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POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: sobre sujeitos via conhecimento
CURRICULUM POLICIES FOR TEACHER EDUCATION: on subjects through knowledge
POLÍTICAS CURRICULARES PARA LA FORMACIÓN DOCENTE: sobre subjetividades a través del conocimiento
Revista Espaço do Currículo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
ISSN: 1983-1579
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 16, núm. 1, 2023
Recepção: 16 Março 2023
Aprovação: 19 Abril 2023
Resumo: Este artigo desenvolve uma reflexão sobre como o nome conhecimento, mesmo sob intensas e distintas críticas no campo do currículo, tende a ser reafirmado como propriedade capaz de constituir subjetividades plenas, um sujeito professor dotado de determinada capacidade de fazer coisas em uma escola/mundo prometido. Problematiza o conhecimento defendido na política como aquilo desconhecido a ser apropriado por aquele que antes não era, para que passe a ser, torne-se o sujeito desejado por uma expectativa de estrutura/controle. Para abordar um cenário possível de afirmações sobre relações entre o conhecimento na formação de professores, lança mão de contribuições da teoria do discurso, de Ernesto Laclau, e do pensamento da desconstrução, de Jacques Derrida. Com estes autores, tomo como principal aporte a ideia de subjetivação para pensar a projeção de subjetividades políticas em que se constituem hegemonias no campo do currículo em suas relações com o campo da formação de professores. Pontua que tal perspectiva tende a negligenciar as produções contextuais que acontecem onde acontecem aqueles sujeitos professores/estudantes que não conhecemos, que fazem o que não sabemos na escola.
Palavras-chave: Políticas de Currículo, Formação de Professores, Conhecimento, BNC-Formação.
Abstract: This article focuses on a reflection on how the name knowledge, even under intense and distinct criticism in the curriculum field, tends to be reaffirmed as a property capable of constituting full subjectivities, a teacher subject endowed with a certain capacity to do things in a promised school/world. It problematizes the knowledge defended in politics as that which is unknown to be appropriated by those who were not before, so that they become, become the subject desired by an expectation of structure/control. In order to address a possible scenario of statements about relations between knowledge in teacher education, it makes use of contributions from Ernesto Laclau's discourse theory, and Jacques Derrida's deconstruction thinking. With these authors, I take as my main contribution the idea of subjectivation to think about the projection of political subjectivities in which hegemonies in the curriculum field are constituted in their relations with the field of teacher education. He points out that such a perspective tends to neglect the contextual productions that take place where those teachers/students we do not know, who do what we do not know at school, happen.
Keywords: Curriculum Policies, Teacher Education, Knowledge, National Curriculum for Teacher Education.
Resumen: Este artículo se centra en una reflexión sobre cómo el nombre saber, aun bajo intensas y distintas críticas en el campo curricular, tiende a reafirmarse como una propiedad capaz de constituir subjetividades plenas, un sujeto docente dotado de cierta capacidad para hacer cosas en un sentido prometido. escuela/mundo. Problematiza el saber defendido en la política como algo desconocido para ser apropiado por alguien que antes no era, para que se convierta en sujeto deseado por una expectativa de estructura/control. Para abordar un posible escenario de enunciados sobre las relaciones entre saberes en la formación docente, se hace uso de aportes de la teoría del discurso de Ernesto Laclau, y del pensamiento deconstructivo de Jacques Derrida. Con estos autores tomo como principal aporte la idea de subjetivación para pensar la proyección de subjetividades políticas en las que se constituyen hegemonías en el campo curricular en sus relaciones con el campo de la formación docente. Señala que tal perspectiva tiende a descuidar las producciones contextuales que tienen lugar donde suceden esos profesores/estudiantes que no conocemos, que hacen lo que no sabemos en la escuela.
Palabras clave: Curriculo, Formación de Docentes, Conocimiento, Curriculo Nacional para Formación de Docentes.
1 INTRODUÇÃO
Neste artigo[1][2] priorizo uma reflexão sobre como o nome conhecimento, mesmo sob intensas e distintas críticas no campo do currículo, tende a ser reafirmado como propriedade capaz de constituir subjetividades plenas, um sujeito professor dotado de determinada capacidade de fazer coisas em uma escola/mundo prometido. Nesse cenário, já aciono a provocação de que dado conhecimento seria concebido como algo desconhecido a ser apropriado por aquele que antes não era, para que passe a ser, torne-se o sujeito desejado por uma expectativa de estrutura/controle (de educação, de escola, de forma de significar conhecimento, sujeito). Pontuo que tal perspectiva tende a negligenciar as produções contextuais que acontecem onde acontecem aqueles sujeitos professores/estudantes que não conhecemos, que fazem o que não sabemos na escola (BIESTA, 2013).
