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DO ESPAÇO AO LUGAR: a horta escolar como elemento chave para o estímulo ao sentimento de pertencimento no ensino formal
FROM SPACE TO PLACE: the school vegetable garden as a key element for stimulating a sense of belonging in formal education
DEL ESPACIO AL LUGAR: el huerto escolar como elemento clave para fomentar el sentimiento de pertenencia en la enseñanza formal
Revista Espaço do Currículo, vol. 16, núm. 2, pp. 1-16, 2023
Universidade Federal da Paraíba

Artigos

Revista Espaço do Currículo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
ISSN: 1983-1579
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 16, núm. 2, 2023

Recepção: 10 Julho 2023

Aprovação: 24 Agosto 2023


Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.

Resumo: O presente artigo parte da premissa da importância que têm os coletivos na construção de um novo espaço pedagógico. O texto foi elaborado a partir de um recorte do estudo de caso realizado na Escola Municipal Pedro Ernesto, localizada no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro, Brasil. A investigação objetiva a análise crítica e reflexiva do processo de apropriação e do sentimento de pertencimento na construção coletiva da horta pedagógica agroecológica da unidade escolar. As sequências didáticas foram desenvolvidas entre maio de 2021 e maio de 2023. O conjunto metodológico foi centralizado na pesquisa-ação, complementado por rodas de conversa. Contou com a participação direta de 350 estudantes pertencentes a 9 turmas do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental I, 10 docentes, 1 coordenadora pedagógica, 2 diretoras, 2 agentes educacionais, 3 merendeiras, 2 pessoas de manutenção e 1 pesquisadora. Para a coleta de resultados, foram utilizadas as entrevistas semiestruturadas e a sistematização de sentimentos das crianças por meio de nuvens de palavras produzidas coletivamente. Observou-se, ao longo da construção coletiva na horta, que as/os estudantes foram ganhando seu próprio lugar, tendo voz e autonomia, gerando um sentimento de cuidado, carinho e identidade, pois o espaço lhes pertence. Esse sentimento favoreceu a consolidação e a real introjeção do aprendizado, estimulando os fazeres-saberes.

Palavras-chave: Ecopedagogia, Educação Ambiental Crítica, Apego ao lugar, Interdisciplinaridade, Aprendizagem Significativa.

Abstract: This article starts from the premise of the importance that collectives have in the construction of a new pedagogical space. The text was elaborated from an excerpt of the case study carried out at the Pedro Ernesto Municipal School, located in the Lagoa neighborhood, in Rio de Janeiro, Brazil. The research aims at the critical and reflective analysis of the process of appropriation and the sense of belonging in the collective construction of the agroecological pedagogical garden of the school unit. The didactic sequences were developed between May 2021 - May 2023. The methodological set was centered on action-research, complemented by conversation circles. It had the direct participation of 350 students belonging to 9 classes from the 1st to the 5th year of Elementary School, 10 teachers, 1 pedagogical coordinator, 2 directors, 2 educational agents, 3 cooks, 2 maintenance people and 1 researcher. For the collection of results, semi-structured interviews were conducted and children's feelings were systematized through collectively generated Word Clouds. It was observed, throughout the collective construction in the school vegetable garden, that the students were gaining their own place, having a voice and autonomy in the space, generating a feeling of care, affection, and identity, as the space belongs to them. This feeling favored the consolidation and real internalization of learning, actively fostering the creation of knowledge.

Keywords: Ecopedagogy, Critical Environmental Education, Place attachment, Interdisciplinarity, Meaningful Learning.

Resumen: El presente artículo parte de la premisa de la importancia que tienen los colectivos en la construcción de un nuevo espacio pedagógico. El texto fue elaborado a partir de un recorte del estudio de caso realizado en la Escuela Municipal Pedro Ernesto, ubicada en el barrio de Lagoa, en Río de Janeiro, Brasil. La investigación objetivó el análisis crítico y reflexivo del proceso de apropiación y del sentimiento de pertenencia en la construcción colectiva del huerto pedagógico agroecológico de la unidad escolar. Las secuencias didácticas se desarrollaron entre mayo de 2021 y mayo de 2023. El conjunto metodológico se centró en la investigación-acción, complementado por círculos de conversación. Contó con la participación directa de 350 estudiantes pertenecientes a 9 clases de 1º a 5º año de la Educación Primaria, 10 docentes, 1 coordinadora pedagógica, 2 directoras, 2 agentes educativos, 3 cocineras, 2 personas de mantenimiento y 1 investigadora. Para la recopilación de resultados, se utilizaron entrevistas semiestructuradas y la sistematización de los sentimientos de las/os niñas/os a través de nubes de palabras producidas colectivamente. A lo largo de la construcción colectiva en el huerto pedagógico, se observó que las/os estudiantes fueron ganando su propio lugar, teniendo voz y autonomía en el espacio, generando un sentimiento de cuidado, cariño e identidad, ya que el espacio les pertenece. Este sentimiento favoreció la consolidación y la verdadera internalización del aprendizaje, estimulando la acción de aprender haciendo.

Palabras clave: Ecopedagogía, Educación Ambiental Crítica, Apego al lugar, Interdisciplinariedad, Aprendizaje Significativo.

