CONCEPÇÕES DE MESTRANDOS EM ENSINO DE FÍSICA SOBRE O SISTEMA SOLAR SOB A PERSPECTIVA DAS LEIS DE KEPLER

CONCEPTIONS OF MASTERS STUDENTS IN PHYSICS TEACHING ABOUT THE SOLAR SYSTEM FROM THE PERSPECTIVE OF KEPLER'S LAWS

ORCID: http://orcid.org/https://orcid.org/0000-0002-8833-9759 Luana Paula Goulart de Menezes
Universidade Estadual de Maringá, Brasil
ORCID: http://orcid.org/https://orcid.org/0000-0001-7328-2721 Michel Corci Batista
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil

CONCEPÇÕES DE MESTRANDOS EM ENSINO DE FÍSICA SOBRE O SISTEMA SOLAR SOB A PERSPECTIVA DAS LEIS DE KEPLER

REAMEC ? Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 8, núm. 2, 2020

Universidade Federal de Mato Grosso

Recepção: 14 Março 2020

Aprovação: 05 Maio 2020

Resumo: Na contemporaneidade podemos observar muitos avanços na astronomia. Não é raro recebermos notícias sobre resultados de estudos e observações de lugares antes apenas imagináveis do Universo. Contudo, em um mundo no qual o conhecimento avança rapidamente e se tem acesso a muitas informações, como o Sistema Solar é imaginado? Quais são as concepções acerca do movimento dos planetas que o constitui? Inspirados nessas perguntas o presente trabalho objetivou investigar quais são as concepções acerca do sistema solar na perspectiva das Leis de Kepler dos mestrados de um polo do Programa Nacional de Mestrado Profissional em Ensino de Física (MNPEF) do estado do Paraná. Como consequência desse delineamento indagamos sobre as estações do ano e se o conteúdo Gravitação Universal é ensinado pelos participantes. Para realizar o estudo utilizamos os pressupostos da pesquisa qualitativa; e os dados foram constituídos por intermédio de um questionário, em que esperávamos encontrar concepções consistentes devido ao interesse pelo MNPEF. Contudo, pudemos verificar equívocos nas concepções e a falta delas por meio das questões sem resposta. Também foi possível evidenciar que as questões relacionadas ao tema Gravitação Universal não são discutidas na educação básica pelos mais variados motivos.

Palavras-chave: Professores de Física, Astronomia, Sistema solar, Leis de Kepler.

Abstract: In contemporary times we can observe many advances in astronomy. It is not uncommon for us to receive news about the results of studies and observations of places previously only imaginable in the Universe. However, in a world in which knowledge advances rapidly and access to much information, how is the Solar System imagined? What are the conceptions about the movement of the planets that constitute it? Inspired by these questions, the present work aimed to investigate what are the conceptions about the solar system in the perspective of Kepler's Laws of the master students of a pole of the National Program of Professional Master in Physics Teaching (MNPEF) of the state of Paraná. As a consequence of this design, we asked about the seasons and if the Universal Gravitation content is taught by the participants. To carry out the study we used the assumptions of qualitative research; and the data was constituted by means of a questionnaire, in which we expected to find consistent conceptions due to the interest in the MNPEF. However, we were able to verify mistakes in the conceptions and the lack of them through unanswered questions. It was also possible to show that the issues related to the Universal Gravitation theme are not discussed in basic education for the most varied reasons.

Keywords: Physics teachers, Astronomy, Solar system, Kepler's laws.

1 INTRODUÇÃO

Incansavelmente o homem busca entender sobre a organização e formação do Universo. Se olharmos para nossa história veremos que um dos primeiros modelos que teve visibilidade foi aquele em que a Terra ocupa a posição central, geocêntrico, ou melhor, ?(...) geostático, pois a Terra, embora imóvel, não é centro de todos os movimentos dos orbes? ( COPÉRNICO; MARTINS, 2003, p. 64). Este, teve seu ápice com Ptolomeu que por intermédio da construção de epiciclos, deferente, excêntricos e o equante, explicou os movimentos que observamos do nosso ?lugar imóvel?. Contudo, mesmo com o distanciamento, algumas inexatidões e de grande complexidade, sua construção de Universo permaneceu com credibilidade por muito tempo, quase treze séculos, até Copérnico e, dominou ?(...) o pensamento astronômico europeu até o começo do século XVII? ( ÉVORA, 1993, p. 68).