Para abordar um cenário possível de afirmações sobre relações entre o conhecimento na formação de professores, lanço mão de contribuições da teoria do discurso (TD), de Ernesto Laclau, e do pensamento da desconstrução, de Jacques Derrida. Com estes autores, tomo como principal aporte a ideia de subjetivação para pensar a projeção de subjetividades políticas em que se constituem hegemonias no campo do currículo, como é o caso do nome conhecimento em suas relações, no caso deste artigo, com a formação de professores. Considero, com Laclau (2011) e Derrida (2001), que a política é uma produção discursiva dinamizada como um texto geral contínuo, mobilizado por processos contingentes de tradução, adulteração e impossibilidade de controle. Com esta concepção assinalo a compreensão de que não é possível tratar de uma totalidade política ou acessar sua verdade final. Restam oportunidades que, como apreensões instantâneas, possibilitam uma inscrição precária sobre momentos específicos da política curricular.
Entre tais oportunidades, primeiramente, chamo a atenção para sentidos de conhecimento defendidos na RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2019, que define as DCN para a formação inicial de professores da Educação Básica, e que tem respondido pela alcunha de BNC-Formação. Pontualmente, destaco uma expectativa de alterar a formação de professores reduzindo-a à implementação da BNCC. Considero-a também como emblemática de marcadores interessantes aos estudos curriculares e sobre tais estudos. Em seguida, busco relacionar sentidos de conhecimento circulantes na BNC-Formação a perspectivas recorrentes de conhecimento defendidas no campo do currículo, que, pondero, tendem a favorecer ideias como a de uma base nacional para a Educação Básica, para a Formação de Professores. Faço isso também a partir de contribuições pós-estruturais dos estudos curriculares de Lopes e Macedo.
2 PENSAR A POLÍTICA
Assim como discutido em Costa e Lopes (2022), considero uma alternativa potente pensar o currículo como uma subjetivação política, ou seja, um sujeito político contingente e precário que acontece, sempre contextualmente, em resposta a um questionamento. Esta interpretação é encaminhada por intermédio de contribuições de estudos pós-estruturais, principalmente dos aportes da teoria do discurso, de Ernesto Laclau, e do pensamento da desconstrução, de Jacques Derrida. Aproprio de tais autores ideias como subjetivação, alteridade, hegemonia, articulação e tradução, para pensar dinâmicas envolvidas na produção da política curricular. Com Derrida (2006), penso a subjetivação como um acontecimento em resposta à alteridade. Para o filósofo, tal resposta/acontecimento seria produzida no terreno da linguagem que, caracterizada como opaca, inviabilizaria qualquer senso de certeza, plenitude, todo saber ou mesmo precisão sobre o que se interpreta. Com isso, conduz à possibilidade de pensarmos uma subjetivação marcada pelo não-saber, pela constante suposição de interagir com aquilo que lhe impele a responder, como aquilo ao que não pode se furtar ao questionamento. A resposta, momento da precipitação de uma tal subjetivação/sujeito provisório, marca uma forma de ser contingente, em uma tentativa de controlar a temporalidade e o espaçamento, saturar o contexto, o que é sempre impossível, haja vista não haver todo saber sobre o que quer que seja, restando a interpretação em um cenário nebuloso.
Dadas essas condições contextuais, a subjetivação é sempre provocada por uma alteridade que Derrida (2006) chama de uma toda outra alteridade que é toda outra. A projeção feita pelo filósofo sinaliza para uma forma inacessível de alteridade, afastando a hipótese de um conhecimento sobre o outro a que se refere. Em caráter alegórico, Derrida acena para uma situação espectral, constituinte de dado cenário, que seria mobilizada por um efeito de viseira. Sobre isso o filósofo pondera que “o efeito de viseira diz respeito ao fato de que o fantasma vê sem ser visto, por usar uma viseira. Tentei, a partir daí, pensar o que é uma situação em que a gente é olhado sem poder olhar, uma situação espectral.” (DERRIDA, 1994, p.03).
Essa manifestação outra, provoca, como quem sonda coração e mente, à resposta por meio de uma forma de questionamento que é também insondável, indecifrável de vez por todas. Por esta via, o que leva à resposta, portanto, não é uma sensação de segurança ou precisão sobre o questionamento, sobre o devir, mas a emergência de um questionamento que não se sabe de fato, mas que requer uma resposta sempre. A resposta, segundo Derrida, seria produzida em um momento que impele à decisão. A decisão, pensada por Derrida à moda kierkegaardiana, consistiria, então, no momento da loucura, especificamente por ser aquele instante em que isto que diz eu se vê em uma condição de decisão sobre o que não se sabe, incauto aos desdobramentos futuros, aos quais também (sempre) terá que responder indefinidamente. O momento da decisão, em terreno indecidível (DERRIDA, 2001), pauta um contínuo vir a ser sujeito marcado pelo temor e tremor da identidade (DERRIDA, 2006), que quer aplacar o suspense, a incerteza, a ansiedade sobre o que não sabe e que o cerca incontrolavelmente. Torna-se sujeito ao responder sem tudo/todo saber sobre aquilo com que lida.