1 INTRODUÇÃO

A concepção de práticas ecopedagógicas da educação ambiental crítica no ensino formal para o desenvolvimento das habilidades curriculares promove, além do aprendizado dos conhecimentos escolares, o espírito crítico de estudantes e a aprendizagem significativa. Um processo de ensino e aprendizagem ecopedagógico, quando dialógico e embasado na reflexão sobre a realidade, no estudo questionador sobre as necessidades reais, fundado na análise, na interpretação, na reflexão, na organização, na codificação e decodificação, como traz Moacir Gadotti (2000), promove mudanças de comportamento e de mentalidade singulares às da participação cidadã. Permite uma construção ativa, inventiva e coletiva no cotidiano escolar que articula fazeres-saberes cujos “conhecimentos são tecidos em meio às redes de saberes dos praticantes que o formam” (GARCIA & BOTELHO, 2020, p.534).

Ainda de acordo com Gadotti (2000), esse processo fortalece a aptidão de estudantes para a adaptação às novas circunstâncias da sociedade e, quanto mais contínuo, maior sua capacidade em formar cidadãs/os críticas/os, socioambientalmente conscientes e comprometidas/os com atitudes responsáveis e éticas (Albanus, 2008; Mizukami, 1986; Ceccon, 2012). Na perspectiva de Gutiérrez e Prado (2002, p.15), esse “cidadão crítico e consciente” é o que entende, importa-se e luta pelos direitos ambientais ao mesmo tempo em que está disposto a agir responsavelmente por suas convicções. São educandas/os que aproveitaram as experiências vivenciadas, aceleraram a construção de novas estruturas mentais e progrediram na sua capacidade de explorar o ambiente (Fracalanza et al, 1986).

Em um espaço de educação formal onde as práticas apresentam sentimentos e significados, essas/es educandas/os entrelaçam, às suas diversas dimensões da vida cotidiana os fazeres-saberes de forma horizontal (Süssekind e Lopes, 2020). Essa valorização do local e o ineditismo em situar o conhecimento nas/nos praticantes transformam a escola em um ambiente propício de construção de referências permitindo a compreensão do mundo ao redor, uma vez que representa uma educação com a identidade e com o senso de pertencimento social individual (Callai, 2004).

No âmbito do Ensino Fundamental, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) nº 9.394/96, as propostas curriculares devem visar o desenvolvimento de educandas/os por meio do “fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social” (BRASIL, 1996, art. 32). Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (DCNs) reforçam o olhar de que “o aprendizado dos conhecimentos escolares têm significados diferentes conforme a realidade do estudante” (BRASIL, 2013, p. 146). Afinal, em um ambiente escolar no qual as inter-relações são facilitadas e as aprendizagens significativas fomentadas, há a geração de motivações (Callai, 2004). Moreira explica que

[...] a aprendizagem significativa se caracteriza pela interação entre conhecimentos prévios e conhecimentos novos, e que essa interação é não-literal e não-arbitrária. Nesse processo, os novos conhecimentos adquirem significado para o sujeito e os conhecimentos prévios adquirem novos significados ou maior estabilidade cognitiva (MOREIRA, 2012, p. 2).

Segundo Gerda Speller (2005), são os processos cognitivos, afetivos e comportamentais os que colaboram para a vinculação da pessoa com o lugar[1]. De acordo com Gleice Elali e Thaís de Medeiros (2011, p.53), existem vários conceitos que abrangem as relações entre pessoa-ambiente, sendo o apego ao lugar um conceito “complexo e multifacetado”. Para que um espaço indiferenciado se transforme em um lugar com sentido, ou seja, em um espaço ao qual se atribui significado, é necessário conhecê-lo e dotá-lo de valor pela vivência e pelos sentimentos (Tuan, 2013; Cavalcante e Nóbrega, 2011). Um exemplo de intervenção constitui as práticas pedagógicas interdisciplinares, uma vez que

[...] a interdisciplinaridade assume um papel fundamental na promoção da aprendizagem significativa, fazendo com que tudo o que vivenciamos na vida se reflita no que somos, em como nos tornamos homens pela relação com o ambiente (ALBANUS, 2008, p.125).

Pedagogicamente utilizadas como espaços de ensino e aprendizagem carregados de práticas interdisciplinares, as hortas agroecológicas constituem espaços pedagógicos da educação formal potencializadoras da aprendizagem com sentido (Silva & Fonseca, 2011). Como exemplo, a reflexão durante as sequências didáticas baseadas em metodologias de ensino ativas têm o potencial de viabilizar a construção coletiva da aprendizagem significativa, relacionadas à realidade das pessoas envolvidas. Educandas/os e educadoras/es passam a integrar o processo construtivo do espaço ecopedagógico, compreendendo sua importância, apropriando-se dele e das suas práticas que, gradativamente, podem se tornar cotidianas, estimulando o desenvolvimento das suas próprias capacidades (Gutiérrez e Prado, 2002).

Diante da importância da potencialização dos valores atrelados aos sentimentos de identidade de grupo e de pertencimento, especialmente no contexto de retomada às aulas presenciais após 14 meses de isolamento social resultante da pandemia do COVID-19, o presente relato de experiência centra-se na análise crítica e reflexiva do processo de apropriação e do sentimento de pertencimento na construção coletiva da horta pedagógica agroecológica da Escola Municipal Pedro Ernesto.

2 METODOLOGIA

A Escola Municipal Pedro Ernesto (EMPE), localizada no bairro da Lagoa, no município do Rio de Janeiro, recebe estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental nos anos iniciais. O presente trabalho contou com a participação direta de 350 estudantes, 10 docentes, 1 coordenadora pedagógica, 2 diretoras, 2 agentes educacionais, 2 funcionários de manutenção, 3 merendeiras e 1 pesquisadora.

