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A BNCC E O CURRÍCULO BASE DO TERRITÓRIO CATARINENSE: desafios para um currículo da educação infantil
THE BNCC AND THE BASE CURRICULUM OF THE CATARINIAN TERRITORY: challenges for a curriculum of early childhood education
EL BNCC Y EL CURRÍCULO BÁSICO DEL TERRITORIO CATARÍO: retos para un currículo de educación infantil
Revista Espaço do Currículo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
ISSN: 1983-1579
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 16, núm. 1, 2023
Recepção: 23 Janeiro 2023
Aprovação: 18 Fevereiro 2023
Resumo: Esse artigo, inscrito no campo das políticas educacionais, aborda, sobretudo, questões voltadas para a implementação e adesão à Base Nacional Comum Curricular (BNCC/2017) e ao Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território Catarinense (CBTC/2019), apontando a entrada do neoliberalismo nas políticas educacionais como destituinte de um currículo específico para a educação infantil. Fundamentalmente, discutimos o contexto de implementação da BNCC/2017 e do CBTC/2019 das redes municipais de ensino da região metropolitana de Florianópolis que atendem a educação infantil, buscando identificar quais os municípios realizaram a elaboração de novas propostas curriculares, de forma a esboçar as especificidades adotadas por cada um dos nove municípios abordados. Porém, foram analisados os seis municípios que elaboraram suas novas propostas, observando, os dados documentais disponíveis em meio público digital – websites das referidas redes. Essa discussão a respeito da construção curricular significa, no limite, que as dinâmicas de políticas públicas educacionais deveriam se concentrar menos na automatização do sujeito, evitando que o neoliberalismo e práticas privatistas tornem-os alienados e voltados apenas ao mercado de trabalho.
Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular, Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território Catarinense, Propostas Curriculares.
Abstract: This article, inscribed in the field of educational policies, addresses, above all, issues focused on the implementation and adherence to the National Common Curricular Base (BNCC/2017) and the Base Curriculum for Early Childhood Education and Primary Education of the Territory of Santa Catarina (CBTC/2019), pointing the entry of neoliberalism in educational policies as destitute of a specific curriculum for early childhood education. Fundamentally, we discussed the context of implementation of BNCC/2017 and CBTC/2019 of municipal education networks of the metropolitan region of Florianópolis that serve early childhood education, seeking to identify which counties carried out the development of new curriculum proposals, in order to outline the specificities adopted by each of the nine counties addressed. However, the six counties that have developed their new proposals were analyzed, observing the documentary data available in public digital media - websites of these networks. This discussion about the curriculum construction means, at the limit, that the dynamics of educational public policies should focus less on the automation of the subject, preventing neoliberalism and privatist practices from making them alienated and focused only on the labor market.
Keywords: National Common Curricular Base, Base Curricullum for Early Childhood Education and Elementary School in Santa Catarina State, Curricular Proposals.
Resumen: Este artículo, inscrito en el campo de las políticas educativas, aborda, sobre todo, cuestiones centradas en la implementación y adhesión a la Base Curricular Nacional Común (BNCC/2017) y al Currículo Base para la Educación Infantil y la Enseñanza Primaria del Territorio de Santa Catarina (CBTC/2019), señalando la entrada del neoliberalismo en las políticas educativas como destituyente de un currículo específico para la educación infantil. Fundamentalmente, discutimos el contexto de implementación de las BNCC/2017 y CBTC/2019 de las redes municipales de educación de la región metropolitana de Florianópolis que atienden a la educación infantil, buscando identificar cuáles municipios llevaron a cabo el desarrollo de nuevas propuestas curriculares, con el fin de delinear las especificidades adoptadas por cada uno de los nueve municipios abordados. Sin embargo, se analizaron los seis municipios que han desarrollado sus nuevas propuestas, observando los datos documentales disponibles en medios digitales públicos - sitios web de estas redes. Esta discusión sobre la construcción curricular significa, en el límite, que la dinámica de las políticas públicas educativas debe centrarse menos en la automatización del sujeto, evitando que el neoliberalismo y las prácticas privatistas los vuelvan alienados y centrados sólo en el mercado de trabajo.
Palabras clave: Base Curricular Común Nacional, Base Curricular de la Educación Infantil y de la Enseñanza Fundamental en el Estado de Santa Catarina, Propuestas curriculares.
1 INTRODUÇÃO
A elaboração da Base Nacional Comum Curricular (doravante BNCC/2017), começou a ser implementada em um período no qual o Brasil vivenciava acirradas disputas políticas e econômicas, que culminaram no impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Desse modo, destacamos que a BNCC/2017 perpassou, entre seu processo de elaboração até a homologação, a transição entre os governos de Dilma Rousseff (2014-2016) e Michel Temer (2016-2018), o que nos direciona na compreensão de seu contexto de elaboração.
