Demanda Contínua
UM OLHAR PARA AS NORMAS SOBRE COMPUTAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
A LOOK AT THE STANDARDS ON COMPUTING IN BASIC EDUCATION AND ITS IMPLICATIONS FOR TEACHER EDUCATION
UNA MIRADA A LOS ESTÁNDARES SOBRE COMPUTACIÓN EN EDUCACIÓN BÁSICA Y SUS IMPLICACIONES PARA LA FORMACIÓN DOCENTE
Revista Espaço do Currículo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
ISSN: 1983-1579
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 16, núm. 3, 2023
Recepção: 23 Maio 2023
Aprovação: 01 Setembro 2023
Resumo: Neste artigo direcionamos nosso olhar para as Normas sobre Computação na Educação Básica. Sendo uma pesquisa qualitativa de análise documental, onde assumiremos a hermenêutica como um modo ontológico da compreensão, para assim, identificar o que subentende-se na normativa e quais as suas inferências para a formação de professores. Ao discutirmos para além da palavra e do sentido imediato dos verbos destacados nas competências e habilidades, evidenciamos que estes precisam ser vislumbrados para além da pedagogia das competências, pois indicam muito mais do que pode ser percebido. É preciso, por parte do professor, compreender a profundidade das ações requeridas pelas competências expostas na normativa.
Palavras-chave: Computação, Formação de professores, Hermenêutica, Educação Matemática, Ensino Médio.
Abstract: In this article we direct our gaze to the Norms on Computing in Basic Education. Being a qualitative research of documentary analysis, where we will assume the hermeneutics as an ontological mode of understanding, to identify what is implied in the normative and what are its inferences for the formation of teachers. When we discuss beyond the word and the immediate meaning of the verbs highlighted in the competencies and skills, we evidence that these need to be glimpsed beyond the pedagogy of competencies, as they indicate much more than can be perceived. It is necessary, on the part of the teacher, to understand the depth of the actions required by the competencies exposed in the normative.
Keywords: Computing, Teacher training, Hermeneutics, Mathematics Education, Middle school.
Resumen: En este artículo dirigimos nuestra mirada a las Normas sobre Informática en la Educación Básica. Siendo una investigación cualitativa de análisis documental, donde asumiremos la hermenéutica como un modo ontológico de comprensión, con el fin de identificar lo que está implícito en lo normativo y cuáles son sus inferencias para la formación de profesores. Cuando discutimos más allá de la palabra y el significado inmediato de los verbos resaltados en las competencias y habilidades, evidenciamos que estos necesitan vislumbrarse más allá de la pedagogía de las competencias, ya que indican mucho más de lo que se puede percibir. Es necesario, por parte del profesor, comprender la profundidad de las acciones requeridas por las competencias expuestas en la normativa.
Palabras clave: Cómputo, Formación del profesorado, Hermenéutica, Educación Matemática, Secundaria.
1 Introdução
A discussão sobre a Computação na Educação Básica no Brasil já vinha ocorrendo nas últimas décadas, mas somente em 2022 o Conselho Nacional de Educação (CNE), pelo presidente da Câmara de Educação Básica (CEB) homologou o Parecer CNE/CEB nº 2/2022, em 17 de fevereiro de 2022, que define as Normas sobre a Computação na Educação Básica. Há também aspectos complementares, conforme explicitado no Art. 1º “normas sobre Computação na Educação Básica, em complemento à Base Nacional Comum Curricular (BNCC)” (BRASIL, 2022), que foi aprovado pela Resolução nº 1, de 4 de outubro de 2022 e entrou em vigor em 1º de novembro de 2022 (BRASIL, 2022).
Em 11 de Janeiro de 2023 foi instituída a Lei nº 14.533, de Política Nacional de Educação Digital (PNED) (alterando as Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), Lei nº 9.448, de 14 de março de 1997 (Transforma o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP em Autarquia Federal, e dá outras providências), Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001 (Dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior e dá outras providências), e Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003 (Institui a Política Nacional do Livro)). A Lei nº 14.533, dentre suas finalidades, visa facilitar o financiamento para a formação de professores e adequações de grades curriculares de cursos de licenciatura, bem como a oferta do curso de Licenciatura em Computação no Brasil.
Nesse contexto de novas políticas para a Educação Digital, as Normas sobre Computação na Educação Básica merecem um olhar analítico e reflexivo, pois sugerem possibilidades e, por certo, deixam diversos aspectos em aberto. Esta normativa está disposta em: 1) visão geral de como a Computação na Educação Básica deve ser entendida; 2) as premissas da etapa da Educação Infantil; 3) a etapa do Ensino Fundamental, que é composta por sete competências, subdivididas em três eixos (pensamento computacional, mundo digital, cultura digital), sendo estes apresentados pelo i) objeto de conhecimento, ii) as habilidades que dizem respeito a cada competência e iii) sua explicação seguida por exemplos; 4) e a etapa do Ensino Médio, que é organizada por sete competências específicas, habilidades e respectivas descrições, bem como exemplos, sendo essa etapa nosso foco de estudo para este artigo.
Sobre os eixos da Computação, destaca-se:
Pensamento Computacional (PC), subdivido em abstração, análise e automação. Esse eixo refere-se “à habilidade de compreender, analisar, definir, modelar, resolver, comparar e automatizar problemas e suas soluções de forma metódica e sistemática” [sendo o estudante capaz de] “criar e adaptar algoritmos” [com isso, considera-se que o estudante consiga, nas diversas áreas do conhecimento] “alavancar e aprimorar a aprendizagem e o pensamento criativo e crítico” (BRASIL, 2022, p. 10, [inserção nossa]).