Decidir/acontecer/tornar a ser sujeito, em um aqui e agora na política, é interagir, tentando antever as jogadas de uma alteridade que, por não se mostrar e tudo sondar, pode ser pensada como trapaceira (por sempre jogar para além de supostas regras de um jogo) e furtiva, como assinala Laclau (1990). A decisão por responder, que sinaliza à precipitação subjetiva, marcaria, em uma aproximação possível do pensamento de Derrida e de Laclau, um momento de hegemonia, de tentativa de controle/universalização do significado de tudo o que não se sabe, uma busca por controlar o incontrolável da interpretação dos questionamentos, dos desafios, das expectativas. Sempre em resposta a um questionamento impreciso, o sujeito político/hegemonia, também impreciso (precário, contingente), busca, em sua expectativa de (própria) constituição, reunir coisas (argumentos, elementos, diferentes manifestações) entendidas como capazes de estofar uma resposta plena ao questionamento suposto.
Compreendo que, estrategicamente pensando em tais buscas por respostas, por combater o que é interpretado como questionamento ou problema a ser superado na política, Laclau (2011) assinala a articulação de diferenças na produção de uma hegemonia/equivalência/subjetivação política como caracterização da possibilidade de ser e perder-se na política. Isto adviria da concepção do autor de que que na própria afirmação de algo já é desdobrada sua traição. Esta dinâmica diferencial seria, para Laclau (2011), uma constante, que, de forma elusiva, encontraria momentos de sensação de coalizão, de simetria. Esse seria um momento em que a resposta/precipitação/decisão sintomatizaria àquilo contra o que se constitui, seu exterior. As diferenças podem ser pensadas como demandas insatisfeitas que se articulariam em torno de um nome (significante) interpretado contextualmente como caminho para satisfação ou superação de suas dificuldades. O momento de solidariedade, em que tais demandas se constituem em uma sensação de equivalência, pode ser pensado como ocasião da hegemonização/universalização de um nome interpretado como capaz de representar as diferenças envolvidas na subjetivação política. Para o que busco pensar neste artigo, o significante conhecimento se constitui em um nome hegemonizado provisoriamente no qual diferentes demandas estão articuladas buscando combater o que interpretam como problema a ser sanado. De modo mais detido, o nome conhecimento, como uma resposta produzida ao que se tem por questionamento no campo das políticas de currículo para a formação de professores, sintomatizaria uma subjetivação política/resposta/articulação política/equivalência, momento em que, como uma apreensão provisória, seria possível compreender parte dos termos projetados na política. Isto não é dizer que este momento de resposta seria um cerne das políticas para a formação de professores, mas seria parte constitutiva, um momento interpretativo possível, de um tal cenário de disputas.
Nesta perspectiva, uma inscrição possível para a compreensão sobre os termos hegemonizados em dado contexto político seria a atenção à(s) resposta(s) constituída(s) em função dos questionamentos (bloqueios, ameaças, temores, apreensões, limites) supostos como a serem aplacados ou combatidos. É com este enfoque que busco ler a política curricular e nela as produções em torno do conhecimento como resposta (COSTA; LOPES, 2022) ao que é interpretado como questionamento ao currículo. Especificamente, no momento político em que priorizo como recorte para este texto, focalizo como tal resposta, entre tantas outras, projeta leituras, investimentos e atravessamentos na relação com a ideia de formação de professores. Tomo como possibilidade de interação com parte deste cenário político a abordagem à Resolução CNE/CP Nº 2, de 20 de dezembro de 2019, considerando o modo como o nome conhecimento tende a ser tensionado.
3 BNC-FORMAÇÃO E CONHECIMENTO
Mesmo considerando estar no horizonte a revogação da Resolução CNE/CP Nº 2, de 20 de dezembro de 2019, como momento emblemático, considero interessante a abordagem a este momento de projeção no campo das políticas de currículo para a formação de professores como potente meio de interpretação de diferentes demandas envolvidas. A BNC-Formação (BRASIL, 2019) tem sido afirmada como uma das frentes pela implementação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018). Nesse sentido, projeta a perspectiva de que o professor em formação deve desenvolver as competências gerais da BNCC e as aprendizagens ditas essenciais a serem garantidas aos estudantes. Saliento, neste movimento, que o professor é pensado como devendo ser constituído como o padrão de sujeito esperado pela BNCC da Educação Básica, devendo carregar seu teor e horizonte em seu processo formativo para que possa bem formar estudantes em consonância com a BNCC. Por esta via, o sujeito a ser produzido pela BNCC da Educação Básica deve ser ensinado por um sujeito/professor plenamente constituído pela e para a BNCC. O professor, nesse caso, pode ser suposto como devendo ser um tipo pleno de estudante da Educação Básica, acrescentado de orientações (competências gerais docentes), para que ensine o estudante a espelhá-lo, em um movimento de transmissão de conhecimentos (animados por competências gerais, competências específicas e habilidades) ao estudante.
