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CURRÍCULO E AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL CARIOCA: PERFORMATIVIDADE E PRÁTICAS DOCENTES

CURRICULUM AND EVALUATION IN CARIOCA EARLY CHILDHOOD EDUCACTION: PERFORMATIVITY AND TEACHING PRACTICES

CURRICULUM Y EVALUACIÓN EM LA EDUCACIÓN INFANTIL CARIOCA: PERFORMATIVIDAD Y PRÁCTICAS DOCENTES

Virgínia Louzada 1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Roberta Teixeira 2
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Cristiane Amancio 3
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Revista Espaço do Currículo

Universidade Federal da Paraíba, Brasil

ISSN: 1983-1579

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 17, núm. 1, e69607, 2024

rec@ce.ufpb.br

Recepção: 12 Março 2024

Aprovação: 12 Abril 2024



DOI: https://doi.org/10.15687/rec.v17i1.69607

Resumo: Este artigo objetiva apresentar dados de pesquisa em andamento realizada na Rede Pública Municipal de Educação do Rio de Janeiro, a partir de questionário online preenchido por profissionais que atuam na Educação Infantil, tendo como referencial de análise autores das áreas de avaliação e currículo. Através das respostas obtidas no questionário percebe-se a grande influência que documentos curriculares como a Base Nacional Comum Curricular e o Currículo Carioca exercem no planejamento e nas práticas docentes, o que nos faz supor que é necessário discutir a natureza do trabalho pedagógico na Educação Infantil, a fim de evitar a lógica de preparação de crianças para o Ensino Fundamental.

Palavras-chave: avaliação da Educação Infantil, avaliação na Educação Infantil, performatividade, Sistema de Avaliação da Educação Básica.

Abstract: This article aims to present ongoing research data conduced in the Municipal Public Education Network of Rio de Janeiro, based on an online questionnaire filled out by professionals working in Early Childhood Education, with authors from the evaluation and curriculum fields as theoretical and analytical framework. Through the questionnaire’s responses, it is evident the noteworthy influence thar curricular documents such as the National Common Curricular Base and the Carioca Curriculum have on planning and teaching practices. This leads us to assume that is be necessary to discuss the nature of pedagogical work in Early Childhood Education, to avoid the logic of preparing children for Elementary School.

Keywords: evaluation of Early Childhood Education, evaluation in Early Childhood Education, performativity, Basic Education Evaluation System.

Resumen: El trabajo presentado muestra los datos de investigación, actualmente en desarrollo, llevado a cabo en la Red Municipal de Educación Pública de Río de Janeiro. Como instrumentos de recogida de datos, se usó un cuestionario online que fue contestado por profesionales que actúan en Educación Infantil y se tuvo en cuenta un referencial de análisis de autores del área de evaluación y currículo. A partir de las respuestas del cuestionario, se pude destacar la gran influencia de documentos curriculares como la Base Curricular Nacional Común y el Currículo Carioca sobre la planificación y las prácticas docentes. Con este sentido, se nos invita a pensar que es necesario discutirla naturaleza del trabajo pedagógico en la Educación Infantil, para evitar la lógica de preparar a los niños para la Escuela Primaria.

Palabras clave: evaluación de la Educación Infantil, evaluación em Educación Infantil, performatividad, Sistema de Evaluación de la Educación Básica.

Introdução

Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados parciais de uma pesquisa em andamento que pretende acompanhar a entrada da Educação Infantil (EI) no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) na Rede Pública Municipal de Educação do Rio de Janeiro. A revisão bibliográfica inicial foi publicada em revistas qualificadas da área da educação (Louzada, 2020; Esteban; Louzada; Fernandes, 2021). Para este artigo, privilegiamos trabalhar com as respostas de um questionário online aplicado em 2022 para professores e equipe gestora que atuam na primeira etapa da Educação Básica. Na referida pesquisa utilizamos, como referencial de análise, autores das áreas de políticas de avaliação para a Educação Infantil e avaliação educacional. Levando em conta o escopo deste dossiê, neste texto também dialogamos com autores da área do currículo.

Para fins didáticos, o artigo está organizado da seguinte forma: a) na primeira seção contextualizamos as políticas implementadas a partir de 2009 na Educação Infantil carioca para, a seguir, discutir o contexto, tendo como referencial de análise o campo do currículo; b) na próxima seção, apresentamos a metodologia da pesquisa em andamento para, posteriormente, trazer as respostas do questionário online, em diálogo com o referencial teórico; c) por fim, oferecemos algumas conclusões provisórias possibilitadas pelo estudo.

Políticas para a Educação Infantil carioca

Consideramos importante contextualizar as políticas que têm sido pensadas para regulamentar o trabalho pedagógico realizado com a Educação Infantil na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/Rio), levando em conta que é nossa intenção analisar, mais adiante, as respostas dadas por professores e equipe gestora ao questionário online aplicado na rede em 2022. Neste sentido, iremos destacar 2009 em diante – com três períodos de gestão de Eduardo Paes como prefeito da cidade do Rio de Janeiro (2009-2012; 2013-2016 e 2021-2024) e a gestão de Marcello Crivella (2017-2020).

