CONCEPÇÕES DE PROFESSORAS SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA LÚDICA NO ENSINO DE QUÍMICA
TEACHERS? CONCEPTIONS ABOUT PLAYFUL PEDAGOGICAL PRACTICE IN TEACHING CHEMISTRY
CONCEPÇÕES DE PROFESSORAS SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA LÚDICA NO ENSINO DE QUÍMICA
REAMEC ? Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 8, núm. 2, 2020
Universidade Federal de Mato Grosso
Recepção: 08 Junho 2020
Aprovação: 23 Junho 2020
Resumo: Este artigo teve como objetivo geral compreender e analisar as concepções do lúdico e o desenvolvimento da prática pedagógica lúdica de três professoras que ensinam Química no Ensino Médio em duas escolas estaduais de Mato Grosso no município de Cuiabá. Apresentou a seguinte problemática: quais as concepções dos professores de Química sobre o conceito de lúdico? A coleta de dados foi desenvolvida no período de fevereiro a maio de 2019. Utilizaram-se as abordagens da pesquisa qualitativa ? do tipo estudo de caso ? e o método interpretativo de análise de conteúdo. Os instrumentos para a análise configuram-se no questionário estruturado, na entrevista semiestruturada, observação e caderno de campo. Para a análise dos dados foram construídos dois eixos centrais que caracterizam-se nas memórias; concepções acerca do lúdico sob a ótica das professoras; e o Ensino de Química na prática pedagógica lúdica. Apontam-se os seguintes resultados: as professoras acreditam na importância do desenvolvimento da prática pedagógica lúdica como contribuinte no processo de ensino aprendizagem e expõem fragilidades sobre a compreensão teórica a respeito da temática.
Palavras-chave: Educação em Ciências, Ensino de Química, Prática Pedagógica Lúdica.
Abstract: This article had the general objective of understanding and analyze the concepts of playfulness and the development of playful pedagogical practice of three teachers who teach chemistry in high school in two state schools in Mato Grosso in the municipality of Cuiabá. He presented the following problem: what are the conceptions of Chemistry teachers about the concept of playfulness? Data collection was carried out from February to May 2019. Qualitative research approaches were used- case study type- and the interpretive method of content analysis. The tools for analysis are configured in the structured questionnaire, in the semi-structured interview, observation and field notebook. For the analysis of the data, two central axes were built that are characterized in the memories; conceptions about playfulness from the perspective of teachers; and Chemistry Teaching in playful pedagogical practice. The following results are pointed out: teachers believe in the importance of developing playful pedagogical practice as a contributor in the teaching-learning process and expose weaknesses about the theoretical understanding of the theme.
Keywords: Science Education, Chemistry teaching, Playful Pedagogical Practice.
1 INTRODUÇÃO
Este texto trata de um recorte de dissertação de mestrado desenvolvida nos anos de 2018 e 2019. A opção em publicar em um periódico científico, se pauta da relevância da compreensão e contribuições do lúdico para o desenvolvimento da prática pedagógica no ensino- aprendizagem dos conteúdos de Química.
Diante da justificativa apresentada, depreende-se a problemática da pesquisa: quais as concepções dos professores de Química sobre o conceito de lúdico? Do exposto, destaca-se o seguinte objetivo geral: compreender e analisar as concepções do lúdico e o desenvolvimento da prática pedagógica lúdica de três professoras que ensinam Química no Ensino Médio em duas escolas estaduais de Mato Grosso no município de Cuiabá. E o objetivo específico: investigar como esta concepção pode contribuir para o desenvolvimento da prática pedagógica docente no ensino-aprendizagem dos conteúdos de Química apresentados no contexto escolar.
Diante das situações expostas, justifica-se, neste estudo, a pretensão de revelar, um ensino-aprendizagem que promova o desenvolvimento de habilidades e competências, prazeroso, que desperte a curiosidade e, principalmente, agregue significados de aplicação no seu cotidiano a partir dos conteúdos químicos estudados em sala de aula.
Nesta ótica, ganha sentido o estudo de suas concepções, reflexões sobre a prática pedagógica e a importância da intencionalidade lúdica dos professores da Educação Básica de escolas públicas de Mato Grosso durante o desenvolvimento das atividades de ensino- aprendizagem de Química. Assim, novas perspectivas para a mediação didática poderão ser viabilizadas, reforçando a interação lúdica e criativa na sala de aula.
Realizou-se a investigação do estado da arte com o objetivo de identificar, posicionar e analisar as pesquisas sobre o lúdico no Ensino de Química desenvolvidas no Brasil. Houve, portanto, o levantamento de produções de Programas de Pós-Graduação em nível de Mestrado e Doutorado, na área de Educação e Ensino em Ciências e Matemática. Deste modo, possibilitou potencializar a necessidade de exploração do tema.
Na literatura, encontramos uma variedade de pesquisas com a temática da relação entre educação e lúdico no Ensino de Química. Notamos a divulgação das pesquisas produzidas a partir dos anos 2000 por diversos autores, que explicitam a imprescindibilidade de explorar o uso de aprendizagens lúdicas no Ensino de Química.
O estado da arte foi realizado em duas partes: a primeira trata-se da obtenção dos dados e a segunda da coleta de informações e tratamento dos dados produzidos. Primeiramente, foi feito um levantamento de produções acadêmicas (teses e dissertações) do Banco de Teses da Capes, a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciências e Tecnologia (IBICT), no período de 2004 a 2017. Com base neste levantamento foi estabelecido um recorte para o estudo nos anos compreendidos entre 2004 e 2018. Assim, priorizou-se identificar a quantidade de produções acadêmicas ao longo do período e as especificidades do objeto investigado.
