sem prejudicar seu progresso no programa educacional. Além disso, cuidados especiais e apoio devem ser oferecidos quando os resultados transformacionais são antecipados. (Hoggan; Mälkki; Finnegan, 2017, p. 54).
Portanto, os riscos de implantação de um novo currículo podem ser minimizados pelo direito do(a) aprendente de “não transformar”. Como argumentam Hoggan, Mälkki e Finnegan (2017): (a) nenhuma experiência transformadora afetará a totalidade das perspectivas de significado dos(as) aprendentes; (b) nenhum projeto pedagógico de curso pode determinar o resultado da aprendizagem independentemente da experiência do(as) aprendentes, e das estruturas de significado existentes; e (c) nem todas as perspectivas de significado precisam de mudança, o que implica na busca de estabilidade das perspectivas de significado pré-estabelecidas.
Então, como superar o limiar de fronteira das práticas pré-estabelecidas e inovar o currículo? A inovação do currículo, independentemente do uso ou não de metodologias ativas, pode ser obtida a partir de práticas estabelecidas, ou seja, por meio da experiência, do conhecimento, da especialização, das premissas e das práticas assumidas anteriormente pela IES. A partir disso, é possível vislumbrar uma melhoria do currículo, e por que não dizer da inovação curricular com um aumento da conexão do aprendizado, sem esquecer uma busca maior da qualidade do processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo, uma busca no incremento significativo de experiências transformadoras de significância do ensino, pautadas pelo bem-estar da comunidade envolvida com muita colaboração (Mälkki, 2016).
Contudo, os limiares transformadores para inovação e desenvolvimento não são facilmente transponíveis. Há diversas causas e barreiras na implantação de metodologias ativas. Por exemplo, há uma rejeição muito forte por parte dos(as) ensinantes de cursos tradicionais. Falta capacitação. Falta também amadurecimento do corpo docente. Além disso, é preciso reforçar que a mudança curricular não pode vir repentinamente, e tampouco radicalmente. É preciso diálogo e construção de um alicerce sólido na busca da inovação curricular.
Não obstante, o uso inicial de estratégias de trabalho docente pode ser explorado, antes mesmo da implantação de metodologias ativas num currículo como um todo. A partir disso, pode-se migrar um currículo tradicional para um currículo baseado em células curriculares híbridas que utilizam as metodologias ativas de ABP e de ABPj com aulas expositivas dialogadas (modelo D). A partir da consolidação da experiência, pode-se então migrar para outros modelos de células curriculares, conforme apresentadas neste trabalho. Como ficou demonstrado na proposição do Curso de Especialização Lato Sensu em Engenharia Intercultural, há muitas possibilidades para as células curriculares sugeridas. Elas podem ser modificadas e customizadas. Mesmo assim, é importante ressaltar que cada curso de graduação e de pós-graduação tem suas características, objetivos, competências pré-estabelecidas, e desafios muitas vezes impostos pela legislação. Apesar disso, é preciso buscar incessantemente a inovação curricular, a partir das práticas pré-estabelecidas e adesão dos atores envolvidos.
Referências
ALPER, Lynne; FENDEL, Dan; FRASER, Sherry; RESEK, Diane. Problem-based mathematics – not just for the college bound. Educational Leadership, Ipswich, v. 53, n. 8, p. 18-21, maio 1996.
ALVES, Ricardo Henrique Fonseca; DEUS JÚNIOR, Getúlio Antero de; CASTRO, Marcelo Stehling; LEMOS, Rodrigo Pinto. Produção de Recursos Multimeios: Uso de Metodologias Ativas na Formação Textual e Visual de Engenheiros. Revista Eletrônica Engenharia Viva/Int. J. on Alive Eng. Educ. (IJAEEdu), Goiânia, v. 4, n. 1, p. 103-122, jan./june 2017. Disponível em: https://doi.org/10.5216/ijaeedu.v4i1.44358. Acesso em: 14 out. 2023.