A primeira gestão de Eduardo Paes (2009-2012) assumiu, entre outros compromissos, “[...] construir um processo pedagógico modelo, estabelecendo um padrão de excelência no ensino fundamental, baseado no ensino integral e na educação infantil” (Rio de Janeiro, 2013, p. 61), o que nos possibilita dizer que há diálogo estreito entre as políticas implementadas na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.

Em números, de acordo com os dados oficiais encontrados no portal da prefeitura[1], o atendimento que a Rede Municipal Carioca proporciona à primeira infância é o seguinte: a) 540 Unidades que atendem à Educação Infantil (sendo 539 com atendimento exclusivo, ou seja, em creches, pré-escolas e Espaços de Desenvolvimento Infantil – EDI); b) 140.076 crianças. Convém destacar que atualmente a Rede Municipal de Educação possui 1.556 escolas e atende a 611.147 estudantes [2].

Em 2010 a gestão de Eduardo Paes criou a Iniciativa Estratégica Espaço de Desenvolvimento Infantil – EDI (Frangella, 2012), com o objetivo de atender, simultaneamente, creche e pré-escola em uma mesma instituição. A gestão assume como objetivo “[...] construir um processo pedagógico modelo, estabelecendo um padrão de excelência no ensino fundamental e na educação infantil”. (Rio de Janeiro, 2009, p. 45). A criação dos EDI estava inserida no plano estratégico da prefeitura de criar 40 mil vagas para a Educação Infantil, até 2012, sendo 30 mil vagas em creche e 10 mil vagas em pré-escola (Rio de Janeiro, 2009). A justificativa para a criação dos EDI deixa bem clara a intenção para que a instituição tenha sido idealizada para

[...] oferecer educação de qualidade na primeira infância, base para um desenvolvimento saudável do indivíduo e para o nivelamento de diferenças socioeconômicas no desempenho escolar futuro (grifo nosso). O acesso à creche também impacta na renda familiar, uma vez que permite que os responsáveis possam trabalhar[3].

Enquanto política pública, a criação dos EDI vai ao encontro a demanda histórica dos movimentos sociais pela ampliação de número de vagas em creches (Tatagiba, 2010) e a Meta 1 do Plano Nacional de Educação 2014-2024 – PNE (Brasil, 2014). O Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro para 2009–2012 (Rio de Janeiro, 2009), porém, evidencia uma visão compensatória do trabalho realizado na Educação Infantil e a preocupação com a questão da alfabetização, uma vez que visava garantir que “[...] pelo menos 95% das crianças com 7 anos de idade ao final de 2012 estejam alfabetizadas”. (Rio de Janeiro, 2009, p. 47).

Ainda em 2010 foi criado o cargo de Professor de Educação Infantil (PEI) para atuar prioritariamente em creches, através do Edital SMA nº 91, de 25 de outubro de 2010 (Rio de Janeiro, 2010). Em 2014, porém, o Edital SMA nº 69, de 09 de junho de 2014 (Rio de Janeiro, 2014), que regulamentava o concurso público para este cargo, não especificava a modalidade de Educação Infantil que o professor deveria atuar, dizendo que o concurso se destinava “à seleção de candidatos para o preenchimento de vagas no cargo efetivo de Professor de Educação Infantil, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação”.

Em relação à formação dos Agentes Auxiliares de Creche (AAC), convém destacar o projeto Proinfantil, em vigência no biênio 2010–2011 (Campos, 2014), que tinha por objetivo “capacitar e qualificar” os AAC sem habilitação em magistério, uma vez que há exigência de que profissionais que atuam na Educação Infantil precisam possuir formação mínima em Ensino Médio, modalidade normal (Brasil, 1996). Este projeto foi criado pelo Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Secretaria de Educação Básica e a Secretaria de Educação a Distância e, no Rio de Janeiro, ficou sob a responsabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Governo Estadual e do Município do Rio de Janeiro.

No mesmo ano foram aplicados nas creches, através de amostragem, os questionários ASQ-3 – Ages and Stages Questionnaires (Squires; Bricker, 2009), em sua terceira versão. Estes questionários são formados por um conjunto de 20 escalas que cobrem intervalo etário de 1 mês a 5 anos e meio, pretendendo avaliar o desenvolvimento infantil a partir de cinco dimensões: a) comunicação; b) motora ampla; c) motora fina; d) resolução de problemas; e) pessoal/social. Segundo Neves (2012), estes questionários têm o objetivo de detectar atrasos no desenvolvimento infantil, a partir de um padrão normativo de excelência de desenvolvimento referendado na classe média branca estadunidense.

Nos anos seguintes (2011 e 2012), os questionários foram aplicados em toda a Educação Infantil da rede, com a intenção de estender o uso para outras redes públicas do país. Alguns segmentos que representam a discussão nacional sobre a EI, porém, posicionaram-se publicamente contra essa iniciativa, entre eles a ANPEd, através do Grupo de Trabalho 7 (Educação da criança de 0 a 6 anos), apresentando moção de repúdio ao MEC, ao Conselho Nacional de Educação (CNE) e diversos órgãos competentes (Louzada, 2017).