Buscou-se por palavras-chave correlatas com a temática deste trabalho, ou seja: Ensino de Química e Educação Química, o lúdico e a atividade lúdica. A partir da seleção das produções, iniciamos a segunda parte, que consistia na obtenção de textos. Como pode ser observado no Quadro 1, aos autores, o ano de defesa, título, e a instituição e o tipo de pesquisa que foi realizado, a seguir:
Autor/Ano | Título | Instituição/Tipo |
Ana Paula Medeiros Silva (2017) | Geometria Molecular: elaboração, aplicação e avaliação de uma sequência didática envolvendo o lúdico | UFF (DP) |
Adão Luiz Patrocino (2014) | Experimentoteca culinária: uma perspectiva lúdica na discussão do conceito de reação química na formação continuada de professores | UFMT (D) |
Adriano José de Oliveira (2009) | Clube de ciências: desenvolvendo competências brincando | UFG (D) |
Alessandro Silva de Oliveira (2005) | Juri químico: uma atividade lúdica para ensinar conceitos em química | UFG (D) |
Andreia Christina Inácio (2013) | ORPG eletrônico no ensino de química: uma atividade lúdica aplicada ao conhecimento da tabela periódica | UFPR (D) |
Bruna da Silva (2013) | Jogo didático quiminvestigação: uma ferramenta para o ensino de química inorgânica em nível médio | UNIFAL-MG (D) |
Célia Maria Serrão (2008) | Jogos didáticos: alternativas no Ensino de Ciências | UEA (DP) |
Cínthia Maria Felício (2011) | Do compromisso a responsabilidade lúdica: ludismo no Ensino de Química na formação básica e profissionalizante | UFG (T) |
Danila Fernandes Mendonça (2007) | O lúdico em sala de aula: desenvolvimento de um jornal de divulgação científica | UFG (D) |
Debora Barni de Campos (2009) | Uma contribuição didática do uso do lúdico para o processo ensino-aprendizagem de química orgânica: um estudo do caso no curso Tecnologia Mecânica na modalidade produção industrial de móveis da UDESC ? Planalto Norte | UTFPR (DP) |
Eciângela Ernesto Borges (2015) | Contribuições dos jogos e atividades lúdicas para a aprendizagem significativa em química orgânica no 3º ano do ensino médio | UFC (D) |
Eduardo Luiz Dias Cavalcanti (2007) | O uso da RPG no Ensino de Química | UFG (D) |
Eduardo Luiz Dias Cavalcanti (2011) | O lúdico e a avaliação da aprendizagem: possibilidades para o ensino e a aprendizagem de química | UFG (T) |
Elaine Angelina Colagrande (2012) | Desenvolvimento de um jogo didático virtual para o aprendizado do conceito de mol | USP (D) |
Eliana Moraes de Santana 2010 | O uso do jogo autódromo alquímico como mediador da aprendizagem no Ensino de Química | USP (D) |
Edna Sheron da Costa Garcez (2014) | O Lúdico em Ensino de Química: um estudo do estado da arte | UFG (D) |
Francisco Neuzimar de Azevedo Andrade (2015) | Mediação do lúdico como fator de motivação na aprendizagem significativa no ensino da tabela periódica | UFC (D) |
Geovana Zamboni (2013) | O ensino de propriedades periódicas através do lúdico | UFSC (DP) |
Gisela Garcia Martins (2010) | Compreendendo os fenômenos nucleares, suas aplicações e implicações através de uma atividade lúdica | UFSCar (DP) |
Gisele Nanini Mathias 2009 | O uso de jogos pedagógicos no Ensino de Química: uma perspectiva do enfoque CTS | UCS (DP) |
Hélio da Silva Messeder Neto (2013) | Pistas Orgânicas: uma atividade lúdica para o ensino das funções orgânicas | UFRN (D) |
Janduir Egito da Silva (2011) | Formação continuada de professores de química: incentivando o uso de atividades lúdicas em sala de aula | UENF (D) |
Lais Jubini Calllegario (2011) | Formação continuada de professores de química: incentivando o uso de atividades lúdicas em sala de aula | UENF (D) |
Larissa Codeço Crespo (2010) | Planejamento e elaboração de atividades lúdicas para a educação em química na 1ª série do ensino médio | UENF (D) |
Leonardo Maciel Moreira (2008) | O jogo teatral no Ensino de Química: contribuições para a construção da cidadania | USP (D) |
LilaineZub (2012) | O lúdico como motivador da aprendizagem em química para alunos da 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual João XXIII em Irati ? Paraná | UTFPR (D)P |
Lígia Oliveira Gomes (2016) | Jogos e atividade lúdicos como instrumento motivadores de química no ensino médio | UFGR (D) |
Luciana Teixeira da Costa (2016) | Abordagens lúdicas e digitais para o ensino da tabela periódica dos elementos químicos | UFRGS (D) |
Mariângela Célia Souza Costa (2018) | Abordagem dos princípios da Química Verde por meio do lúdico na formação ambiental de profissionais da química | UFG (D) |
Marcelo Fernandes (2015) | Aplicação do jogo ludo atomística no ensino de química | UFSCA (DP) |
Márlon Herbert Flora Barbosa Soares (2004) | O lúdico em química: jogos e atividades aplicadas ao Ensino de Química | UFG (T) |
Noé de Oliveira (2009) | As atividades de experimentação lúdicas | UFSCar (DT) |
Paulo Sérgio Vasconcelos de Oliveira (2008) | As histórias em quadrinhos aplicadas ao Ensino de Química | UFMT (D) |
Wesley Fernandes Vaz 2007 | O Ensino de Química para adolescentes em conflito com a lei: possibilidades e desafios | (UFG) D |
Legenda: T - Tese de Doutorado D - Dissertação de Mestrado Acadêmico
DP - Dissertação de Mestrado Profissionalizante DT-Dissertação de Mestrado: Formação Científica, Educação e Tecnologia
Elaborado pelos autores (2019).Desse modo, destaca-se que há 34 (trinta e quatro) produções acadêmicas relacionadas ao uso do lúdico no Ensino de Química, distribuídas em 4 (quatro) Teses de Doutorado, 23 (vinte e três) trabalhos de Dissertações de Mestrado Acadêmico e 7 (sete) Dissertações de Mestrado Profissional. Quanto aos trabalhos de doutorado, percebe-se que há pouca produção de pesquisas sobre a temática em questão. A partir do ano de 2007 ocorreu crescimento significativo das produções de pesquisas relacionadas ao lúdico no Ensino de Química, principalmente a grupos de pesquisa que se dedicam ao estudo do lúdico no Ensino de Química. Conforme exposto, revela-se que a área que estuda o lúdico no Ensino Químico é muito recente. E ainda está em construção, devido ao fato de encontrar espaços a serem explorados, tais como: as problematizações relacionadas aos níveis de ensino, os conteúdos trabalhados, a fundamentação teórica utilizada, as formas de avaliar e a intencionalidade lúdica no processo de ensino aprendizagem.