Como pontuado na proposta, a BNC-Formação (BRASIL, 2019) visa constituir um condicionamento do professor à função de implementador da BNCC, sendo esta condição prometida por meio da aquisição de competências referidas a três dimensões fundamentais, que estariam conectadas a uma ideia de conhecimento, à prática e ao engajamento profissional. Focalizo, aqui, a ideia de conhecimento e de prática em suas relações com o conhecimento a ser praticado e que visam sustentar a projeção de um sujeito professor capaz de realizar a implementação de uma forma de educação por meio de uma propriedade de conhecimento suposta como controlável e desejável para diferentes contextos.
Nessa direção, na perspectiva da proposta, o conhecimento profissional a imbuir o suposto professor compreenderia: o domínio de objetos de conhecimento; o domínio de formas de (saber) como ensinar tais objetos; demonstrar conhecimento sobre os estudantes e sua aprendizagem; e reconhecer previamente contextos de vida de estudantes. Tais perspectivas acenam para uma suposição de que o conhecimento seria algo estável, que poderia ser dominado contextualmente em um processo de transmissão aos estudantes que, por sua vez, também são lidos como sujeitos cujos contextos de vida, com seus significados, poderiam ser antecipados desde a formação de professores. Assim, a hipótese da proposta seria a de que, ao longo de um processo formativo, os professores já aprenderiam a controlar formas de conhecer e contextos de vida de estudantes a eles prometidos. Isto possibilita inferir que os professores estariam sendo formados para negar o chão da escola como momento de produção de formas de conhecer, de identificações, de leituras de mundo e vivências contextuais que não podem ser antecipadas (MACEDO, 2015). Argumento nesse sentido, pois sob a suposição de que é possível antever contextos futuros e formas de conhecer também imprevistos/imprevisíveis, a BNC-Formação orienta à negligência daquilo que acontece no contexto da escola, das diferentes formas de conhecer e vivenciar, dos propósitos que são produzidos em uma formação inantecipável de professores, como salienta (BIESTA, 2023).
Com essa tentativa de controle/significação a priori do que é a escola, do que é ser professor, do que é conhecer e dos significados das vivências dos estudantes, na perspectiva da BNC-Formação, todos os estudantes são plasmados num tipo padrão a ser esperado pelo professor em formação, toda forma de conhecer tende a ser condicionada a um padrão desde antes da experiência escolar. Pondero que essa perspectiva aponta para um horizonte em que o sujeito a ser formado como professor é formado para esperar pela BNC-Formação e não por aquilo desconhecido que caracteriza as diferenças e que marcam os contextos imprevistos das escolas, em que professores e estudante negociam sentidos diferenciais sobre tudo o que acontece contextualmente (BIESTA, 2013).
Ainda sob esta lógica, as competências projetadas como instrução para a prática profissional compreenderiam o planejamento das ações de ensino que resultem em efetivas aprendizagens, a criação e a gestão dos ambientes de aprendizagem, a avaliação do desenvolvimento do educando, a aprendizagem e o ensino; e a condução das práticas pedagógicas dos objetos do conhecimento, as competências e as habilidades. O conhecimento é, novamente, remetido àquilo estável que o docente deve apropriar da BNCC para saber o que e como ensinar em contextos cuja significação e teor são antecipados à formação. Dessa forma, uma vez considerado o conhecimento como um dado no mundo, para que os estudantes aprendessem restaria o desenvolvimento de formas precisas e adequadas de gestão do ambiente de sala de aula, de metodologias hábeis em assegurar o aprendizado. Igualmente, destaca-se, tal como ponderado pela tradição tyleriana (LOPES; MACEDO, 2011), a avaliação pensada como forma de assegurar/aferir a implementação da proposta curricular, o trabalho do professor e o desenvolvimento do educando. Reitero, nesse sentido, uma afirmação de currículo como controle, meio de combater o que não é o padrão sugerido pela própria proposta, como ao operar com uma ideia padronizada de desenvolvimento do aprendizado, de trabalho docente e do sujeito a ser formado por este professor.
A esse respeito, entre supostos fundamentos do processo formativo, é defendida uma base de conhecimentos científicos e sociais e a associação entre teorias e práticas pedagógicas, acenando, assim, para um binarismo entre um conhecimento como propriedade (por exemplo, dado conhecimento científico estável a ser apropriado) e um conhecimento social/contextual/sobre a escola e os sujeitos, sobre a vida, a serem integrados na produção do sujeito professor. São defendidos, assim, conhecimentos a serem apropriados para que o sujeito possa performar a implementação da BNCC nos desconhecidos contextos em que se inserir. Saliento, com tais termos, que aquilo que a BNC-Formação projeta como pretensão de professor sequer é resolvido por ela, sendo atribuído a esse sujeito virtual a realização de uma implementação do que não se encontra como currículo, conhecimento, produção.