Ainda em 2011, a SME/Rio comprou material pedagógico do Instituto Alfa e Beto (IAB) para a pré-escola e para o 1º ano do Ensino Fundamental. Inicialmente, dez escolas por Coordenadoria Regional de Educação (CRE)[4] utilizaram o material, mas a intenção era expandir essa utilização para toda a rede. Porém, o material não foi bem recebido pelos profissionais de educação e não houve a expansão pretendida (Louzada, 2017). Tal contexto foi uma justificativa para construção de material pedagógico (inicialmente apenas para a pré-escola) pela equipe da Gerência de Educação Infantil – GEI – que, atualmente, integra a Coordenadoria de Educação Infantil e Primeira Infância (CEIPI).

Os cadernos pedagógicos começaram a ser utilizados a partir de 2012 na Educação Infantil (Oliveira, 2015). Nesta etapa, não apresentam caráter preparatório que apresentam no Ensino Fundamental – uma vez que os estudantes são avaliados pelas Avaliações Bimestrais de Rede e não há provas externas padronizadas para a Educação Infantil. Na etapa, suas atividades estão direcionadas para a aquisição do código escrito, pois intencionam oferecer a sistematização de um trabalho com a leitura e a escrita, com diferentes gêneros textuais e atividades sobre a consciência fonológica. Inicialmente o material era nomeado como “Almanaque de Férias” e “Cadernos de Atividades”, mas mudou de nome para “Material Rioeduca”. A equipe também produziu orientações para os profissionais da rede e outros documentos, discriminados no quadro a seguir:

Quadro 1
Recursos Pedagógicos elaborados pela GEI/CPI:
Recursos Pedagógicos para a Educação Infantil Ano
Orientações Curriculares para a Educação Infantil 2010
Orientações para profissionais da Educação Infantil 2010
Orientações para a organização da sala na Educação Infantil: ambiente para a criança criar, mexer, interagir e aprender 2013
Planejamento na Educação Infantil 2011
Avaliação na Educação Infantil 2013
Orientações ao professor de Pré-escola I e II 2013
Currículo Carioca 2020
Fonte: Elaborada pelos autores.

Em 2018 foi criado o cargo de Professor Adjunto de Educação Infantil (PAEI) pelo Projeto de Lei nº 1086 (Rio de Janeiro, 2018). O primeiro concurso foi realizado no ano seguinte, através do Edital CVL/SUBSC nº 19 (Rio de Janeiro, 2019).

O processo de construção do Currículo Carioca da Educação Infantil surgiu a partir da própria demanda de formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Com ela, os municípios tiveram que elaborar suas propostas curriculares, em todos os segmentos, etapas da educação. A partir de um debate que foi iniciado em nível central (SME/RJ), a discussão foi encaminhada às onze CREs até chegar nas escolas, num movimento denominado, à época, como “efeito cascata”. Coube a Educação Infantil, mais uma vez, a luta pela preservação das suas especificidades e a resistência às práticas preparatórias e excludentes.

Em 2020 foi publicado o Currículo Carioca da Educação Infantil, sem que houvesse um debate mais intenso e contínuo com os profissionais, famílias e estudantes. O documento aponta, de forma superficial, as transições na EI e “dedica” apenas uma página para o debate sobre a avaliação na Educação Infantil.

Percebe-se que o Currículo Carioca, de certa forma, reafirma o conhecimento fragmentado, “em caixinhas”, atrelado às áreas de conhecimento, muito conhecidas da EI. Em certa medida, os objetivos de aprendizagem propostos pela BNCC foram divididos nos dias subsequentes que compõe a semana, numa tentativa de atendimento ao “maior número possível de objetivos ao longo da semana”. Desse modo, o planejamento na EI foi resumido às intensas e extensas tabelas divididas em campos de experiência e objetivos de aprendizagem de forma linear e “previsível”.

Diante de tantos equívocos, em 2022 foi divulgada a Circular E/SUBE/CPI nº 03 (Rio de Janeiro, 2022), que pactuava a necessidade de reformulação do Currículo Carioca da Educação Infantil. Esta ação teve início no auditório da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a convite da SME/RJ, envolvendo as equipes gestoras e professores convidados da área do currículo. Porém, sem que houvesse qualquer tipo de justificativa, a ação foi interrompida e não há, até a presente data, um planejamento voltado a esta discussão. Um dado “curioso” é que a suspensão da reformulação curricular coincidiu com a aplicação do SAEB na cidade do Rio de Janeiro.

Entre recursos pedagógicos para professores e materiais pedagógicos para crianças de creche e pré-escola e demais encaminhamentos para a Educação Infantil carioca, no cenário nacional, em 2019, a primeira etapa da Educação Básica passou a fazer parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB (Brasil, 2019), com amostras de turmas de creche e de pré-escola de instituições públicas e conveniadas com o setor público, em caráter piloto. Cabe ressaltar, levando em conta o escopo da pesquisa, que o sistema sofreu mais uma modificação no ano seguinte (Brasil, 2020), tornando-se censitário em todas as etapas da Educação Básica tendo, como público-alvo, todos os estudantes de escolas públicas e privadas. A natureza da avaliação na EI é diferente dos demais anos de escolaridade, uma vez que, até o momento, é realizada a partir da aplicação de questionários eletrônicos para professores, diretores e gestores de redes.