Considerando esse cenário em que foi elaborado o documento da BNCC/2017, o Estado de Santa Catarina - situado na região Sul do país, que possui 295 municípios, com uma população de 7.338.473 habitantes (IBGE, 2021), é considerado a décima maior das 27 Unidades da Federação (UF) - colocou em prática o desenvolvimento do Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território Catarinense (doravante CBTC/2019). No que concerne à etapa da educação infantil, esse trabalho tem como objetivo central discutir o contexto de implementação da BNCC/2017 e do CBTC/2019 das redes municipais de ensino da região metropolitana de Florianópolis, composta por nove municípios, sendo eles (1) Águas Mornas, (2) Antônio Carlos, (3) Biguaçu, (4) Florianópolis, (5) Governador Celso Ramos, (6) Palhoça, (7) Santo Amaro da Imperatriz, (8) São José e (9) São Pedro de Alcântara. Como objetivos específicos delimitamos i) identificar quais municípios realizaram a elaboração de novas propostas curriculares; ii) apresentar as especificidades adotadas pelos municípios na elaboração de suas novas propostas curriculares e iii) problematizar a interferência do neoliberalismo nas políticas curriculares.
Para a realização dessa pesquisa, que se configura como uma abordagem qualitativa, utilizamos como metodologia a investigação dos documentos da BNCC/2017 e CBTC/2019, considerando que estes embasam a elaboração das propostas curriculares das redes municipais de ensino da região metropolitana de Florianópolis que atendem a etapa da educação infantil. Através da investigação bibliográfica, tomamos como base o referencial teórico a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED, 2017) - e autores que discutem, a partir do ponto de vista neoliberalista, as políticas curriculares e sua influência no cenário político brasileiro entre os anos de 2014 a 2022. Destacamos desse modo, o amparo no banco de dados da ANPED (2017) e a importância de autores como Triches e Aranda (2018); Barbosa, Silveira e Soares (2019); Malanchen e Santos (2020); Campos e Dural (2020); Johann (2022), Michetti (2022); Cóstola (2021); Silva e Cruzetta (2022); Oliveira, Rosa e Silva (2019) e Giuriatti (2018).
Metodologicamente, para realizar o levantamento dos dados a respeito das redes municipais de ensino da região metropolitana de Florianópolis que aderiram ao CBTC/2019 ou elaboraram uma nova proposta curricular, observamos os dados documentais disponíveis em meio público digital – websites das referidas redes, entre os meses de outubro e dezembro de 2022.
Haja vista os diversos interesses implícitos nos documentos curriculares normativos como a BNCC/2019 e o CBTC/2019, julgamos necessário levar em consideração a interferência do neoliberalismo e sua influência nas políticas curriculares, além da forma como essa questão vem contribuindo para a concretização de documentos curriculares, que objetivam no que concerne à educação infantil, a oferta de uma educação baseada em competências, objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, que contemplem subsídios específicos para um currículo pensado para bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas, sujeitos estes que apresentam singularidades e necessidades que diferem das atuais concepções subjacentes nos documentos curriculares normativos.
No Brasil, as políticas curriculares nos últimos 10 anos vêm sofrendo fortemente com a interferência do neoliberalismo, resultando na concretização de documentos normativos, como a BNCC/2017, que explicita interesses capitalistas, empresariais, políticos, privatistas, entre outros. É nesse sentido, então, que Triches e Aranda (2018, p. 13), afirmam que “[...] as políticas educativas estão sendo pensadas e gestadas por grupos de viés neoliberal, já que se constata cada vez mais a presença do setor privado mercantil definindo a educação pública”, o que significa dizer que o setor privado objetiva manter o controle ideológico da educação para formar cidadãos alienados, voltados apenas ao mercado de trabalho.
Ainda, consideramos importante ressaltar que anteriormente à sua homologação, a BNCC/2017 fez parte do debate de diversas entidades públicas, universidades, movimentos sociais, professores, pesquisadores, entre outros setores da sociedade. No entanto, depois do impeachment de Dilma Rousseff, ocorreram “[...] várias tentativas de impor medidas privatistas à educação em todos os níveis e de regular a ação educativa nas dimensões das macro e micro políticas [...]” (BARBOSA; SILVEIRA e SOARES, 2019, p. 80). Porém, mesmo diante de debates e contestações ao modo pelo qual se configurava o processo de elaboração da BNCC/2017, o documento foi homologado através da Resolução CNE/CP nº 2/2017.