Ao longo de 24 meses, e no contexto de retomada gradativa das aulas presenciais, a investigação foi desenvolvida com base na pesquisa-ação (Montero, 2006; Thiollent,1986) e complementada pelas rodas de conversa (Mello et al, 2007; Afonso e Abade, 2008). Para a coleta de resultados, foram utilizadas: (a) as entrevistas semiestruturadas (Minayo, 2007) com a equipe pedagógica, (b) a sistematização por meio de nuvens de palavras construídas coletivamente nas rodas de conversa, que tiveram como eixo central avaliar os sentimentos das crianças com relação ao espaço ecopedagógico da horta, e (c) análises das artes plásticas desenvolvidas pelas crianças.

O conjunto metodológico apresentou duas fases: a primeira, de familiarização no sentido de dialogar com as pessoas participantes; e a segunda, de desenvolvimento das práticas agroecológicas e pedagógicas alicerçadas nos componentes curriculares.

As ações de familiarização têm o objetivo de promover, por meio do diálogo, o entendimento e reconhecimento das necessidades do campo de estudo assim como a comunicação sobre as intenções das práticas a serem desenvolvidas junto aos participantes da pesquisa-ação. No presente estudo, estas ações foram desenvolvidas ao longo de toda a investigação-ação, especialmente ao início de cada ano letivo escolar. De acordo com Maritza Montero (2006), as ações de familiarização trazem consigo interações que permitem às pessoas envolvidas, tanto internas quanto externas, descobrir e compreender melhor as características das outras, ao mesmo tempo em que se situam ou reposicionam em relação às próprias perspectivas. Elas criam uma teia de conexões essenciais para obter a participação da maior quantidade possível de membros da comunidade no trabalho que será realizado em conjunto. Simultaneamente, a autora ressalta a relevância da conduta esperada por parte das pessoas externas envolvidas no campo de estudo.

O comportamento dos agentes externos deve então ser franco, aberto, amigável, firme, sem subterfúgios. Deve-se evitar uma relação distante, fria e de natureza puramente técnica e é necessário tentar alcançar uma interação baseada na confiança, que seja alegre, vital e respeitosa, de modo que por sua vez produza respostas igualmente respeitosas e vivas (MONTERO, 2006, p. 76. Traduzido do espanhol ao português pelas autoras deste artigo).

No início de cada novo contato desta pesquisa, seja no começo ou com a chegada de novas/os estudantes ou docentes, procedemos com a assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos adultos, bem como do Termo de Assentimento Livre Esclarecido (TALE) pelas crianças. Essa etapa foi realizada rigorosamente para atender às exigências estabelecidas pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

No âmbito da familiarização institucional da presente pesquisa na EMPE, as atividades pedagógicas da horta agroecológica constituíram um novo eixo no Projeto Político Pedagógico da escola, denominado de Cidadania Planetária (EMPE, 2021), propiciando assim, a incorporação das práticas na grade curricular semanal de cada turma.

Com relação às práticas ecopedagógicas, estas foram desenvolvidas com base no planejamento dialógico (Yllas et al, 2023a), fundamentadas nos conceitos agroecológicos (Lorenzi et al 2019; Primavesi, 2016a; 2016b; 2020) e ecopedagógicos (Gadotti, 2000; Gutiérrez e Prado, 2002; Albanus, 2008). Cada turma, acompanhada de sua/seu docente, foi se aproximando do espaço da horta, na medida das suas possibilidades. Em consonância com Inês Oliveira “entendemos as práticas curriculares cotidianas, como associadas, sempre, às possibilidades daqueles que as fazem e às circunstâncias nas quais estes estão envolvidos” (OLIVEIRA, 2003, p.1). Como exemplo, no período da pesquisa houve o retorno gradativo das/os estudantes e docentes, de forma que em maio de 2021 a escola contou com uma frequência de 32 estudantes, e em maio de 2023 a frequência se estabilizou em 242 estudantes, uma vez que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a COVID-19 não configurava mais Emergência de Saúde Pública Mundial.

Consistindo inicialmente em um simples canteiro morto, o espaço da horta apresentava solo compactado e degradado (Figura 1a). Ao longo do presente estudo, as práticas agroecológicas entrelaçadas às habilidades curriculares forneceram o cuidado, os insumos, a força braçal e intelectual para a sua recuperação até o desenvolvimento das espécies (Figura 1b).


Figura 1
Área destinada para o desenvolvimento da Horta Ecopedagógica na Escola Municipal Pedro Ernesto
(a) Espaço em 2019; (b) Lugar em 2023. Compilação das autoras (2023)

Foram desenvolvidas, coletivamente, diversas sequências didáticas baseadas em metodologias de ensino ativas. Como exemplos, podem ser citados o desenho e construção de novos canteiros, consolidando o espaço da horta agroecológica; o plantio, a colheita e a degustação de sementes crioulas de milho, quiabo e amendoim, trazendo o debate sobre a ancestralidade (Yllas et al, 2022a); a elaboração e manutenção de armadilhas cromáticas como Manejo Integrado de Pragas (MIP), ampliando a discussão sobre a importância da agroecologia e a necessidade de evitar o uso de agrotóxicos (Yllas et al, 2023b); o estudo e a construção de um jardim de chuva pedagógico (Yllas et al, 2022b); o plantio de espécies dentro do desenho agroecológico do espaço para propiciar sinergias e consórcios nas plantações; o reaproveitamento dos cocos da feira livre, localizada ao lado do prédio da escola, como vasos para as semeaduras; a confecção de uma espantalha com materiais em desuso, que gerou discussões acerca da ausência do gênero femenino para este objeto na língua portuguesa, o que levou a uma reflexão sobre questões de gênero e a relevância das mulheres no contexto da agroecologia brasileira; entre outros.

