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TRADUÇÕES DAS DISPUTAS SOBRE A QUESTÃO DE GÊNERO NA BNCC

TRANSLATION OF DISPUTES OVER GENDER ISSUE IN THE BNCC

TRADUCCIÓN DE DISPUTAS POR EL TEMA DE GÉNERO EN LA BNCC

Cilésia Lemos
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Sandra Soares Della Fonte
Universidade Federal do Espírito Santo , Brasil

Revista Espaço do Currículo

Universidade Federal da Paraíba, Brasil

ISSN: 1983-1579

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 16, núm. 1, 2023

rec@ce.ufpb.br

Recepção: 24 Fevereiro 2023

Aprovação: 07 Abril 2023



DOI: https://doi.org/10.15687/rec.v16i1.65939

Resumo: O artigo analisa como as questões de gênero estiveram em disputa no processo de construção da Base Nacional Comum Curricular. Para tanto, por meio de uma análise documental, foca-se o conflito sobre a permanência ou retirada da questão de gênero e orientação sexual nas três versões da BNCC apresentadas pelo Ministério da Educação entre 2015 e 2017. Nas duas primeiras versões desse documento, esse tema esteve presente e foi, de certo modo, privilegiado, ao ser compreendido como eixo fundamental no processo educacional em conjunto com outros marcadores sociais como origem, classe e raça/etnia. Sob os impactos do golpe contra Dilma Rousseff, a sua última versão assumiu um caráter esvaziado quanto ao assunto. Essa “assepsia” não pode ser desvinculada da aliança entre neoliberalismo e neoconservadorismo no país. Constata-se que o modo como se movimentam as políticas educacionais em relação à discussão de gênero funciona como um dos termômetros possíveis para avaliar a correlação das forças sociais no Brasil e a construção de sua democracia em seus avanços e retrocessos.

Palavras-chave: Políticas educacionais, Gênero, BNCC.

Abstract: The article analyzes how gender issues were in dispute in the process of building the National Curricular Common Base. Therefore, through a documental analysis, one focus on the conflict about the permanence or withdrawal of this subject in the three versions of the BNCC between 2015 and 2017. In the first two versions, the issue of gender and sexual orientation was present and, in a way, privileged, as it was understood as a fundamental axis in the educational process linked to other social markers such as origin, class and race/ethnicity. Under the impact of the coup against Dilma Rousseff, its latest version took on a hollow character on the subject. This “cleansing” cannot be separated from the alliance between neoliberalism and neoconservatism in the country. It seems that the way in which educational policies move in relation to the discussion of gender works as one of the possible thermometers to evaluate the correlation of social forces in Brazil and the construction of its democracy in its advances and backlash.

Keywords: Educational policies, Gender, BNCC.

Resumen: El artículo analiza cómo las cuestiones de género fueron controversia en el proceso de construcción de la Base Nacional Común Curricular. Para ello, fue realizado un análisis documental enfocando en el conflicto sobre la permanencia o retiro del tema género y orientación sexual en las tres versiones de la BNCC presentadas por el Ministerio de Educación entre 2015 y 2017. En las dos primeras versiones del documento, ese tema estuvo presente y fue, en cierto modo, privilegiado, al ser entendido como un eje fundamental en el proceso educativo en conjunto con otros marcadores sociales como origen, clase social y raza/etnia. Bajo los impactos del golpe de estado contra Dilma Rousseff, la última versión adquirió un carácter vacío con relación al asunto. Esa “sepsis” no puede ser separada de la alianza entre neoliberalismo y neoconservadurismo en el país. Se constató que el modo como se mueven las políticas educativas en relación con la discusión de género funciona como uno de los posibles termómetros para evaluar la correlación de las fuerzas sociales en el Brasil y la construcción de su democracia en sus avances y retrocesos.

Palabras clave: Políticas educacionales, Género, BNCC.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No sentido de compreender as movimentações de sujeitos políticos e sociais em torno das políticas educacionais sobre as questões gênero na história recente da democracia brasileira, privilegiamos, neste artigo, o contexto de elaboração e aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A ofensiva antigênero a qual condizem as mudanças nos papéis sociais de gênero não foram uma especificidade brasileira, mas parte de um fenômeno transnacional. Segundo Junqueira (2019, p. 136), não só o Brasil, mas muitos países têm mobilizado forças contra avanços sociais, principalmente “voltadas a eliminar ou reduzir as conquistas feministas, a obstruir a adoção de medidas de equidade de gênero reduzindo garantias de não discriminação, entravar reconhecimento de direitos sexuais como direitos humanos”.

Esses grupos atuam ainda a favor da primazia da família na educação dos filhos e de uma colonização da esfera pública pela privada. Afirmam seus valores e interesses familiares, privados e religiosos, e “anseiam em promover a restauração ou, ainda, uma remodelagem conservadora do estatuto da ordem social e sexual tradicional, de modo a reafirmar sua hegemonia, reiterar seus postulados, hierarquias, sistemas de poder e estruturas e privilégios” (JUNQUEIRA, 2019, p. 139).

Por seu turno, a atual ofensiva antigênero situa-se dentro da aliança entre conservadores e neoliberais, confluência que tem motivado autores a falar de um novo conservadorismo ou neoconservadorismo. Apesar de sua origem remeter à oposição diante dos movimentos de contracultura na década de 1970 nos Estados Unidos, Vaggione, Machado e Biroli (2020) observam que o termo conservador tem sido retomado e adotado para caracterizar o fenômeno contemporâneo que demarca as movimentações de grupos (religiosos ou não) sobre assuntos pertinentes à moral, religião, sexualidade e famílias, reunindo uma coalizão diversa sobre os temas. Essa lógica se refere “a uma racionalidade política que se expressa em forte regulação da moralidade sexual”. A defesa da família (heterossexual) e da moral sexual por sujeitos religiosos e não religiosos revela o modo da união destes diferentes grupos que buscam por, meio destas investidas, “manter a ordem patriarcal e o sistema capitalista, expressando com força no contexto latino-americano” (VAGGIONE; MACHADO; BIROLI, 2020, p. 25).

No Brasil, os usos políticos desses discursos extrapolaram a “cruzada” de sujeitos ligados a setores religiosos conservadores e passaram a compor falas quase diárias de agentes políticos que acionaram esses dispositivos para mobilizar a opinião pública e para interferir na elaboração de polítcas públicas educacionais.

Para o desenvolvimento deste estudo, empreendemos uma análise qualitativa com procedimentos da pesquisa documental, salientando os conflitos sobre a permanência ou retirada das discussões de gênero nas três versões apresentadas pelo Ministério da Educação da BNCC entre 2015 e 2017.

Por meio da trajetória metodológica de análise documental (CELLARD, 2009), focamos a presença do termo gênero ou de palavras que fizessem referência a este tema nos documentos selecionados, assim como seu sentido. Também avaliamos se sua presença ou ausência esteve relacionada aos embates políticos que a temática tem enfrentado nos últimos anos.

Partimos do pressuposto de que “[...] materiais – oriundos do aparelho de Estado [...] expressam não apenas diretrizes para a educação, mas articulam interesses, projetam políticas, produzem intervenções sociais” (EVANGELISTA, 2012, p. 53). Longe de utilizarmos documentos oficiais em busca de uma verdade que essas fontes poderiam trazer sobre o fenômeno estudado, ao contrário, é de máxima importância considerar que esses tipos de documentos

[...] são produtos de informações selecionadas, de avaliações, de análises, de tendências, de recomendações, de proposições. Expressam e resultam de uma combinação de intencionalidades, valores e discursos; são constituídos pelo e constituintes do momento histórico. Assim, ao se tratar de política é preciso ter clareza de que eles não expõem as “verdadeiras” intenções de seus autores e nem a “realidade”. Como fontes de concepções, permitem captar a racionalidade da política, desde que adequadamente interrogados (EVANGELISTA, 2012, p. 61).

Nesse sentido, nossa compreensão acerca de gênero se dá a partir do pensamento feminista marxista (HIRATA, 2014; KERGOAT, 2010; SAFIOTTI, 2015) que atrela as desigualdades de gênero a outras estruturantes de desigualdades sociais como classe e raça e, assim, associam a opressão feminina às desigualdades de gênero nas sociedades capitalistas como opressões cruzadas. O feminismo de postura anticapitalista nos oferece uma base para realizar críticas às constantes desarticulações que o Estado brasileiro tem ocasionado nas políticas públicas voltadas para gênero, como também a atuação de agentes políticos atrelados aos setores conservadores e religiosos numa ofensiva tanto ao gênero (e a tudo que a ele remete) quanto à democracia.