Destaco, nesse sentido, a defesa da proposta de que todos os componentes curriculares ao longo da licenciatura devem assegurar a associação do conhecimento a ser ministrado com a prática porvir. O conhecimento do professor é afirmado como propriedade a ser transmitida aos alunos ao mesmo tempo em que é proposto como aquilo que o professor deve dominar para saber garantir a aprendizagem dos estudantes, para controlar e gerir processos educativos no contexto escolar. Igualmente, mesmo em um cenário em que o professor é definido como implementador da BNCC, é afirmada a importância de que tais conhecimentos oportunizem a valorização da diversidade, o conhecimento de uma escola ainda não vivida, a dimensão de uma prática ainda não praticada, a democracia e a pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas.
Quando destaco tais sentidos na referida proposta, considerando-a como parte da política, viso conectá-la a uma lógica mais ampla que pode ser lida como recorrente no campo dos estudos curriculares, qual seja a de que o conhecimento tende a ser afirmado como meio pelo qual é possível controlar a produção/significação de sujeitos (estudantes, professores, cidadãos etc) e de contextos, como desenvolvido em Costa e Lopes (2018). A partir desta conexão possível, passo a chamar a atenção, na próxima seção, para momentos do pensamento (político) curricular em que é possível destacar diferentes sentidos de controle sobre o professor, o que pode ser conhecimento e o contexto da escola.
4 CONHECIMENTO/CURRÍCULO
O conhecimento, assim como o currículo, é ressignificado no que chamamos de pensamento curricular em função dos contextos e das finalidades sociais projetadas. Lopes e Macedo (2011) apontam o quanto é recorrente no âmbito do pensamento curricular brasileiro, entre diferentes leituras, o questionamento sobre os conhecimentos que importam ao currículo. Com inspiração em Derrida (2011), interesso-me por recuperar aqui a ideia de uma perspectiva de substituição de estruturações do currículo e, consequentemente, da função estruturante que o conhecimento tende a assumir para determinado sujeito operante/projetado em dado contexto (COSTA; LOPES, 2018; 2022).
Apoiado em Lopes e Macedo (2011), é possível interpretar que, em momentos específicos, diferentes leituras curriculares reuniram-se em torno de uma visão de conhecimento científico que serviria de base para a construção de sujeitos para a atuação em determinado projeto de sociedade. As concepções críticas a tais visões tendem a conduzir, em linhas gerais, a outras duas linhas interpretativas: as crítico-reprodutivistas e as de emancipação e resistência, que, apesar das distinções, defendem perspectivas de conhecer capazes de conscientizar/produzir sujeitos para uma leitura social crítica, para o reconhecimento de si na estrutura social de classes e com sua consequente capacidade de atuação visando à transformação social e o envolvimento com propósitos contra-hegemônicos. Assim, teríamos uma emancipação que uma estrutura curricular via conhecimento, por exemplo, poderia propor como finalidade para o currículo.
Conhecimentos baseados na ciência, crítica à seleção do conhecimento imposto e de caráter reprodutivista, formas emancipatórias de conceber o conhecimento, mas ainda assim uma propriedade de conhecimento suposta como dada. Não à toa, mas com o objetivo de dinamizar uma função curricular que instaria à formação, preparação, construção de um sujeito; para uma determinada interpretação de mundo que possivelmente não se sabe, mas que se precisa saber, saber criticar; para que seja o sujeito/professor/cidadão, tenha consciência, possa tomar atitudes, possa e saiba produzir, gerir, subverter. Essas são leituras que circulam frequentemente entre amplas agendas no campo, como afirmações ou assunções no e para o currículo, que marcam, ainda que constituindo uma nebulosidade quanto à definição última do que é o conhecimento, a recorrência a uma suposta propriedade. Reitero a impossibilidade última de fixação de sentidos sobre conhecimento ao tempo em que aponto para uma hegemonia da defesa deste nome no campo, como promessa curricular para um certo sujeito em certo contexto.
Como desenvolvido em Costa e Lopes (2022), destaco que, em movimento marcado por abordagem à experiência escolar em enfoque microcósmico, os estudos de resistência e emancipação incorporam aportes marxistas, weberianos, fenomenológicos, hermenêuticos e de diferentes conjugações entre essas lentes teóricas. Esse conjunto de trabalhos, segundo Lopes e Macedo (2011) e Pinar (2008), consolidou-se como frente crítica às teorizações de cunho eficientista, instrumentalista e comportamentalista, mas também às visões crítico-reprodutivistas, apontando nestas últimas o reforço que tendem a constituir à reprodução ao não atentar às práticas escolares de professores e alunos como resistência, como produções para além das diretividades (Pinar et al., 2008; Lopes e Macedo, 2011).