A presente pesquisa teve como proposta a investigação e a análise dos moldes das concepções e prática pedagógica lúdica no Ensino de Química da Educação Básica, para que, a partir desse diagnóstico, os professores desta área do conhecimento pudessem buscar novas abordagens que incluíssem as dimensões sensível, afetiva e lúdica no processo de ensino aprendizagem. Portanto, está organizada de forma que propicia a caracterização do percurso trilhado, dos subsídios teóricos adotados e dos conceitos estruturados e reestruturados durante a trajetória investigativa.
2 CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES: DEFINIÇÃO CONCEITUAL
É de fundamental importância organizar os conceitos sobre as concepções dos professores para demonstrar suas diferenças, compreender e identificar os fatores que influenciam sua prática pedagógica. No decorrer deste tópico é evidenciada a definição de concepções e crenças de acordo com os seguintes teóricos: Ponte (1992), Baptista (2010) e Silva (2009).
Baptista (2010) afirma que os primeiros estudos sobre o tema surgiram na língua inglesa, sendo utilizados termos como conception(concepção), belief(crença) e knowledge(conhecimento). Destaca-se que na literatura educacional não é muito fácil diferenciar estes conceitos.
Para Ponte (1992), a palavra concepçãobaseia-se no pressuposto de que existe uma substância conceitual que lança um papel determinante no pensamento e na ação. Para o autor, essa substância é de uma natureza diferente dos conceitos específicos que constituem uma forma de organizar, de ver o mundo, de pensar. Diante do exposto, o autor enfatiza que as concepções apresentam uma natureza, em essência, cognitiva, individual e social. Ponte (1992), então, assim afirma:
As concepções têm uma natureza essencialmente cognitiva. Actuam como uma espécie de filtro. Por um lado, são indispensáveis pois estruturam o sentido que damos às coisas. Por outro lado, actuam como elemento bloqueador em relação a novas realidades ou a certos problemas, limitando as nossas possibilidades de actuação e compreensão. As concepções formam-se num processo simultaneamente individual (como resultado da elaboração sobre a nossa experiência) e social (como resultado do confronto das nossas elaborações com as dos outros) ( PONTE, 1992, p. 01).
Baptista (2010), por sua vez, relata que ?as concepções são gerais devido ao uso e aplicações, ou seja, podem ser usadas em várias situações mantendo o seu significado. Assim, os significados atribuídos, que adquiram alguma estabilidade, constituem as concepções dos indivíduos? ( BAPTISTA, 2010, p. 14). Pelo fato de os termos ?crença? e ?conhecimento? terem uma proximidade em seus conceitos, segundo a literatura, apresentam obstáculos para poder diferenciá-los. Silva (2009), ao teorizar sobre as crenças e as concepções dos professores, afirma que é possível caracterizar as crenças sob outro ponto de vista: ?[...] as crenças caracterizam-se por poderem assumir diversos graus de convicção e pontos de vista. No conhecimento, tal asseveração perde o sentido, pois ele é consensual, exige bom senso, cientificidade? ( SILVA, 2009, p.23).
Silva (2009)pontua, ainda, a relevância da diferença entre crença e conhecimento. Enfatiza a importância de destacar que, ao se discutir a diferença entre crenças e conhecimentos, deve-se ficar nítido que o conhecimento exige um caráter mais objetivo do próprio conhecimento, enquanto as crenças trilham um caminho mais subjetivo, temporal, histórico e cultural. Em suma, o conhecimento deve obedecer às leis da evidência e rigorosidade, enquanto as crenças são muitas vezes tidas ou justificadas por razões que não obedecem a tais critérios. O que não se pode perder de vista é que a atuação dos professores é dirigida pelos seus pensamentos, juízos, crenças, concepções e teorias implícitas.
Ao abordar as concepções de professores sobre o lúdico, algumas discussões teóricas sobre a temática são encontradas, as quais emergem da seguinte dualidade questionada por Ponte (1992): são as concepções que modelam as práticas ou o contrário? O autor apresenta a relação entre práticas e concepção de forma dinâmica, como pode ser observado a seguir:
Comecemos pela relação entre as concepções e as práticas. Tendem a ser consistentes ou inconsistentes entre si? São as concepções que determinam as práticas? São, inversamente, as práticas que determinam as concepções? Ou será que nenhum dos aspectos determina o outro e a sua relação é de uma natureza mais complexa? ( PONTE, 1992, p. 24).
Para Ponte (1992), as concepções podem ser manifestadas da seguinte maneira:
[...] podem sofrer uma influência significativa do que no discurso social e profissional é tido como adequado, mas não serem (parcial ou integralmente) capazes de informar a prática. Isto pode ocorrer por uma variedade de fatores: (a) falta de recursos materiais e organizativos, (b) falta de recursos conceptuais (não saber como vencer as dificuldades que a sua concretização suscita), ou ainda (c) pelo esforço exagerado que se antevê como necessário. Admitindo a distinção entre estes dois tipos de concepções, podemos dizer que existe (por definição!) uma relação forte entre as concepções ativas e as práticas, podendo ser mais forte ou mais fraca a relação entre as concepções manifestadas e as práticas (e daí os problemas da consistência) ( PONTE, 1992, p. 25).
Dessa forma, evidenciam-se entre os autores citados as diferenças existentes acerca do conhecimento, das concepções, das crenças e das práticas. Estas últimas contribuem para o entendimento de como essas concepções revelam-se nas práticas das professoras investigadas. Vale ressaltar que o intuito desta pesquisa não é o confronto das falas das professoras e sua prática lúdica no processo de ensino aprendizagem, visto que há contextos diferentes (pessoal, profissional) que podem influenciar e promover alterações nas concepções.
2.1 Definições etimológicas do lúdico
Nos dias atuais, muito se debate sobre a utilização do lúdico em diversos momentos da existência humana, que corroboram no desenvolvimento de fatores cognitivos, culturais e sociais das crianças, jovens e adultos cotidianamente. Diante disso, é de fundamental importância realizar o estudo sobre a etimologia do lúdico para a compressão do objeto de estudo desta pesquisa. Primeiramente, é necessário apresentar a definição da palavra lúdico, antes de pontuar e nos aprofundar nos conceitos conforme a visão dos teóricos.