Além desse norte teórico, há elementos históricos que necessitam ser pontuados quanto à questão de gênero e sua inserção na política educacional do Brasil. As primeiras alusões à temática no universo político ocorreram vinculadas à agenda de direitos das mulheres, à educação sexual e à saúde preventiva a partir dos anos da redemocratização na década de 1980 até o final Governo de FHC (1988-2002) (VIANNA; UBENHAUM, 2004). Durante os anos dos governos de Lula e Dilma (2003-2016), por força de lutas sociais e resistências de movimentos feministas e LGBTQIA+, o tema alcançou grande visibilidade e preocupação na agenda governamental, resultando em políticas de promoção de igualdade, institucionalizadas em secretarias de governo. Tal fato não somente ocasionou ganhos e avanços em termos de direitos e de discussão social, mas também o levou para o centro de polêmicas, quando setores conservadores da sociedade brasileira uniram-se a representantes políticos adeptos de suas agendas, ingressando em disputas no campo político e atuando em favor do não tratamento da temática (DESLANDES, 2015).

Destarte, essas alianças conservadoras já vinham atuando na sociedade brasileira, em conjunto com grupos da sociedade civil, sujeitos vinculados a entidades religiosas e políticos que convergiam sobre tais preceitos em diferentes momentos, tentando frear avanços obtidos nesta seara. Nesse sentido, como mencionado, as cruzadas de enfrentamentos ao gênero e às diversidades sexuais alinharam-se a um projeto de aprofundamento neoliberal na educação, por meio de reformas (como a do Ensino Médio) e de novas orientações curriculares.

Considerando a intensa movimentação em torno das questões de gênero[1] nos últimos anos, tratar das políticas educacionais com esse recorte requer que situemos historicamente as atuações, reações, investidas e tentativas de brecar os ganhos materializados em políticas a partir do campo de disputa que se projetou.

A nosso ver, os rumos tomados pela BNCC em suas diferentes versões manifestam um momento de fortalecimento dessa ofensiva antigênero, período atravessado de tentativas de apagamento e de ocultar à temática na documentação educacional. O nosso objetivo é situar esse embate na trajetória de debate e formulação desse documento até sua homologação final.

2 COMO A QUESTÃO DE GÊNERO APARECEU E DESAPARECEU DAS VERSÕES DA BNCC?

A Base Nacional Comum Curricular é um documento de caráter normativo no sentido de balizar o conjunto de conhecimentos e aprendizagens fundamentais que o aluno deve adquirir ao longo da educação básica. Sua principal finalidade é orientar a organização curricular e as práticas pedagógicas dos sistemas de ensino das redes públicas e privadas do país, a partir das competências e habilidades a serem desenvolvidas a cada ano escolar (BRASIL, 2017).

No campo de elaboração das políticas educacionais, as escolhas acerca da formação escolar e da composição do currículo são técnicas e políticas, ao modo que estas podem expressar o próprio projeto educativo a ser proposto. Deste modo, o projeto educativo em tais documentos traduzem as decisões, disputas e interesses sobre o que será ofertado e ensinado:

[...] a forma como deve se dar o Ensino é influenciada pelos contextos sociais e históricos, dando materialidade à função social da escola, sempre em disputa entre as classes fundamentais, constituindo um campo de conflito pela hegemonia sobre o conhecimento e sobre a própria sociedade (FILIPE; SILVA; COSTA, 2021, p.797-798).

Durante a construção da BNCC, algumas versões foram apresentadas, demarcando as intensas negociações, expressas nas modificações apresentadas pelo MEC em cada uma das versões. No total, foram divulgadas três versões, antes de o documento ser homologado.

Após o lançamento do processo de elaboração da base curricular, em setembro de 2015, foi apresentada a primeira versão do documento disponibilizado no Portal da Base, canal criado na web pelo Ministério da Educação “para tornar pública a proposta da BNCC e, ao mesmo tempo, acolher contribuições para sua crítica e reformulação pela sociedade” (BRASIL, 2015, p. 28). Nesse primeiro documento, submetido à consulta pública e posteriormente apresentada ao CNE, os princípios orientadores da Base Nacional Comum Curricular (BNC), para guiar os percursos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes da educação básica, baseavam-se em:

[...] desenvolver, aperfeiçoar, reconhecer suas próprias qualidades, prezar e cultivar o convívio afetivo e social, fazer-se respeitar e promover o respeito ao outro, para que sejam apreciados sem discriminação por etnia, origem, idade, gênero, condição física ou social, convicções e credos [...] (BRASIL, 2015, p. 7).

De setembro de 2015 até março de 2016, foi aberta pelo MEC a consulta pública sobre a primeira versão do documento, reunindo inúmeras contribuições da sociedade civil e professores da educação básica para a construção do documento. A segunda versão disponibilizada pelo MEC no início de maio de 2016 também passou por debate durante os 27 seminários estaduais, contando com a contribuição de pareceres elaborados por especialistas.

Essas duas primeiras versões foram apresentadas ainda durante o governo da Presidenta Dilma, em um contexto marcado pela intensa crise política que se agravava. A segunda versão da BNCC foi divulgada apenas alguns dias antes do afastamento de Rousseff da presidência. Nessas versões, há ainda uma disposição de abarcar questões sociais com a inserção de debates que se vinculam às demandas por igualdade e justiça social, diferentemente das versões posteriores, apresentadas após o início do governo de Michel Temer (2016), como veremos. Essa intenção de inserir esses temas de cunho social pode ser associada às iniciativas e posturas existentes durante os anos de governos petistas e consequentemente à posição do MEC que buscou privilegiar, no campo das políticas públicas e educacionais, agendas vinculadas a diversidades, gênero, sexualidades e direitos LGBTQIA+ (VIANNA; BORTOLINI, 2020).

Após o impeachment da presidenta, demandas conservadoras se fortaleceram durante a construção da base. De acordo com Macedo (2017, p. 514), isto não significa “que elas não estivessem presentes em todo o processo, como ocorre em nível internacional, mas ganharam proeminência após o impeachment de Dilma Rousseff, quando o ESP passou a ser um dos interlocutores do MEC”.

Conforme a autora, o Movimento Escola Sem Partido (ESP) possuía demandas especificas quanto à BNCC. Suas reinvindicações questionavam a capacidade dos órgãos competentes quanto à sua aprovação, colocava em dúvida a importância, os tipos de conteúdos e objetivos para o ensino e aprendizagem presentes no documento. Sua tática foi bem específica:

Ao pôr em xeque a competência do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do MEC para a definição da BNCC, o movimento tem sustentado que a organização do documento em torno de direitos de aprendizagem, preconizada pela lei que instituiu o PNE, é “invasão de competências”. Para ele, a BNCC tem “que tratar de currículo, não de direitos. Porque os direitos estão contidos na Constituição. O documento propõe novos direitos” (MACEDO, 2017, p. 514).

Dessa forma, o movimento endossava a pressão existente no âmbito da política durante esse contexto. Essa movimentação ressoou diretamente no processo de construção da base e teve como expressão a tentativa de retirar do MEC e CNE a condução desse processo (MICARELLO; FRADE, 2016). Em 2016, motivado por esses discursos conservadores, o Deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) apresentou à Câmara Federal o PL 4486/2016, que tinha como proposta levar a deliberação da construção e aprovação da BNCC final para o Congresso Nacional.

Essa tentativa contou com apoio de setores contrários ao tratamento de alguns temas na educação escolar, e demonstrava claramente a intenção de conseguir os mesmos resultados obtidos no PNE 2014-2024, quando deputados - articulados com setores conservadores e religiosos da sociedade - conseguiram aprovar o plano nacional sem a menção dos termos referentes a gênero e orientação sexual.

Nessa intensa movimentação que ocorria dentro e fora do âmbito político, Fernanda P. Moura (2018) verifica a atuação de sujeitos vinculados ao movimento ESP, alimentando ativamente seu site com textos argumentativos que buscavam demonstrar a doutrinação existente nas escolas e no ensino brasileiro, e com avaliações de livros didáticos, principalmente quando tratavam de temáticas sociais.

Assim, estabeleciam críticas a políticas educacionais que incluíam aspectos sociais como as questões de gênero e sexualidade, os direitos LGBTQIA+, temas políticos (tidos como doutrinação marxista) e religiosos (em especial, de matriz africana), considerando-os como elementos da “doutrinação da esquerda” na educação. No processo de construção da BNCC, mais precisamente no período que antecipou a apresentação da terceira versão, o grupo elegeu o documento educacional como alvo de críticas e investidas, tal como ocorrerra em políticas anteriores sobre esses temas.