Mundo Digital (MD), subdividido em codificação, processamento, distribuição. Envolve a aprendizagem tanto de hardware, compreendido como “artefatos digitais” quanto de software, ou seja, os “elementos físicos e virtuais”, onde o estudante precisa compreender e ter conhecimento “sobre o poder da informação e a importância de armazená-la e protegê-la” (BRASIL, 2022, p. 10).
Cultura Digital (CD), subdivido em Tecnologia e Sociedade, Cidadania Digital, Letramento Digital, que por meio das tecnologias digitais, pressupõe a “compreensão dos impactos da revolução digital” [para que o estudante seja capaz de construir uma] “atitude crítica, ética e responsável” ou utilizar as tecnologias digitais (BRASIL, 2022, p. 10, [inserção nossa]).
Entendemos que a área da Computação está estreitamente ligada à área da Matemática, como se pode ver na primeira competência específica de Computação, notadamente na habilidade codificada EM13CO05[1], que solicita “identificar os limites da Computação para diferenciar o que pode ou não ser automatizado, buscando uma compreensão mais ampla dos limites dos processos mentais envolvidos na resolução de problemas” (BRASIL, 2022, p. 64).
Ao apresentar o exemplo correspondente à habilidade matemática, dizendo que tem relação direta com a Computação, a habilidade EM13MAT315[2] pertencente à terceira competência específica da área da Matemática e suas Tecnologias, propõe “investigar e registrar, por meio de fluxograma, quando possível, um algoritmo que resolve um problema” (BRASIL, 2018, p. 537). Se observarmos o texto de cada uma das habilidades expostas, podemos indagar: o professor que ensina Matemática é formado para compreender a relação entre a habilidade matemática e a computacional e associar ao conteúdo a ser trabalhado?
Essa preocupação é sugerida nas entrelinhas do documento e nossa preocupação com os professores que ensinam matemática se alinha à nossa área de interesse que envolve o Pensamento Computacional e a formação de professores. O termo PC aparece 9 vezes na BNCC (BRASIL, 2018), e 12 vezes no Referencial Curricular para o Ensino Médio do Paraná (PARANÁ, 2020), na área da Matemática e suas Tecnologias e, por estar presente em alguns exemplos que veremos na compreensão das competências específicas, sendo este “[...] concorrentemente entendido como habilidades necessárias do século XXI” (BRASIL, 2022, p. 9).
Como se pode depreender do exposto e registrado na legislação, pouco se fala sobre a formação de professores na normativa, que a considera um conjunto de ações e políticas a ser proposto “[...] para que sejam maximizados os resultados positivos” (BRASIL, 2022, p. 11), no qual o primeiro parâmetro que se mostra é a formação de professores. Sugere ao Ministério de Educação (MEC) que "[...] estabeleça Estrutura Operacional composta por especialistas para acompanhar a Implementação dessa política” (BRASIL, 2022, p. 13), apresentando apenas competências e habilidades que precisam ser trabalhadas, porém não explicita sobre sua operacionalização na formação continuada de professores.
Sobre a implantação da BNCC, Branco et al. (2022, p. 164, grifo nosso), consideram que “é urgente, também, que se estabeleçam discussões sobre as demandas da formação docente [...]”, visto que na BNCC está evidenciado que “[...] a primeira tarefa de responsabilidade direta da União será a revisão da formação inicial e continuada dos professores para alinhá-las à BNCC” (BRASIL, 2018, p. 21). E sendo a normativa um complemento à BNCC, entendemos que a recomendação destes autores deve ser estendida à Computação na Educação Básica.
De acordo com a normativa, a formação de professores “[...] pode ocorrer paulatinamente, de modo a tornar exequível a implementação gradativa e incremental do processo” (BRASIL, 2022, p. 12) e ainda indicou ser viável durante o período da Pandemia da Covid-19, a oferta de cursos online, e que esse tipo de oferta de formação pode ser estendido para além desse período.
A normativa explicita o seguinte sobre a formação de professores:
[...] a Computer Science Teaching Association (CSTA)[3] sugere quatro conjuntos de saberes relacionados a docentes: Knowledge and Skill (Conhecimento e habilidades); Equity and Inclusion (Equidade e Inclusão); Professional Growth and Identity (Conhecimento Profissional e Identidade); Instrucional Design (Design Instrucional); e Classroom Practice (Práticas em Sala de Aula) (BRASIL, 2022, p. 12, grifo nosso).
Essa ideia de saberes docentes pode ser aproximada das ideias de Tardif (2002, p. 61, [inserções nossa]), pois os saberes “[...] servem de base para o ensino [....]”, [não se limitando, o professor, apenas a conteúdos, mas sim, desempenhando seus papeis de forma autêntica e questionadora. Diante disso, Tardif ao descrever sobre sua experiência com professores, onde eles “[...] destacam a sua experiência na profissão como fonte primeira de sua competência, de seu ‘saber-ensinar’” (TARDIF, 2002, p. 61). Sobre o saber, o autor atribui “um sentido amplo que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser” (TARDIF, 2002, p. 60).
Partindo para os conjuntos de saberes que os professores precisam ter das competências e habilidades que serão trabalhadas na Computação, fica evidente na normativa que
Ao final do Ensino Médio, o estudante deve ter a habilidade de argumentar sobre algoritmos (processos), tendo meios de justificar porque a sua solução resolve o problema, bem como analisar os tipos e quantidades de recursos necessários à sua execução. Além dessas habilidades, deve dominar a técnica de refinamento, compreendendo que a solução de problemas complexos normalmente exige não somente decomposição, mas também a utilização de várias camadas de diferentes abstrações (BRASIL, 2022, p. 30-31, grifo nosso).