A Educação Infantil carioca e a performatividade docente

onforme descrevemos na seção anterior, as políticas para a Educação Infantil carioca apresentadas neste artigo tiveram como principais focos a ampliação das vagas em creches e pré-escolas, o currículo, a formação/atuação docente e a avaliação nesta etapa da Educação Básica, revelando um cenário em que a busca pela q

Conforme descrevemos na seção anterior, as políticas para a Educação Infantil carioca apresentadas neste artigo tiveram como principais focos a ampliação das vagas em creches e pré-escolas, o currículo, a formação/atuação docente e a avaliação nesta etapa da Educação Básica, revelando um cenário em que a busca pela qualidade da educação parece mover as iniciativas de formulação e reformulação das políticas.

Em diálogo com os estudos de Ball (1994) compreendemos a política como “[...] um conjunto de tecnologias e práticas as quais são realizadas e disputadas em nível local. Política é ambos, texto e ação, palavras e fatos, tanto o que é intencionado como o que é realizado [...]” (Ball 1994, p. 10). E para subsidiar as reflexões sobre as políticas cariocas em diálogo com as políticas nacionais, buscamos apoio no Ciclo de Políticas, referencial teórico formulado por Ball e seus colaboradores (Bowe; Ball; Gold, 1992). Esta abordagem articula os macro e micro contextos da política educacional, incluindo a escola e os professores nos processos de formulação, interpretação e reformulação (Ball; Maguire; Braun, 2016). Ball define três contextos principais de construção das políticas: a) o de influência (política como discurso); b) o da produção do texto (política como texto); e c) o da prática. Embora estes contextos estejam inter-relacionados, não são concebidos como etapas lineares e sequenciais. Trata-se de uma perspectiva que abre a possibilidade de análise das políticas educacionais para além do papel do Estado, sendo resultado de disputas, embates e acordos presentes nos diferentes contextos (Lopes, 1999).

Em outros trabalhos Ball (2004; 2006), revela a influência do gerencialismo administrativo dominado pela lógica do mercado e seus efeitos, tanto na construção das políticas educacionais, quanto no cotidiano escolar. Em um de seus primeiros textos publicados no Brasil, destaca a adoção de políticas educacionais baseadas no mundo empresarial “[...] começando a transformar não apenas a forma da oferta de educação, mas também seu significado, bem como a experiência da aprendizagem e a natureza da cidadania” (Ball, 1998, p. 121). O autor ressalta, ainda, a participação dos profissionais das escolas nos processos de formulação das políticas no contexto de influência e da produção de texto. No entanto, os professores e as escolas também têm um importante papel nos movimentos de interpretação e reinterpretação dos textos políticos no contexto da prática.

Como aprofundamento das análises, além das reflexões sobre políticas educacionais nos contextos macro e micro, consideramos necessário ampliarmos o diálogo com autores das áreas do currículo, das políticas de avaliação para a Educação Infantil e da avaliação educacional.

Compreendidas como parte das políticas educacionais e apoiadas nas reflexões de Ball (1994), entendemos as políticas curriculares como produção de sentidos e significados em um ciclo contínuo. Lopes (2015) acrescenta que,

[...] é possível afirmar que são decorrentes de diferentes articulações entre demandas representadas como advindas de comunidades disciplinares, equipes técnicas de governo, empresariado, partidos políticos, associações, instituições e grupos/movimentos sociais os mais diversos. Por intermédio das articulações entre essas demandas diferenciais, grupos políticos são organizados, significações de currículo são instituídas. Um dos possíveis exemplos dessas lutas é a que se organiza em torno dos sentidos de qualidade da educação (Lopes, 2015, p. 449).

Desse modo, pode-se dizer que resultam de lutas ideológicas e da disputa de poder. Para Soares,

Uma política curricular não é algo que brota do além ou que é imposta das grimpas do poder. Uma política, como exercício coletivo do poder, é construída a partir de práticas culturais diversas que envolvem necessariamente disputas ideológicas sobre a melhor maneira de educar as novas gerações (Soares, 2021. p. 139).

a normatizado, Lopes (2015) apresenta o que vem denominando como currículo sem fundamentos. A ideia de um currículo sem fundamentos remete à defesa de que não há princípios e regras absolutos, definidos cientifica

Ainda sobre as políticas curriculares e na tentativa de revelar outras formas de compreender o que já se encontra normatizado, Lopes (2015) apresenta o que vem denominando como currículo sem fundamentos. A ideia de um currículo sem fundamentos remete à defesa de que não há princípios e regras absolutos, definidos cientificamente ou por qualquer outra razão, fora do jogo político educacional, sem negociação de sentidos. Desse modo, as regras e princípios serão sempre disputados, levando a novas significações. Portanto, “conceber um currículo sem fundamentos é admitir a política em um cenário de incertezas e sem respostas definitivas” (Ibidem, p. 461).