Com esse intuito, esses sujeitos elaboraram uma carta aberta endereçada aos membros das Frentes Evangélica e Católica do Congresso Federal, em 03/04/2017, dias antes do envio da terceira versão pelo MEC ao CNE. Logo em sua introdução, duas demandas foram requisitadas aos parlamentares: a imediata interrupção do trâmite da BNCC até que todas as referências à “ideologia de gênero” fossem retiradas do documento; a postergação da entrega da 3ª versão da BNCC, pelo Ministério da Educação (MEC), ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que estava agendada para 6 de abril, isto é, três dias depois.

Ao longo do texto, foram apresentadas inúmeras ponderações sobre a suposta contaminação da ideologia de gênero ainda existente nos textos da BNCC, mesmo com algumas modificações em relação às versões apresentadas anteriormente.

Nessa carta, além dos destaques sobre a presença da suposta ideologia, outros argumentos foram apresentados, como as críticas ao campo de estudos de gênero e aos posicionamentos técnicos do MEC e CNE sobre o tema. Essas críticas referiam-se principalmente à nota que o conselho de educação endereçou as Câmaras Municipais no contexto de elaboração dos planos municipais de educação, alertando o risco da exclusão dos termos nos textos dos documentos orientadores.

Outro ponto a ser sublinhado é a demonstração de afinidade dos signatários da carta com o então governo de Michel Temer, reconhecendo que as pressões e mobilizações até o momento ocasionaram vitórias nas retiradas de termos e recuos do executivo sobre o tema. Todavia, afirmavam haver a necessidade de uma maior intervenção no Ministério Educação, já que as mobilizações contra as pautas de gênero e sexualidade não eram amplamente acatadas, visto a existência de todo um aparato normativo e constitucional que garantia a abordagem dos temas na educação do país.

Essa postura de diálogo direto com representantes do Congresso Nacional e com o MEC demonstra a interlocução que o Governo Temer estabeleceu não apenas com setores favoráveis às reformas empresariais no campo da educação, mas também com setores declarados conservadores que desejavam interferir em conteúdos, métodos e finalidades da educação (FREITAS, 2014).

A Comissão Especial de Educação da Câmara Federal dos Deputados também teve papel importante durante todo o trâmite da base, ao realizar audiências públicas, ciclos de debates e seminários para discutir a construção do documento, convidando especialistas e representantes dos movimentos contrários as temáticas de gênero e diversidade sexual.

Por seu turno, os integrantes do ESP, grupos religiosos de vertentes conservadoras e professores declarados cristãos e contrários à abordagem gênero aproveitaram essa oportunidade e participaram ativamente desses debates e audiências. Também realizaram análises das versões apresentadas pelo Ministério, produziram pareceres e promoveram discussões paralelas às agendas oficiais sobre os documentos: “[Em] conjunto com grupos conservadores cristãos três audiências públicas não-oficiais nas cidades de Belo Horizonte, Brasília e Goiânia” (MOURA, 2018, p. 54) foram realizadas para debater o tema.

Após a divulgação da 3ª versão da BNCC (já no governo interino de Michel Temer), o MEC organizou uma série de audiências públicas entre os meses de julho e setembro nas capitais das cinco regiões do país. A primeira ocorreu em Manaus (AM) no dia 07/07/2017; em Recife (PE) - 28/07/2017; em Florianópolis (SC) - 11/08/2017; em São Paulo (SP) - 25/08/2017; em Brasília (DF) - 11/09/2017. Essas audiências, segundo portal do MEC, não tiveram caráter deliberativo, contudo, serviram de canal de diálogo direto com inúmeros sujeitos da sociedade civil e representantes de setores da educação.

Como resultado dessas audiências públicas, foram enviados por escrito para a 3ª versão da Base 235 documentos, protocolados no MEC e apresentados ao CNE, com várias contribuições.

A partir de levantamento realizado no site do MEC/CNE e de apuração pelo De olho nos Planos, constata-se que 63 destas manifestações pontuavam explicitamente o termo gênero e/ou orientação sexual. Dentre elas, 40 apresentaram argumentos e posicionamentos favoráveis a esta questão; questionavam a retirada dos termos no texto da 2ª versão; ressaltavam a importância de trazer estes aspectos na composição de um currículo nacional. As outras 23 que mencionaram o termo gênero no sentido das relações sociais entre os sexos apresentaram argumentos contrários à inclusão do tema na BNCC e, assim, identificavam-se como contrários à suposta ideologia de gênero.

Muitos indivíduos ressaltaram críticas a esta versão por conter aspectos que traziam o assunto, em especial quando o documento abordava aspectos sobre diversidade e propunha ações contra todas as formas de discriminações. Tal queixa foi registrada, mesmo o termo gênero não sendo mencionado de forma direta, considerando que a proposta curricular contrariava o PNE 2014-2024, aprovado sem a menção explícita dos termos.

As inúmeras contribuições para a terceira versão da BNCC vieram de distintos setores da sociedade brasileira, grupos e entidades vinculadas à educação. No campo de contribuições favoráveis às abordagens de gênero, direitos humanos e outros temas sociais, é possível encontrar representantes, como a Associação Nacional de Educação Católica. Isso evidencia que, mesmo que sendo histórica a atuação de alas conservadoras da Igreja Católica contra ao gênero, há dissidências no campo religioso.

Alguns grupos empresariais e educacionais também se manifestaram favoráveis à presença destas questões. Isso revela que a conjunção de forças entre neoliberais e conservadores pode ser atravessada de porosidades em relação a alguns temas que não são estruturais ao capitalismo. Como observa Hypólito (2019, p. 195):

A confluência de interesses em torno da definição de um currículo nacional ou de um conhecimento oficial, portanto, pode ser contraditória. Muitos aspectos são negociáveis. Outros não são negociáveis. Enquanto grupos neoliberais podem não ter preconceitos a minorias LGBT, grupos neoconservadores e religiosos podem ser muito homofóbicos e racistas.

Alguns sujeitos que se identificavam como professores cristãos enviaram a representantes do governo, além de seus pareceres com posicionamentos contrários à inclusão/ permanência do termo gênero, uma versão cristã alternativa da BNCC. Ademais, a forte mobilização realizada com os representantes dos legislativos, no mês de abril, durante a apresentação da BNCC (III) ao CNE, marcaram o campo que se articulou contra o gênero.

Em oposição à versão elaborada no âmbito do MEC que contou com a participação da sociedade brasileira, o documento entregue por esse grupo foi denominado “Uma proposta de BNCC constitucional e sem ideologia de gênero da BNCC”. Essa sugestão tinha como objetivo adequar à proposta de orientação curricular para a educação nacional aos interesses e ideais destes grupos. De acordo com esse grupo, mesmo sem a menção explícita a alguns termos, o texto da BNCC estaria contaminado com preceitos da ideologia de gênero. Segundo Moura (2018, p. 55),

Esta versão alternativa da BNCC teria sido subscrita pela Frente Parlamentar Evangélica, pela Frente Parlamentar Católica, pela Frente Parlamentar Mista em defesa da Vida e da Família da Câmara e do Senado e pela Frente Parlamentar em defesa da Vida e da Família da Câmara do deputado e teria sido entregue em 25 de outubro de 2017 aos deputados e senadores e diretamente ao Ministro Mendonça Filho e ao CNE.

Essa versão alternativa não foi contemplada na versão apresentada pelo Ministério, mas fica evidente que essas interferências influenciaram diretamente o “silenciamento das questões de gênero” na terceira versão. De acordo com Silva, Brancaleoni e Oliveira (2019, p. 1549), além da retirada dos termos, “a compreensão de sexualidade é esvaziada, compreendida apenas sua dimensão biológica, e os direitos humanos abordados numa certa superficialidade”.

Para Hypólito (2019), muitos especialistas contribuíram em “termos de qualidade curricular”, principalmente nas duas primeiras versões no sentido de inserir no documento preceitos para promover a equidade na educação. Entretanto, segundo o autor, a terceira versão já possuía muitos aspectos conservadores e “não absorveu muitos dos preceitos liberais para uma educação pública” (HYPÓLITO, 2019, p. 195).

O campo de lutas e negociações sobre a abordagem desses temas reverbera nas políticas educacionais do país. A inclusão de aspectos sobre a sexualidade em documentos e práticas educacionais ocorreu dentro de contextos muito específicos. Em geral, seu tratamento tinha como finalidades a prevenção de doenças, gravidez precoce e/ou indesejadas, adequação de condutas sexuais. Assumiu, portanto, em certos contextos, perspectivas médico-higienistas e biológicas tomadas como políticas públicas de Estado (ROSEMBERG, 2001; VIANNA; UNBEHAUM 2004; 2006). Em períodos mais recrudescidos e conservadores vividos pela sociedade brasileira, como no contexto da ditadura militar, a família passa a requisitar seu papel perante do Estado em tratar do tema (SILVA; BRANCALEONI; OLIVEIRA, 2019).