A normativa enfatiza, ainda, que
[...] a elaboração de projetos de modelagem computacional envolve conceitos de Pensamento Computacional, Mundo Digital e de Cultura Digital de extrema relevância para o trabalho colaborativo na busca para problemas em diferentes áreas (BRASIL, 2022, p. 31, grifo nosso).
Os autores da normativa consideram que é necessário formação de professores, mesmo sem apresentação ou explicitação de indicações sobre os processos constituintes desta ou de outras pesquisas mais recentes sobre a temática. A normativa sugere ainda um conjunto de saberes docentes e que um acompanhamento deve ser feito, enfatizando que o estudante deve ter determinadas habilidades e que projetos de modelagem computacional sejam elaborados, porém, apresenta muitas fragilidades quanto à formação continuada de professores para ensinar Computação.
De toda essa exposição e de nossa análise e reflexão sobre a normativa, emergem questionamentos como: quem será o professor que irá trabalhar? Será um professor formado em Computação ou Matemática? Será um professor de alguma disciplina específica? Como será implantado no Ensino Médio? O que mais se destaca é o alinhamento a projetos internacionais de formação de cidadãos para o mercado de trabalho, políticas de econômicas para a Educação, portanto, mais centrada em uma dimensão política do que com questões inerentes à escola e aos estudantes.
Alves (2011, p. 26, grifo nosso) ao tratar sobre o processo formativo do sujeito, levando em consideração as ideias de Gadamer (2002), aponta que
A formação, considerada como algo que nos é possibilitado pela tradição, age em direção contrária à do reducionismo técnico, o qual não consegue ser fundador de sentido. Em sua trajetória, a ideia de formação assume uma proximidade com o conceito de cultura, no sentido de desenvolvimento das capacidades humanas, refletindo uma profunda mudança espiritual. A formação é o movimento do espírito, em vista do reconhecimento do estranho naquilo que é próprio, e torná-lo familiar. O conceito de formação sempre faz um movimento em que o sujeito afasta-se de si para se apropriar do sentido do mundo.
Essas considerações sobre o documento e sobre a concepção de formação docente, para além de uma racionalidade técnica, nos mobilizaram às interrogações de pesquisa que aqui perseguimos: “Como se mostram os sentidos verbais nas competências específicas da normativa?” e “Que implicações para a formação de professores decorrem das competências enunciadas nas Normas sobre Computação, na etapa do Ensino Médio?”. Portanto, buscamos compreender o que a normativa propõe sobre formação de professores, para auxiliar na formação continuada dos professores que irão ensinar Computação no Ensino Médio, visto que ainda não se tem definido como isso será implementado e quem serão esses professores.
Essas interrogações se mostram pertinentes tanto filosófica quanto educacionalmente, pois permitem aprofundar sentidos e significados que se reúnem nas expressões do documento, sem seus fundamentos e sobre as implicações que decorrem dos sentidos que vão sendo assumidos ou rejeitados por aqueles sujeito da educação. Além disso, nos tiram de um lugar comum e nos situam em um mundo-horizonte vivo do qual participamos com os outros, que assim como nós, vivem este tempo. Para isso, passamos a detalhar os modos com e pelos quais perseguimos esse objeto de discussão teórica.
2 OS modos de proceder
Esta é uma pesquisa de cunho qualitativo, sendo uma análise documental, que “[...] consiste em delimitar o universo que será investigado. [...] [sendo que] as perguntas que o pesquisador formula ao documento são tão importantes quanto o próprio documento, conferindo-lhes sentido (KRIPKA; SCHELLER; BONOTTO, 2015, p. 245, [inserção nossa])”. Palmer considera esse movimento (1969, p. 17, [inserção nossa]) como uma “[...] interpretação literária [que] tem como tarefa falar da própria obra”. Assumiremos a hermenêutica como um modo ontológico da compreensão, visto que não é uma técnica ou método de análise, na busca pelo sentido do texto, visto que
A hermenêutica pode ser compreendida como a maneira pela qual interpretamos algo no movimento que interessa e constitui o ser humano, de formar-se e educar-se. A interpretação decorre de um texto, um gesto, uma atitude, uma palavra de abertura e relação com o outro, que é capaz de se comunicar, de interagir. A hermenêutica busca uma reflexão e uma compreensão sobre aquilo que vemos, lemos, vivenciamos, criando uma cultura imersa em diferentes tradições e experiências (SIDI; CONTE, 2017, p. 1945, grifo nosso).
Na hermenêutica “[...] em sua primeira acepção, foi utilizada como interpretação do significado das palavras, arte de interpretar o que está nos símbolos e também [sic] interpretação científica baseada na realidade humana” [voltando-se para o] “processo de instauração do sentido” (ALVES, 2011, p. 18, grifo nosso, inserção nossa). Porém, compreendemos a hermenêutica como um modo mais abrangente que engloba os aspectos científicos, mas os transcende, indo mais a fundo na historicidade e experiência humana como um todo (PALMER, 1969).
Não partiremos de categorias a priori, considerando que Gadamer (2003, p. 57) nos diz que “[...] diante de um texto, por exemplo, o intérprete não procura aplicar um critério geral a um caso particular: ele se interessa, ao contrário, pelo significado fundamentalmente original do escrito de que se ocupa”. Sendo assim, Josgrilberg (2017, p. 76) considera que “a hermenêutica situa-se como uma contínua preocupação humana de compreender (desejo de compreender): a compreensão é uma característica existencial e fundamental da existência: o ser humano vive num círculo de interpretação”. Na busca por interpretarmos algo que não está totalmente claro, “a interpretação é realizada também quando questionamos os significados postos pelo texto” (DUARTE; FARIAS; OLIVEIRA, 2017, p. 4).