O planejamento, desenvolvimento e posterior desdobramento de cada uma das práticas citadas, bem como a atuação das/os participantes na manutenção das áreas de pesquisa, sendo estas a horta, o jardim de chuva, o berçário, a compostagem e o minhocário, foram criteriosamente sistematizados. Para tanto, foram utilizados não apenas os conceitos agroecológicos e habilidades curriculares, mas também a escuta ativa da equipe de gestão escolar, docentes e crianças, dando prioridade à realidade local.

O retorno às aulas presenciais após 14 meses de isolamento social trouxe muitas incógnitas, tanto para a equipe pedagógica da escola, quanto para as crianças e famílias da comunidade escolar, assim como para a chegada da pesquisa universitária no chão da escola. Como seria essa construção coletiva da horta pedagógica num contexto pandêmico? Foi preciso repensar as abordagens, os diálogos, agora intermediados pelas máscaras de proteção individual, pelo uso do álcool em gel e o distanciamento físico, mesmo estando ao ar livre. Antes da pandemia do COVID-19 seria impensável um protocolo de segurança que exigisse o uso de álcool 70º para desinfetar ferramentas na horta escolar entre a utilização por diferentes pessoas, assim como também seria inaceitável precisar conter um abraço num momento emotivo com as/os participantes. Desta forma, os resultados aqui apresentados foram alcançados nesse contexto social mundial causado pela pandemia do COVID-19.

3 RESULTADOS

A análise e a discussão de resultados do presente trabalho foram divididas em duas seções com intuito de melhor expor os dados levantados. A primeira trata dos desdobramentos educativos, impregnados de sentido, vinculados aos componentes de Matemática, Geografia, História, Ciências Naturais e Língua Portuguesa, presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ministério de Educação brasileiro (MEC) e no Currículo Carioca da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ). A segunda seção analisa o sentimento de pertencimento e identidade de estudantes e docentes, ao longo dos 24 meses de práticas ecopedagógicas na unidade escolar, que conectaram o espaço da horta pedagógica com outros ambientes da escola e o coração de quem participou do processo.

3.1 Caminhar com sentido: Interconexão de habilidades curriculares promotoras da aprendizagem significativa.

Em consonância com a reflexão do poeta Antonio Machado, “caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar”, o processo de construção coletiva da horta pedagógica da Escola Municipal Pedro Ernesto (EMPE) foi desenvolvido gradualmente, com compromisso e perseverança das pessoas participantes. Não se tinha um caminho já estabelecido ou uma fórmula única a ser seguida. Em vez disso, um passo era dado por vez, aprendendo e ajustando conforme avançávamos, onde novas descobertas foram feitas e novos desafios foram enfrentados ao longo do processo. A cada passo dado, a horta agroecológica ganhava forma e se transformava em um lugar vivo e educativo. Ao mesmo tempo, na caminhada, estudantes, docentes e pesquisadora iam entendendo as conexões possíveis entre os componentes curriculares e as vivências que a horta propiciava.

O início desta caminhada começou pelo planejamento, a expansão física, a consolidação dos canteiros e sua composição biótica. Para tanto, foram realizadas atividades de desenho e composição dos canteiros, que proporcionaram o aprimoramento de conceitos matemáticos, especialmente na área da geometria. Um exemplo prático foi a relação entre a altura das crianças e o perímetro dos novos canteiros, explorada por meio de uma experiência em que as crianças deitaram no chão da horta para contornar o perímetro. Essa abordagem prática permitiu que elas visualizassem e vivenciassem de forma concreta a aplicação dos conceitos matemáticos na construção da horta pedagógica (Figura 2f). Ainda nas habilidades de geometria, com o auxílio de régua e esquadro, reconheceram ângulos retos e não retos em figuras poligonais construídas coletivamente (Figura 2e). Na mesma prática, foi estudado o volume necessário de substrato para cada novo canteiro e aproveitou-se o paralelismo entre a cama onde as/os estudantes dormem, e a cama onde as sementes “despertarão”, sendo: galhos (colchão), terra e adubo (lençóis) e fibra de coco (cobertor) como ilustra a Figura 2 (b, c, d). Conforme foi se plantando, apareceram algumas pragas, o que permitiu abordar temas transversais sobre o uso de agrotóxicos e seus efeitos nos ecossistemas, assim como as alternativas agroecológicas por meio do Manejo Integrado de Pragas (MIP), que promoveram pesquisas domiciliares assim como o cuidado coletivo por meio de manutenções semanais das armadilhas cromáticas, como mostra a Figura 2g.

Quanto à potencialidade da horta para a promoção da discussão sobre alimentação saudável, as expectativas em relação às colheitas eram inicialmente muito altas. No entanto, ao longo do processo, as pessoas participantes foram redefinindo o significado do lugar, percebendo que a finalidade não se limitava apenas à alimentação. Surgiu a compreensão de que os alimentos poderiam ter múltiplos significados, incluindo a nutrição do conhecimento. Em algumas ocasiões, a horta de fato proporcionou a colheita e a degustação dos vegetais (Figura 2h). Em outras situações, possibilitou a compreensão do ciclo de vida das espécies, permitindo a observação das sementes dentro da própria planta e o entendimento de que para tanto não seria possível comer esse alimento, como no caso da alface (Lactuca sativa) e o quiabo (Abelmoschus esculentus) conforme ilustra a Figura 2i. Além disso, houve momentos em que foi evidenciado como determinada espécie auxilia a recuperação do solo e propicia a sombra necessária para que outras plantas consigam se desenvolver, como aconteceu com a Chanana (Turnera subulata) que nasceu de forma espontânea nos canteiros da horta, oferecendo sombra para as espécies de menor tamanho e atraindo diversos polinizadores à área.