Nesse cenário, a BNCC/2017 é instituída como uma “referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares [...]” (BRASIL, 2017, p. 8). Assim, o estado de Santa Catarina, buscando cumprir as referidas determinações, iniciou a elaboração do CBTC/2019, em regime de colaboração entre a Secretaria de Estado (SED), União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Conselho Estadual de Educação (CEE), União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME) e Federação Catarinense de Municípios (FECAM). Através da Resolução CEE/SC nº 070/2019, o CBTC/2019 referente às duas primeiras etapas da educação básica, é homologado, normatizando a adequação da BNCC/2017 dos currículos e propostas pedagógicas no âmbito do Sistema Estadual de Educação de Santa Catarina. Dessa forma, as instituições de ensino - públicas e privadas - do estado catarinense, optaram pela adesão ao CBTC/2019 ou pela elaboração de novas propostas curriculares próprias, mediante aprovação em seu respectivo Conselho Municipal de Educação.
Em termos de sequência textual, abordamos, na primeira seção, a questão do reconhecimento da educação infantil, considerando a importância do currículo que passa a ser alterado pela BNCC/2017. Na segunda seção, por sua vez, discutimos o prenúncio da necessidade de um currículo unificado, atentando-nos ao processo de constituição desse documento e as abordagens autorais deste. A terceira seção, por sua vez, é onde falamos a respeito do CBTC/2019 e sua implementação, lançando um olhar sobre as indicações metodológicas presentes no documento. Por fim, na quarta e última seção, apresentamos um panorama de adesão/elaboração de propostas próprias de cada rede, observando o que cada uma busca abranger na produção de seus currículos.
2 A EDUCAÇÃO INFANTIL: uma trajetória marcada por lutas, defesas e reconhecimento legal
Nessa primeira seção, abordamos a questão do reconhecimento da educação infantil enquanto primeira etapa da educação básica, considerando a importância do currículo e de como este passa a ser alterado pela BNCC/2017. Para tal, começamos por observar como as políticas públicas educacionais, no que concerne à etapa da educação infantil, têm sua trajetória marcada pela luta e defesa da garantia dos direitos das crianças.
Dentre os marcos importantes nessa trajetória, destacamos i) a conquista da educação infantil como parte da Política Nacional de Educação; ii) o reconhecimento do atendimento em creches e pré-escolas como um direito social das crianças pela Constituição Federal (CF/88) e iii) a integração da creche (0 a 3 anos) nos sistemas de ensino juntamente com a pré-escola (4 a 5 anos), reconhecendo a educação infantil como primeira etapa da básica pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96).
A transposição do caráter assistencialista da educação infantil para um sistema educativo pensado especificamente para a infância, reconhecido como um dever do Estado e direito da criança, é também resultante de lutas travadas pelos movimentos sociais e profissionais da educação. Dentre os diversos documentos normativos elaborados após essa conquista, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI/2009), é considerada como um importante documento orientador por reconhecer a criança como um sujeito histórico, que possui direitos e produz cultura, definindo o currículo como um articulador das “[...] experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico [...]” (BRASIL, 2009). Assim, a DCNEI/2009 determina que
[...] a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo principal promover o desenvolvimento integral das crianças de zero a cinco anos de idade garantindo a cada uma delas o acesso a processos de construção de conhecimentos e a aprendizagem de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e interação com outras crianças (BRASIL, 2009, p. 2).
A DCNEI/2009, desde sua homologação, constituiu-se como um referencial na construção dos documentos curriculares das redes de ensino públicas e privadas de todo o Brasil. Porém, com a homologação da BNCC/2017, a DCNEI/2009 vem gradativamente sendo colocada em segundo plano e a continuidade de um currículo específico para a educação infantil mostra-se em risco de enfraquecimento, diante da obrigatoriedade de adesão/elaboração de propostas curriculares com base em um documento que explicita interesses capitalistas, empresariais, políticos, privatistas, entre outros.
A perspectiva do documento da BNCC/2017, com vistas a oferta de uma educação voltada para a escolarização, vem ganhando ênfase crescente nos dias de hoje, comprometendo a continuidade da elaboração de novas propostas curriculares que garantam um currículo específico para a educação infantil. Vivenciamos inúmeros retrocessos e ataques às políticas educacionais, que têm ocasionado a retirada de direitos essenciais das crianças, a possibilidade de controle e avaliação do desempenho dos professores e crianças, desinteresse pela infância nas agendas das políticas públicas, entre outros. Desse modo, corroboramos que,
Na contramão de um currículo que garanta o direito à Educação, a BNCC em debate articula-se com outros modelos de reformas curriculares de diferentes países que endossam a proposição de um currículo comum que se alinha à possibilidade de “gerenciamento” do desempenho docente e discente [...] (ANPED, 2017, p. 16).