Um dos motivos do tardar do desenvolvimento da astronomia planetária, comparada com a lógica, filosofia e cosmologia, se deve a uma demora na assimilação da astronomia ptolomaica: a maioria dos astrônomos medievais, de acordo com Évora (1993, p. 108), demorou muito pra começar a trabalhar a partir dos originais gregos, e em parte por conta da dificuldade com a astronomia matemática que só foi minimizado quando as traduções de obras de grandes matemáticos gregos, como Apollonios, Archimedes, Papos e Heron, foram editadas e estudadas a partir do século XVI.

Defensor de Nicolau Copérnico (1473-1543), que propôs a teoria heliocêntrica ( heliostática), temos o matemático e astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) que entre muitas outras contribuições foi responsável por romper a ideia de que os planetas orbitavam de forma circular e que hoje conhecemos como sua primeira lei. É interessante notar que embora defensor de Copérnico, sua obra Astronomia nova(1609) ?(...) já não é da mesma natureza daquela de Copérnico. Suas premissas e seus métodos são outros? ( ITOKAZU, 2006, p. 18). O Sol além de iluminar o mundo ?(...) passa a funcionar como fonte da força que movimenta todos os planetas? ( ITOKAZU, 2006, p. 19).

De certo modo com Isaac Newton (1642-1727) o trabalho de busca dessa ?força? é continuado: os Principia (1687) ?(...) definiram a natureza da força gravitacional e estabeleceram leis aplicáveis a qualquer corpo em movimento, desde uma bala de canhão até Lua e planeta girando em volta do Sol (...)? ( MOSLEY; LYNCH, 2011, p. 47).

Desde as observações de Galileo Galilei (1564-1642), os telescópios evoluíram e o crescimento da astronomia espacial nos permitiu captar a radiação de estrelas e galáxias distantes, por exemplo. Frequentemente recebemos notícias de diferentes estudos com aspectos novos sobre a astronomia e nesse sentido, uma das intenções deste trabalho é verificar como anda as concepções acerca do sistema solar visto que o assunto é (ou deveria ser) ensinado nas escolas desde o Ensino Fundamental I. Para tal, delimitamos em explorar ideias ligadas as Leis de Kepler sobre o formato da órbita e velocidade dos planetas por intermédio de um questionário aplicado aos mestrandos do Programa Nacional de Mestrado Profissional em Ensino de Física (MNPEF) de uma instituição no interior do estado do Paraná.

A partir do primeiro delineamento pudemos investigar concepções sobre as estações do ano e como os participantes da pesquisa são professores, indagamos se um conteúdo ligado ao tema, Gravitação Universal, é ensinado por eles. Para elaboração do questionário e análise dos dados usamos trabalhos anteriores e que motivaram o presente estudo, como de Yu, Sahami e Denn (2010) e Sadler (1992). Neste último podemos observar uma análise sobre o que pensam estudantes sobre o formato da órbita, por exemplo, e no caso do primeiro trabalho, encontramos concepções sobre as três leis de Kepler sendo que ?(...) o equívoco mais comum encontrado em cerca de três quartos das entrevistas é a crença de que as órbitas planetárias do Sol são altamente elípticas? ( YU; SAHAMI; DENN, 2010, p. 1). No Brasil, Canelle (2003), em seu artigo ?O problema do Ensino da órbita da Terra? apontou resultado semelhante na crença da elipse com alta excentricidade, como veremos adiante, a partir das respostas de uma questão da IV Olimpíada Brasileira de Astronomia (IV OBA). Com esses trabalhos em mãos, pretendemos buscar entender quais são as concepções dos mestrandos sobre nosso tema, motivados pelo fato de que na atuação como professores possuem poder de mudar esse cenário ou perpetuá-lo e ao entendermos as dificuldades estaremos mais aptos a traçar caminhos para intervir de forma estratégica.