Assumiremos este modo de pesquisar, considerando que “a hermenêutica relaciona-se diretamente com interpretação e com a compreensão dos fenômenos, das atitudes e dos comportamentos humanos, dos textos e das palavras” (SIDI; CONTE, 2017, p. 1946). Sobre a abordagem hermenêutica na área da Educação, (ALVES, 2011, p. 26) considera que “a formação é uma experiência do compreender, ou seja, que a formação humana é um conceito histórico, que coagula uma longa tradição e que se configura um elemento vital para as ciências humanas”.
No sentido de compreensão dos verbos, Deliberalli, Klüber e Boscarioli (2022) buscaram por compreender a Matemática e os sentidos que se manifestam nas competências específicas da área da Matemática e suas Tecnologias, no Referencial para o Ensino Médio do Paraná, apontam para o movimento dos verbos presentes em cada uma das competências. Os verbos destacados foram são: 1) “utilizar para interpretar”; 2) “propor ou participar para investigar”; 3) “utilizar para interpretar, construir e resolver; 4) compreender e utilizar para solucionar e comunicar”; 5) “investigar e estabelecer para empregar” (DELIBERALLI, KLÜBER; BOSCARIOLI, 2022, p. 245-246, grifo dos autores). Os autores concluem que a Matemática se encontra decentralizada dela mesma, visto que ao dizer que ela está focada na realidade, articulada ao social, cultural, político, econômico, tecnológico mostra uma inversão de paradigma do ponto de vista curricular.
Sob a atitude fenomenológica-hermenêutica que explicitamos, nos debruçaremos sobre as normas sobre Computação para a Educação Básica – complemento à BNCC, com vistas as implicações à formação de professores. Concomitante a isso, faremos a imersão sobre a formação de professores na BNCC e no Referencial para o Ensino Médio do Paraná, em específico na área da Matemática e suas Tecnologias. Somente, em seguida, nos dirigiremos às competências da Computação para o Ensino Médio presentes na normativa. Sendo assim, o sentido não foi suprimido da hermenêutica, mas foi ressignificado por conta da concepção de realidade da fenomenologia, que transcende o modo meramente científico de enquadrar explicações, como explicitado por PALMER (1969).
3 da compreensão das competências da computação para o ensino médio
O sentido de nossa análise é o hermenêutico, que é focado na compreensão. Compreender não é algo apenas intelectivo, ainda que o englobe, é um modo de ser da presença (ser-humano), portanto, ontológico. Compreender algo é, como afirmou Heidegger (2015), compreender a si mesmo (PALMER, 1969).
[...] A compreensão começa quando nos damos conta de que algo nos “incomoda”, que há algo a ser questionando, que o texto interpretado traz algo que nos faz pensar “sobre”. Este incomodar nada mais é do que nossos preconceitos, os elementos que determinam nosso ser, mas são uma pseudo compreensão da realidade, ou, até mesmo uma pseudo compreensão de nós mesmos. Pôr entre parênteses nossos juízos e nossos preconceitos exige uma reflexão radical sobre a própria ideia que temos de interrogação, questionamento. (DUARTE; FARIAS; OLIVEIRA, 2017, p. 5).
A partir do interrogado, buscamos, inicialmente, compreender o que se expressa como competência, denominada por Saviani (2013) como “pedagogia das competências” (SAVIANI, 2013) sendo aquela que emerge, é “um novo discurso sobre a formação humana [e] se apresenta prometendo ser capaz de responder às novas demandas do mercado de trabalho, sustentando um conjunto de idéias [sic] sobre como deve ser a formação do homem contemporâneo” (ARAUJO, 2004, p. 499, [inserção nossa], grifo nosso).
As competências, de um modo geral, são a “mobilização de conhecimentos” e as habilidades são as “atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana” (BRASIL, 2018, p. 8). No que se refere às Normas sobre Computação na Educação Básica, para que ocorra o desenvolvimento das habilidades possibilitando “[...] uso crítico, ético, seguro e eficiente das tecnologias digitais é necessário compreender o ‘mundo digital’ e como operam as suas ferramentas de hardware e software” (BRASIL, 20220, p. 8). Nesse sentido, Branco et al. (2022, p. 161, grifo nosso) consideram que
é lícito afirmar que a BNCC indica conhecimentos, habilidades, competências e aprendizagens essenciais, que influenciarão a reformulação de currículos nas escolas de Educação Básica, fomentando alterações na formação de professores, na avaliação e na elaboração de conteúdo.
A normativa considera que o Mundo Digital será explicado pela Computação e para que isso de fato aconteça, apresenta “a necessidade de inclusão de seus fundamentos nos objetivos de aprendizagem nas competências elencadas na BNCC” (BRASIL, 2022, p. 8). Logo, baseando-se na normativa, espera-se com o ensino de Computação, dentre outras, “[...] desenvolver competências essenciais com vistas a promover um cidadão capaz de pensar, analisar, planejar, testar, avaliar, criar e aplicar tecnologias digitais de maneira ética e responsável, contribuindo para o protagonismo do indivíduo e da nação” (BRASIL, 2022, p. 1).
As competências presentes na normativa, etapa Ensino Médio, são organizadas em sete, distribuídas em vinte e seis habilidades com suas devidas descrições e exemplificações, mesmo que possam ser consideradas insuficientes, mas que auxiliam o leitor/professor/formador a compreender o que se quer com cada uma delas. Cada uma das sete competências específicas é iniciada por verbos que indicam o que deve ser feito e para onde devem seguir. No Quadro 1, observamos cada uma das competências específicas, o seu número de habilidades e os verbos organizados “do que para o que”.