Ao comparar os tempos naturais com os curriculares, enfrentamos diversos desafios. Diferentemente dos processos controlados pelos seres humanos, como currículos escolares com datas e horários definidos, as leis da Natureza seguem seu próprio ritmo. As plantas, insetos e fungos não surgem ou se desenvolvem conforme nossos desejos. A colheita não pode ser simplesmente programada para um dia e horário específico, pois a Natureza tem seu próprio tempo. Nesse contexto, a execução de sequências didáticas, como as realizadas com o urucuzeiro (Bixa orellana L.), amendoim (Arachis hypogaea) e quiabo (Abelmoschus esculentus), mostraram a relevância de pensar a longo prazo, observando e respeitando os ciclos da Natureza. No caso do urucuzeiro (Bixa orellana L.), as sementes foram germinadas em 2021 e somente em 2023 o arbusto atingiu o tamanho ideal para ser transplantado na área da horta. Essa prática ilustra a perseverança e a continuidade ao longo de 24 meses de experiências ecopedagógicas e destaca a importância do cuidado coletivo e contínuo.

Ao longo da caminhada, o espaço da horta pedagógica foi tomando forma, onde cada tijolo, cada novo canteiro foi cuidadosamente planejado e desenvolvido em conjunto com as crianças, valorizando a participação coletiva e o trabalho colaborativo. Por meio desse processo, a área do pátio designada para a horta foi se transformando num lugar pedagógico que conectou-se com diferentes ambientes da unidade escolar. Esse lugar de aprendizados tornou-se um ponto de integração horizontal, promotor da aprendizagem significativa, reunindo conteúdos curriculares desenvolvidos no laboratório de Ciências, salas de aula, sala de leitura, sala de recursos da educação especial e inclusiva, refeitório e até mesmo nos lares das crianças. A diversidade e continuidade das práticas interdisciplinares e transversais possibilitou trazer sentido para as pessoas participantes, propiciando que se sentissem parte dele, ou seja, compreendessem que o espaço não é de uma pessoa somente, e sim do grupo, pertence à comunidade escolar.

No que se refere à organização dos conteúdos curriculares, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (DCNs) salientam a necessidade de desfragmentação das áreas de estudo “buscando uma integração no currículo que possibilite tornar os conhecimentos abordados mais significativos para os educandos e favorecer a participação ativa de alunos com habilidades, experiências de vida e interesses muito diferentes” (BRASIL, 2013, p.118). No presente estudo, as crianças foram protagonistas, de forma ativa, na construção coletiva e no cuidado do espaço, de modo que o aprendizado fizesse sentido em suas vidas. Segundo a coordenadora pedagógica da Escola Municipal Pedro Ernesto (EMPE):

As crianças se sentem totalmente responsáveis pelo espaço. A equipe pedagógica, os responsáveis, os alunos, os funcionários da escola, todos se sentem próximos, parece que traz uma linguagem comum, se sentem participantes. As pessoas querem ajudar a cuidar, querem trazer plantas para contribuir com a horta. Quem está desde o início da construção coletiva foi transmitindo a valorização deste espaço a quem foi chegando à escola depois. O espaço é aberto, isso faz com que as pessoas sintam-se à vontade para sugerir e trazer informações novas. A construção coletiva agregou, estimulando o sentimento de pertencimento.


Figura 2
Práticas ecopedagógicas na Escola Municipal Pedro Ernesto

(a) Desenho coletivo da planta do pátio da escola, estimulando a observação da área para a ampliação da horta; (b) Aproveitamento de galhos na primeira camada dos canteiros, colchão “molas”; (c) Enchimento com terra e adubo na segunda camada dos canteiros, “lençóis”; (d) Acabamento com fibra de coco como terceira camada, “cobertor”; (e) ângulos retos e unidades de medida na prática; (f) Aplicação da Matemática utilizando diversas unidades de medida (tijolos x altura das crianças); (g) Manejo Integrado de Pragas (MIP) implantado pelas armadilhas cromáticas; (h) Colheita sendo entregue à merendeira-nutricionista para preparo do almoço coletivo; (i) Descobrindo e recomeçando um novo ciclo de vida do quiabo (Abelmoschus esculentus), nas lentes da professora regente Maria Priscila Jesus.

Coletânea das autoras (2021 e 2022).

De acordo com Gutiérrez e Prado, “caminhar com sentido significa, antes de tudo, dar sentido ao que fazemos, compartilhar sentidos, impregnar de sentido as práticas da vida cotidiana” (GUTIÉRREZ e PRADO, 2002, p. 63). Conforme Lucimara Moriconi (2014), o sentimento de pertencimento faz com que a pessoa se sinta parte daquilo e, consequentemente, se identifique com aquele lugar, promovendo seu cuidado, pois esse ambiente faz parte da sua vida, “é como se fosse uma continuação dela própria” (MORICONI, 2014, p.14). A autora também afirma que cativando as sensações de pertencimento e identidade, serão promovidos o pensamento crítico e reflexivo, estimulando sentimentos de respeito, amor, cuidado, proteção, responsabilidade e honestidade, entre outros. Estas sensações de pertencimento promovem comportamentos participativos, colaborativos e solidários. No caso do presente trabalho, as práticas com sentido, desenvolvidas de forma colaborativa, fomentaram os sentimentos de pertencimento e identidade com o lugar da horta na escola, como mostram as Figuras 2 e 3.