AMARAL, João Alberto Arantes do. Using project-based learning to teach project-based learning: lessons learned. Pro-Posições, Campinas, v. 32, n. 1, p. 1-21, nov. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/KxTXpcFdRJSHVQ6QMMjDDdd/?format=pdf&lang=en. Acesso em: 14 out. 2023.
ANAS, Ismail. Behind the scene: student-created video as a meaning-making process to promote student active learning. Teaching English with technology, Nicósia, v. 19, n. 4, p. 37-56, out. 2019. Disponível em: https://eric.ed.gov/?id=EJ1233488. Acesso em: 14 out. 2023.
ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate. Estratégias de ensinagem. In: ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate (Org.). Processos de ensinagem na Universidade: Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. Joinville: Editora Univille, 2015, p. 73-107.
BERGGREN, Karl-Frederik; BRODEUR, Doris; CRAWLEY, Edward F.; INGEMARSSON, Ingemar; LITANT, William T. G.; MALMQVIST, Johan; ÖSTLUND, Sören. CDIO: An international initiative for reforming engineering education. World Transactions on Engineering and Technology Education, v. 2, n. 1, p. 49-52, Cairns, 2003.
BOBBITT, Franklin. The Curriculum. Chicago: The Riverside Press Cambridge, 1918.
BRASIL. Resolução n. 1, de 27 de outubro de 2020. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 158, n. 1, p. 103-106, 27 out. 2020.
BRASIL. Resolução n. 1, de 5 de janeiro de 2021. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica. Diário Oficial da União: seção 3, Brasília, DF, ano 159, n. 1, p. 19-23, 5 jan. 2021.
BRASIL. Resolução n. 2, de 24 de abril de 2019. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Engenharia. Diário Oficial da União: seção 80, Brasília, DF, ano 157, n. 1, p. 43-44, 24 abr. 2019.
BRASIL. Resolução n. 3, de 15 de agosto de 2019. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de graduação em Medicina Veterinária. Diário Oficial da União: seção 158, Brasília, DF, ano 157, n. 1, p. 199-201, 15 ago. 2019.
BRASIL. Resolução n. 3, de 20 de junho de 2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União: seção 117, Brasília, DF, ano 152, n. 1, p. 8-11, 20 jun. 2014.
BRASIL. Resolução n. 3, de 21 de junho de 2021. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de graduação em Odontologia. Diário Oficial da União: seção 115, Brasília, DF, ano 159, n. 1, p. 76-78, 21 jun. 2021.
BRASIL. Resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de graduação em Direito. Diário Oficial da União: seção 242, Brasília, DF, ano 156, n. 1, p. 122, 17 dez. 2018.
BROWN, Tim. Design Thinking: Uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Tradução: Cristina Yamagami. São Paulo: Elsevier, 2010. 272p. Título original: Design Thinking.
CAVALCANTE, Ana Neiline; LIRA, Geison Vasconcelos; NETO, Pedro Gomes Cavalcante; LIRA, Roberta Cavalcante Muniz. Análise da Produção Bibliográfica sobre Problem Based Learning (PBL) em Quatro Periódicos Selecionados. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, v. 41, n. 1, p. 1-21, jan. - mar. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/CVxjjXQZPN3gnrM6mGxNNsP/?lang=pt. Acesso em: 14 out. 2023.
CLARK, Tim; OSTERWALDER, Alexander; PIGNEUR, Yves. O modelo de Negócios Pessoal. Tradução: Kathleen Milzfort. Rio de Janeiro: Alta Books, 2013. 264p. Título original: Business Model You.
COTTA, Rosângela Minardi Mitre; COSTA, Glauce Dias da. Portfólio Reflexivo: Método de Ensino, Aprendizagem e Avaliação. Viçosa: Editora UFV, 2016.
DEUS JÚNIOR, Getúlio Antero de. Sistemas de Comunicações Analógicas e Digitais: Uma nova abordagem por meio da Aprendizagem Baseada em Problemas e da Aprendizagem Baseada em Projetos. Campinas: Editora da Unicamp, 2022.