Contribuindo para a definição do termo, Almeida (2013) propõe que:
O termo lúdico é entendido como a ação ou ato de brincar ou jogar e caracteriza-se como o próprio brincar ou jogar. Para melhor compreensão, tomemos como por exemplo só jogos de dama e xadrez, nos quais o lúdico se dá no momento em que os jogadores iniciam a ação de jogar; o mesmo acontece com o brinquedo e a brincadeira de bola ou boneca entre as crianças ( ALMEIDA, 2013, p. 17).
Diante do exposto, o termo lúdico evidencia o deslocamento para o campo terminológico nas manifestações relativas ao jogo e às brincadeiras, porém enfatiza-se que todas essas atividades podem ou não ser lúdicas, dependendo das sensações de quem as vivencia. Ainda assim, pode-se inferir a existência de uma relação entre o lúdico, a brincadeira e o jogo. No decorrer da trajetória histórica, diversas definições foram redigidas para a palavra ?jogo?. No entanto, diferentes tipologias, significados de tendência cultural, teorias e correntes filosóficas foram desenvolvidas para delimitar o conceito, apontando a complexidade de sua definição.
Huizinga (2000, p. 33) descreve o jogo como sendo
Uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente ?da vida quotidiana?.
Em uma visão sociológica do conceito de jogo, Brougère (2002, p. 21) afirma que ?o jogo se inscreve num sistema de significados que nos leva, por exemplo, a interpretar como brincar 3. [...]?. Ele é enfático ao caracterizar o jogo pelo estado de espírito com que se brinca: o que permite dar importância à noção de interpretação ao considerar uma atividade como lúdica. O referido autor explica que o jogo é entendido como um enraizamento social do jogo, afirmando que a palavra LUDUS, em latim, tem diferentes significados, a depender da cultura da qual se fala. Ele explica que a brincadeira e o jogo são construções culturais. Sendo assim, só podem ser compreendidos dentro de um sistema de interpretação das atividades humanas, destacando que:
Uma das características do jogo consiste efetivamente no fato de não dispor de nenhum comportamento específico que permitiria separar claramente a atividade lúdica de qualquer outro comportamento. O que caracteriza o jogo é menos o que se busca do que o modo como se brinca ( BROUGÈRE, 2002, p. 21).
Sendo assim, a cultura lúdica, bem como toda cultura, é um produto de interação social. Isso significa que essa experiência não é apenas transferida para a criança, mas ressignificada por ela. É a partir de relações estabelecidas entre a criança, o ambiente lúdico e o meio social que se constrói uma cultura lúdica ( BROUGÈRE, 2002, p. 27). Ao explanar a respeito do aspecto social lúdico, o autor declara que a cultura lúdica implica no levantamento de hipóteses sobre a produção dessa cultura. Ele complementa:
Na realidade, como qualquer cultura, ela não existe pairando acima de nossas cabeças, mas é produzida pelos indivíduos que dela participam. Existe na medida em que é ativada por operações concretas que são as próprias atividades lúdicas. Pode-se dizer que é produzida por um duplo movimento interno e externo ( BROUGÈRE, 2002, p. 26).
Diante do exposto, essa cultura lúdica pode contribuir de forma relevante para o espaço escolar, pois trata-se de um ambiente social que acolhe todas as pessoas, independentemente de suas diferenças e contextos sociais. O lúdico, por este viés, pode auxiliar como linguagem plural, possibilitando ao professor, enquanto mediador do ensino-aprendizagem, promover suas aulas com atividades sensíveis, que tenham como objetivo despertar o prazer em aprender e o desenvolvimento da cultura lúdica.
2.2 Prática pedagógica lúdica
A prática pedagógica lúdica assume os mesmos princípios e objetivos da prática pedagógica, no entanto, acrescenta-se a ela a intencionalidade de desenvolvimento de atividades de ensino que, em essência, estimulem o prazer de aprender nos alunos. O termo prazeraqui deve ser entendido como algo livre e espontâneo.
De acordo com Silva e D?Ávila (2020, p. 235-236) apontam o prazer, contexto do lúdico, da seguinte maneira:
O prazer é consequência, ocorre naturalmente pela liberdade, escolha e entrega dos sujeitos à atividade oferecida. Quando se determina que a atividade deva ser prazerosa, e por isso lúdica, desconsidera-se que o prazer possa ou não surgir, o que, de certa forma, obriga os participantes a iniciarem as atividades rotuladas como prazerosas. Portanto, o prazer é individual, interno, subjetivo. Ademais, manifesta-se de forma muito particular em cada pessoa, aluno e, no caso de atividades lúdicas, até naqueles que observam os envolvidos na brincadeira. O ?alcance? do prazer na atividade deriva da liberdade atribuída pelo sujeito que participa da atividade. Deste modo, quando a atividade proposta é alicerçada em liberdade, o prazer pode ser encontrado pelos participantes como consequência do sentir-se livre. A liberdade imprime aos participantes a escolha de participar, fazer, quebrar as regras, fazer diferente, reconstruir.
Apesar de a ludicidade ser apresentada por sua natureza livre e espontânea e a prática pedagógica ser considerada uma atividade intencional voltada para o ensino de determinados conhecimentos com os seus objetivos preestabelecidos, ambas apresentam características incongruentes entre si. Diante disso, vale refletir sobre como deve/deveria ser uma prática pedagógica lúdica. Nessa perspectiva, Pires (2018) contribui acerca da ludicidade e educação do seguinte modo:
A interface entre a ludicidade e a educação pressupõe a superação de visões que polarizam esse binômio apontando uma compreensão mais abrangente dessa equação de elementos que a compõe. Implica compreender a ludicidade além da brincadeira e do ato de jogar, ainda que essas atividades possuam forte componente lúdico ( PIRES, 2018, p. 29).
Para ensinar ludicamente, o educador necessita cuidar-se emocionalmente e cognitivamente, ser sensível para adquirir as habilidades necessárias para conduzir o ensino de tal forma que subsidie uma aprendizagem lúdica. Em consonância com o exposto, Maheu (2007) afirma que ensinar sob a perspectiva lúdica significa: [...] ?. A realização de atividades lúdicas na sala de aula não significa dizer que está ensinando ludicamente, se este elemento aparece como acessório. O ensino lúdico é aquele que se inserem conteúdos, métodos criativos e o enlevo em ensinar e, principalmente, aprender?. ( MAHEU, 2007, p. 27).