Competência específica | Nº de Habilidades | Do que | para | O que | Para |
1ª | 6 | Compreender | As possibilidades da Computação para | Resolver | Problemas. |
2ª | 2 | Analisar | Criticamente artefatos computacionais para | Identificar | As vulnerabilidades dos ambientes e das soluções computacionais. |
3ª | 3 | Analisar | Situações do mundo para | Solucionar | Problemas. |
4ª | 6 | Construir | Conhecimento para | Produzir | Informação e/ou artefatos que proporcionem experiências para si e os demais. |
5ª | 2 | Desenvolver | Projetos para | Investigar | Desafios do mundo contemporâneo. |
6ª | 3 | Expressar e partilhar | Informações, ideias, sentimentos e soluções | ||
7ª | 4 | Agir | Pessoal e coletivamente para | Identificar/ Reconhecer | Seus direitos e deveres. |
Tomar | Decisões. |
Na Figura 1, sintetizamos como se apresentam as competências específicas para o Ensino Médio nas Normas sobre Computação na Educação Básica – Complemento à BNCC, considerando o ponto de partida, “do quê” para “o quê”.
Não significa, necessariamente, que precisem seguir essa ordem, porém esse é ordenamento explicitado nas competências específicas. Diante disso, buscamos compreender os significados dicionarizados dos verbos apresentados na Figura 1, bem como se apresentam na BNCC, no Referencial Curricular para o Ensino Médio do Paraná e nas normas sobre Computação para a Educação Básica (nessa ordem), para compreendermos o que se quer com as competências apresentadas em cada um dos documentos. É importante destacar que escrutinamos os três documentos para alargar a compreensão da temporalidade e da tessitura daquilo que buscamos esclarecer neste texto, ou seja, a formação de professores.
3.1 Para além da palavra e do sentido imediato
Neste momento iremos aos verbos e sua compreensão além dos sentidos mais imediatos, para posteriormente organizar as ideias explicitas ou latentes, concernentes aos verbos destacados e que se entrelaçam. Como estamos tratando de algumas palavras em específico, indo além da própria palavra, destacamos a sua frequência em cada documento norteador, bem como buscamos compreender como cada uma delas se apresentam, para assim irmos além do sentido imediato de cada uma delas. Por isso, se faz necessário a busca por essas palavras não somente na normativa, mas nos documentos que dão suporte a ela.
3.1.1 O compreender
No Quadro 2, vamos aos documentos norteadores na busca pelo verbo compreender. Em cada um dos documentos identificamos a quantidade de vezes que o verbo aparece e buscamos compreender como ele se apresenta.
Documento | Quantidade | Como se apresenta |
BNCC | 176 | Como uma capacidade do PC; no uso de software e aplicativos; na constituição de espaços culturais (linguagens, identidades, fenômenos, processos de produção, territórios, fronteiras, significados de objetos, fundamentos de ética, rompimento de visões, dar voz ao outro etc.); em princípios e procedimentos metodológicos; formas de persuadir com o discurso (códigos de comunicação, comportamento, particularidades da linguagem) ; realidade de ações; ideias e modos de interpretação (leis, teorias, modelos etc.); política; natureza; o mundo (natural, social e tecnológico) (BRASIL, 2018). |
RCEM/PR | 16 | Na Educação Matemática, com o uso das tecnologias na construção e aplicabilidade de conhecimentos matemáticos; na leitura matemática de informações (meios de comunicação, redes sociais); na Matemática (relevância no mundo (científico) e na realidade); na avaliação (processo, finalidade, buscando “novas e diferentes formas de chegar ao conhecimento”, (PARANÁ, 2020, p. 557)). |
Normas sobre Computação na Educação Básica | 44 | No conjunto de habilidades cognitivas do PC (problemas e soluções); adequação dos fundamentos computacionais; no domínio de habilidades digitais; PC; MD; transformação do mundo digital (fundamentos nas diversas áreas); princípios da ciência da computação (ciência); análise crítica e argumentação (social, cultural, ético, científico, político, econômico, autonomia, colaboração e protagonismo). (BRASIL, 2022). |
Aprofundando os significados de compreender, pode-se dizer que é “passar de uma exteriorização do espírito à sua vivência originária, isto é, ao conjunto de atos que produzem ou produziram sob as formas mais diversas - gesto, linguagem, objetos da cultura etc. - a mencionada exteriorização” (MORA, 1994, p. 506). A noção de compreender “como atividade cognitiva específica, diferente do conhecimento racional e de suas técnicas explicativas” (ABBAGNANO, 2007, p. 184), pode ser considerada como a “descoberta do eu no tu” (ABBAGNANO, 2007, p. 185). Na Língua Portuguesa, pode ser considerado como o ato de “desenvolver um ponto de vista sobre certa coisa ou pessoa” (DICIO, 2022). (MORA, 1994, p. 442) considera que compreender “é apreender as formas desde as menos puras até as mais puras segundo os graus de abstração”, porém, compreender é diferente de entender algo. E essa é a principal conotação do documento, a qual instrumentaliza o sentido da compreensão.
No sentido da instrumentalização, Cyrino (2013, p. 5200) evidencia “a pouca eficácia de programas de formação continuada pautados em cursos de treinamento, porque estes muitas vezes não levam em consideração as diferentes necessidades da prática do professor”. Perrenoud (1998) já considerava que o professor em sala de aula não deve seguir apenas a trilha da aula, mas sim, ter a possibilidade de adaptar determinadas situações, permitir-se questionar, organizar interações que permitam confrontar os alunos com as situações problemas, considerando que “[...] cabe aos profissionais avaliar a pertinência dos procedimentos disponíveis em cada contexto e, eventualmente, adapta-los [sic] à situação (...) (p. 221)” (PERRENOUD, 1998, p. 208).