Embora defenda um currículo sem fundamentos, a autora também chama atenção para o fato de que a ideia de um currículo comum e sua relação com um sistema educativo pautado na busca pela qualidade parece ter se hegemonizado. Ganha força o discurso de que um currículo comum nacional é capaz de garantir bons resultados nas avaliações externas, formação para o mercado de trabalho e inserção no mundo globalizado.

No cenário educacional, as mudanças ocorridas nas últimas décadas têm sido, de alguma maneira, associadas aos efeitos da globalização. A disseminação da cultura da performatividade nas políticas de currículo pode ser identificada como um desses efeitos.

O conceito da performatividade com o qual dialogamos apoia-se em Ball (2002; 2010), seu emprego se baseia em desempenhos (performances) individuais ou organizacionais. Segundo o autor, a cultura performativa, enquanto tecnologia política, vai além das mudanças técnicas ou estruturais nas organizações e na prática pedagógica, seu papel é de reformar os sentidos do professor, da escola e da educação, reduzindo seus fins a metas, resultados, níveis de desempenho e sinais de qualidade, tais como acontece nas empresas.

Influenciada pelos preceitos da performatividade, a educação pode tornar-se padronizada, calculada, comparada e classificada. De modo semelhante, a mobilização para a construção de um currículo comum pode articular-se à visão de que o conhecimento é neutro e reduzido a um conjunto de índices passíveis de serem medidos. Essa concepção de currículo que se limita a um conjunto de conteúdos validados por sistemas de avaliação, com centralidade nos resultados e que, consequentemente, impulsiona a criação de rankings de escolas e de estudantes são algumas das evidências que revelam as aproximações entre as políticas curriculares e a cultura da performatividade.

Os efeitos da cultura performativa também incidem sobre as práticas docentes. À medida que o trabalho dos professores é reduzido à lógica da performatividade, afasta-se a perspectiva da docência comprometida com a educação como bem público e direito subjetivo e da escola enquanto espaço de formação humana. Nesta visão de educação em que a busca pela qualidade ocorre com base em performances (desempenhos), formas de controle, avaliação e competição, os professores passam a trabalhar em função de números, indicadores e resultados.

No contexto da Educação Infantil, embora as políticas curriculares tenham um percurso próprio, é possível perceber as marcas da performatividade nas ações direcionadas à primeira infância. Os empresários que atuam na educação brasileira defendem um currículo prescritivo, baseado em habilidades e competências, com o argumento de que é preciso investir nas crianças.

A Educação Infantil (EI) tem três funções que se sobrepõem: primeiro, é uma forma de cuidado, que mantém as crianças saudáveis, bem nutridas e seguras enquanto os pais estão no trabalho; segundo, é um meio de socializar as crianças pequenas para que adquiram habilidades socioemocionais; e terceiro, é um veículo para a aprendizagem cognitiva, incluindo a alfabetização básica e o letramento matemático. (OCDE, 2001 – 2018, p.63)

Com a expansão do acesso e a busca pela melhoria do atendimento em creches e pré-escolas, o currículo da Educação Infantil tem sido frequentemente questionado, mobilizando a produção no campo. Conforme nos apontam Santos e Macedo,

A discussão de um currículo para a educação infantil vem ao longo de nossa história trazendo as marcas da desigualdade. Ora quando propõe um currículo compensatório das carências culturais das crianças das classes populares, ou quando promove a antecipação da escolarização, apesar das/os pesquisadores/as da área apresentarem dados sobre a inadequação de submeter as crianças aos processos de ensino escolar precocemente (Soares; Macedo, 2021, p.3).

Para ampliarmos as reflexões sobre os efeitos da performatividade na Educação Infantil, neste artigo privilegiamos analisar as respostas de um questionário online direcionado aos professores e equipe gestora que atuam na primeira etapa da Educação Básica, as quais serão apresentadas e analisadas nas próximas seções.

Metodologia

A pesquisa em curso foi autorizada pela SME/Rio, sendo renovada até 2025. Conta com o Parecer Favorável do Comitê de Ética da universidade, viabilizado através de acesso à Plataforma Brasil.

Como procedimentos metodológicos, a pesquisa trabalha com revisão bibliográfica[5] – busca de artigos na plataforma SciELO e dissertações e teses na plataforma da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – e questionário online para professores e equipes gestoras de Unidades Escolares que atuam na Educação Infantil.

Levando em conta a aplicação do SAEB em 2021, no ano seguinte a pesquisa fez uso de um questionário, via Google Formulário, com professores de Educação Infantil e equipe gestora. O documento utilizou questões fechadas, relativas à identificação dos participantes (tempo de magistério, titulação acadêmica, entre outras), assim como utilizou questões abertas, que diziam respeito ao projeto de pesquisa. O questionário também se valeu de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TALE) para os participantes, assim como de Termo de Confidencialidade para garantir o anonimato das respostas.