2 ALGUNS ASPECTOS TEÓRICOS

Observemos que o nome de Kepler se vincula, infelizmente, quase exclusivamente como escreve Di Liscia (2007) às suas três leis do movimento planetário 3, cujos enunciados são:

1ª (Lei das órbitas)Todos os planetas se movem em órbitas elípticas, com o Sol em um dos seus focos.

2ª (Lei das áreas)O segmento de reta que liga um planeta ao Sol varre áreas iguais no plano da órbita do planeta em intervalos de tempo iguais.

3ª (Lei dos períodos)O quadrado do período de qualquer planeta é proporcional ao cubo do semieixo maior de sua órbita.

Quando se fala em elipse logo vem à mente a imagem de uma figura bastante achatada, mas devemos lembrar que as órbitas planetárias são bastante próximas de circunferências, isto é, possuem excentricidades baixas. Para se ter uma ideia a excentricidade da órbita da Terra varia entre 0 e 0.070 em um ciclo que leva entre 90 000 e 100 000 anos. Atualmente a excentricidade é de cerca de 0.017 e mesmo assim a Terra está 5 milhões de quilômetro mais próxima do Sol no periélio (ponto da órbita em que a distância ao Sol é mínima) do que no Afélio (ponto de distância ao Sol máxima) ( NASA, 2000).

Várias pesquisas que veremos adiante têm mostrado relação entre a crença de órbitas altamente elípticas com a causa das estações do ano, de onde o verão, por exemplo, seria explicado equivocadamente pela maior aproximação da Terra ao Sol. Inerente a essa concepção existe uma confusão de que os solstícios coincidem com o afélio e periélio. Todavia, podemos verificar que o solstício de inverno ocorre no hemisfério sul próximo ao dia 22 de junho (em 2019, por exemplo, ocorreu no dia 21), enquanto passamos pelo afélio em 4 de julho e do mesmo modo, o periélio não coincide com o solstício de verão. Além da diferença atual, é importante deixarmos claro que para nossa escala de vida humana ou centenas ou mil anos, a ocorrência dos equinócios e solstícios são praticamente constantes, contudo, em milhares de anos ocorrem variações nestas posições da órbita com cerca de 19 000 a 23 000 anos de período ( MARTIN, 2018).

Voltando as Leis de Kepler ressaltamos que as duas primeiras foram publicadas em 1609 no livro titulado Astronomia Nova, enquanto a terceira lei foi publicada dez anos depois, 1619, em Harmonices Mundiem um contexto cheio de dificuldades. Mourão (2008), escreve que:

Tal lei, como as duas primeiras, constituiu o objeto principal de sua investigação. Ao anunciar as Três Leis do Movimento Planetário, misturadas ao seu delírio de sonhos místicos, tem-se a impressão de que Kepler não pressentiu a sua importância. Importância que somente Newton saberia avaliar, verificando que nela se encontra implícita a essência da Lei da Gravitação Universal ( MOURÃO, 2008, p. 177).

Desse modo, nesse pequeno delineamento, podemos observar a importância de tais leis, das quais, como veremos, algumas das visões sobre elas se repetirão pela constante exposição das diversas mídias ( YU; SAHAMI; DENN, 2010) e dos livros didáticos mostrando uma visão oblíqua do sistema solar. E como bem escreve Lucas (2007, p. 7), ?a segunda lei e a terceira são somente enunciadas e os alunos simplesmente as aceitam?.

Acreditamos que para que professores possam melhorar a maneira que tratam desses assuntos necessitam, sobretudo, tomar consciência dos equívocos de seus alunos. Estes estão, geralmente, em conflito uma vez que ?(...) têm dificuldade em aprender ciências por causa da dificuldade de conciliar suas próprias crenças com as ideias conflitantes de seu professor? ( SADLER, 1992, p. 11). Esse quadro se agrava ainda mais quando os próprios professores possuem tais dificuldades.