Com avanços democráticos no país e também dos próprios debates pertinentes a esses temas, de acordo com vasta literatura (cf. ALTMANN, 2006; VIANNA; UNBEHAUM, 2004; 2006; VIANNA, 2012; 2018; VIANNA; BORTOLINNE, 2020; LEÃO, 2009; LEÃO; RIBEIRO, 2012), sua inclusão no campo educacional e das políticas desse setor em diferentes períodos deu-se inicialmente por meio “[...] de concessões no campo da educação sexual que visariam futuros avanços quanto ao debate sobre diversidade sexual e de gênero no ambiente escolar” (SILVA; BRANCALEONI; OLIVEIRA, 2019, p. 1543).

A versão final da BNCC é apenas uma das cenas dessa história. Porém, para evidenciar as polêmicas e disputas na elaboração do documento, vejamos, a partir de agora, detalhes de como a questão de gênero foi tratada nas versões apresentadas da BNCC.

2.1 BNCC (I)

No texto da BNCC (I), apresentada pelo MEC em outubro de 2015, é possível encontrar 78 vezes menções ao termo gênero, muitas delas atreladas a gênero textual e gramatical. Todavia, em 13 vezes que o termo foi citado, esteve atrelado às propostas de debate sobre as relações sociais de gênero e sexualidade.

Sua alusão ocorre já nos princípios orientadores que garantem o direito à educação independente de questões sociais que se interseccionam, como gênero, etnia, idade e outros marcadores sociais. Sob esse aspecto, o documento demonstrava a intencionalidade em promover a equidade e a busca de redução de desigualdades nos processos educativos considerando tais fatores.

Mesmo não havendo uma conceituação do termo, a compreensão de gênero parece ir além das perspectivas adotadas em documentos educacionais anteriores. Delimita-o como aspecto que não se dissocia de outros fatores sociais e que não pode ser separado da totalidade social, seja ela de classe, seja origem e/ou raça/etnia.

Coloca-se, desse modo, distante de momentos nos quais foi associado à construção de uma cidadania abstrata e dos direitos humanos (VIANNA; UNBEHAUM, 2004); aos aspectos essencialistas e bilogizantes (ALTMANN, 2006; LEÃO, 2012); ou até mesmo incluído no grande guarda-chuva das políticas de diversidades (CARREIRA, 2015).

Por exemplo, no tópico destinado à “Educação Infantil na BNCC”, propõe-se que o trabalho pedagógico nesta etapa ensino foque na formação da criança com:

[...] uma visão plural de mundo e de um olhar que respeite as diversidades culturais, étnico-raciais, de gênero, classe social das pessoas, apoiando as peculiaridades das crianças com deficiência, com altas habilidades/superdotação e com transtornos de desenvolvimento (BRASIL, 2015, p. 19)

Ou seja, nessa perspectiva, compreende-se a questão de gênero como um importante aspecto da dimensão humana, constitutiva do indivíduo a ser considerado durante todo o processo educativo. Ao lado de outras características individuais e sociais, como classe, raça/etnia, ela se encontra associada a uma proposta de concretização dos direitos à educação e de redução de desigualdades entre os sistemas educacionais ao propor o que seja comum de ser ensinado em diferentes realidades educacionais pelo país.

Essa perspectiva é reafirmada em outras passagens do documento. Nos “Objetivos Gerais da área de Linguagens no Ensino fundamental”, recomenda-se uma formação (com base nos conhecimentos historicamente construídos de seus componentes curriculares) que respeite as pluralidades socioculturais e as inúmeras diferenças sociais, inclusive as de gênero que são “manifestadas por meios das linguagens” (BRASIL, 2015, p. 33). Nos “Objetivos Gerais do componente de Educação Física”, indica-se assegurar aos estudantes uma formação que visa “reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos, identificando nelas os marcadores sociais de classe social, gênero, geração, padrões corporais, [...] raça/etnia, religião” (BRASIL, 2015, p. 98).

Observa-se que as propostas de tratamento das questões de gênero nessa primeira versão da BNCC estão interseccionadas com outros marcadores sociais importantes como raça/etnia e classe social, um avanço em relação ao caráter biologizante e/ou vinculado apenas às questões preventivas e de saúde sexual de documentos anteriores. Essa abordagem no campo das políticas educacionais é expressão de:

[...] verdadeira luta ao longo de várias décadas para a garantia de algumas conquistas na área das políticas públicas de educação relativas à consolidação do conceito de gênero como uma categoria analítica capaz de produzir conhecimento histórico e descortinar caminhos para uma crítica mais incisiva às características tidas pela tradição como naturalmente masculinas ou femininas e às afirmações biológicas sobre corpos, comportamentos e habilidades de mulheres e homens sobre diferenças sociais, destacando o caráter socialmente construído do conhecimento cientifico (VIANNA, 2018, p. 96).

Esse aspecto também pode ser observado no componente curricular de Biologia destinado ao 3° ano do ensino médio, que evidencia zelo ao considerar as implicações sociais e culturais nas diferenças entre os gêneros quando lança como proposta:

Analisar as implicações culturais e sociais da teoria darwinista nos contextos das explicações para as diferenças de gênero, comportamento sexual e nos debates sobre distinção dos grupos humanos, com base no conceito de raça, e o perigo que podem representar para processos de segregação, discriminação e privação de benefícios a grupos humanos (BRASIL, 2015, p. 202).

Ainda destinado ao ensino médio, no componente curricular de Sociologia para o 2° ano, com intenção de tratar “os processos de formação de identidades políticas e culturais”, propõe-se: “Compreender a perspectiva socioantropológica sobre sexo, sexualidade e gênero” (BRASIL, 2015, p. 300). Já a orientação para os trabalhos pedagógicos com o 3° ano do ensino médio desse mesmo componente curricular foca na “Compreensão das formações políticas, da democracia e da cidadania e compreensão sociológica do trabalho”, com a sugestão de: “Problematizar a divisão de classes no modo de produção capitalista, a divisão de trabalho segundo o sexo e as implicações para as relações de gênero e a divisão de trabalho segundo cor, raça ou etnia” (BRASIL, 2016, p. 301).

Como se percebe, essa primeira versão da BNCC traz como avanço as dimensões sociais como gênero, raça/etnia e classe social interseccionadas e indissociáveis para a compreensão das desigualdades. Esse horizonte contrasta com a inserção inicial de gênero nas políticas educacionais e em documentos normativos “na perspectiva [geral e abstrata] dos direitos e da construção da cidadania” (VIANNA, 2018, p. 77).

2.2 BNCC (II)

Na segunda versão apresentada pelo MEC em maio de 2016, há um acréscimo visível em referências ao termo gênero, e diferentemente da primeira, é possível identificar uma ampliação na abordagem da questão de gênero, mencionada 29 vezes ao longo de todo documento.

Nesse texto, a orientação sexual também aparece abordada de forma explícita. Essas modificações demonstram como foram atendidas algumas reinvindicações enviadas por leitores críticos em pareceres sobre a versão anterior. Especialistas ressaltaram em seus pareceres as ausências e discrepâncias na abordagem de gênero e sexualidade nos componentes curriculares, fazendo com que a segunda versão da BNCC assumisse uma postura mais inclusiva e de reconhecimento das diferenças em seus temas integradores.

Em comparação à primeira versão, Macedo (2017, p. 513-514) chama a atenção para o fato de que foi nesta segunda versão que alguns direitos ganharam uma maior centralidade, aparecendo com uma definição mais evidente. Esse maior destaque em algumas demandas de cunho social ocorre em diferentes momentos, como na definição de princípios éticos que balizem os direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento dos sujeitos da educação básica, vinculados:

[...] ao respeito e ao acolhimento na sua diversidade, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, orientação sexual, idade, convicção religiosa ou quaisquer outras formas de discriminação, bem como terem valorizados seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual devem se comprometer [...] (BRASIL, 2016, p. 34).

Esse caráter explícito expressa o comprometimento em trazer de forma mais evidente temas sociais (direitos humanos, sociais, individuais e coletivos, diversidade, inclusão) (MACEDO, 2017), contemplando-os em distintos componentes curriculares e áreas de conhecimento. Aponta, também, para propostas de uma formação escolar ancorada na promoção de uma educação mais democrática e integral, com vistas à superação de desigualdades sociais (dando ênfase aos aspectos de raça/etnia e gênero), assumida e reconhecida como responsabilidade que o Estado deve adotar para redução de violências vivenciadas na sociedade.

Apesar de aparecerem, de modo explícito, nesta versão da BNCC ao lado de categorias essenciais como classe, esses marcadores sociais (gênero, raça/etnia) não são situados nas relações de desigualdades que os cercam. São caracterizados apenas como relações entre diferentes, seu reconhecimento considerado apenas pela noção de diversidade.