Nesse contexto, podemos perceber que caminhamos a passos largos para a destituição de um currículo específico para a educação infantil, com a entrada crescente dos modelos internacionais nas políticas curriculares do Brasil sob interferência do neoliberalismo - como discutiremos mais adiante, na segunda seção. Diante dessas questões, apresentamos a seguir o modo como o prenúncio da BNCC/2017 foi ocorrendo nas políticas educacionais desde a CF/88 até a materialização do documento.
3 BNCC/2017: perspectivas a respeito de um documento neoliberal
Seguindo nossa argumentação, abordamos o prenúncio da necessidade de um currículo unificado, abordando o processo de constituição do documento da BNCC/2017 e suas abordagens autorais. Para tal, iniciamos levantando o ponto de que a necessidade de uma formação básica comum e/ou base nacional comum para orientar os currículos da Educação Básica brasileira foi sendo demarcado por importantes políticas públicas, como: CF/88; LDB 9394/96; Lei nº 12.796/2013 (LDB/2013); Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCNEB/2010) e Plano Nacional de Educação (PNE/2014) - Lei nº 13.005/2014, conforme apresentamos na tabela abaixo.
LEGISLAÇÕES E/OU DIRETRIZES | ARTIGOS E/OU METAS |
CF/88 | No artigo 210 é demarcado que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. (BRASIL, 1988, grifos nossos). |
LDB 9394/96 | Em seu artigo 9º define como uma das incumbências da União, em seu inciso IV, “estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”. (BRASIL, 1996, grifos nossos). Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (BRASIL, 1996, grifos nossos). |
DCNEB/2010 | Art. 14. A base nacional comum na Educação Básica constitui-se de conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas de exercício da cidadania; e nos movimentos sociais. (BRASIL, 2010, grifos nossos). Art. 15. A parte diversificada enriquece e complementa a base nacional comum, prevendo o estudo das características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da comunidade escolar, perpassando todos os tempos e espaços curriculares constituintes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, independentemente do ciclo da vida no qual os sujeitos tenham acesso à escola. (BRASIL, 2010, grifos nossos). |
Na CF/88, foram determinados conteúdos mínimos no intuito de garantir uma formação básica comum para o ensino fundamental, única etapa naquele período considerada obrigatória. Conforme reiteram Malanchen e Santos (2020), é somente na LDB 9394/96 que é referenciada uma base nacional comum em um documento oficial. Vale pontuar que após a Emenda Constitucional nº 59/2009 determinar a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos, e a posterior alteração do artigo 26 da LDB/2013, é que a educação infantil passou a ser considerada uma etapa obrigatória da legislação educacional brasileira. Na DCNEB/2010, é apresentada uma definição da constituição da base nacional comum na educação básica, deixando explícito ao longo do documento que este direcionamento é específico para as etapas do ensino fundamental e médio. Destacamos, ainda, que no PNE/2014, é determinado o estabelecimento e implementação de diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos. Porém, na redação, os direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos não cita a educação infantil, somente são referenciadas as etapas do ensino fundamental e médio. Pontuamos que é a partir do documento da BNCC/2017, que são estabelecidos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para todas as etapas e em contrapartida questionamos: por que e a quais interesses são instituídos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para a educação infantil na BNCC/2017?
Nessa tessitura, a partir do PNE/2014, às discussões a respeito de um currículo nacional foram impulsionadas, à medida que novos e experientes atores começaram a debater o currículo a partir de uma outra perspectiva (CAMPOS; DURLI, 2020). Para tanto, contextualizamos que,
No ano de 2014, fortaleceu-se o debate sobre a construção de uma BNCC, modificando-se o conceito de base nacional comum, presente na legislação. Nesse contexto, nos diversos estados brasileiros, ocorreram manifestações e posicionamentos de especialistas, professores e gestores sobre a natureza e as funções históricas, sociais, político-ideológicas e educacionais da BNCC. Considerando esse movimento e os resultados da disputa de projetos que levou à configuração de uma BNCC segmentada, uma para a educação infantil e o ensino fundamental e outra para o ensino médio. (BARBOSA; SILVEIRA e SOARES, 2019, p. 79).
Diante do exposto, reiteramos que o documento da BNCC/2017, foi sendo construído e antes de sua homologação desenvolveram-se três versões (2015, 2016 e 2017), disponibilizadas para críticas e sugestões da sociedade brasileira, sendo questionadas por entidades públicas, universidades, movimentos sociais, professores, pesquisadores, entre outros setores da sociedade. Conforme Barbosa, Silveira e Soares (2019):
Várias contribuições foram realizadas e encaminhadas, porém, não se pode garantir que de fato a nova versão tenha incorporado importantes contribuições de instituições públicas e privadas do País. No caso da educação infantil houve colaborações de diferentes grupos envolvidos com o campo, porém, o argumento apresentado pelas comissões organizadoras em relação aos cortes na redação foi de que o texto deveria ser de natureza operativa, não cabendo aprofundamentos teóricos e metodológicos. (BARBOSA; SILVEIRA e SOARES, 2019, p. 81).