Com essas perspectivas e no contexto das Leis de Kepler, buscaremos verificar as concepções dos participantes acerca do formato da órbita e da velocidade dos planetas ao longo das órbitas planetárias. Esses participantes são professores e ao mesmo tempo pós-graduandos que estão em busca de novos conhecimentos e possuem papel fundamental na melhoria do ensino. Feito esses esclarecimentos passamos a delinear a metodologia da pesquisa.

3 PESQUISA QUALITATIVA

Este trabalho objetivou investigar quais são as concepções de estudantes mestrandos de um polo do Programa Nacional de Mestrado Profissional em Ensino de Física (MNPEF) acerca das Leis de Kepler sobre o formato da órbita e velocidade dos planetas. Nessa perspectiva nossa proposta inicial visou buscar representações do sistema solar e algumas noções interessantes que podemos explorar nesse contexto como, por exemplo, a causa das estações do ano.

Para realizar o estudo escolhemos a pesquisa de caráter qualitativo. Para Yin (2016), pesquisas desse tipo desafia qualquer um a chegar a uma definição sucinta: ?Uma definição muito curta parecerá excluir uma ou outra disciplina. Uma definição muito ampla parecerá inutilmente global? ( YIN, 2016, p. 06). Essa dificuldade em defini-la se deve à relevância que possui entre as diferentes áreas e profissões. Todavia, o autor apresenta características da pesquisa qualitativa, das quais destacamos aqui: o estudo do significado da vida das pessoas, abrangendo seu contexto e representando suas opiniões e perspectivas, não sendo esse tipo de pesquisa uma narração do cotidiano, mas um ?(...) desejo de explicar esses acontecimentos, por meio de conceitos existentes ou emergentes? ( YIN, 2016, p. 07).

Com a pretensão de descrever o cenário da pesquisa, passamos a apresentar o MNPEF, programa este, direcionado aos professores do ensino médio e fundamental com ênfase principal em aspectos de conteúdos na Área de Física. É uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e segundo o site do MNPEF, visa:

(...) capacitar em nível de mestrado uma fração muito grande professores da Educação Básica quanto ao domínio de conteúdos de Física e de técnicas atuais de ensino para aplicação em sala de aula como, por exemplo, estratégias que utilizam recursos de mídia eletrônica, tecnológicos e/ou computacionais para motivação, informação, experimentação e demonstrações de diferentes fenômenos físicos ( MNPEF, 2019).

O programa é nacional e para esta pesquisa escolhemos um polo do estado do Paran 4 á, do qual participaram 16 mestrandos ingressantes nas turmas 2018 e 2019, no início do primeiro semestre letivo de 2019. Devido à pequena quantidade de professores participantes, podemos escrever que a pesquisa é um estudo de caso, em que o objeto estudado é único, ou seja, ?(...) uma representação singular da realidade que é multidimensional e historicamente situada? ( LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 21).

Segundo Coutinho (2015), qualquer plano de investigação implica em uma recolha de dados e para tal escolhemos como instrumento um questionário. Para Gil (2008, p. 121), o questionário é uma ?(...) técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações? e que ?(...) consiste basicamente em traduzir objetivos da pesquisa em questões específicas?. Desse modo, as questões devem ser pensadas de modo a testar hipóteses com perguntas claras e em uma sequência lógica. Parte do questionário da presente pesquisa foi inspirado no artigo ? Student Ideas about Kepler?s Laws and Planetary Orbital Motions? de Ka Chun Yu, Kamran Sahami e Grant Denn, como escrevemos na introdução do nosso trabalho, publicado em 2010 na revista Astronomy Education Reviewe que consistiu em uma análise de entrevistas orais com 112 estudantes universitários durante a primeira semana de uma disciplina introdutória à astronomia. As perguntas envolviam as três leis de Kepler e sobre o que mantém os planetas em órbita ao redor do Sol. Na análise foi possível identificar concepções consistentes e equivocadas de acordo com o conhecimento vigente, das quais pretendemos comparar, sempre que possível, com o nosso contexto, ainda que o público alvo não tenha sido o mesmo de nossa pesquisa.