3.1.2 O analisar
No Quando 3, vamos aos documentos norteadores na busca pelo verbo analisar. Em cada um dos documentos identificamos a quantidade de vezes que o verbo aparece, e buscamos compreender como ele se apresenta.
Documento | Quantidade | Como se apresenta |
BNCC | 306 | No movimentar-se de populações e mercadorias (culturas e religiões, patrimônios, formas de registros; visões de mundo, manifestações artísticas, diferentes modos de vida, formação de territórios e fronteiras, produção, capital e trabalho); na apropriação de conteúdos; processos históricos; fenômenos e processos; na solução de problemas (situações-problema, prever efeitos, realizar previsões); estratégias; organização e progressão curricular; na criticidade; conhecimento científico e tecnológico (social, ambiental, saúde humana, formação cultural); fenômenos naturais e tecnológicos; processos políticos, econômicos e sociais (BRASIL, 2018). |
Referencial Curricular para o EM/PR | 20 | Em objetos do conhecimento matemático (desenvolver habilidades); situações; como uma capacidade do PC; problemas sociais, econômicos e políticos (construção de modelos e soluções); transformações isométricas e homotéticas (elementos da natureza, fractais, flocos de neve etc.); na estatística (tabelas e gráficos) (PARANÁ, 2020). |
Normas sobre Computação na Educação Básica | 30 | Na resolução de problemas (do cotidiano; algoritmos, dados, soluções, recursos); nas tecnologias digitais (linguagem de programação); no PC; impactos sociais, culturais, científicos, tecnológicos, econômicos; na criticidade (BRASIL, 2022). |
O analisar corresponde à “[...] descrição ou interpretação de uma situação ou de um objeto qualquer nos termos dos elementos mais simples pertencentes à situação ou ao objeto em questão” [em resumo, entendemos que a finalidade desse processo] “[...] é decompor (ou resolver) a situação ou o objeto nos seus elementos” (ABBAGNANO, 2007, p. 50, grifo do autor). Na Língua Portuguesa, pode-se dizer que é o ato de “retirar os componentes presentes num todo” (DICIO, 2022). Por um lado. esse modo de proceder pode se referir à experiência científica que se deseja desenvolver nos estudantes. Por outro, pode ser feito em uma perspectiva técnica, uma vez que o próprio compreender é tomado apenas em seu sentido mais imediato.
3.1.3 O construir
No Quadro 4, vamos aos documentos norteadores na busca pelo verbo construir. Em cada um dos documentos identificamos a quantidade de vezes que o verbo aparece e buscamos compreender como ele se apresenta.
Sinônimo de produzir, considerado o ato de “fazer passar a ser alguma coisa que poderia não ser” (ABBAGNANO, 2007, p. 936) ou seja fazer algo que não foi feito anteriormente, afirmado também por Platão. Na Língua Portuguesa, construir pode significar “reunir diferentes partes” (DICIO, 2022). Em termos educacionais e cognitivos, pode se referir aos processos de construção do conhecimento do sujeito, entretanto, o modo como está destacado diz mais de artefatos e relações exteriores do que da própria necessidade de construção. Reforçando a ideia de saber operacional, visto que “tais políticas são concebidas por organismos internacionais, que buscam sempre um saber técnico-científico e operacional dos(as) docentes, como o cumprimento de metas” (MORAIS, 2023, p. 7). Convém lembrar que as normas da CSTA foram configuradas por associações como Association for Computing Machinery, Code.org, Cyber Innovation Center, and National Math and Science Initiative (RIBEIRO et al., 2012, p. 283), consideradas importantes organizações no contexto em questão.
Documento | Quantidade | Como se apresenta |
BNCC | 103 | No sentido de características socioeconômicas; organização curricular (propostas pedagógicas, aprendizagem, valorização do mundo e identidade); avaliação (procedimentos e resultados, experiências); eixos estruturantes (conhecimento por meio de ações e interações, significados); identidade pessoal (autoestima, perseverança); processo de reflexão; conhecimentos matemáticos (relatórios, sequências, significados, argumentações); levantamento, análise e representação (argumentos, modelos, explicações sobre a realidade); formação ética; desafios da sociedade contemporânea; projetos (sociais, políticos, tecnológicos, culturais); integração com a Matemática; itinerários formativos (projetos de integração); na criticidade; estratégias tecnológicas (BRASIL, 2018). |
Referencial Curricular para o EM/PR | 17 | Na construção de modelos matemáticos; argumentações consistentes; procedimentos matemáticos (construção de ferramentas); visão de mundo (projeto de vida e cidadania); elementos da natureza; criticidade a realidade; solução de problemas (PARANÁ, 2020). |
Normas sobre Computação na Educação Básica | 8 | No sentido de solucionar problemas (artefatos tecnológicos, soluções, processos, mundo digital e mundo real); fundamentos computacionais; PC; algoritmos; modelos computacionais (BRASIL, 2022). |
3.1.4 O desenvolver
No Quadro 5, vamos aos documentos norteadores na busca pelo verbo desenvolver. Em cada um dos documentos identificamos a quantidade de vezes que o verbo aparece e buscamos compreender como ele se apresenta.