Assim, podemos ressaltar que toda aula é lúdica, na proporção em que professor e alunos estejam prazerosamente interligados nos conteúdos a serem utilizados para o estudo. O princípio fundamental da prática pedagógica lúdica é o prazer na ação de aprender por parte dos envolvidos no processo didático.
De acordo com Luckesi (2018), o estado interno lúdico dos sujeitos e as atividades propostas pelos professores serão lúdicos na medida em que estimularem o seu estado lúdico, chamado pelo autor de vivência lúdica(sentimentos, sensações e julgamentos) do sujeito que internaliza o mundo exterior. Em especial, o espaço escolar. Assim, até mesmo uma aula expositiva pode ser uma vivência lúdica, tanto para o aluno quanto para o docente.
Leal e D?Ávila (2013, p. 43) defendem ?o lúdico como princípio formativo nas práticas pedagógicas, pois ampliam a compreensão epistemológica referente aos processos de ensino e aprendizagem no âmbito das instituições educacionais?. Nesse sentido, a prática pedagógica lúdica cria uma dinâmica do ensinar e do aprender rica em sentidos e significados, permitindo aos professores se aventurarem na construção do conhecimento, uma vez que a proposta pedagógica lúdica está alicerçada na criatividade e no prazer de ensinar e aprender.
Portanto, importa que esse profissional esteja internamente pleno, à medida que lidera os educandos em sua aprendizagem, pois o professor deve ter a posse competente do que ensina, informações atualizadas e significativas, habilidades no desempenho das atividades apropriadas da área de conhecimentos, atitudes próprias e cuidadosas da área de atuação. Além destas capacidades, é muito importante que o educador se preocupe quanto às suas relações interpessoais com seus alunos, conforme atua através de um processo de relação com o outro no cotidiano, em todos os níveis de ensino.
3 METODOLOGIA
A escolha da metodologia tem como referencial teórico as autoras Ludke e André (1986) utiliza-se a linha de investigação com abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, pois possibilita ao investigador visualizar o contexto e buscar explicações e interpretações dos fenômenos no ambiente escolar.
Os instrumentos: para retratar a caracterização dos sujeitos foram o questionário, a entrevista semiestrurada e a observação participante das práticas das professoras. Optou-se pelo uso de gravação de áudio com aparelho de smartphonee anotações em caderno de campo da pesquisadora. Os locais utilizados para realizar a investigação concretizaram-se em duas escolas públicas da Educação Básica, pertencentes à rede estadual de ensino na cidade de Cuiabá-MT. Os critérios que definiram a escolha das unidades foram: a experiência profissional concedida à pesquisadora; a política pública educacional que rege as escolas e, também, a aprovação da gestão pedagógica e das professoras no momento de sondagem dos locais para o desenvolvimento da pesquisa. As escolas foram nomeadas simbolicamente com as siglas EMI (Escola de Ensino Médio Inovador) e EP (Escola Plena), com o objetivo de preservar a identidade oficial delas.
Os sujeitos selecionados atenderam os seguintes critérios: i) Licenciados em Química, que estejam lecionando a disciplina de Química no Ensino Médio; ii) que lecionam na escola do contexto da pesquisa; iii) que se comprometeram a participar da presente pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).
Para a coleta e apreensão dos dados, intencionalmente planejadas e articuladas, foram utilizadas três etapas: a primeira etapa foi feita a pesquisa de campo, com o propósito de descobrir o lócus e os sujeitos da pesquisa. A segunda etapa houve realização de entrevista semiestruturada composta por questões que possibilitassem o entendimento das concepções das professoras participantes. A terceira etapa ocorreu a observação das aulas de Química das professoras em todos os momentos (aulas teóricas e práticas experimentais). A coleta de dados foi desenvolvida no período de fevereiro a maio de 2019, contando com um número de três professoras, as quais serão denominadas pelos codinomes de suas escolhas: os elementos químicos Oxigênio, Magnésio e Polônio.
O método empregado para realizar as análises, foi o interpretativo, com base na análise de conteúdo em conformidade com Bardin (1977). Destaca-se que as categorias foram denominadas eixos direcionadores, nesta pesquisa, sendo suscitadas na proporção da análise a partir dos relatos das professoras participantes durante as entrevistas e a observações de suas praticas pedagógicas.
4 ANÁLISES E RESULTADOS
No intuito de obter e interpretar as informações foram construídos conjuntos de dados para a investigação, dispostos em dois eixos centrais: Memórias; concepções acerca do lúdico sob a ótica das professoras; e o Ensino de Química na prática pedagógica lúdica.
4. 1 Memórias, concepções acerca do lúdico sob a ótica das professoras
O registro das memórias das professoras permitiu compreender como elas reconstroem suas experiências vivenciadas no período em que foram estudantes da educação básica. À medida que expressavam suas recordações estudantis, buscamos identificar a existência de alguma relação entre as experiências lúdicas e suas concepções de ensino. E quais seriam os fatores que interferiam em suas atuais práticas pedagógicas nas escolas em que atuavam como professoras de Química.
As professoras foram questionadas quanto ao período em que vivenciaram a educação básica; o que traziam na memória sobre seus professores, os conteúdos e as atividades desenvolvidas no ensino-aprendizagem. Suas respostas foram transcritas com pequenos recortes para facilitar o entendimento do objeto de estudo desta pesquisa. A professora Oxigênio expressa da seguinte forma o seu relato: ?Eu me recordo da minha professora de ciências. Ela sempre fazia experimentos. Isso era bem interessante, porque é uma coisa que marca a gente. Até hoje, eu lembro em ciência [...] ela nos levava bastante no laboratório?.
Desse modo, compreende-se na fala da professora que, durante as atividades realizadas pela professora de Ciências, surgia um sentimento de ludicidade comprometido com a experiência interna do sujeito que a vivenciava. Ao relacionar a prática pedagógica atual da professora Oxigênio com suas lembranças, notamos a apreciação pelo planejamento e execução de aulas de práticas experimentais com seus alunos do Ensino Médio.