DOCHY, Filip; SEGERS, Mien; BOSSCHE, Piet Van den; GIJBELS, David. Effects of Problem-Based Learning: a meta-analysis. Learning and Instruction, New York, v. 13, n. 5, p. 533-568, 2003. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.3102/00346543075001027. Acesso em: 14 out. 2023.
FINOCCHIO JÚNIOR, José. Project Model Canvas. Rio de Janeiro: Campus, 2013.
FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL: Strategies for the New Economy Skills as the Currency of the Labour Market. 2019. Disponível em: https://www3.weforum.org/docs/WEF_2019_Strategies_for_the_New_Economy_Skills.pdf. Acesso em: 14 out. 2023.
GREN, Lucas. A Flipped Classroom Approach to Teaching Empirical Software Engineering. IEEE Transactions on Education, New Jersey, v. 63, n. 3, p. 155-163, ago. 2020. Disponível em: https://ieeexplore.ieee.org/document/8960400. Acesso em: 14 out. 2023.
HOGGAN, Chad; MÄLKKI, Kaisu; FINNEGAN, Fergal. Developing the Theory of Perspective Transformation: Continuity, Intersubjectivity, and Emancipatory Praxis. Adult Education Quarterly, Helsinki, v. 67, n. 1, p. 48-64, fev. 2017. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0741713616674076. Acesso em: 14 out. 2023.
JITARU, Oana. Active learning and development of Design Thinking ability at students. Review of Artistic Education, Varsóvia, v. 18, n. 1, p. 293-299, mar. 2019. Disponível em: https://sciendo.com/article/10.2478/rae-2019-0033. Acesso em: 14 out. 2023.
LIBÂNEO, José Carlos. Finalidades Educativas Escolares em Disputa, Currículo e Didática. In: LIBÂNEO, José Carlos; ECHALAR, Adda Daniela Lima Figueiredo; SUANNO, Marilza Vanessa Rosa; ROSA, Sandra Valéria Limonta. (Org.). Em defesa do direito à educação escolar: didática, currículo e políticas educacionais em debate. Goiânia: Gráfica UFG, 2019, p. 33-57.
LIBÂNEO, José Carlos. Políticas Educacionais no Brasil: Desfiguramento da Escola e do Conhecimento Escolar. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 46, n. 159, p. 38-62, jan. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/ZDtgY4GVPJ5rNYZQfWyBPPb/abstract/?lang=pt. Acesso em: 14 out. 2023.
LIMA, Valéria Vernaschi. Espiral construtivista: Uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 21, n. 61, p. 421-434, abr.-jun. 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/736VVYw4p3MvtCHNvbnvHrL/?lang=pt. Acesso em: 14 out. 2023.
MÄLKKI, Kaisu. Ground, Warmth, and Light: Facilitating Conditions for Reflection and Transformative Dialogue. Journal of Educational Issues, Helsinki, v. 2, n. 2., p. 169-183, out. 2016. Disponível em: https://researchportal.helsinki.fi/en/publications/ground-warmth-and-light-facilitating-conditions-for-reflection-an. Acesso em: 14 out. 2023.
MÄLKKI, Kaisu; LINDBLOM-YLÄNNE, Sari. From reflection to action? Barriers and bridges between higher education teachers’ thoughts and actions. Studies in Higher Education, Helsinki, v. 37, n. 1, p. 33-50, 2012. Disponível em: https://researchportal.helsinki.fi/en/publications/from-reflection-to-action-barriers-and-bridges-between-higher-edu. Acesso em: 14 out. 2023.
MATHANY, Clarke; DODD, Jason. Student-Generated Interview Podcasts: An Assignment Template. Collected Essays on Learning and Teaching (CELT), Kelowna, v. 11, n. 1, p. 65-75, jun. 2018. Disponível em: https://celt.uwindsor.ca/index.php/CELT/article/view/4971. Acesso em: 14 out. 2023.
MORIN, Edgar A. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 23. Ed. Tradução: Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017. 128p. Título original: La tête bien faite.