Segundo Sylvia Cavalcante e Lana Nóbrega (2011), a transformação conceitual de espaço a lugar não depende do tempo cronológico nem do tipo de utilização, mas sim do impacto por meio da relação da pessoa com esse ambiente, e do tipo de vínculo concebido. Para as autoras os sentimentos para com o lugar podem manifestar-se como “vínculo positivo (apego) ou negativo (repulsa)” (CAVALCANTE; NÓBREGA, 2011 p.186).

O lugar é um centro de significado construído pela experiência. É conhecido não apenas através dos olhos e da mente, mas também através dos modos de experiência mais passivos e diretos, os quais resistem à objetificação. Conhecer o lugar plenamente significa tanto entendê-lo de um modo abstrato quanto conhecê-lo como uma pessoa conhece outra (TUAN, 2018 p.5-6).

3.2 Emoções e sentimentos plasmados no papel

Para avaliar que tipos de emoções afloravam nas crianças ao falar da horta, foi promovida uma atividade, realizada no laboratório de Ciências em 2022, com quatro turmas pertencentes aos 4º e 5º anos da EMPE. Para tanto, foi necessário reunir uma cartolina grande para cada turma, cola, canetinhas e fitas coloridas de papel. A atividade partiu da pergunta chave: “O que a horta da escola representa na minha vida?” Estudantes e docentes responderam redigindo palavras livremente e utilizando fitas coloridas (Figura 3).

Após as atividades com as diferentes turmas, as nuvens de palavras coletivas foram exibidas nos corredores da escola. Passado um tempo, as cartolinas foram retiradas e sistematizadas para análise da pesquisa. Os resultados da junção das quatro nuvens de palavras (decorrentes do exercício com as turmas do 1401, 1402, 1501, e 1502 do Ensino Fundamental da EMPE em 2022) encontram-se sistematizados na Figura 4. Ao todo foram analisadas 402 fitinhas com conceitos pontuais. Destacaram-se as palavras “Amor” (com 58 repetições), “Alegria” (31 menções), “Carinho” (23 citações), “Felicidade” e “Paz” (19 menções cada), “Aprendizado” e “Vida” (13 referências cada), “Alimentação” (11 citações), “Natureza” (9 vezes), “Amizade” e “Feliz” (8 repetições cada), “Cuidado”, “Harmonia”, “Saúde” e “Ciência” (7 vezes cada). Se por um lado em duas turmas a palavra que teve maior repetições foi “amor”, nas outras a palavra com maior presença foi “aprendizado” numa sala e “alegria” na outra. Algumas crianças escreveram frases além de conceitos pontuais, como mostra o Quadro 1.

Em depoimento, durante reunião do Conselho de Classes em julho de 2022, a professora de Educação Física relata:

A chegada desta horta não foi igual ao começo da anterior [canteiro plantado antes da pandemia do COVID-19], talvez devido à reconstrução e à ampliação gradativa, que se deu junto com o retorno presencial dos alunos. Os estudantes respeitam a horta, têm um zelo coletivo. São eles próprios que orientam os colegas sobre o cuidado com o espaço, para que a horta não seja danificada durante as brincadeiras.

Nesta atividade de reflexão crítica sobre o espaço da horta, um aluno público-alvo da educação especial de uma das turmas, com dificuldade para a escrita, fez questão de contribuir com sua palavra, o que denota a grande importância do espaço ecopedagógico como um estímulo à inclusão educativa (Figura 3a). O encorajamento à participação ativa das crianças com necessidades especiais fortaleceu ainda mais os laços coletivos e possibilitou a educação inclusiva e acessível. O trabalho se aproximou da reflexão de Rosângela Vanderlinde (2022, p. 55) sobre “a horta pedagógica [constituir] uma forma de oportunizar interação e inclusão dos alunos com necessidades especiais”.


Figura 3
Processo de Sistematização com Nuvens de palavras em resposta à pergunta: “O que a horta da escola representa na minha vida?”

(a) Aluno (público alvo da educação especial) fez questão de contribuir com sua palavra para plasmar seus sentimentos; (b) e (c) Trabalho em equipe; (d) Nuvem de palavras exibida no corredor.

elaboração própria

A análise crítica dos depoimentos das crianças sobre a representação da horta pedagógica da EMPE em suas vidas (Figura 4 e Quadro 1) indica a presença do sentimento de pertencimento dos participantes tanto no plano físico (espaço territorial da horta agroecológica da escola) quanto no emocional (todo maior). Em consonância com o que explica Sandra Lestinge (2004), notou-se que essa sensação de pertencimento na EMPE promoveu a criação de uma identidade nos indivíduos, o que fez com que eles se comprometessem coletivamente com a escola.

Em entrevista com a diretora adjunta da unidade escolar, ela rememora a visita realizada em 2022 por docentes e crianças do Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Rubem Braga. Nessa ocasião, as/os futuras/os estudantes[2] tiveram a oportunidade de conhecer a horta e o minhocário, sendo as/os alunas/os da EMPE anfitriãs deste encontro:

A gente conseguiu ver isso na prática quando recebemos a visita da Rubem Braga para conhecer a horta. As crianças explicando cada processo, como foi feito. Vimos ali o engajamento que eles tiveram em toda a construção, o sentimento de pertencer mesmo à escola. E eles sabiam relatar todas as etapas, atividades, técnicas que você utilizou. Foi lindo eles falando sobre as armadilhas, a compostagem. Dá pra perceber isso quando tem uma atividade assim. No dia a dia, nós vemos o comprometimento que eles têm. A alegria de participar do projeto toda sexta feira. Eles puderam comprovar esse engajamento quando nada foi programado e ensaiado e eles próprios relataram esse processo. Porque fizeram, se não tivessem feito, não saberiam responder.