Ressaltamos aqui que a pesquisa mencionada acima não representou toda a população de graduandos já que o fato de os estudantes terem escolhido a disciplina com o tema astronomia revela uma afinidade com o assunto. É presumível que no caso desta pesquisa a procura pelo MNPEF também evidencia uma afinidade. Além disso, para chegar no nível de pós-graduação os estudantes passaram pela disciplina de Física do Ensino Médio que contempla as Leis de Kepler e muito mais que essa base, por serem graduados em Física ou áreas afins como mostra o quadro 1, temos uma grande expectativa de que já tenham sido expostos ao tema da nossa proposta.

Quadro 1
Os participantes.
Formação InicialIdentificação/ Tempo de exercício nadocênciaComplementação pedagógica em Física
FísicaM1/ 17 anos-
M2/ 12 anos-
M3/ 25 anos-
M4/Sem experiência 5-
M5/10 anos-
MatemáticaM6/ 15 anosNão
M7/ 06 anosSim
M8/ 08 anosNão
M9/ 17 anosNão
M10/ 18 anosSim
QuímicaM11/ 12 anosNão
M12/ 11 anosNão
BiologiaM13/ 03 anosNão
CiênciasM14/12 anosSim
Tecnologia em AlimentosM15/ 4 anosSim
EngenhariaElétricaM16/ Sem experiênciaNão

Note que se somarmos o número de mestrandos com formação inicial em Física com aqueles que possuem complementação pedagógica resultam em 9 alunos, representando um pouco mais da metade do grupo (56,25% do total). Além disso, uma segunda informação relevante é que a média de experiência na docência é de aproximadamente 11 anos.

3.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Em Yin (2016), encontramos que o fato de a pesquisa qualitativa não ser um livro de receita não implica que ela seja desregrada. Para o autor a maior parte da análise qualitativa segue cinco fases, sendo que a primeira delas é compilar o conjunto ordenado de dados em que ?O objetivo é organizar os dados qualitativos de maneira ordenada antes de iniciar a análise formal, mais ou menos como arrumar sua mesa e organizar e organizar seus arquivos antes de iniciar uma tarefa? ( YIN, 2016, p. 162). A segunda é decompor os dados compilados em fragmentos ou elementos menores que podem ou não ser ligados por uma atribuição de novos rótulos ou ?códigos?. É importante ressaltar que de acordo com Yin (2016) as fases são recursivas em que podemos retornar ou avançar, trazendo ou prevendo ideias para uma fase que virá.

A terceira consiste em recompor (e arranjar) os dados olhando para possíveis padrões nos dados e que leva as interpretações destes (quarta fase), envolvendo ?(...) o uso de material decomposto para criar uma nova narrativa, com tabelas e gráficos quando pertinentes, que se tornarão a parte analítica fundamental do rascunho de seu manuscrito? ( YIN, 2016, p. 160). Finalmente, a última fase é concluir o estudo, relacionando com a quarta e ?(...) por meio dela, a todas as outras fases do ciclo? ( YIN, 2016, p. 160). Tomando por base as fases apresentadas para esse procedimento de análise em uma pesquisa qualitativa apresentamos os resultados de nossa pesquisa, organizando o texto a partir de cada questão do questionário proposto.

1) Faça uma representação (desenho) do Sistema Solar.

Com essa questão gostaríamos de verificar quais são os modelos de sistema solar que os mestrandos possuem em sua estrutura cognitiva. Tínhamos uma expectativa de que várias representações seriam com planetas aproximadamente alinhados em um ?mesmo lado?. Tal representação se repetiu em 75% das respostas dos mestrandos. Yu, Sahami e Denn (2010) escrevem que um dos motivos para esses desenhos é a exposição de imagens como a que segue abaixo frequentemente reproduzidas na mídia e em livros didáticos.

Representação do Sistema Solar.
FIGURA 1
Representação do Sistema Solar.
BBC Brasil (2019). Captura de tela. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-46946683. Acesso em 10 dez. 2019.