O documento após sua homologação, demonstrou não contemplar as contribuições feitas pela sociedade, diante de tal fato, muitos autores têm se debruçado em discutir a BNCC/2017 e o contexto de interesses aos quais o documento objetiva atender. Desse modo, apresentaremos algumas análises empreendidas por alguns autores. De acordo com Johann (2022), a participação da rede privada mostra que o Ministério da Educação (MEC) não pode ser considerado o principal agente do processo de construção da BNCC/2017. Dentre as representações na elaboração do documento, Michetti (2022) cita o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), UNDIME, Conselho Nacional de Educação (CNE), Fórum Nacional de Educação, Movimento pela Base (MpB), Todos pela Educação (TpE), institutos, fundações familiares e empresariais. Ainda, Johann (2022), afirma que:
Desde então, o setor privatista, fundações, movimentos empresariais e demais setores do ramo econômico esforçam-se para tornar esse documento uma realidade dentro das escolas e dos processos formativos, principalmente voltados à educação pública. (JOHANN, 2022, p. 45).
Nesse sentido, podemos perceber como o neoliberalismo, que atua com grande força no atual cenário brasileiro e que coaduna com interesses capitalistas, empresariais e privatistas, contribuiu para que a BNCC/2017 se configurasse como “um currículo prescritivo formado e pronto para ser aplicado em todo o âmbito nacional e que, portanto, precisa ser disputado” (CÓSTOLA, 2021, p. 22).
Para Silva e Cruzeta (2022), a BNCC/2017, introduzida nesse contexto político e econômico neoliberal, é também beneficiada por investimentos dos organismos internacionais, como Unesco e Banco Mundial, objetivando desenvolver competências, padronizar conteúdos, aprendizagem e estabelecer metas para o currículo brasileiro. Os autores enfatizam que esses organismos vêm atuando desde a década de 1990 nas políticas e reformas educativas brasileiras.
A materialização do documento da BNCC/2017 de caráter mandatório e prescritivo, que tem sua abordagem baseada em competências e objetivos de aprendizagem a serem alcançados, objetiva a formação para o mercado de trabalho, abrindo preceitos para a entrada de avaliações de acordo com os modelos internacionais, como do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA), que visa avaliar estudantes e professores, configurando-se como um documento que propõe adaptar o currículo brasileiro à política externa (OLIVEIRA, ROSA e SILVA, 2019).
Considerando os diversos documentos curriculares nacionais construídos para a orientação dos currículos da educação infantil, como a DCNEI/2009, questionamos o porquê de o documento da BNCC/2017, que revela em suas bases uma educação voltada para a mensuração de competências e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, ser instituído. A interferência do neoliberalismo pode ser considerada um dos fatores para que o currículo a ser elaborado a partir da BNCC/2017 esteja baseado em competências. Conforme a ANPED (2017), “esta ‘volta’ das competências ignora todo o movimento das Diretrizes Curriculares Nacionais construídas nos últimos anos e a crítica às formas esquemáticas e não processuais de compreender os currículos” (ANPED, 2017, p. 9).
A partir da análise empreendida pelos autores, consideramos que apresenta-se como um grande desafio a construção de um currículo específico para a educação infantil, tendo como referência o documento da BNCC/2017, baseado em competências e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento com vistas a atender interesses que não coadunam com a formação de um sujeito emancipado. Diante de tal desafio, relataremos na próxima seção o movimento de elaboração e implementação do CBTC/2019, no qual lançamos um olhar sobre as indicações metodológicas do documento catarinense.
4 CBTC/2019: do movimento de elaboração a análise do documento catarinense
Na sequência das discussões falaremos a respeito do CBTC/2019 e sua implementação, lançando um olhar sobre as indicações metodológicas presentes no documento. Começamos por considerar que o estado de Santa Catarina iniciou seu processo de elaboração do CBTC/2019 entre os anos de 2015, após a criação da Comissão Executiva Estadual da BNCC, e 2016, com o Comitê Executivo em regime de colaboração entre a SED, UNDIME/SC, CEE e UNCME. (SANTA CATARINA, 2019). Nesse movimento,
Em 2017, foram realizados encontros, consultas públicas e formações que geraram um documento preliminar entregue ao CEE no final de 2018. Em 2019, retomado o processo de implementação da BNCC em Santa Catarina, a realização do 1º Seminário, no mês de abril, mobilizou mais de 500 profissionais da educação, entre professores e gestores, para a sistematização e a finalização do currículo. (SANTA CATARINA, 2019, p. 19).