Essa experiência de interação entre as instituições de ensino deixou uma lembrança marcante para todas as pessoas envolvidas, evidenciando a importância deste tipo de iniciativas educacionais que estreitam os laços entre as crianças e fortalecem a comunidade escolar como um todo.


Figura 4
Sistematização e análise das Nuvens de palavras em resposta à pergunta: “O que a horta da escola representa na minha vida?”
Elaboração própria utilizando a plataforma Wordart.com


Quadro 1
Sistematização das frases redigidas pelas crianças em resposta à pergunta: “O que a horta da escola representa na minha vida?”
Sistematização das autoras

No que refere à análise das artes plásticas para encontrar sentimentos relacionados com o espaço ecopedagógico da horta, as docentes do 5º ano promoveram uma atividade de desenho livre que trazia a reflexão sobre quais os cuidados necessários que precisamos ter para a existência e manutenção da nossa horta. As frases encontram-se sistematizadas no Quadro 2 e alguns desenhos foram organizados na Figura 5. Destaca-se a resposta de uma docente: “Ter organização e planejamento para realizar as atividades na horta”, reforçando novamente a importância do planejamento dialógico ecopedagógico para a realização das práticas na horta escolar, tal qual é discutido em Yllas et al (2023a).


Quadro 2
Sistematização das frases presentes nas artes plásticas em resposta à pergunta: “Quais cuidados devemos ter para a existência e manutenção da nossa horta?”
Categorização e Sistematização própria

A análise dos desenhos das crianças a respeito dos sentimentos das crianças com relação à horta pedagógica indica o impacto dos trabalhos desenvolvidos ao longo dos meses, como a construção do jardim de chuva, a importância de utilizar sombrite nos canteiros, a criação e manutenção das armadilhas cromáticas, o plantio das bananeiras, a colheita e degustação do amendoim e o reaproveitamento dos cocos da feira como vasos para as semeaduras (Figura 5). Outra representação foi a respeito da importância da rega na medida adequada para evitar tanto o apodrecimento quanto o ressecamento das plantas, uma vez que em meses anteriores uma das turmas realizou semeaduras que não prosperaram devido ao excesso de água. Um terceiro olhar foi a respeito da importância da não utilização de pesticidas, trazendo o compromisso com uma abordagem sustentável no cultivo das plantas. Esse conjunto de percepções aponta, mais uma vez, o sentimento do cuidado com a horta agroecológica e indica, no âmbito pedagógico, o estímulo ao pensamento crítico e reflexivo das crianças, a partir de um olhar emancipatório, tal qual é discutido por Lucimara Moriconi (2004).


Figura 5
Composição de desenhos espontâneos em resposta à pergunta: “Quais cuidados devemos ter para a existência e manutenção da nossa horta?”
Turmas 1501 e 1502 - Escola Municipal Pedro Ernesto. Ano 2022

Os sentimentos de pertencimento também apareceram nas respostas das entrevistas semiestruturadas com a equipe pedagógica da escola. Para a diretora da escola, foi essencial que o começo das atividades de construção da horta fosse simultâneo ao início do retorno das aulas presenciais, em 2021. Desta forma, foi possível desenvolver práticas com as crianças que voltavam do período de isolamento social decorrente da pandemia do COVID-19. Com o passar do tempo, as crianças que iam chegando, nos meses seguintes, se incorporaram à construção coletiva. Assim, todos participaram do processo em diferentes momentos ao longo do ano letivo. Segundo a diretora, um resultado é que:

As crianças se sentem pertencentes à escola porque elas estão desenvolvendo o projeto, é delas, acrescentando desta forma os aprendizados relacionados ao currículo escolar. As crianças se sentem proprietárias da horta, que não é de uma pessoa, ela pertence aos alunos e alunas, o que promove cuidado, zelo e atenção.

Uma docente reforçou que “a horta para os alunos vai muito além de um instrumento de estudo, para eles a horta representa amor, cuidado, afeto, consciência e positividade. Através dela conseguimos entender que não somos algo à parte do Meio Ambiente, mas que somos parte dele”. Outra docente comenta que “há crianças que se preocupam quando há chuvas fortes e, ao voltar no dia seguinte, estão ansiosas por ver se tudo está bem na horta, bem como o estado das mudas que foram plantadas. Esse é um tipo de cuidado, pois elas sentem que o espaço lhes pertence”. Esta professora também confessa que compartilha da mesma preocupação quando há chuvas fortes, o que demonstra que o sentimento de pertencimento vai além dos educandos, é também parte da equipe da escola.

Quando entrevistada, a merendeira e nutricionista da escola depõe que para ela “a horta é nossa, é de todo mundo. É minha, sua, das crianças, dos pais. É de todo mundo, eu acho assim. Todo mundo faz parte daquilo”. Segundo Gutiérrez e Prado (2002), esses sentimentos, intuições, emoções fazem com que as pessoas se envolvam de forma vivencial, e até passional, no seu processo de construção do ser, promovendo atitudes positivas, comprometidas, com ânimo de ser e viver. Para os autores, “aprender é muito mais que compreender e conceitualizar: é querer, compartilhar, dar sentido, interpretar, expressar e viver” (GUTIÉRREZ e PRADO, 2002, p. 67).