Uma das consequências dessas representações que mostram os planetas alinhados é quando se pensa, por exemplo, no planeta mais próximo da Terra e se fica em dúvida entre Vênus e Marte. Na verdade, o que podemos dizer é que em média, na maior parte do tempo estamos mais próximos de Mercúrio, possibilidade esta que muitos nem cogitam por conta do modelo mental equivocado.

Os outros 25% dos mestrandos não alinharam os planetas, contudo, percebemos outras concepções interessantes: dois deles, os mestrandos M2 e M7 apresentaram múltiplos planetas em uma mesma órbita. O primeiro representou uma órbita externa ovaladas e o segundo, altamente excêntrica. Uma segunda pesquisa poderá investigar se as pessoas que possuem esse modelo mental acreditam que os planetas podem se colidir.

Representação do Sistema Solar, por M2 e M7.
FIGURA 2
Representação do Sistema Solar, por M2 e M7.

O mestrando M8 desenhou órbitas se interceptando, como mostra a figura 3, porém, em planos distintos. Segundo Yu, Sahami e Denn (2010), esses modelos mentais podem surgir devido a exposição das órbitas dos satélites de GPS ao redor da Terra. Também acreditamos que a representação pode ser uma analogia com modelos atômicos reproduzido em livros, o que seria uma confusão de conceitos e representações. Outro modelo curioso é do mestrando M16 que desenhou os planetas dispostos em uma curva e mostra o Sol como uma figura antropomórfica.

Representação do Sistema Solar, por M8 e M16.
FIGURA 3
Representação do Sistema Solar, por M8 e M16.

Acreditamos que o modo de representar a posição dos planetas de M16 pode estar associado com os modelos como mostra a figura 4 (a). Além disso, desde a infância somos expostos a imagens em que os astros estão sorrindo como mostra a figura 4 (b). Representações antropomórficas também foram constatadas na pesquisa realizada por Batista (2016).

Representações comuns do Sistema Solar.
FIGURA 4
Representações comuns do Sistema Solar.
Dreamstime (2020). Captura de Tela. Disponível em: https://www.dreamstime.com/. Acesso em: 10 jan. 2020.

A representação do mestrando M9, figura 5, nos chama a atenção. Nela podemos observar vários pontos dos quais não sabemos se a intenção foi representar asteroides, cometas, meteoroides ou talvez uma resposta que pode parecer pitoresca: estrelas. Existem pessoas que acreditam que no Sistema Solar há muitas delas, uma reportagem da European Space Agency( ESA, 2012), constatou tal fato ao sair nas ruas europeias e perguntar: quantas estrelas existem no Sistema Solar? As respostas variaram entre ?muitas? ou ?milhões? e apenas duas pessoas entre todas as entrevistadas, disseram uma.

Representação do sistema solar por M9.
FIGURA 5
Representação do sistema solar por M9.

Do total, 31,25% das respostas apresentaram planetas com tamanhos similares como mostra a representação de M9. Não tínhamos expectativa de que fossem feitos desenhos em real escala de tamanho e distâncias, já que tais representações não aparecem sequer nos livros e isto se deve ao fato de não ser viável ?(...) representar todo o Sistema Solar em uma mesma figura em escala numa página do livro, devido às distâncias e tamanhos proporcionais dos planetas? ( LANGHI; NARDI, 2007, p. 106). É claro que tal justificativa não inibe os autores da responsabilidade de alertar seus leitores sobre as escalas. Todavia, o fato que nos chama atenção nas ilustrações desses alunos é a não representação de variação no diâmetro dos planetas que possuem diferenças nítidas de tamanho.

Há outras análises interessantes sobre essas representações: a falta de ilustrações com planetas que possuem anéis, o número equivocado de planetas do sistema (no caso de M9, por exemplo, são feitos 10 planetas), a falta de representação dos satélites naturais dos planetas que os possuem e também a não de representações do cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter (ilustrado apenas pelo aluno M4). Tais considerações revelam que uma parte significativa de nossa amostra não possui representações (noções) básicas de astronomia, que são apresentadas e discutidas nos anos finais do Ensino Fundamental II.