Com a conclusão da proposta, conforme vemos acima, a homologação do CBTC/2019 referente às etapas da educação básica, através da Resolução CEE/SC nº 070/2019, normatiza a adequação da BNCC/2017 dos currículos e propostas pedagógicas no âmbito do Sistema Estadual de Educação de Santa Catarina.
O documento do território catarinense se assemelha ao documento nacional, apresentando pequenas modificações ou complementações, deixando explícito seu alicerce na BNCC/2017, coadunando com o desenvolvimento de competências. Sendo assim, na escrita do CBTC/2019 se dá ênfase na questão de que as aprendizagens essenciais “[...] serão asseguradas aos estudantes por meio do desenvolvimento das competências definidas pela Base Nacional Comum Curricular” (SANTA CATARINA, 2019, p. 11).
O CBTC/2019 afirma sua conformidade com a DCNEI (2009), e contempla em seu documento princípios éticos, estéticos e políticos, visando que as propostas pedagógicas garantam “[...] uma educação cidadã, participativa e uma educação estética da sensibilidade, sendo esses aspectos primordiais para a apropriação pela criança do mundo físico e social” (SANTA CATARINA, 2019, p. 117). O documento catarinense, ao contemplar esses princípios, revela considerar a oferta de uma educação que promova o desenvolvimento integral das crianças.
Com um olhar comparativo, podemos perceber que as interações e brincadeiras, eixos que norteiam e estruturam a prática pedagógica na educação infantil, de acordo com a DCNEI (2009) e reafirmadas pela BNCC/2017, ganham ênfase no CBTC (SANTA CATARINA, 2019, p. 118), por permitir “[...] à criança vivenciar experiências de forma individual, em pequenos ou grandes grupos e com diferentes agrupamentos etários, bem como na relação com os adultos, os objetos e o espaço”. Dessa forma, o documento catarinense, na etapa da educação infantil, apresenta sua organização curricular de forma mais ampliada que o documento normativo nacional anunciando que mantém “[...] a organização prevista pela BNCC, de modo a respeitar os Direitos à Aprendizagem e ao Desenvolvimento e propor dois organizadores: campos de experiência e faixa etária” (SANTA CATARINA, 2019, p. 22). O CBTC/2019 demonstra dar visibilidade em seu documento as diferentes faixas etárias: bebês (zero a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses), apresentando as faixas etárias através de organizadores e realizando indicações metodológicas. Ainda, percebemos que ambos os documentos adotam os mesmos campos de experiência, no entanto a ordem apresentada por eles é disposta de forma inversa. Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento são praticamente os mesmos nos dois documentos, porém na análise empreendida observamos que o CBTC/2019 acrescenta, entre seus diversos objetivos, a realidade social e local da região catarinense. Um outro diferencial observado em relação a BNCC/2017, é que o CBTC/2019 traz indicações metodológicas a serem consideradas para cada campo de experiência e grupos etários, conforme representado por números na figura abaixo:
A figura acima apresenta as indicações metodológicas descritas no CBTC/2019 referente aos organizadores: campos de experiências e grupos etários, em que também contempla a realidade social e local da região catarinense. Assim, realiza 13 (treze) indicações metodológicas para o campo de experiência o eu, o outro e o nós; 16 (dezesseis) referente ao aos traços, sons, cores e formas; 19 (dezenove) para espaços, tempos, quantidades, relações e transformações; 21 (vinte e uma) aos grupos etários dos bebês e crianças pequenas; 24 (vinte e quatro) ao campo escuta, fala, pensamento e imaginação e ao grupo relativo às crianças bem pequenas e 25 (vinte e cinco) para corpo, gestos e movimentos. A grande quantidade de indicações metodológicas, permite aos profissionais da educação, a ampliação das vivências e experiências cotidianas dos grupos etários que frequentam a educação infantil, considerando também a realidade social e local da sua região.
Na análise do documento, constatamos que o CBTC/2019 buscou considerar alguns subsídios específicos para um currículo da educação infantil, no entanto, evidencia grande parte das perspectivas do documento da BNCC/2017. Buscando identificar quais municípios realizaram a elaboração de novas propostas curriculares, conforme orientação, assim como dos que adotaram como documento orientador os documentos preexistentes, na próxima seção apresentaremos o panorama de adesão aos documentos nacional ou catarinense.
5. UMA ANÁLISE DO PANORAMA DE ADESÃO DAS PROPOSTAS CURRICULARES A BNCC/2017 E DO CBTC/2019
Por fim, apresentamos um panorama de adesão às propostas preexistentes ou opção pela elaboração de propostas próprias de cada rede, observando o que cada município busca abranger na produção de seus currículos.