De modo geral, o pensamento de resistência defende perspectivas centradas na escola e nas experiências locais, por vezes buscando conectá-las a contextos sociais mais amplos; por outras, buscando uma contradiretividade (ou contra-hegemonia) com vistas à afirmação de uma potência cotidiana. Nesse sentido, tende a projetar o sujeito como ativo na produção de conhecimento via empoderamento de suas leituras de mundo, mediante uma incorporação crítica do mundo através da aquisição ou construção de conhecimentos produzidos pelas ou nas redes de solidariedade/experiências locais em que estão inseridos. Dessa forma, ainda que os sujeitos estejam submetidos a uma macroestrutura, poderiam operar de forma emancipatória e subversiva, pela relação com um conhecimento potente para a transformação da consciência sobre o mundo que o cerca, sobre os termos que dinamizam o mundo. É pela construção autônoma e reflexiva que o sujeito emancipado se constitui, na construção de um conhecimento de si no mundo em que se vê inserido (COSTA; LOPES, 2022).
Ellsworth (1989) pontua que, apesar das distintas e multifacetadas contribuições macro e microcósmicas, resiste uma dinâmica de reincidência/reiteração na manutenção da estrutura que alimenta o objeto de crítica, que seria o autoritarismo, a razão de um conhecimento e a perspectiva de dominação. Por isso, a autora assinala que as metas propostas pelas manifestações críticas são irrealizáveis, especificamente por sustentarem aquilo que criticam. Apoiado também nos argumentos da autora, pontuo ser esta projeção de dado conhecimento, lido como propriedade capaz de resolver/controlar o sujeito, o que, em um amplo texto da política curricular (aqui compreendendo as propostas de políticas públicas e a pesquisa em currículo), tende a ser reiterado, influenciando, assim, políticas como a da BNCC e, por conseguinte, da BNC-Formação. Refiro-me a questões como a do empoderamento, de atitudes e conhecimentos críticos, como destacam Pinar et al. (2008), que estão sempre afastadas da experiência de sujeitos porvir, justamente por remeterem a um padrão/tipo a ser alcançado que é assimétrico em relação ao que acontece na escola. Isto tende fomentar a disputa pela substituição de um padrão por outro indefinidamente (como em uma perseguição ao suposto alcançável, que é inalcançável). Considero que tal dinâmica de estruturação também tende a limitar a crítica a ideias como a de que padrões são necessários (COSTA; LOPES, 2022).
Dessa maneira, em diálogo com Ellsworth (1989) saliento a perspectiva de uma autoridade emancipatória ou formativa (pensando na formação de professores), como uma perspectiva autoritária de que diferentes sentidos críticos se utilizariam para, de forma diversa, impor projeções às escolas e aos sujeitos. Argumento ser esta lógica da disputa pela melhor forma de conhecer, para bem formar o sujeito pretendido (professor/estudante), recorrente no campo do currículo, possibilitando, assim, a sustentação de ideias como a de base nacional. Concordo com Ellsworth quando salienta a importância de criticarmos os limites de diferentes abordagens em suas defesas a um conhecimento prioritário, pois sempre negociamos o risco de instalarmos, na afirmação de um padrão ou outro de conhecimento, nova parametrização sobre o que “pode” ser cogitado, praticado, vivido na relação com o nome conhecimento. Considero importante, também, a inscrição crítica no conflito de diferentes frentes defensoras de formas de conhecer capazes de tornar o sujeito e o contexto. Pondero isso ao ter em conta que distintos pressupostos estruturantes ao sujeito, à sociedade e ao conhecimento, tendem a desenhar um curso contínuo de substituição de versões do mundo a serem apropriadas pelo sujeito porvir.
Não basta criticar, portanto, uma forma fixa de conhecer com a proposição de outra fixação, produzida em um contexto de conscientização/resistência dos sujeitos. Com isso, temos a reiteração de formas estruturais de conhecer para ser sujeito no mundo, alimentando processos excludentes e, portanto, circunscrições que tendem a negar uma emancipação radical do professor que, com Borges e Lopes (2015), penso acontecer em resposta aos desafios que se constituem nos contextos em que se insere.
5 PROFESSORES/CURRÍCULO/DISCURSO
Com Dias (2021, p. 5), e também em concordância com Lopes (2015, p. 125), pondero que “toda normatividade é contingente, submetida à negociação […]”, portanto é frustrada a concretização de um controle sobre o outro. A política curricular “é construída e não dada” (FRANGELLA; DIAS, 2018, p. 10). Estes argumentos servem, ao mesmo tempo: 1. para apoiar a crítica às expectativas de controle que são mobilizadas em propostas de políticas públicas de currículo, que também encontram ressonância em propostas de políticas de currículo circulantes em diferentes estudos curriculares, com agendas voltadas a distintos horizontes, mas que repousam sobre o senso do currículo como controle dos sujeitos e de contextos; e 2. como afirmação de que se a projeção controladora de propostas como a da BNC-Formação deve ser criticada em seus anseios, há que se reiterar a impossibilidade de que possa saturar contextos desconhecidos, em que professores outros e estudantes outros se constituem e fazem acontecer aquilo incontrolável e imponderável que caracteriza o chão das escolas. Isso é dizer que, para além dos constrangimentos que uma política pública possa criar, não é razoável supor que possam controlar formas de acontecer e ser onde não se sabe, para além de antecipações e suposições.