As perguntas abertas foram feitas de forma clara e objetiva para não influenciar nas respostas, possibilitando aos sujeitos expressarem sua opinião sobre a iniciativa, assim como refletir, de forma mais ampla, sobre as avaliações externas em larga escala dentro da unidade escolar e sobre o sistema de avalição próprio da rede.

Resultados e discussão teórica

Inicialmente, o formulário teve 20 respostas, mas posteriormente houve um momento em que o prazo para preenchimento foi ampliado e, em sua versão final, conta com 50 respostas. O perfil dos participantes é majoritariamente de diretores, sendo 66%. Apenas um dos cinquenta participantes se identifica como homem. Trinta e três pessoas estão na faixa etária de 40 a 59 anos. Não há nenhum entrevistado abaixo de trinta anos de idade. 44% se identificam como pardos, 22% como negros e 32% como brancos. Nenhum participante tem menos que 5 anos no magistério, sendo que 90% têm mais de dez anos de magistério. Metade desses profissionais fizeram especialização, apenas 6% possuem mestrado e não há nenhum doutor entre eles.

Em relação às escolas as quais trabalham, apenas 8% possuem sala de leitura, refeitório, pátio, parquinho, solário e quadra esportiva. 68% dessas escolas não participaram do SAEB de 2019 e 75% em 2021. Grande parte dos 32% que participaram do SAEB em 2019 não consideram nenhuma influência dessa avaliação em suas Unidades Escolares, enquanto essa opinião fica mais equilibrada na edição seguinte, em 2021, entre os 25% que participaram da iniciativa. Apenas 4 de 50 dos participantes julgam ser suficiente o tempo destinado às reuniões pedagógicas e só 20% acreditam que a condições apresentadas na infraestrutura de suas escolas não afeta a qualidade do trabalho pedagógico oferecido para as crianças.

O entendimento do que são as avaliações externas em larga escala é majoritariamente genérico, tendo poucas respostas que realmente demonstram compreender o que são tais avaliações. Neste sentido, gostaríamos de destacar as seguintes respostas à questão:

a)“Uma forma de qualificar o ensino e perceber as necessidades de cada realidade”: o objetivo das avaliações de sistema não é avaliar a realidade de cada escola, e sim oferecer uma perspectiva macro, sistêmica, uma vez que, no campo da avaliação há três níveis propostos por Freitas et. al. (2012), sendo dois deles internos à escola, ou seja, objetivam avaliar cada realidade escolar: a avaliação da aprendizagem (relação professor/a x estudante) e avaliação institucional da escola (momentos coletivos envolvendo toda a comunidade escolar, a partir do Projeto Político Pedagógico). Apenas o terceiro nível é externo e em larga escala, avaliação das redes de ensino;

b) “Que é uma avaliação a nível nacional”: a própria rede também possui sistema de avaliação próprio, criado na primeira gestão de Eduardo Paes, tendo duas frentes: as Avaliações Bimestrais de Rede e os Cadernos Pedagógicos (Louzada, 2017) ou, ainda, c) “É um tipo de avaliação mais ampla com o objetivo de atingir um público mais específico”, resposta que pouco oferece informações sobre a iniciativa.

Algumas respostas afirmam saber muito pouco sobre a temática. 28% dos entrevistados não consideram avaliações externas em larga escala válidas para avaliar a qualidade do ensino oferecido pela escola pública.

92% dos entrevistados conhecem o SAEB e 44% não acham válida a entrada da Educação Infantil nesse sistema de avaliação. As respostas, porém, revelam desconhecer a natureza distinta do SAEB para a Educação Infantil, uma vez que não se destina a aplicar “provas” ou similares na primeira etapa da Educação Básica, como nos demais anos de escolaridade. Neste sentido, gostaríamos de destacar as seguintes respostas: “Através das avaliações podemos medir também o aprendizado do aluno”, ou ainda, “Acredito que a educação seja pautada em processos; portanto, uma única avaliação não dá conta de perceber todo o processo vivido pelas crianças e os conhecimentos adquiridos em um espaço de tempo”. De fato, a primeira resposta evidencia desconhecimento sobre a disputa de sentidos do que seja avaliar, uma vez que “Medir propicia um dado, mas medir não é avaliar. Avaliar é pensar sobre um dado com vistas ao futuro” (Freitas et. al., 2012, p. 48). A mesma resposta utiliza o termo “aluno”, o que é bastante temerário, levando em conta que foi dada por profissional que atua na Educação Infantil – o termo “aluno” não é utilizado na EI porque tem como referência a escola de Ensino Fundamental. Em relação à segunda resposta, no que diz respeito à educação processual, a resposta dá destaque para a avaliação formativa, orientação para a relação entre a criança e a professora (Brasil, 2010), ou seja, o primeiro nível de avaliação – avaliação da aprendizagem – e não o terceiro, que diz respeito à entrada da Educação Infantil no SAEB.