Segundo a Resolução CEE/SC nº 070/2019, as redes de ensino e escolas particulares do estado de Santa Catarina, após a homologação da BNCC/2017, tiveram como uma obrigatoriedade a elaboração de seu currículo com base na BNCC/2017 e/ou CBTC/2019, e para as que optaram por não elaborarem sua nova proposta curricular, houve a opção de aderir somente ao documento do território catarinense.
Considerando a grande quantidade de municípios do estado catarinense, realizamos um levantamento das redes municipais de ensino da região metropolitana de Florianópolis para identificar aquelas que aderiram à BNCC/2017 e/ou CBTC/2019, assim como também aquelas que elaboraram sua nova proposta curricular para a etapa da educação infantil. Para detalhar a análise proposta, apresentamos, a seguir, uma tabela com o panorama de adesão aos documentos i) nacional, ii) catarinense ou iii) das redes municipais de ensino que realizaram a elaboração de sua nova proposta curricular.
MUNICÍPIOS | DOCUMENTO ORIENTADOR |
Águas Mornas | Adesão ao CBTC/2019. |
Antônio Carlos | Elaboração da proposta curricular: A Proposta Curricular Da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental do Município de Antônio Carlos (2022). |
Biguaçu | Elaboração da proposta curricular: Currículo da Rede Municipal de Educação Biguaçu - SC (2022). |
Florianópolis | Elaboração da proposta curricular: A Base Nacional Comum Curricular e os Documentos Curriculares Municipais da Educação Infantil de Florianópolis: Recontextualização Curricular (2021). |
Governador Celso Ramos | Elaboração da proposta curricular: Reorientação Curricular da Rede Municipal de Educação de Governador Celso Ramos (2022). |
Palhoça | Elaboração da proposta curricular: Base Curricular da Rede Municipal de Ensino de Palhoça (2019). |
Santo Amaro da Imperatriz | Adesão ao CBTC/2019. |
São José | Elaboração da proposta curricular: A Base Nacional Comum Curricular e os Documentos Curriculares Municipais da Educação Infantil de Florianópolis: Recontextualização Curricular (2021). |
São Pedro de Alcântara | Adesão ao CBTC/2019. |
Destacamos que todos os nove municípios da região metropolitana de Florianópolis, que atendem a etapa da educação infantil, por possuírem sistema próprio de ensino e terem como possibilidade a elaboração de nova proposta curricular com base nos documentos curriculares normativos da BNCC/2017 e CBTC/2019, entre os meses de outubro e dezembro de 2022, constatamos que dentre todos, seis municípios haviam realizado este movimento de elaboração. Na análise dos documentos elaborados por eles quanto ao seu embasamento como referência no CBTC/2019 em seu processo de elaboração da nova proposta curricular, apenas três municípios referem sua utilização ao documento catarinense: Antônio Carlos, Biguaçu e São José. Os outros dois municípios, Florianópolis[1] e Palhoça, referem seu embasamento na BNCC/2017, realizando alguns questionamentos no que diz respeito ao documento nacional. Outro aspecto observado é que somente uma rede de ensino, no caso a de Florianópolis, elaborou um documento curricular direcionado apenas para a etapa da educação infantil. Nesse sentido, vemos que, por outro lado, as demais redes apresentam um único documento abordando separadamente cada etapa de ensino. Considerando o contexto de disputas e interesses, no qual se configurou o documento da BNCC/2017, na análise empreendida no presente estudo, destacamos três aspectos centrais que identificamos na construção de um currículo específico para a educação infantil, sendo:
Na análise empreendida, identificamos ao longo desse estudo que a grande maioria das redes municipais de ensino da região metropolitana de Florianópolis, buscam garantir a continuidade de um currículo específico para a educação dos bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas que frequentam esses contextos educativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, as políticas curriculares para a educação infantil têm, em sua trajetória, a construção de diferentes documentos curriculares nacionais elaborados para a orientação da formação dessa etapa inicial da educação básica, em que tinha-se como objetivo o desenvolvimento integral das crianças, suas aprendizagens e a garantia de direitos - dentre esses documentos, destacamos a DCNEI/2009. No entanto, nos últimos anos, com a interferência do neoliberalismo nas políticas educacionais a concretização do documento da BNCC/2017 veio a explicitar outros interesses, comprometendo, de certo modo, a continuidade de um currículo que contemple especificidades fundamentais para essa faixa etária, com vistas a manter o controle ideológico da educação. Ainda, o documento, ao ser baseado em competências e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, visa atender a interesses que não coadunam com a formação de um sujeito emancipado. Nesse sentido, significa dizer que o setor privado objetiva manter o controle ideológico da educação para formar cidadãos alienados, voltados apenas ao mercado de trabalho.