Outro aspecto que merece destaque é que a questão de gênero e sexualidade nessa proposta esteve presente em alguns componentes curriculares, consistindo em um aspecto essencial ao lado de outros marcadores sociais para o cumprimento do objetivo de aprendizagem do conteúdo proposto. Isso se diferencia de sua inclusão nos PCNs, em um caderno específico, conceituado e com propostas de serem trabalhadas transversalmente (nas diferentes áreas de conhecimento). Nessa nova organização dos conhecimentos fundamentais à aprendizagem, a versão da BNCC (II) compreendeu essas dimensões como eixo integrador na elaboração de referenciais curriculares, trazendo-as associadas a outros temas e aspectos sociais, mas sem explicitá-las separadamente.

Essas dimensões foram incluídas tanto nos objetivos gerais por área de conhecimento (Linguagens; Ciências Humanas e da Natureza), como nos objetivos de aprendizagens dos componentes curriculares de cada seguimento de ensino da educação básica. Vejamos alguns exemplos.

Na etapa da educação infantil, o documento da BNCC (II) reafirma o compromisso existente na DCNEI de centrar o trabalho pedagógico de professores desta etapa de ensino “no combate ao preconceito e às discriminações culturais, de gênero, étnico-raciais, de classe social” (BRASIL, 2016, p. 56). Defende como direitos à aprendizagem de alunas e alunos “CONVIVER com crianças e adultos em pequenos e grandes grupos, reconhecer e respeitar as diferentes identidades e pertencimento étnico-racial, de gênero e de religião” (BRASIL, 2016, p. 68).

Todavia, Alves (2019) destaca que o documento da BNCC para esta etapa de ensino apresentou uma compreensão de uma diversidade que universaliza ou pulveriza, como se tudo estivesse no mesmo plano, propondo apenas a convivência harmônica das diferenças sociais dos alunos por meio de compromissos com práticas antidiscriminatórias. Dessa forma, ao desatrelar essas relações das desigualdades sociais, a questão de classe fica em um segundo plano, condicionando uma

[...] ênfase num currículo constituído por conhecimentos universais, comuns a todos os indivíduos, constituído de aprendizagens essenciais das quais todos/as os/as estudantes precisam apropriar-se, a fim de desenvolver competências e habilidades indispensáveis para inserção em uma sociedade competitiva, produtista e mercadológica. Estas aprendizagens têm primazia no currículo, ocupando o lugar da parte comum, que todos/as os/as estudantes precisam adquirir nos diversos níveis e modalidades de ensino (ALVES, 2019, 121-122).

Em outro momento, ainda destinado a esse segmento de ensino, aponta-se como objetivo levar os alunos a: “CONHECER-SE nas diversas oportunidades de interações e explorações com seu corpo; reconhecer e valorizar o seu pertencimento de gênero, étnico- racial e religioso” (BRASIL, 2015, p. 71).

Reafirma-se, portanto, o reconhecimento das questões de gênero associada a outros aspectos sociais como estratégia para inserção e introdução dos estudantes da educação infantil em outras interações sociais. Aproxima-se da intenção do RCNEI que reconheceu e inseriu o debate sobre gênero desde a educação infantil (VIANNA; UNBENHAUM, 2006).

Sobre os componentes para orientação curricular para o ensino médio, destaca-se a necessidade de os conhecimentos, como o de Biologia, estarem associados a temas e questões existentes no mundo contemporâneo, dentre eles: “identidade étnico-racial e racismo; gênero, sexualidade, orientação sexual e homofobia; gravidez e aborto; problemas socioambientais relativos à preservação da biodiversidade e estratégias para desenvolvimento sustentável [...]” (BRASIL, 2016, p. 150).

Essa formulação é um avanço, pois, em geral, esse componente curricular apresenta uma desvinculação das temáticas de gênero e sexualidade por priorizar o que Vianna (2018) chamou de trinômio corpo/saúde/doenças, fato que ocorrera nos PCNs.

Nessa segunda versão da BNCC, em detrimento do determinismo biológico, a ênfase em caráteres sociais associados aos sexos demonstra como a questão de gênero pode contribuir para as inúmeras áreas de conhecimento, possibilitando a desconstrução de tabus, preconceitos e violências.

Reconhecida como área privilegiada para esses debates, à área de ciências humanas atribui-se a tarefa, desde os anos iniciais do ensino fundamental, em especial aos componentes de História e Geografia, de promover e desenvolver conteúdos e

[...] conhecimentos que permitam uma compreensão da temporalidade e da espacialidade, da diversidade cultural, religiosa, étnica, de gênero, cor e raça, na perspectiva dos direitos humanos e da interculturalidade, da valorização e acolhimento das diferenças (BRASIL, 2016, p. 296).

Contudo, poucas foram às propostas de objetivos de aprendizagem dessa área de conhecimento que trouxeram essa dimensão, deixando escapar, por exemplo, na área de História a compreensão sobre as relações sociais de gêneros nos diferentes tempos históricos.

No componente curricular de Geografia, um dos poucos objetivos que abarcaram a dimensão propõe que os alunos consigam “Analisar distribuição territorial, quantidade e densidade, aspectos de renda, gênero, idade, racialidade, etnicidade, mestiçagem e movimentos migratórios caracterizam a população brasileira” (BRASIL, 2016, p. 454).

Se observarmos, o marcador social de gênero aparece associado a outros, adotados como constituintes e indissociáveis para compreender o fenômeno social proposto. Abordar esses elementos de forma integrada é partir do reconhecimento que alguns aspectos sociais não podem ser compreendidos individualmente; desconsiderar suas relações integradas pode ofuscar desigualdades e opressões que cercam algumas dessas dimensões (HIRATA, 2014; KERGOAT; 2010; MORAES; ESQUENAZI, 2019).

Na sessão que trata das/dos “estudantes e sua relação com o conhecimento nos anos finais do ensino fundamental”, ressaltam-se as especificidades desta etapa de ensino e a necessidade de considerar o período de transição entre a infância e adolescência “marcada por intensas mudanças decorrentes de transformações biológicas, psicológicas, sociais e emocionais” (BRASIL, 2016, p. 321).

As questões de gênero e sexualidade aparecem como elementos que carecem de maior atenção nos processos de aprendizagem da etapa e nas demandas da faixa etária. Essa intencionalidade corrobora com a proposta de associar as mudanças e dúvidas provenientes da puberdade e adolescência sobre sexualidade, gênero e orientação sexual à sua constituição social e histórica, desvinculando os trabalhos que cercam os temas de tabus e preconceitos (ALTMANN, 2001; VIANNA, 2018).

O componente curricular de Educação Física destaca-se como o que mais abarca, em suas diferentes etapas da educação básica, os marcadores sociais. Esses aspectos foram circunscritos como elementos essenciais ao cumprimento de seus objetivos de aprendizagem. A proposta de trabalho com os anos finais do ensino fundamental sugere “Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos, identificando nelas os marcadores sociais de gênero, geração, padrões corporais, raça/etnia, religião” (BRASIL, 2016, p. 383).

Ao propor essa perspectiva, o componente curricular pode subsidiar práticas pedagógicas embasadas na compreensão de situações e experiências de preconceitos e discriminações e promover reflexões por meios das intervenções que podem surgir no trato destas unidades temáticas. Nesse tópico, há ênfase nas questões de gênero e no combate às discriminações, principalmente em atividades da disciplina comumente associadas a estereótipos e a determinadas condutas e comportamentos.

No componente curricular de Artes, novamente as questões de gênero ganham destaque em alguns objetivos de aprendizagem de temáticas como artes visuais e teatro. É possível verificar questões relacionadas corpo, não se restringindo ao corpo biológico/natural, e as dimensões de gênero e sexualidade como aspectos indissociáveis no tratamento das unidades temáticas ao longo das etapas do ensino fundamental.

Todo esse comprometimento expresso na segunda versão da BNCC, ainda que em um contexto de pressão sobre o tratamento e inclusão do tema, parece ir ao encontro de toda a estrutura institucional e legal, programas de ações afirmativas, distintas políticas públicas que incluíram amplamente estas dimensões nas décadas anteriores.

Entretanto, como já afirmamos, em um cenário reativo à inclusão de ações para o enfrentamento de desigualdades estruturais, preconceitos e violência com vistas a uma sociedade mais democrática e inclusiva, desenvolveu-se, na sociedade brasileira, em contrapartida, “ações de controle e inúmeras interferências de setores conservadores em geral, e mais especificamente pentecostais e integrantes da igreja católica, na educação formal utilizando o gênero como disputa por direitos e concepções nos campos da política educacional” (VIANNA, 2018, p. 96).