MURILLO‑ZAMORANO, Luis R.; SÁNCHEZ, José Ángel López; GODOY‑CABALLERO, Ana Luisa; MUÑOZ, Carmen Bueno. Gamification and active learning in higher education: is it possible to match digital society, academia and students’ interests?. International Journal of Educational Technology in Higher Education, New York, v. 18, n. 15, p. 2-27, mar. 2021. Disponível em: https://educationaltechnologyjournal.springeropen.com/articles/10.1186/s41239-021-00249-y. Acesso em: 14 out. 2023.
NORMAN, Geoffrey. R.; SHMIDT, Henk. G. The psychological basis of Problem-Based Learning: a review of the evidence. Academic Medicine, Washington, v. 67, n. 9, p. 557-565, set. 1992. Disponível em: https://journals.lww.com/academicmedicine/abstract/1992/09000/the_psychological_basis_of_problem_based_learning_.2.aspx. Acesso em: 14 out. 2023.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Organização das Nações Unidas: UNESCO: ICT Competency Framework for Teachers. 2018. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000265721. Acesso em: 14 out. 2023.
OSTERWALDER, Alex; PIGNEUR, Yves; BERNARDA, Greg; SMITH, Alan. Value proposition design: como construir propostas de valor inovadoras. Tradução: Bruno Alexander. São Paulo: HSM do Brasil, 2014. 320p. Título original: Value proposition design.
RIBEIRO, Luis Roberto de Camargo. A aprendizagem baseada em problemas (PBL): uma implementação na educação em engenharia na voz dos atores. 2005. 236 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2005.
RIBEIRO, Luis Roberto de Camargo. Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL): uma experiência no ensino superior. São Carlos: EdUFSCar, 2010.
RIBEIRO, Luis Roberto de Camargo. Radiografia de uma aula de Engenharia. São Carlos: EdUFSCar, 2007.
TAVARES, Samuel Ribeiro; CAMPOS, Luiz Carlos de; CAMPOS, Bárbara Cristina Oliveira de. Análise das Abordagens PBL e PLE na Educação em Engenharia com Base na Taxonomia de Bloom e no Ciclo de Aprendizagem Kolb. Revista Eletrônica Engenharia Viva, Goiânia, v. 1, n. 1, p. 37-46, jun. 2014. Disponível em: https://revistas.ufg.br/ijaeedu/article/view/29254. Acesso em: 14 out. 2023.
TODOS PELA EDUCAÇÃO. Todos pela Educação: Educação Já: Uma proposta suprapartidária de estratégia para a Educação Básica brasileira e prioridades para o Governo Federal em 2019-2022. 2018. Disponível em: https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2020/09/Grafica-07-02-2020.pdf. Acesso em: 14 out. 2023.
TRINDADE, Rui. A difusão da obra pedagógica de Dewey em Portugal: O contributo de Adolfo Lima. Revista Portuguesa de Educação, Minho, v. 33, n. 1, p. 21-37, jun. 2020. Disponível em: https://revistas.rcaap.pt/rpe/article/view/18825. Acesso em: 14 out. 2023.
TRULLÀS, Joan Carles; BLAY, Carles; SARRI, Elisabet; PUJOL, Ramon. Effectiveness of problem-based learning methodology in undergraduate medical education: a scoping review. BMC Medical Education, Londres, v. 102, n. 104, p. 1-21, fev. 2022. Disponível em: https://bmcmededuc.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12909-022-03154-8. Acesso em: 14 out. 2023.
UNIÃO EUROPEIA. União Europeia: High-Tech Skills Industry: Increasing EU’s talent pool and promoting the highest quality standards in support of digital transformation. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000265721. Acesso em: 14 out. 2023.
VIANNA, Maurício; VIANNA, Ysmar; ADLER, Isabel K.; LUCENA, Brenda; RUSSO, Beatriz. Design Thinking: Inovação em negócios. Rio de Janeiro: MJV Press, 2012.
Notas
Autor notes