Posteriormente à homologação da BNCC/2017, os documentos curriculares que garantiam especificidades para a elaboração dos currículos da educação infantil, vêm sendo colocados em segundo plano, uma vez que o último documento nacional constitui-se como uma referência para a formulação dos currículos e a continuidade de um currículo específico para a primeira etapa da educação básica, mostra-se em risco de enfraquecimento, diante da obrigatoriedade de adesão ou elaboração de novas propostas curriculares com base em um documento que explicita interesses capitalistas, empresariais, políticos, privatistas, entre outros. Nesse viés, destacamos também que a BNCC/2017, ao considerar o processo educativo relacionado a competências e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento a serem alcançados pelos bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas, permite que a educação referente a etapa da educação infantil não seja “[...] vista em sua singularidade e especificidade para ser tomada como um pré-requisito para escolarização” (ANPED, 2017, p. 13).
Com a perspectiva de uma educação voltada para a escolarização ganhando ênfase crescente nos dias de hoje, a continuidade da elaboração de novas propostas curriculares que garantam um currículo específico para a educação infantil vem sendo desafiada diante dos inúmeros retrocessos e ataques às políticas educacionais, ocasionando na retirada de direitos essenciais das crianças, controle e avaliação do desempenho dos professores e crianças, desinteresse pela infância nas agendas das políticas públicas, entre outros.
Com o presente estudo, constatamos que dentre todos, seis municípios haviam realizado esse movimento de elaboração. Na análise dos documentos elaborados por eles quanto ao seu embasamento como referência no CBTC/2019 em seu processo de elaboração da nova proposta curricular, apenas três municípios referem sua utilização ao documento catarinense: Antônio Carlos, Biguaçu e São José. Os outros dois municípios, Florianópolis e Palhoça, referem seu embasamento na BNCC/2017, realizando alguns questionamentos no que diz respeito ao documento nacional. Outro aspecto observado é que somente uma rede de ensino, no caso a de Florianópolis, elaborou um documento curricular direcionado apenas para a etapa da educação infantil. Desse modo, vemos que, por outro lado, as demais redes apresentam um único documento abordando separadamente cada etapa de ensino. A rede municipal de ensino de Florianópolis na elaboração de sua nova proposta curricular, a Base Nacional Comum Curricular e os Documentos Curriculares Municipais da Educação Infantil de Florianópolis, traz a Recontextualização Curricular (Florianópolis, 2021), ao considerar similitudes entre os Campos de Experiências e a organização curricular por ela utilizada denominada Núcleos da Ação Pedagógica (NAPs), demarca sua continuidade pelo organizador NAPs, sugere, ainda indicativos, ações e propostas educativo-pedagógicas, ao invés de objetivos de aprendizagem. As redes de ensino de Biguaçu, Florianópolis, Palhoça e São José, anunciam em suas propostas curriculares a participação de seus profissionais, o que de certo modo, busca considerar aqueles que cotidianamente colocam em prática o currículo. Identificamos que as redes de ensino de Antônio Carlos, Biguaçu, Florianópolis, Palhoça e São José, em suas respectivas propostas curriculares, não utilizam os códigos alfanuméricos propostos pela BNCC/2017 como objetivos de aprendizagem, que ao mensurar a aprendizagem das crianças, aproxima-as do processo de escolarização, o que não cabe a essa etapa. Na análise empreendida, identificamos que a grande maioria das redes municipais de ensino da região metropolitana de Florianópolis, mesmo diante dos desafios apresentados, vem no movimento da garantia da continuidade de um currículo específico para a educação dos bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas que frequentam esses contextos educativos.
Dessa forma, o estudo que desenvolvemos até o momento mostra que precisamos seguir em defesa da continuidade de propostas curriculares que analisem e questionem os documentos curriculares nacionais que se configuram em um contexto de interesses econômicos, políticos e pelo viés do neoliberalismo. Reiteramos, também, a importância de que tais documentos sejam constantemente reavaliados pelas políticas públicas e redes de ensino, como os documentos mandatórios e prescritivos têm sido concebidos pelos currículos das respectivas redes de ensino, assim como “compreender como a política de currículo chegará ao professor e por sua vez as crianças” (GIURIATTI, 2018, p. 49). Nesse sentido, precisamos garantir a continuidade da participação dos profissionais da educação na elaboração das propostas curriculares das redes de ensino pois são aqueles que atuam cotidianamente nos contextos educativo e, ainda, considerando que são aqueles que conhecem as singularidades e necessidades de um currículo para o atendimento de bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas.
REFERÊNCIAS
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Notas