A professora Polônio revela lembranças de um modelo psicopedagógico tradicional da transmissão-recepção de conteúdos, no qual o espaço físico escolar não oferecia uma efetivação das possibilidades lúdicas. Mas, ela ressalta que gostava da forma como sua professora conduzia as aulas. Em suas palavras:
[...], as aulas eram expositivas, dialogadas, a professora passava um resumo do conteúdo, explicava e propunha atividades para respondermos no caderno, usávamos o livro didático e, ocasionalmente, ela passava vídeos de experimentos. A escola não tinha laboratório, mas também não fazíamos experimentos nem mesmo em sala. Embora as atividades não fossem diferenciadas, eu gostava.
(Diálogo entre a professora Polônio e pesquisadora, 2019).
Os recortes apresentados anteriormente revelam que, mesmo o ensino tradicional, apresenta características lúdicas, conforme o relato das vivências feito pela professora Polônio. Nesse sentido, Luckesi (2018, p. 140) teoriza: ?[...] lúdico é um estado interno do sujeito que vivencia uma situação. Ludicidade pertence ao mundo interior de cada pessoa e esse tem uma história, que tem uma biografia, que é determinante às sensações, percepções e julgamentos [...]?. Percebe-se que as atividades marcantes nas trajetórias das professoras podem ser identificadas como possibilidades de ludicidade.
As concepções das professoras sobre o lúdico e as atividades lúdicas presentes nas suas práticas pedagógicas e desenvolvidas no ambiente escolar em que lecionam apontaram algumas explicações sobre o assunto. Indagada acerca da compreensão da palavra lúdico, a professora Oxigênio apresentou a seguinte afirmação: Então, para mim, o lúdico vem de ?diferente?, ele vem de experimental?. Discordando da fala da professora Oxigênio e, em conformidade com Luckesi (2007), o lúdico não se caracteriza apenas pelo fato de ser algo diferente, mas depende de como o indivíduo internaliza e reage (sensações e sentimentos de alegria, bem-estar, prazer para alguns e para outros não) às propostas de atividades.
Um referencial teórico que abordasse o conceito de lúdico para a professora Oxigênio foi expresso da seguinte forma: ? [...] teoricamente eu nunca me sentei para estudar o lúdico. Um dos primeiros foi Platão, que tinha um jeito diferente até para ensinar matemática, filosofia... Os outros não lembro?.De acordo com esta perspectiva, o lúdico se manifesta desde as civilizações mais antigas, apesar das diferenças no modo de organização da sociedade.
Ao relatar sobre as atividades lúdicas, a professora Oxigênio explica:
Os jogos e brincadeiras podem ser considerados lúdicos. Mas não é só brincadeira e também não é só jogo [...] uma aula de laboratório é lúdica, um vídeo demonstrativo é uma atividade lúdica. Fazer uma discussão é algo lúdico. Por ser alguma coisa diferente do tradicional, o aluno parece que desperta um pouco mais de interesse.
(Diálogo entre a professora Oxigênio e pesquisadora, 2019).
Do exposto pela professora Oxigênio, concorda-se com sua explicação acerca das atividades lúdicas. Tudo isso pode despertar, em alguns alunos, estados afetivos internos de interesse e prazer em aprender. Porém, ao contrário do que afirmou a professora sobre uma atividade lúdica diferir da aula tradicional, mas em conformidade com Luckesi (2018), a ludicidade está vinculada à experiência interna do aluno que experimenta a atividade e não à atividade propriamente dita. Diante disso, uma aula tradicional no estilo expositivo pode ser lúdica, na proporção em que professor e aluno estejam integrados prazerosamente no processo de ensino-aprendizagem.
Para a professora Magnésio, o lúdico pode significar: ? Atividades relacionadas a jogos, brincadeiras, cores e imagens, entre outros, que provocam os sentidos da audição, visão, tato, olfato e, também, a motivação do indivíduo?. Ela, de forma objetiva, cita os autores que fazem referência ao lúdico: Piaget e Vygotsky. Infere-se na fala da professora Magnésio uma compreensão do conceito de lúdico na etimologia da palavra. Nesse sentido, enfatiza-se a percepção de que nem todas as atividades podem ser lúdicas, pois dependem das sensações e afetividades de cada indivíduo. Porém, existe uma relação entre jogos, brincadeiras e lúdico.
Acerca do lúdico, a professora Polônio se expressa da seguinte forma: ? Lúdico tem a ver com jogos, com atividades prazerosas voltadas para a aprendizagem?. Notamos em sua fala a presença de outras concepções que abrangem o conceito. Em consonância com Luckesi (2007) quanto à epistemologia do lúdico e ludicidade na perspectiva de jogos, brincadeiras e atividades que proporcionam prazer em aprender. A professora, entretanto, confessa não se lembrar de ter realizado estudos sobre o tema durante a graduação. Seu relato, por sua vez, manifesta indícios de concepções acerca da ludicidade que caracteriza o objeto de estudo desta pesquisa. A professora conceitua:
Jogos e brincadeiras são as primeiras ideias do professor para tornar a aula mais lúdica. Porém, não serão todos os adolescentes que sentirão prazer em aprender com a prática de jogos/brincadeira. Sempre existe um grupo de indivíduos que se exclui dessas atividades, e os motivos são diversos. Mas se pensarmos em atividade lúdica como toda atividade prazerosa que leva ao aprendizado, temos que refletir sobre as preferências dos estudantes. Se os alunos gostam de música podemos trabalhar paródias, dentro do estilo musical preferido. Pode-se trabalhar histórias em quadrinhos, memes etc.
(Diálogo entre a professora Polônio e pesquisadora, 2019).
Segundo a professora Polônio, e, também, conforme teoriza Luckesi (2018), existem brincadeiras, jogos, dentre outras atividades, que promovem a ludicidade nos estudantes: o mundo externo ? pois, a qualidade lúdica ocorre dentro dos sujeitos, por meio de suas sensações, sentimentos e julgamentos em relação ao lugar em que interagem. Neste caso, especificamente, no espaço escolar. A ludicidade e o desenvolvimento da prática pedagógica lúdica contribuem para o ensino-aprendizagem, porém necessita da conscientização dos professores e pesquisadores sobre sua relevância e metodologias, pois a educação lúdica pouco será aprofundada sem que se apresente um mínimo conhecimento teórico sobre o tema.