2.3 BNCC (III)

Esse movimento produziu eco na 3ª versão apresentada pelo MEC em 6 de abril de 2017 e se consolidou na versão homologada em dezembro do mesmo ano. O termo gênero e as referências explícitas à orientação sexual desapareceram do texto. A palavra gênero é referida no texto apenas a aspectos textuais e gramaticais.

De acordo com reportagem da Folha De São Paulo, o MEC retirou as menções explícitas aos termos “sem alarde”, logo após apresentar uma prévia da versão BNCC (III) aos jornalistas, no dia 04/04/2017, quando os termos “identidade de gênero e orientação sexual” ainda apareciam referenciados. O recuo identificado na versão disponibilizada no site oficial no dia 06/04/2017 foi justificado pela pasta ministerial apenas como mudanças pontuais do texto que “passou por ajustes finais de editoração/redação que identificaram redundâncias”.

Ainda de acordo com a reportagem de Cancian (2017), o MEC afirmava que essa nova versão não estaria comprometida mesmo sem as referências diretas aos termos, pois o documento preserva e garante pressupostos de respeito, pluralidade, valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais como etnia, origem, religiosa, inclusive as de gênero. Relata ainda que a secretária-executiva do MEC do período, Maria Helena Guimarães, havia se posicionado sobre a ausência destas questões, afirmando que a retirada dos termos foi uma opção que o ministério assumiu; porém, a pasta não se posicionaria favorável, nem contrária a essa questão:

Não trabalhamos com questão de gênero. Trabalhamos com respeito à pluralidade, inclusive do ponto de vista de gênero, raça, tudo. Inclusive fomos até procurados por quem defendia ideologia de gênero e outros contra. Mas não queremos nem ser a favor nem contra. Somos a favor da pluralidade, da abertura, da transparência e da lei (GUIMARÃES apud CANCIAN, 2017, s.p.).

De acordo com Hypólito (2019), essa terceira versão sofreu forte influência e tentativas de controle por parte dos setores conservadores. Os grupos representantes da academia, que participaram ativamente do processo como especialistas enviando pareceres para a construção da segunda versão, retiraram-se ou foram excluídos do processo. Embora o protagonismo neste contexto seja a dos setores conservadores, Hypólito (2019, p. 196) ressalta a atuação de

[...] grupos neoliberais [que] apoiaram a eleição do [então] presidente com a ilusão de que manteriam o controle sobre as políticas mais neoliberais, incluindo a BNCC, sistemas de avaliação, provas nacionais, formação docente e negociando, inclusive, a indicação do futuro ministro. Grupos religiosos e conservadores, entretanto, atuaram decisivamente para bloquear indicações mais liberais e impuseram uma indicação mais conservadora ideologicamente, logo, mais alinhada com os princípios da Escola sem Partido, do criacionismo e de uma visão conservadora de gênero, atacando o que chamam de ideologia de gênero.

Percebe-se, portanto, que, nesse novo contexto, a conjunção entre neoliberais e conservadores se efetiva. Com a retirada das referências explícitas dos termos, há uma preocupação por parte de alguns especialistas, pesquisadores (as), educadores (as) e distintos setores da sociedade civil, de a BNCC promover um potencial esvaziamento do caráter crítico e democratizante.

Ao excluir essas questões, altera-se a proposta de se incorporar aos sistemas de ensino temas que abarcam a vivência contemporânea. Distancia-se de uma formação que contemple conhecimentos, práticas e valores que resguardem e considere os distintos marcadores sociais como passo importante para a redução das desigualdades educacionais. Proporciona-se, assim, por meio de uma padronização e adequação dos componentes curriculares, uma formação centrada na instrumentalidade. De acordo com Freitas (2012, p. 383), ao assumir esses pressupostos, as

[...] diferenças sociais são transmutadas em diferenças de desempenho e o que passa a ser discutido é se a escola teve equidade ou não, se conseguiu ou não corrigir as “distorções” de origem, e esta discussão tira de foco a questão da própria desigualdade social, base da construção da desigualdade de resultados.

De acordo com o parecer 15/2017, o Conselho Nacional de Educação (2017, p. 31), em sessão do dia 15/12/2017, declarava-se favorável por maioria de votos ao “Projeto de Resolução e anexos, que instituem e orientam a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”. No entanto, na Sessão Deliberativa do Conselho Pleno do dia 07/12/2017, a aprovação da BNCC havia sido adiada, a partir do pedido de vistas das conselheiras Márcia Ângela da Silva Aguiar, Aurina Oliveira Santana e Malvina Tania Tuttman. Elas justificaram o pedido em decorrência do caráter verticalizado que a base assumiu durante sua construção, denunciando, segundo Caetano (2020, p. 69), “a falta de transparência, diálogo e democracia no processo”.

As conselheiras relataram, em seus votos, o histórico de mudanças, alterações e atropelos do MEC e do CNE e se posicionaram

[...] contrárias à aprovação intempestiva do Parecer, seu Projeto de Resolução e anexos, considerando a sua incompletude e limitações e, portanto, a necessidade de ampliar o diálogo democrático para assegurar a qualidade social da educação básica em nosso país. Submetemos o voto ao Conselho Pleno para decisão (CNE, 2017, p. 42).

Tanto a supressão das questões de gênero, como a não inclusão e separação da etapa do ensino médio das outras etapas da educação básica (as discussões foram prolongadas para o ano de 2018 após a reforma do ensino médio) demarcaram os intensos consensos e dissensos sobre a Base Nacional Comum.

No parecer favorável, o CNE acatou a supressão dos termos gênero e orientação sexual realizada pelo MEC, mas reconheceu as disputas e “controvérsias” existentes sobre a temática durante os debates públicos no processo de construção da BNCC.

O presidente da comissão da BNCC no CNE, o Conselheiro Antônio Cesar Russi Callegari, também se posicionou quanto às supressões feitas pelo MEC em relação exclusão das referências a gênero e orientação sexual. Embora favorável ao parecer e à resolução, enfatizou que “o MEC e a maioria dos membros do CNE acabaram cedendo às pressões das milícias fundamentalistas e ultraconservadoras que se posicionaram contra a existência dessas questões na BNCC” (CNE, 2017, p. 45).

Caetano (2020) ressalta que algumas posturas adotadas pela presidência de Eduardo Deschamps do CNE neste contexto tiveram como objetivo uma tramitação rápida. Em reportagem veiculada pela Istoé Dinheiro, Deschamps comentou sobre os entraves na aprovação do texto enviado pelo MEC ao conselho e afirmou que a inclusão do termo gênero na Base não resolveria a complexidade do tema nem atenderia aos anseios da sociedade. Em suas palavras,

“O conselho entende que remetendo as questões de evitar o preconceito, de preservar a questão do respeito e da diversidade, ele pode estabelecer de maneira mais cuidadosa, normas complementares à própria base que vão tratar desse tema de sexualidade, de orientação sexual e de identidade de gênero”, disse. Ele explicou que a BNCC sozinha é um documento referencial, mas não é o único a traçar as diretrizes. Já existe uma comissão no CNE tratando dessas questões de gênero, que deve também promover audiências públicas sobre o tema (ISTOÉ, 2017, s.p).

De acordo com Caetano (2020), todas estas movimentações sobre a Base, corroborada pelas posturas assumidas pela presidência do conselho com aderência da maioria dos conselheiros, assinala que sua aprovação ocorreu

[...] sem uma análise mais aprofundada dos objetivos fundantes de uma política educacional nacional estruturante, que se transformaria em lei. Sessões foram marcadas arbitrariamente com intervalos curtos para a realização de análises de documentos, bem como a ausência de emendas realizadas por conselheiras. Esse modelo de política curricular privilegia modelos estruturados como cartilhas, instruções programadas, guias, plataformas digitais e retiram dos professores a autonomia no desenvolvimento do seu trabalho, bem como tornam a educação um grande negócio, em que tudo se compra e se vende (CAETANO, 2020, p. 71).

Nos votos dos outros conselheiros que se declararam favoráveis à BNCC, a ausência/retirada das menções de gênero não foi aludida, corroborando com a postura da presidência e do Conselho Pleno na aprovação do texto sem questionar aspectos ressaltados nos votos contrários. Apesar disso, o CNE se comprometeu, em resposta às inúmeras demandas da sociedade, a aprofundar as discussões e debates sobre o tema e apresentou proposta de criar uma comissão específica com a função de elaborar

[...] normatizações sobre orientação sexual e identidade de gênero, considerando a importância desse tema para o desenvolvimento de valores e atitudes de respeito, tolerância à diversidade, ao pluralismo e às liberdades individuais, de modo a combater qualquer forma de preconceito, discriminação e violência (CNE, 2017, p. 30).