Outro resultado do presente estudo diz respeito à autoavaliação interna conduzida pela Escola Municipal Pedro Ernesto (EMPE) durante o primeiro semestre de 2023. No decorrer do processo de formulação do questionário, as crianças representantes de cada turma, com a orientação da gestão pedagógica da EMPE, decidiram incluir uma questão avaliativa específica sobre a horta como espaço pedagógico. Essa incorporação foi feita de forma voluntária pelas/os estudantes. Posteriormente, cada turma respondeu ao questionário, atribuindo à horta, por unanimidade, o conceito “MB” (Muito Bom, representando a pontuação máxima) para as práticas desenvolvidas nesse ambiente. É relevante ressaltar que essa avaliação coletiva foi livre de quaisquer influências externas ou condicionamentos. Essa auto-avaliação coletiva é um reflexo importante do reconhecimento e apreciação que tanto as crianças quanto a equipe da gestão escolar têm em relação à horta como um espaço pedagógico. Essa abordagem inclusiva e participativa fortalece a voz das/os estudantes e reforça o compromisso da EMPE em promover uma educação que valorize suas opiniões e perspectivas.

A implementação de práticas pedagógicas integradoras, que promovem a coletividade, o trabalho em equipe e a construção de amizades, pode gerar resultados positivos no desempenho educacional das/os estudantes, potencializando a inclusão social como discutido por Souza & Dorneles (2022) e Andersen & Ward (2014). É relevante destacar o aumento significativo na pontuação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) na Escola Municipal Pedro Ernesto, que avançou de 5,9 em 2019 para 6,4 em 2021. Além disso, outro dado relacionado aos resultados avaliativos institucionais foi o cumprimento das metas estabelecidas no Plano de Ação da unidade escolar em 2022, cujo resultado foi divulgado em 2023. É válido enfatizar, no entanto, que tanto o progresso no IDEB quanto o alcance das metas do Plano de Ação não podem ser atribuídos exclusivamente a um único fator, como por exemplo presença de uma horta pedagógica. Todavia, diante dos resultados obtidos, é possível considerar a existência da horta escolar como um dos elementos que contribuíram positivamente para o incremento no IDEB, assim como para o sucesso no cumprimento das metas do Plano de Ação em 2022. Nesse sentido, evidencia-se a importância de múltiplos fatores e das práticas pedagógicas integradoras na melhoria do desempenho e inclusão social das/os estudantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do texto foi apresentada a análise crítica e reflexiva do processo de apropriação e do sentimento de pertencimento na construção coletiva da horta pedagógica agroecológica da Escola Municipal Pedro Ernesto.

Durante todo o processo, constatou-se que foi possível estabelecer conexões entre as práticas agroecológicas ecopedagógicas com os componentes educacionais do Ensino Fundamental I, promovendo uma aprendizagem significativa e fortalecendo o senso de identidade do grupo com a Horta escolar. Essas práticas tiveram início na horta e gradualmente se expandiram por toda a unidade escolar. Conseguiu-se interconectar disciplinas curriculares, abordar assuntos transversais, fomentar o olhar crítico de cidadãs/os cada vez mais conscientes e estimular o sentimento de pertencimento, tanto com o espaço ecopedagógico da horta, quanto com a unidade escolar. Transformou-se um espaço de solo compactado em um lugar de convívio e aprendizados.

Em concordância com Gadotti, “o professor não é mais o que sabe e o aluno, o que aprende. Ambos, em sessões de trabalho, aprendem e ensinam com o que juntos descobrem” (GADOTTI, 2000, p.46). Assim, foram descobertos conhecimentos de forma integrada, que fizeram sentido na vida cotidiana, enriquecendo o aprendizado e a inclusão. Isto promoveu a reflexão coletiva e o diálogo. Favoreceu na divulgação e na apropriação pela sociedade dos conhecimentos e saberes alcançados entre a comunidade escolar e a universidade pública.

A percepção coletiva de que “a horta é nossa, da comunidade escolar” desenvolveu um sentimento de afeto em relação ao espaço, fomentando o cuidado tanto com as plantas cultivadas quanto com os seres vivos que ali habitam. As pessoas que participaram do processo de construção coletiva conseguiram reconhecer o valor do trabalho realizado, permitindo que o pátio da escola se transformasse em um ambiente rico em aprendizados significativos. Dessa forma, de maneira indireta, estudantes e docentes foram capazes de compreender, cada um em seu próprio tempo, que todos nós somos parte do Meio Ambiente e do planeta Terra. Percebeu-se que, ao cuidarmos coletivamente e de maneira significativa, podemos colher frutos de forma respeitosa e harmônica com o ecossistema. Essa experiência trouxe uma conscientização profunda sobre a importância da preservação do Meio Ambiente e do trabalho coletivo e cooperativo para criar um futuro sustentável. A horta pedagógica agroecológica se tornou um símbolo vivo dessa conexão com a Natureza e do potencial transformador que a educação pode ter. Ela proporcionou não apenas alimentos saudáveis, mas também ensinamentos valiosos sobre responsabilidade, cooperação e respeito pela vida. Os frutos colhidos nessa jornada foram muito mais do que apenas vegetais, foram lições que ficarão enraizadas nos corações e mentes das pessoas envolvidas, incentivando-as a cuidar do seu entorno de forma coletiva e significativa.

A metodologia aplicada no presente trabalho de campo para a construção do espaço ecopedagógico pode servir como inspiração, permitindo a reaplicação em outras unidades de ensino e, assim, ressignificar as vivências em espaços escolares, transformando estes em lugares de aprendizado significativo.

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Notas

[1] Por este motivo, ao longo do texto, ressaltamos em itálico a palavra lugar quando seu significado tenha relação entre espaço físico e sentimentos.
[2] O EDI Rubem Braga tem encaminhamento direto de estudantes do Pré II ao Ensino Fundamental da EMPE.


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