Por este motivo, também, o investimento em uma abordagem discursivista como a da TD de Laclau (2011), por oportunizar a potencialização da afirmação de que qualquer que seja o nome (conhecimento, qualidade, estudante, professor, futuro) ou termo da política só poderá sobreviver se ressignificado em contextos diferentes. Argumento via TD que, por mais que professores, instituições de ensino, tentem ou não seguir o que é preconizado na BNCC, não é possível assegurar qualquer controle da significação, porque nos distintos contextos em que for lida tornar-se-á outra coisa, sempre traindo pensamentos, tentativas transcendentais de intenções que já não podem ser estar (DERRIDA, 1991; 2005).
Nesse sentido, Frangella e Dias (2018, p.9) pensam que a TD
permite-nos entender a precariedade das decisões curriculares no sentido de que essas não podem advogar para si a condição de fixação absoluta sob pena de estagnar o processo político que as constitui, ao contrário, as estabilizações de sentidos para o que é currículo são sempre contingentes e fruto de articulações entre diferenças num momento de alinhamento equivalencial, mas não representam igualdade, homogeneidade ou um fundamento comum, ou seja, não há um universal que atinja plenitude.
Para as autoras, focalizando o campo da formação de professores em sua relação com a ampla política da BNCC, refletem sobre sentidos de formação de professores, tendo em vista as versões da BNCC. Discutem ideias hegemonizadas a partir da abordagem à maneira como a formação docente é interpretada no documento, e criticam o discurso que intenciona comprometer o professor pelos resultados dos estudantes. Além disso, as autoras põem em questão as noções de currículo, procurando descentralizar as ideias de docência que, por sua vez,
assim como o currículo, também se dá como fechamento provisório, uma vez que se articula e manifesta em arranjos contingenciais no terreno da cultura, como decisões pedagógicas-curriculares sem fundamento último, mas que como práticas político-discursivas, se dão no embate de forças políticas, negociações e articulações de diferentes demandas em torno da significação, o que é impossível se dar de forma preditiva. (FRANGELLA; DIAS, 2018, p. 9).
Baseadas em Laclau, apoiam a concepção de heterogeneidade no magistério e nas escolas brasileiras, defendendo que “os sentidos de docência devem ser problematizados” (FRANGELLA; DIAS, 2018, p.14). Sendo assim, há necessidade de negociar sentidos, tomá-los como complexos, provisórios, contingentes e questionar o fundamento único. Em outro estudo sobre a formação de professores, Dias (2021, p. 12) aborda a expectativa de BNC-Formação e pontua que a política de formação em voga recupera o discurso instrumental do ensino ao constituir proposta de currículo orientado por competências e, nesse sentido, aponta para as avaliações do desempenho docente como reiteração do discurso instrumental. Ao fazer referência às competências da BNC-Formação, que devem ser produzidas pelos professores, a autora pontua que esse modelo tende à defesa de que a profissão docente deve ser caracterizada pela padronização. Além disso, destaca que o discurso dessa política é de que algo precisa ser regulado para que se possa alcançar a “tão almejada qualidade de educação” (DIAS, 2021, P. 16).
Como desenvolvido em Cunha e Costa (2021), que abordam a BNC-Formação focalizando a proposta por meio de ideias como “democracia”, “normatividade”, “desconstrução” e “justiça”, importa assinalar que a normatividade curricular presente na proposta em suas relações com a BNCC da Educação Básica constitui dispositivos de regulação da docência que limitam o entendimento do que seja educar, subtraindo a autonomia de professores, escolas e cursos universitários de formação de professores. Um desses dispositivos de regulação da docência é a ênfase de que todos os professores das escolas brasileiras vão dominar a linguagem instrumental. Concordo também com Frangella e Dias (2018, p. 12) quando argumentam que os discursos da BNCC atribuem “ao professor a responsabilidade pelo sucesso das reformas curriculares, responsabilizando-o pelo compromisso na sua concretização e êxito”. O professor, nesse cenário, significado como um técnico-implementador da BNCC, é suposto como incompetente e incapaz de produzir aquilo que, segundo a lógica da proposta, lhe caracteriza no campo da educação. Uma vez interpretado como não produtor de uma educação voltada para a competência, sua atuação tem sido repreensível, justificando o estabelecimento de novas normas. Tal concepção, assim como discutido por Santos, Borges e Lopes (2019), tende a constituir sentidos horríficos quanto à leitura da Educação Básica e suas finalidades e, ainda, sentidos beatíficos, no que toca à projeção de uma subjetividade docente que precisa ser ver excluída e com a alternativa de concordar com a BNCC para deixar uma condição de farsa profissional.