A postura assumida pelo Ministério em suprimir os termos, substituindo-os por vocábulos mais abrangentes quanto às demandas por direitos sociais evidencia as tentativas de silenciar e ocultar as questões de gênero, manifestadas ao longo da BNCC (III) (SILVA; BRANCALEONE; OLIVEIRA, 2019). Nessa versão, houve a substituição dos termos que tratam diretamente das relações sociais e sexuais humanas pelo uso da palavra diversidade de forma bem genérica e abrangente.

Como já indicamos, tal perspectiva já esteve presente em documentos educacionais anteriores, todavia, encontra-se agora na contramão dos avanços em termos de referência explicitas e políticas voltadas para esta dimensão. Essa supressão demonstra um retrocesso.

O silenciamento das questões de gênero e orientação sexual em um documento que visa orientar o trabalho educativo em nível nacional pode reforçar aspectos que naturalizam e colaboram para manutenção de desigualdades. Além disso, essa omissão intencional pode ter desdobramentos no campo da formação docentes. Muitos professores no país possuem defasagens quanto ao tema, resultado da ausência de abordagem dessa questão nos currículos de formação inicial (ROCHA, 2015). De acordo com Vianna e Unbehaum (2006, p. 425), uma efetiva inserção e consolidação das políticas de gênero na educação implicam, entre várias medidas, “[...] uma revisão curricular que inclua na formação docente não só a perspectiva de gênero, mas também a de classe, etnia, orientação sexual e geração”. Muitos professores, por efeito dessa carência em sua formação,

[...] enfrentam dificuldades com trabalhos que envolvam a sexualidade devido a crenças e valores que possuem, fato que nos aponta que as dimensões sociocultural, afetiva e ética da sexualidade prescritas pela BNCC poderão ser escamoteadas ao longo dos processos de ensino-aprendizagem (SILVA; BRANCALEONE; OLIVEIRA, 2019, p. 1548).

A necessidade de menções diretas a esses termos pode contribuir com práticas pedagógicas que busquem atenuar situações extremas de discriminações, como a misoginia, homofobia e outras violências decorrentes das relações de gênero (VIANNA; UNBEHAUM, 2004; 2006; FERNANDES, 2016).

Na BNCC (III), além da exclusão do termo gênero e orientação sexual, a temática da sexualidade também sofre um tratamento distinto do que recebeu a partir da década de 1990. Ela é dissociada das dimensões socioculturais, aproximando-se de momentos anteriores em que foi compreendida apenas pela perspectiva de saúde preventiva. Aparece, de forma sutil, citada em apenas cinco situações em conteúdos pertencentes à área de ciências da natureza. Vista apenas em sua dimensão biológica, ou seja, vinculada à ideia da função reprodutiva da sexualidade, é desvinculada dos aspectos como a identidade gênero e orientação sexual.

Podemos estabelecer algumas aproximações com o tratamento que foi dado a sexualidade nos temas transversais do PCN, identificado por Palma, Piason, Manso e Stray (2015). Em conteúdos destinados às determinadas faixas etárias (anos finais do ensino fundamental), a sexualidade restringiu-se a promover a saúde sexual e preventiva, numa abordagem que não escapava do sentido biológico. Apesar disso, os parâmetros curriculares incluíram nos temas transversais - ainda que de maneira restrita – algumas passagens sobre homossexualidade e gênero.

Um aspecto ressaltado pelos autores, corroborado por outros trabalhos como o de Guizzo e Felipe (2015), é que, ao invés de propor reflexões sobre as “normas” heterossexuais como única forma de os sujeitos viverem sua sexualidade em nossa sociedade, não se ampliam as discussões sobre outras possibilidades de exercê-la. Essa dificuldade de trabalhar a diversidade sexual “[...] está diretamente associada com as reações contrárias que a população, e aqui se inclui órgãos e instituições sociais normativas, apresentam quando há a possibilidade de uma mudança no cenário social” (PIASON; MANSO; STRAY, 2015, p. 737).

A despeito da retirada dos termos gênero e diversidade sexual, ainda é possível ver nesses documentos, em tom quase esvaziado, discussões que remetem ao enfrentamento de preconceitos e discriminações nas ideias de diversidade presente nas habilidades e competências.

Talvez possamos partir dessas referências sutis às questões de gênero se considerar o aspecto que Vianna e Unbehaum (2004, p. 81) chamaram a atenção: “não necessariamente a referência explícita à expressão gênero”, mas a existência de políticas na direção da educação de gênero.

No total, são 499 menções a gênero – todas no campo das linguagens se referindo a gênero textual. Mas se colocarmos, no buscador do texto, as palavras sexualidade, diversidade, discriminação, preconceito, podemos vincular à temática, encontrando referências importantes.

Ou seja, mesmo com toda a movimentação para efetivar a retirada destas menções, ainda é possível esgarçar o documento aprovado e considerar, nas referências aos direitos humanos e na ideia generalizada de diversidade – mencionada 189 vezes –, a garantia da abordagem relacionada à promoção do respeito e diversidade, seja ela sexual, de gênero, seja racial.

Silva, Brancaleone e Oliveira (2019, p. 1545) identificaram que três eixos temáticos aparecem na BNCC (III), “a saber: sexualidade em sua dimensão biológica, silenciamento das questões de gênero e superficialidade no tratamento dos direitos humanos”. Vejamos alguns exemplos.

Assumindo o compromisso de promover uma educação integral e o “desenvolvimento humano global”, a BNCC avalia que esta deve ser desenvolvida no âmbito da educação básica, por meio de “uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem”, compostos de diferenças, fruto das experiências que os distinguem. Defende a promoção de

...] uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades. Além disso, a escola, como espaço de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades (BRASIL, 2017, p. 14).

Apesar disso, deixa de considerar quais aspectos compõem as singularidades dos sujeitos envolvidos nos processos educativos, e o intuito de formação integral se esvai ao não ponderar que esses indivíduos estão inscritos em marcadores sociais da diferença (raça/etnia, classe, gênero), distanciando-se de questões sociais que a escola, como local da pluralidade, acolhe.

Em outro excerto, o tema da sexualidade é circunscrito apenas à dimensão biológica, com ênfase na função reprodutiva e nas mudanças biológicas sobre os corpos.

Nos anos finais, são abordados também temas relacionados à reprodução e à sexualidade humana, assuntos de grande interesse e relevância social nessa faixa etária [...]. Pretende-se que os estudantes, ao terminarem o Ensino Fundamental, estejam aptos a compreender a organização e o funcionamento de seu corpo, assim como a interpretar as modificações físicas e emocionais que acompanham a adolescência e a reconhecer o impacto que elas podem ter na autoestima e na segurança de seu próprio corpo. É também fundamental que tenham condições de assumir o protagonismo na escolha de posicionamentos que representem autocuidado com seu corpo e respeito com o corpo do outro, na perspectiva do cuidado integral à saúde física, mental, sexual e reprodutiva (BRASIL, 2017, p. 327).

Ao deixar de problematizar as influências sociais sobre os sexos, reafirma “as características tidas como naturalmente masculinas e femininas e às afirmações biológicas sobre os corpos” (VIANNA, 2018, p. 96) e abandona a perspectiva que compreende as interferências socioculturais nos comportamentos sexuais humanos.

Passa a tratar o tema por um viés medicalizado, ressaltando apenas sua função preventiva de infecções sexualmente transmissíveis (IST), de cuidados à saúde e de referência de qualidade de vida. Despreza, assim, as relações sociais que permeiam tanto a sexualidade, como as relações homoafetivas, as identidades de gênero, os direitos LGBTQIA+, quanto a saúde sexual e reprodutiva.

Outro aspecto assumido nesse documento é a restrição da abordagem sobre sexualidade inserida apenas aos conteúdos da área Ciências da Natureza. Distante da ideia de um tema integrador, que poderia ser um ponto de conexão com outras áreas de conhecimento, esse se limita apenas à subordinação meramente informativa.

No componente de Ciências destinado ao 8° ano do ensino fundamental, é possível verificar essa característica, quando se busca, por meio de temas que cercam a faixa etária da puberdade e adolescência, elucidar práticas preventivas de doenças e gravidez. Apenas em uma habilidade (EF08CI11), encontra-se a proposta que considere as dimensões socioculturais da sexualidade humana.

No componente curricular de Educação Física, há um leque maior de discussões que perpassam a temática. Dentre as dez competências específicas para o conteúdo no ensino fundamental, preconiza-se o debate sobre os padrões estéticos, de saúde e beleza e sobre os preconceitos atribuidos aos praticantes de várias práticas corporais.