Para Sousa (2014), há duas tendências no contexto educacional brasileiro que são consideradas como base para apreciação de qualidade na Educação Infantil: a) as condições de oferta; b) o desempenho infantil. Tais tendências estão em disputa de sentidos no que tange à avaliação da aprendizagem e gestão. Corroboramos com a afirmação da autora, uma vez que percebemos isso se materializar nas respostas do questionário de pesquisa. Sinalizamos, ainda, o fato de que não há transparência dos dados produzidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em relação à iniciativa, uma vez que os dados, na plataforma, são acessados mediante login e senha apenas para os diretamente envolvidos na iniciativa.

Por fim e não menos importante, levando em conta a temática do dossiê, analisaremos as respostas referentes a seguinte questão: “Na sua opinião, a proposta curricular da sua Unidade Escolar está em conformidade com as orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)? Justifique a sua resposta”. A BNCC para Educação Infantil (Brasil, 2017), ainda que reconheça as especificidades da primeira infância, assim como nas outras etapas, traz a indicação de aprendizagens consideradas essenciais, numa lógica que reduz a educação ao ensino. De acordo com Santos e Macedo (2021), a BNCC foi efetivada para os sistemas educacionais brasileiros, mas foi homologada nos ideais neoliberais: “[...] a base vem cobrir o interesse em beneficiar grupos empresariais que têm na educação pública um mote para auferir lucros” (Santos; Macedo, 2021, p.4).

Ainda sobre os princípios que fundamentam a BNCC, Frangella, Camões e Drummond (2021), chamam atenção para

O argumento de que a existência de uma Base apenas “embase” o trabalho a partir da fixação de objetivos, nos faz questionar tal posicionamento, na medida em que compreendemos que esta normatividade, ainda que não estabeleça um manual de “como fazer”, silencia debates sobre políticas no sentido de democratização, cedendo voz a um projeto unificador que aponta para as tendências de uniformização/centralização curricular e responsabilização de professores e gestores. (Frangella; Camões; Drummond, 2021, p. 16).

Desta forma, considerarmos que tal política se insere no conjunto de ações que expressam e constituem a cultura da performatividade e, em diálogo com os profissionais que responderam ao questionário, damos continuidade às análises sobre os efeitos da performatividade na Educação Infantil.

Ao serem questionados se a proposta curricular da sua Unidade Escolar está em conformidade com as orientações da Base, apenas uma gestora respondeu que acha que não porque está recente na direção. Por se tratar de um documento normativo, a BNCC tende a ser reconhecida pela maior parte dos participantes da pesquisa. No entanto, para Lopes (2015, p. 457), a Base “[...] nunca produzirá homogeneidade, nunca será a plena colonização das escolas, sempre haverá formas de escape e de outras leituras”. Além do reconhecimento da BNCC nas propostas curriculares de suas Unidades Escolares, quatro participantes mencionaram, também, o Currículo Carioca, revelando a relação entre as políticas locais e nacionais.

Os campos de experiências aparecem em cinco respostas, como práticas curriculares presentes nas Unidades de Educação Infantil. Sobre este tipo de organização curricular, Portelinha et al. (2017) chamam atenção para o fato de que os campos de experiência são apresentados de forma destituída do seu sentido completo por não serem nomeados como áreas do conhecimento. Complementando esta reflexão, para Abramowicz, Cruz e Moruzzi (2016, p. 51), “[...] há que se fazer um esforço teórico e prático para que os campos de experiências não sejam a antessala dos conteúdos clássicos sistematizados em disciplinas”, conforme está organizado o currículo em outras etapas da Educação Básica.

Dois participantes mencionaram a relação entre objetivos e habilidades para cada faixa etária ou ano de escolaridade. De acordo com Barbosa, Silveira e Soares (2019), a divisão por idades fragmenta a Educação Infantil, podendo fortalecer a ideia de aprendizagem em etapas sequenciais e a preparação para o Ensino Fundamental. A organização por idade traz ainda como fator preocupante a participação da Educação Infantil e das crianças nas avaliações de larga escala (Louzada, 2023), mesmo se levando em conta que, efetivamente, o desenvolvimento infantil não esteja sendo avaliado, até o momento, pelo SAEB.

Gostaríamos de destacar uma das respostas dadas ao questionário em relação à BNCC: “O currículo da Unidade Escolar na qual estou nesse momento tem como linha de trabalho as brincadeiras e interações, proporcionando o desenvolvimento infantil com atividades planejadas com intencionalidade pedagógica”. Não podemos afirmar que o autor da resposta desconhece que a importância que as interações e as brincadeiras têm nas DCNEI (Brasil, 2010) – sendo impossível ignorar a influência do documento na BNCC – mas consideramos importante destacá-lo, uma vez que o documento de 2010 estabelece que as práticas pedagógicas devem ter como eixos norteadores as interações e as brincadeiras. Também gostaríamos de destacar as seguintes respostas: “Sim, organizamos o nosso Planejamento de acordo com os campos de experiência nas orientações da BNCC e do Currículo da SME”, “Sim! Os materiais disponibilizados pela SME já estão em ajuste com as orientações da BNCC”, ou ainda, “A rede municipal trabalha unida, em conformidade com a Base Nacional, nosso currículo desenvolve as habilidades destinadas para cada segmento”, “Todos os planos de ações são pautados na proposta curricular vigente” e “Sim. Nos orientamos pelo Currículo Carioca, que está em consonância com a BNCC”, tornado evidente a influência que ambos os documentos assumem no trabalho pedagógico realizado com a Educação Infantil carioca.