Com Santos, Borges e Lopes (2019), também interessa pensar que a promessa inscrita na política curricular está envolvida em uma lógica de plenitude, que opera com a expectativa de que os projetos dados a priori são os mais racionais, lógicos e seguros, pois revestidos de sensos de previsibilidade e antecipação do que é o mundo, o conhecimento, o sujeito e o contexto em que tudo deve acontecer. Para as autoras, tais projetos interagem com um caráter beatífico, benfazejo, que marcaria as intenções da formação de sujeitos críticos, conscientes e cidadãos. Salientam, ainda, que a lógica de plenitude, com sua moção beatífica, também dinamiza um caráter horrífico, que projeta o risco, a repreensão daquilo que deve ser evitado, bloqueado como ameaça. O papel do horrífico, segundo as autoras, seria o de agitar o senso de crise atual, apontando para ameaças como
a possibilidade de a escola, por meio do ensino, formar um sujeito capaz de modificar a realidade social presente, mas também se conformar a ela (sua estrutura econômica, ideológica). Ao reiterar uma designação horrífica para sua ausência/seu fracasso no ambiente escolar, significa a aprendizagem, sua ausência como algo catastrófico, capaz de, inclusive, comprometer a existência humana. Ainda nesse entendimento, esse discurso horrífico, pautado em uma dimensão mítica (Laclau, 2006), necessita de uma estrutura que se configura como promessa de salvação para o estudante, para a escola e, por conseguinte, em uma relação determinista e sem mediações, para o social. Em face do discurso horrífico, emergem promessas de salvação. Por isso, tanto o horror quanto a salvação são elementos antagônicos, polarizados, mas que estão conectados por uma mesma lógica. O caráter salvífico e beatífico que a aprendizagem encarna a centraliza como meio, instrumento para a formação de um humano pacífico, crítico e cidadão. É suposto que, sem isso, apenas o horror prevaleceria.
Tal como discutido anteriormente, ideias beatíficas, salvacionistas e horríficas encontram-se em diferentes contextos, circulam no amplo texto da política: na esteira de ideias de políticas públicas de currículo; entre estudos curriculares e nas diferentes formas aqui não abordadas de pensar o outro; na relação com o que é estranho e que não podemos conhecer/controlar de vez por todas. Nessa direção, para além da BNC-Formação, as manifestações mais frequentes, e que importa que também critiquemos, são aquelas comprometidas com a substituição de uma estrutura de controle por outra. Construir uma perspectiva de interdição ou constrangimento a propostas baseadas no controle pode ser um investimento interessante a fazermos no campo dos estudos curriculares em suas relações (também) com a formação de professores.
Defendo isto mesmo em um cenário em que, com a reeleição de Luis Inácio Lula da Silva, agendas progressistas tendam a ser fortalecidas e o diálogo democrático seja retomado com diferentes segmentos sociais envolvidos com o campo da educação. Especificamente, chamo a atenção para movimentos em defesa da revogação de diferentes políticas como a da BNC-Formação e da BNCC para a Educação Básica. Saliento manifestações recentes, como a da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)[3], do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE)[4] e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped)[5], considerando-as como emblemáticas de oportunidades de intervenção na formulação de políticas públicas de currículo e como momentos políticos em que são articulados diferentes sentidos de educação. Entendo ser importante estarmos atentos aos termos que passam a ganhar força em uma atualidade da política, de modo a defendermos, como pudermos, formas mais plurais de pensar/produzir políticas públicas de currículo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considero importante a inscrição em momentos políticos em que disputamos o significado do que é formar professores, como se faz ao também escrever um artigo. Na interpretação que busquei motivar aqui, argumento ser possível ler uma tendência de tentativa de reprise de dinâmicas de afirmação de um conhecimento, em suas tensões com os estudos curriculares, na produção de políticas públicas de currículo, o que pode nos levar a questionar, na relação com o nome conhecimento: 1. Se, no combate à BNCC/BNC-Formação, temos sustentado, ainda que negativamente, a defesa de movimentos pretensamente totalizantes como o de uma (outra) Base, o que poderia projetar a ideia de que uma base é desejável, embora criticável (ou vice-versa); e 2. se ao defendermos formas prioritárias de conhecimento ao professor, não estaríamos atacando aquilo que visamos defender, aquelas/aqueles que chamamos de professor.
Tenho a pretensão de que possamos, mais uma vez, defender um investimento radical em processos interpretativos sobre os quais não se tem pleno controle e que se apresentam como possibilidade de uma crítica também radical à reificação do conhecimento no campo do currículo, buscando pensar seus desdobramentos na formação de professores. Tal investimento tende a potencializar a concepção de que professores se constituem em negociação constante com a pluralidade contextual com que lidam cotidianamente, identificando-se sempre de forma autoral por meio de suas decisões em imprevisíveis processos formativos, sempre em resposta àquilo que lhes questiona onde não estamos ou sabemos.
REFERÊNCIAS
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Notas