Documento | Quantidade | Como se apresenta |
BNCC | 71 | No sentido de dimensão cronológica; saberes musicais; autonomia; criticidade; autoridade; trabalho coletivo; raciocínio lógico; pensamento numérico; aproximação; pensamento geométrico; conceitos de congruência; habilidades; ferramentas digitais; solução de problemas; ações de intervenção; pensamento espacial; sustentabilidade; posturas coletivas; compreensão do mundo; procedimentos de investigação; conceito de ambiente; senso crítico; investigação; perspectivas religiosas; senso estético; comunicação; projetos de vida; integração; autoconhecimento; compreensão; PC; processos de investigação; autoestima; ações de intervenção; prevenção; noção de tempo; igualdade educacional (BRASIL, 2018). |
Referencial Curricular para o EM/PR | 26 | Na capacidade de elaborar conjecturas e indicar suas limitações; fazer previsões, estimativas, análises e inferências; pensamento matemático; habilidades; competências; PC; nas representações; situações problemas; pensamento geométrico; identificar e utilizar as transformações isométricas e homotéticas; interpretar e representar a localização e o deslocamento de uma figura no plano cartesiano (PARANÁ, 2020). |
Normas sobre Computação na Educação Básica | 6 | Na informática educativa; no desenvolvimento do aluno da Educação Básica; projetos autorais e coletivos de diversas naturezas; PC; noções básicas de algoritmos (BRASIL, 2022). |
Pressupõe-se que o processo de desenvolvimento é “[...] o fim para o qual se move e o princípio ou causa de si mesmo” (ABBAGNANO, 2007, p. 284). Na Língua Portuguesa, “fazer prosperar” [ou] “aumentar o conhecimento intelectual” [ou] “provocar a existência de” [ou] “propagar-se” (DICIO, 2022, [inserção nossa]). Esses verbos possuem conotações de desenvolvida dos sujeitos, tanto para a sua plena inserção na sociedade, quanto para o seu próprio sucesso individual. Em certo sentido, é um verbo com função axiológica, porque impõe a finalidade de desenvolver-se, de se promover e promover o sentido pleno entre os demais sujeitos. Contudo, também pode ser visto apenas no sentido linear, de uma via progressiva. Assim, o cuidado sobre modo de enfrentar esse entendimento precisa de uma clara concepção de pessoa, para não se esvaziar no objetivo em si.
3.1.5 O expressar
No Quadro 6, vamos aos documentos norteadores na busca pelo verbo expressar. Em cada um dos documentos identificamos a quantidade de vezes que o verbo aparece e buscamos compreender como ele se apresenta.
Documento | Quantidade | Como se apresenta |
BNCC | 40 | No sentido criativo; ideias e sentimentos (crenças, dúvidas, posições); respostas e soluções; regularidades; comparações; na compreensão do mundo; informações, experiências; fazer investigativo; criatividade; nas formas de pensar; respostas e conclusões; regularidades; resultados de comparação; resolução de problemas; na educação matemática; dinâmica da vida em sociedade; generalizações; na cultura; campo das experiencias (BRASIL, 2018). |
Referencial Curricular para o EM/PR | 7 | Na modelagem matemática; representação de padrões (PARANÁ, 2020). |
Normas sobre Computação na Educação Básica | 4 | No uso das tecnologias digitais; na criatividade e criticidade; informações, ideias, experiências, respostas (BRASIL, 2022). |
Entende-se expressão como a “[...] manifestação por meio de símbolos ou comportamentos simbólicos [contudo] [...] pode-se chegar ao conhecimento das propriedades correspondentes da coisa que se quer expressar” (ABBAGNANO, p. 484, inserção nossa). Na Língua Portuguesa, esse movimento significa “exprimir-se (manifestar) através de palavras, comportamentos e/ou atitudes” [ou] “manifestar-se como sinal ou significação de” (DICIO, 2022, inserção nossa). Expressar, então, refere-se às sínteses, à comunicação, a algo que se espera de um sujeito escolarizado e que se comunica formal e cientificamente. Sem dúvida é uma habilidade importante a todo ser humano e em especial, aos cidadãos deste tempo. É algo que se buscar desenvolver como uma possibilidade de avaliar a aprendizagem, por exemplo. Está dirigido para os objetos de conhecimento, técnicos e tecnológicos do nosso tempo, assumidos como culturalmente relevante. Porém, expressar pode ter a conotação se tornar aquilo que comunica. Essa visão mais funda, independentemente de assumir concepções de competências e habilidades é uma exigência ontológica do sujeito, sem a qual, o sentido da própria existência se esvazia, sem se expressar (PALMER, 1969).
3.1.6 O partilhar
No Quadro 7, vamos aos documentos norteadores na busca pelo verbo partilhar. Em cada um dos documentos identificamos a quantidade de vezes que o verbo aparece e buscamos compreender como ele se apresenta.
Documento | Quantidade | Como se apresenta |
BNCC | 5 | Informações, experiências, ideias, sentimentos, conhecimento; gostos e interesses, oportunizar vivências (BRASIL, 2018). |
Referencial Curricular para o EM/PR | 0 | (não foi possível identificar) |
Normas sobre Computação na Educação Básica | 3 | Informações, ideias, sentimentos, soluções computacionais (BRASIL, 2022). |
Sinônimo de distribuir, é considerado “a multiplicação de um termo comum operada mediante um signo universal” [...] “atribuição ao todo” (ABBAGNANO, 1962, p. 273). Na Língua Portuguesa, significa “dividir em muitas partes” [ou] “compartilhar, ter participação em” (DICIO, 2022, [inserção nossa]).
Assim como a competência de desenvolver, esse verbo tem um sentido axiológico. Diz de uma atitude e de seus desdobramentos. Não compreendemos que isso possa ser tomado como uma competência em si, porque é apenas no decurso da vida que assume o valor da partilha, superando as próprias crenças e avançando no sentido de compartilhar aquilo que já alcançou ou que pensa ter alcançado. Compartilhar exige uma responsabilidade, uma adesão a um ethos de um povo, na certeza de que isso é relevante para si e para os outros.