Conclusão

Entendemos que houve baixíssima adesão ao preenchimento do questionário, o que nos leva a questionar o porquê de isso ter acontecido. Seria por que é mais uma demanda para se dar conta, em um cotidiano escolar tão desafiador, principalmente em se tratando da Educação Infantil? Junto a isso, qual seria o sentido de se participar de uma pesquisa acadêmica, tendo tantas demandas para dar conta? O mesmo questionário será aplicado novamente na rede em 2024, levando em conta a edição do SAEB no ano anterior. A intenção é comparar as respostas e avaliar se a adesão continua a mesma ou se houve melhora neste sentido – pensar estratégias para aumentar a participação de docentes no preenchimento do questionário, caso seja necessário.

Embora os profissionais digam que a participação da Unidade Escolar no SAEB não afetou o trabalho pedagógico, há que se entender que a maioria dos participantes não está lotada em escolas que não foram avaliadas pelo exame (SAEB/2019 e SAEB/2021). Um dos participantes lamenta: “nós não recebemos a devolutiva!” Concluímos que os dados produzidos precisam retornar à escola para discussão colegiada. De igual modo, é necessário maior investimento na formação continuada em serviço de profissionais de educação da rede, uma vez que os próprios professores reclamam que o espaço para reuniões pedagógicas no calendário escolar tem sido insuficiente. Detectamos, igualmente, confusão entre a natureza do SAEB para a Educação Infantil e as relações pedagógicas, o que demonstra a necessidade de maior estudo e discussão sobre a questão da avaliação na EI – a relação entre o professor e a criança – e a avaliação da Educação Infantil, na perspectiva de contexto (oferta e infraestrutura).

Também consideramos importante destacar que se torna urgente discutir a natureza do trabalho pedagógico na EI, em vez vinculá-lo à preparação das crianças para o Ensino Fundamental. Encontramos algumas respostas equivocadas nesse sentido, com o uso do “aluno”, por exemplo, em um questionário que se destina à Educação Infantil. Apontamos a necessidade de maior estreitamento entre a universidade e as redes públicas, pois o diálogo entre a teoria e a realidade da própria rede em questão muito beneficiará a atuação profissional daqueles que atuam na primeira infância. Por fim, cabe ressaltar que, se não é possível afirmar que há engessamento nas práticas pedagógicas por conta da BNCC e do Currículo Carioca, tampouco é possível ignorar esse contexto de influência (Ball, 1994), principalmente se levarmos em conta que, entre outras iniciativas, a existência da Base tem sido usada como justificativa para compra de pacotes pedagógicos e consultorias do setor privado (Louzada, 2023). Esse cenário se intensifica na Educação Infantil, na perspectiva de antecipação do processo de alfabetização para a etapa, a partir da preocupação com o desempenho escolar futuro – e não com um processo formativo mais amplo. Este dado reforça a necessidade de maior investimento na formação continuada docente, principalmente através de momentos de avaliação institucional participativa – pautada em princípios como gestão democrática, qualidade social (Sordi; Bertagna; Silva, 2016) e qualidade negociada (Bondioli; Savio, 2015), na defesa de uma Educação Infantil pautada nas interações, brincadeiras e no trabalho pedagógico com as diferentes linguagens – e não em um processo pedagógico artificializado.

Referências

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Notas

1 Dados retirados do Portal da Prefeitura do RJ. Educação em números. Disponível em: https://educacao.prefeitura.rio/educacao-em-numeros/. Acesso em: 19 fev. 2024.
2 Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/educacao-em-numeros. Acesso em 28 mai. 2017.
3 Disponível em: http://www.riosemprepresente.com.br/projetos/edi/. Acesso em: 21 jun. 2014.
4 As Coordenadorias estão distribuídas de acordo com a sua localização geográfica. Na época de utilização do material pedagógico em questão, eram apenas 10 CRE. Em 2013, porém, o número aumentou para 11. Disponível em: http://www.rioeduca.net/blogViews.php?bid=14&id=3142. Acesso em: 23 ago. 2017.
5 Os resultados da primeira revisão bibliográfica, realizada em 2020, estão disponíveis em Louzada (2020) e Esteban, Louzada e Fernandes (2021).
Como citar LOUZADA, Virgínia; TEIXEIRA, Roberta; AMANCIO, Cristiane. CURRÍCULO E AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL CARIOCA: performatividade e práticas docentes. Revista Espaço Currículo, v. 17, n. 1, e69607, 2024. DOI: 10.15687/rec.v17i1.69607.

Autor notes

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/7252131596534065
2 Doutoranda em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pedagoga na Fundação Municipal de Educação de Niterói. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/2258361044122660
3 Doutoranda em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Docente da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/9881987054157068
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