4.2 Ensino de Química na prática pedagógica lúdica
Apresentam-se neste eixo temático as narrativas dos pesquisadores que foram registradas durante a observação das práticas educativas realizadas no espaço escolar. Com o propósito de entrelaçar o referencial teórico aos dados obtidos e práticas pedagógicas das professoras investigadas foi possível observar, em suas ações e concepções, a existência de atividades lúdicas como jogos, história em quadrinhos (HQs), aula experimental e aula expositiva. O excerto a seguir expõe uma parte das narrativas resultantes da observação sobre a atividade lúdica para o Ensino de Química na prática pedagógica desenvolvida pela professora Magnésio.
Professora Magnésio: Eu vou desenhar no meu caderno uma estrutura e vocês vão adivinhar qual é. Cada grupo pode fazer uma pergunta sobre o desenho. Eu vou responder apenas Sim ou Não. Até vocês acertarem o nome. Se der palpite errado vai ficar uma rodada sem perguntar.
Aluno1:Tem ramificação?
Professora Magnésio: Sim!
Aluno2: Tem seis carbonos?
Professora Magnésio: Sim.
Aluno1: Tem ligações duplas?
Professora Magnésio: Não.
Aluno1: É o dois metil hexano.
Professora Magnésio: Acertou, parabéns! Agora este outro é mais difícil...
(Diálogo entre professora Magnésio e alunos do terceiro ano do Ensino Médio, 2019).
A professora Magnésio realizou um jogo com as suas turmas de terceiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual EMI. O exercício foi apresentado por ela com o nome de ?Jogo do Sim ou Não?. Ela dividiu os alunos em grupos, de acordo com as afinidades deles. Explicou as regras do jogo. Tais ações apontam para a relevância da intencionalidade pedagógica da professora, pois ela acaba de apresentar um jogo já conhecido por seus alunos. Assim, os estudantes conseguem compreender suas regras com clareza. Nessa aula, eles apresentavam-se motivados e interessados. Demonstravam atitudes competitivas, porém divertiram-se ao expor o que fora aprendido em relação ao conteúdo abordado: a nomenclatura de hidrocarbonetos. Notamos uma interação de incentivo, motivação e afetividade entre professora e alunos na prática pedagógica desenvolvida na sala de aula.
Diante do exposto ressalta-se, ainda, a importância da intencionalidade pedagógica no planejamento de uma aula lúdica, considerando as relações sociais e culturais do cotidiano dos seus alunos, como é revelado pela professora em sua prática pedagógica. A respeito disso, Brougère (2002), consoante a prática da professora, afirma que a cultura lúdica de cada indivíduo ocorre conforme constrói sua identidade na sociedade em que vive. É relevante compreender que o jogo e as brincadeiras são construções culturais que se conectam as interpretações das atividades humanas. Conclui-se que ocorreu uma avaliação de verificação de aprendizagem de forma implícita dos conteúdos abordados.
A professora Polônio desenvolveu com seus alunos dos primeiros anos da Escola Estadual EP uma proposta pedagógica que utilizou a leitura de uma história em quadrinhos (HQs), na qual abordava o conteúdo da evolução dos modelos atômicos numa linguagem atualizada do século XXI, da seguinte forma: ? [...] Pessoal, eu trouxe para vocês uma história em quadrinhos. Para ficar assim mais dinâmico, a gente vai dividir a história em quadrinhos por personagens. É para fazer as leituras como se fossem os personagens. Vamos começar. O Mundo dos Átomos[...]?.
Polônio utilizou como estratégia lúdica o uso de HQs para a abordagem de conceitos químicos com seus alunos. Buscou associar os conceitos químicos à evolução dos modelos atômicos, a fim de envolvê-los em tramas de ficção. Os estudantes da turma ?A? demonstraram interesse e prazer em aprender. A professora conduziu a aula de maneira dinâmica, prazerosa, o que podia ser percebido no envolvimento dos alunos durante a interação com ela ? plenamente de acordo com a proposta pedagógica. Em seguida, Polônio, juntamente com a turma, revisou os personagens presentes no enredo, fazendo referência a todos os teóricos que tiveram sua contribuição para a construção do conhecimento dos modelos atômicos.
Nessa perspectiva, a atividade desenvolvida pela professora afirma a relevância das HQs como gênero textual que reflete o contexto social e político, o que nos leva a inferir que, em meio a uma proposta prazerosa, é possível promover compreensão e apropriação de conhecimentos científicos ( SOARES, 2004).
Os alunos do primeiro ano ?X? do Ensino Médio da Escola Estadual ETI, entretanto, no início da leitura prestavam atenção. Após dez minutos, demonstraram completo desinteresse pela leitura, alegando ser muito extensa. A professora planejou uma aula lúdica, conforme seus relatos durante a entrevista. Porém, não obteve o resultado esperado. Conclui-se que, para estes alunos, a aula, cuja proposta pedagógica era a leitura da HQs, não foi lúdica. Diante o exposto, Luckesi (2018)evidencia que a efetivação de uma atividade lúdica depende das sensações de cada indivíduo. Sendo assim, para estes alunos a dinâmica não teve significado lúdico.
A seguir, apresentamos uma parte do texto que elaboramos com base nas observações das práticas experimentais na perspectiva lúdica no ensino de Química desenvolvido pelas professoras colaboradoras desta pesquisa. O relato da professora Oxigênio, com suas concepções e prática pedagógica, pode evidenciar que as aulas nas séries em que lecionava apresentaram características de ludicidade e prática pedagógica lúdica, como se pode observar no excerto de uma de suas aulas na escola EMI:
Professora Oxigênio: Gente, trouxe de casa esse sistema, eu tenho aqui misturados amido de milho, milho de pipoca, e bolinha de sagu. O que vocês me falam que utilizaria para fazer esta separação? Eu quero separar todos, o que vocês fariam primeiro?
Alunos1: Catação!
Professora Oxigênio: Mas catação vai sujar as minhas mãos.
Aluno1: Peneiração então, profe!
Professora Oxigênio: Isso, peneiração! Anotem aí, peneiração para a mistura: milho, sagu e amido. Primeiro processo: peneiração. Alguém quer peneirar? Então, se a gente peneira, a gente vai separar quem?