3.1.7 O agir
No Quadro 8, vamos aos documentos norteadores na busca pelo verbo agir. Em cada um dos documentos identificamos a quantidade de vezes que o verbo aparece e buscamos compreender como ele se apresenta.
Documento | Quantidade | Como se apresenta |
BNCC | 11 | Criticamente no mundo; com protagonismo; pessoal e coletivamente; na tomada de decisões; no modo próprio de pensar e sentir; de modo independente e confiante (BRASIL, 2018). |
Referencial Curricular para o EM/PR | 8 | Reflexivamente em situações problema; saber como; no pensamento matemático; na criticidade; nas perspectivas; na realidade; aprendizagem significativa; na construção do conhecimento (PARANÁ, 2020). |
Normas sobre Computação na Educação Básica | 3 | Pessoal, e coletivamente, recorrendo a recursos computacionais para resolver situações e tomar decisões (BRASIL, 2022). |
Ação que é o resultado do verbo agir, é considerado um termo generalíssimo denotando “qualquer operação, considerada sob o ângulo do termo do qual a operação tem início ou toma a iniciativa” [podemos dizer que a ação pode ser livre, voluntária ou responsável, ou seja] “própria do homem e qualificada por condições determinadas”, [sendo assim, são significados de ação] “o produzir, o causar, o agir, o criar, o destruir, o iniciar, o continuar, o terminar etc.” (ABBAGNANO, 1962, p. 8, [inserção nossa]).
Para Aristóteles, “é o processo, e também [sic] o resultado, de atuar” (MORA, 1994, p. 33) sendo, uma consequência de determinadas escolhas. Nesse sentido, a ação que possui “tantos e tão diversos sentidos que é pouco recomendável usá-los fora do contexto ou sem especificar o seu emprego” (MORA, 1994, p. 33). Na Língua Portuguesa, significa “fazer alguma coisa” [ou] “fazer com haja algum tipo de comportamento, efeito e reação” (DICIO, 2022, [inserção nossa]).
Esse significado de agir é agir sobre algo, alguém. Possui relação com tomada de decisão, gerenciando a sua forma de pensar e interferir. Age-se de um modo para se obter resultados. Aqui também há um fundo axiológico, não é um agir qualquer é adjetivado, requerente de adesão a pontos de vistas que são importantes. Novamente, a mera adesão como competência é, no mínimo, insuficiente para tanto. É preciso fortalecer ambientes em que a criticidade, a reflexão e a autonomia para decidir e agir sejam incentivados, praticados e valorizados.
Considerações finais
Na medida em que os documentos foram desvelados para este artigo, buscando responder às interrogações de pesquisa: “Como se mostram os sentidos verbais nas competências específicas da normativa?” e “Que implicações para a formação de professores decorrem das competências enunciadas nas Normas sobre Computação, na etapa do Ensino Médio?”, chegamos ao entendimento de que existem inúmeras lacunas de pesquisa que precisam ser estudadas quando se trata sobre formação de professores.
Na normativa, a Computação apresenta-se para solucionar problemas, assim como na área da Matemática e suas Tecnologias. Destacamos a importância de estudar a Computação relacionada com a Matemática, visto que muito se fala do uso de tecnologias digitais na descrição das suas habilidades, e mais importante ainda, é refletirmos em como se dará a formação continuada para os professores que ensinam Matemática.
Ao estudarmos o texto introdutório das Normas sobre a Computação na Educação Básica, observamos dentre as várias preocupações de implementação, a formação de professores com base nos parâmetros propostos. Porém, como será realizada a formação continuada dos professores que irão trabalhar com essas competências e habilidades? A normativa apresenta exemplos que podem dar uma ideia de como se deve prosseguir no processo de ensino e aprendizagem, porém, é algo muito vago e superficial para os professores/formadores.
Diante da importância evidenciada neste artigo sobre a formação de professores, consideramos relevante olharmos com atenção para os saberes do professor expostos, bem como para o que a normativa e os documentos oficiais direcionam para a elaboração e oferta de formações à professores.
Sendo a Computação na Educação Básica entendida na normativa, é considerada como item de sobrevivência em cadeias produtivas, visto que deixa bem explícita a preocupação com a chamada Indústria 4.0, da Internet das Coisas aplicadas à manufatura, onde faz-se necessário ter o domínio de habilidades digitais para não ser meros consumidores de informações, mas é preciso estar atento e dar a devida importância à formação dos professores e, principalmente, ao aprendizado significativo construído pelo aluno.
A Computação será um componente curricular, e como essa discussão é nova, muitos questionamentos ainda estão em aberto, a exemplo de como a Computação e suas respectivas normativas serão trabalhadas na prática da Educação Básica, de quem será o professor que irá trabalhar efetivamente com essa disciplina e de como se dará formação continuada desses professores. Sendo assim, reforçamos a necessidade de discussões sobre propostas de formações em grupos de pesquisas nas universidades, juntamente com professores que estão nas salas de aula nos colégios, para entendermos a real necessidade desses professores em sua práxis.
Naquilo que concerne à formação humana, os principais verbos destacados da normativa, precisam ser vislumbrados, para além da pedagogia das competências, pois indicam muito mais que isso, remetendo à práxis humana, a valores compartilhados pela e para a sociedade, bem como exigem uma formação da pessoa do professor e não para listar as referidas competências. O documento prescreve competências sem compreender a profundidade das ações que são requeridas e isso é prejudicial à formação humana em sua totalidade. Desde modo, torna-se de suma importância a reflexão e a ação dos professores contrariamente à racionalidade técnica, tomando o documento como um norte e abertura e não como dogma a ser seguido, portanto, passível de ser transcendido em possibilidades teóricas e práticas.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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Notas