Como se observa, essa proposição difere da apresentada no documento da BNCC em sua segunda versão, em que as questões de gênero foram levantadas como aspecto essencial para a desconstrução de preconceitos e atitudes discriminatórias sobre algumas práticas corporais. Com as modificações expressas no texto, as situações específicas de preconceitos e formas de discriminação não são explicitadas, por mais que se reconheça que determinadas atividades são cercadas de alguns estereótipos (poderíamos aqui incluir os de gênero) que necessitam de debate e desconstrução.

Ao longo das habilidades a serem desenvolvidas no ensino fundamental, nas unidades temáticas de dança (3° ao 5° ano), lutas (6° ao 7°) e danças (8° e 9°), o documento valoriza a diferença (sem identificar quais) e combate a situações de preconceito e injustiça, seja cultural, seja de origem. Novamente, o aspecto de gênero e/ou orientação sexual que, antes era abordado, agora desaparece.

A área de ciências humanas, como alertado por inúmeros especialistas em seus pareceres encaminhados ao MEC durante o trâmite de elaboração da BNCC (III), teve perdas nas abordagens de determinadas discussões pertinentes ao campo de conhecimento, como as referentes às relações sociais de gênero. Tal aspecto foi subsumido a discussões generalizadas, atreladas ao debate das diversidades e direitos humanos.

No componente de História, por exemplo, apenas em algumas habilidades dos anos finais do ensino fundamental é possível associar o uso de alguns termos com o tema. Em apenas uma habilidade a ser desenvolvida no 6° ano, propõe-se identificar os papéis sociais atribuídos às mulheres no período histórico a ser estudado no sentido de ressaltar as situações de invisibilidade, marginalidade e subalternização pelas quais elas passaram em diferentes sociedades e momentos históricos.

Em outras duas habilidades destinadas ao 8° e 9° ano, verifica-se um pequeno reconhecimento de sujeitos marginalizados, conferindo certa visibilidade (se compararmos a ausência em inúmeros momentos que poderiam ser abordados) às mulheres, a grupos homossexuais e aos tipos de violências que sofrem.

Apesar disso, a proposta de trabalho pedagógico supõe que a temática seja trabalhada pela ótica de convívio com o diferente, em uma defesa genérica e ampla contra situações de discriminações e violência.

Na contramão dessa dissolução da temática, de acordo com Vianna e Unbehaum (2006, p. 425), “é preciso incluir o gênero, e todas as dimensões responsáveis pela construção das desigualdades, como elementos centrais de um projeto de superação de desigualdades sociais, como objetos fundamentais de mudanças estruturais e sociais”.

A última habilidade do componente de História que pode ser associada ao tratamento de temas sociais tem como objetivo de aprendizagem a apropriação por parte dos alunos da compressão de direitos individuais e coletivos. Sob esse aspecto, espera-se que identifiquem tipos de violações e ações voltadas para a promoção de uma cultura de paz e respeito, que contemplem as pluralidades e consolidem uma formação para a democracia e cidadania.

O documento, como vimos, apresenta como subsídio de práticas pedagógicas de professores no país o trabalho baseado nos preceitos dos direitos humanos; porém, sem abarcar um horizonte mais concreto, “sua utilização genérica poderá resultar em compreensões simplistas sobre o respeito à diversidade” (SILVA; BRANCALEONE; OLIVEIRA, 2019, 1548).

O uso genérico e sem aprofundamento dessa concepção parece ter ocorrido apenas com intuito de substituir termos como o “gênero e orientação sexual”. Diferente de como foi empregado em documentos educacionais anteriores, a dimensão de gênero sobrevinha como uma das expressões dos direitos humanos.

Outra forma identificada que pode ser associada à menção não explicitada sobre as relações de gênero refere-se às esvaziadas discussões sobre as diferenças (sociais), ressaltada apenas por aspetos que remetem a ideia de diversidade, desvinculada das condições políticas, econômicas e socioculturais. Sua abordagem em um documento que orienta práticas pedagógicas “guardará equivalências com a leitura de mundo que o docente possui e, sendo assim, cabe-nos indagar: qual diversidade deverá ser respeitada e em quais contextos sociais?” (SILVA; BRANCALEONE; OLIVEIRA, 2019, p. 1548).

Segundo Alves (2019), a BNCC dos anos iniciais do ensino fundamental trouxe em seu texto três compreensões de diversidade que apresentam características: universalista, celebratória e crítico-discursiva. Essas compreensões, segundo a autora, vinculam-se a estudos teóricos que consideram a diversidade como bandeira de lutas de movimentos que representam grupos sociais atingidos por discriminações e exclusões sociais.

A primeira compreensão apresenta um caráter no qual as diferenças entre os alunos (de gênero, raça/etnia e/ou classe) estão diluídas em uma compreensão universal de diversidade, substanciada por uma noção de igualdade nessas relações. Na compreensão celebratória, a autora argumenta que a base apresenta uma noção de diversidade a partir da ideia do sujeito (coletivo) diverso (em saberes, culturas e identidades) que possui especificidades e diferenças culturais entre si, contudo, são diferenças que podem ser conciliadas através da promoção de atitudes de respeito, aceitação e no acolhimento das diferenças. Na última compreensão de diversidade identificada por Alves (2019), a base assume uma postura crítica quando enfatiza a importância dada as lutas sociais para o reconhecimento e valorização das diversidades através do enfrentamento de situações discriminatórias.

Essas compreensões de diversidade podem ser visualizadas em diferentes momentos no texto destinado aos anos finais do ensino fundamental. Torna-se evidente como a compreensão universalista de diversidade foi assumida para substituir os termos gênero e orientação sexual. Embora não contemple explicitamente a diversidade de gênero e nem tópicos de debates sobre orientação sexual, ou interseccionados com outros marcadores sociais como visto na BNCC (II), encontram-se, no documento final, algumas determinações que orientam o desenvolvimento de componentes curriculares compreendendo aspectos que considerem a dimensão que diz respeito à diversidade e pluralidade cultural.

No componente destinado ao Ensino Religioso no Ensino Fundamental, sugere-se que o diálogo e as pesquisas sejam princípios mediadores e articuladores nos processos de apropriação e desenvolvimento dos saberes, buscando o desenvolvimento de competências que proporcionem ao aluno a “[...] problematizar representações sociais preconceituosas sobre o outro, com o intuito de combater a intolerância, a discriminação e a exclusão” (BRASIL, 2017, p. 436).

Nesse tópico, é possível perceber que o documento contempla as diferenças existentes nas dimensões religiosa, étnica e de origem, e atenta para propostas de trabalhos com intuitos na superação e resolução de situações de discriminações e preconceitos. Contudo, as formas de preconceitos são esvaziadas e generalizadas na expressão “preconceitos de qualquer natureza”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise documental das versões apresentadas da BNCC em conjunto com a contextualização da história brasileira recente nos permitiu evidenciar como a questão de gênero tem sido tratada tendo em vista as disputas e movimentações políticas, em um contexto de confluência conservadora e neoliberal. Nesse conflito, o documento sofreu uma assepsia; os termos foram apagados e subsumidos a alusões gerais.

Mais do que uma supressão de termos e tentativa de silenciamento da temática, essas ações demarcam a não linearidade da presença das questões de gênero nas políticas públicas de educação (SILVA, 2017; VIANNA, 2018). As conquistas obtidas a partir dos anos de 1980, com a redemocratização do país, em especial no período entre 2003 e 2016, nunca tiveram um caráter fixo e estável. Riscar de documentos oficiais termos que são expressão da luta social é, por certo, um desprezo por essas conquistas, um retrocesso. Como mencionamos, isso pode ter desdobramentos em vários âmbitos da política educacional, como no campo da formação docente. Contudo, ainda que haja uma descontinuidade no tratamento das questões de gênero nas políticas educacionais, esse apagamento está longe de fazer desaparecer as lutas sociais e a afirmação de alguns direitos conquistados, inclusive em outros âmbitos do funcionamento do Estado.

O início do novo mandato presidencial de Luis Inácio Lula da Silva em 2023 abre novas possibilidades históricas. Essas políticas podem ser retomadas, esgarçadas, de modo que sua referência genérica aos direitos humanos sirva de argumento não para apagar, mas para reafirmar análises sociais que levem em consideração a consubstancialidade de gênero, classes, raça/etnia. Afinal, se, por um lado, as conquistas que se materializam em normativas nacionais não são fixas; por outro, seus retrocessos também não possuem caráter permanente e não estão isentos de novas disputas.

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Notas

[1] Madsen (2008, p. 28) destaca que, no plano da educação, essa agenda nas políticas públicas em educação e gênero “[...] se caracterizaria por dois tipos amplos de demandas: aquelas por políticas públicas de gênero em educação, e aquelas pela transversalização da perspectiva de gênero nas políticas educacionais e no sistema educacional de modo geral”.
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