Alunos2: O amido, porque é mais fininho.
Professora Oxigênio: E quando a gente peneirou, o que a gente pode fazer agora? [...]
(Diálogo entre professora Oxigênio e alunos do Ensino Médio, 2019).
A professora Oxigênio demonstra possuir a característica de propor desafios aos alunos, a fim de pensarem sobre a sua proposta. Permite, assim, enaltecer a importância da mediação do professor no processo de ensino aprendizagem. A professora é dinâmica na contextualização do conteúdo com o cotidiano dos alunos. Apresenta um discurso interativo de autoridade. Quando realiza a iniciação, o aluno responde e, logo depois, realiza sua avaliação. Ela utiliza a experimentação como um instrumento que referencia os aspectos sociais e ambientais. Na perspectiva didática, infere-se que a professora contemplou em sua aula experimental os aspectos fenomenológico e teórico ( MACHADO; MORTIMER, 2007).
Além disso, os alunos demonstraram autoria em suas falas, corresponderam aos estímulos para enfrentar os desafios e manifestaram afetividade e disposição para aprender, caracterizando, desse modo, a ludicidade implícita na prática pedagógica da professora, posto que ela permitisse o desenvolvimento de seus alunos, ao proporcionar-lhes autonomia no processo, fazendo enxergarem no professor um estimulador de suas potencialidades. Diferentemente das ações pedagógicas apresentadas anteriormente, segue o recorte das narrativas da pesquisadora com o conteúdo de substâncias e misturas ministrado pela professora Oxigênio em uma aula expositiva em sala de aula:
Professora Oxigênio: Gente, diferença entre substância e mistura eu vou explicar usando aqui o suporte que é um print do livro didático. As coisas podem ser classificadas em substâncias ou misturas. [...] Olha o exemplo: a água tem ponto de ebulição e fusão constante. É uma substância ou mistura? Agora um suco de limão, ela deixa de ser água, então ela é uma mistura. Se eu preparar um suco de limão, vai ter ponto de fusão e ebulição igual da água pura?
Aluno 1: Não, ela é uma mistura!
Professora Oxigênio: Joias, tanto de ouro como de prata, elas são misturas.
Aluno2: O que eles usam?
Professora Oxigênio: Eles fazem uma mistura para fazer joia. Eles usam ouro, prata e cobre fazendo uma liga metálica [...]
(Diálogo entre professora Oxigênio e alunos do 1º ano do Ensino Médio, 2020).
Como exposto no fragmento acima, percebe-se que a professora Oxigênio trabalha o conteúdo em forma de contextualização com o cotidiano dos seus alunos, despertando a curiosidade, o interesse e a motivação, mesmo sendo uma proposta pedagógica de cunho tradicional. Apesar de a considerarmos como uma aula tradicional, notamos nas expressões dos alunos o prazer em prestar atenção em todos os detalhes corporais e gestuais da professora, mesmo sendo uma apresentação centrada na transmissão de conteúdo, com ênfase na resolução de exercícios no final da aula ( RIBEIRO, 2016).
Estas sensações de prazer em aprender são preconizadas por Luckesi (2018), sendo pertencentes ao estado interno individual de cada sujeito que vivencia uma situação. Certamente, a aula trabalhada de forma interativa e lúdica pela professora permitiu a participação dos seus alunos de maneira prazerosa. Observa-se que a aula proporcionou a aprendizagem significativa dos conteúdos de Química.
5 CONSIDERAÇÕES
Foram levantadas algumas reflexões que visavam possibilitar a compreensão do problema por meio dos dados coletados de entrevista semiestruturada e observação da prática das professoras investigadas, após a exposição de suas concepções sobre o lúdico. Fundamentados no referencial teórico adotado, com ênfase em Luckesi, os resultados revelaram que as professoras demonstram em seus relatos pouca fundamentação teórica baseada em epistemólogos que analisam o conceito do lúdico e ludicidade. Perante as concepções expostas pelas professoras nesta pesquisa, compreende-se que o lúdico no Ensino de Química ainda está em construção e tem a necessidade de um aprofundamento teórico, como uma linguagem sistemática para o mais adequado entendimento do potencial do lúdico e sua relevância nas investigações, discussões e aperfeiçoamentos teóricos no Ensino de Química. Conforme exposto no estado da arte, nesta pesquisa, revela que o estudo sobre o lúdico no Ensino de Química é muito recente. Portanto, é justifica-se a pouca teorização acerca do lúdico.
Dessa forma, infere-se que as práticas das professoras desta pesquisa são pautadas, em grande parte, por crenças acerca do lúdico, visto que se caracterizam por assumir um caráter mais subjetivo, temporal e cultural, pois demonstraram uma memória afetiva das aulas lúdicas de seus professores da Educação Básica. Sendo assim, inclinavam-se em reproduzir aulas que lembravam as práticas de seus professores, por despertar nelas o prazer em aprender determinados conteúdos específicos, se comparadas ao conceito de concepções ? o qual se configura em uma natureza essencialmente cognitiva, ou seja, fundamentada em pressupostos teóricos.
Nas aulas práticas das professoras participantes da pesquisa foram observadas as características de suas recordações acerca do lúdico, posto que demonstrassem uma memória afetiva das aulas lúdicas de seus professores da Educação Básica. Sendo assim, sentiam-se inclinadas a reproduzir as aulas que lembravam, bem como as práticas de seus professores, por terem despertado nelas o prazer em aprender determinados conteúdos.
Os resultados aqui obtidos demonstram a relevância dos professores e pesquisadores obterem conhecimento da teorização sobre a ludicidade e o uso de recursos lúdicos no Ensino de Química, com a finalidade de originar uma intencionalidade lúdica na educação, a fim de atender as dificuldades formativas no processo cognitivo de seus alunos. Porém, não foi possível maior aprofundamento na investigação, tendo em vista a questão do tempo, restrito no período do mestrado. Tais questionamentos representam propostas para futuras pesquisas: 1) Como pode acontecer um crescimento de propostas lúdicas, sem fundamentação teórica no ensino-aprendizagem de Química? 2) Como realizar atividades lúdicas no Ensino de Jovens e Adultos? 3) Como garantir o prazer, se o aluno participante não estiver disposto a participar das atividades?
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Notas
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