Representação do Sistema Solar, por M9 e M4.
FIGURA 6
Representação do Sistema Solar, por M9 e M4.

2) O que você sabe sobre as velocidades dos planetas enquanto eles orbitam o Sol?

Essa questão foi retirada do trabalho de Yu, Sahami e Denn (2010). Nosso objetivo em reproduzi-la foi o de verificar, que concepções os alunos da pós-graduação possuem acerca do conceito de velocidade dos planetas consequentes da segunda lei de Kepler (variação da velocidade na órbita individual de cada planeta) e terceira lei (velocidade do planeta em relação com sua distância ao Sol) 6.

Um dos seus resultados de Yu, Sahami e Denn (2010) foi que 60% dos estudantes não conseguiram dizer nada sobre a velocidade mudar em diferentes pontos de sua trajetória. No nosso caso, 100% dos mestrandos não estabeleceram estas diferenças da velocidade, fato este que nos surpreendeu.

O aluno M16 lembrou dos trabalhos de Johannes Kepler: ?Kepler calculou as velocidades dos planetas traçando uma trajetória elíptica todos em torno da maior estrela que é nosso Sol?.Esse foi o único mestrando que citou o matemático e astrônomo que apresentou as leis do movimento planetário, todavia, para que se saiba a velocidade em cada ponto da órbita não basta traçar a elipse. Além disso, outro ponto interessante da sua resposta é a referência ao Sol como ?maior estrela? da qual temos novamente a discussão se ele acredita que há outras estrelas no Sistema Solar ou ainda se o Sol é a maior do Universo. Sabemos que o Sol é a única estrela do sistema solar e que a mesma não é a maior estrela que conhecemos no Universo: em comparação com outras estrelas: ?(...) em termos de massa, raio, brilho e composição química, o Sol está na faixa média de valores desses parâmetros? ( GREGORIO-HETEM; JATENCO- PEREIRA, 2010) .

Do total, 25% dos mestrandos caracterizaram a velocidade dos planetas como ?alta? ou ?baixa? ou ainda ?mais rápido? ou ?devagar? que outros, como podemos ver no quadro a seguir.

Quadro 2
Respostas da questão 2.
MestrandoResposta
M1?Cada planeta possui a sua própria velocidade, alguns mais rápidos, outros mais devagar?.
M9?Que todos os planetas orbitam em altas velocidades que são diferentes uma das outras?
M10?A velocidade é uma característica individual de cada planeta, sendo ela alta ou baixa?.
M11?Que cada um possui a sua velocidade e uns giram mais rápido que outros?.

Infelizmente, esses mestrandos não argumentaram mais sobre como essas características estão relacionadas. Contudo, quando escrevem que cada planeta tem sua própria velocidade, nos dá margem para interpretar que não há mudanças dessa velocidade em suas órbitas. De modo claro o aluno M3 afirmou essa concepção equivocada, respondendo que as velocidades dos planetas são diferentes, mas ? cada um com velocidade constante?.

Por outro lado, tivemos dois outros alunos estabeleceram que quanto mais próximo do Sol maior será a velocidade do planeta.

Quadro 3
Respostas da questão 2.
MestrandoResposta
M4?Variam conforme a distância do Sol, os mais próximos são mais rápidos?.
M14?Que quanto mais próximo ao Sol suas velocidades são maiores que os demais que estão mais longe?.

Esse quadro 3, também nos remete a concepção de que a velocidade do planeta na órbita é constante. O mestrando M5 escreve sobre uma relação entre velocidade, tamanho e gravidade: ?Não sei muita coisa, que existe ou deve existir uma relação que estabeleceu sua órbita de acordo com tamanho e gravidade?.O restante (43,75%) deixou em branco, fugiu do tema ou respondeu não saber nada.

Passamos a analisar agora as três próximas questões.

3) Você sabe que a Terra gira ao redor do Sol, descrevendo uma certa órbita. Chamamos esse movimento de translação. Para dar uma volta completa ao redor do Sol, a Terra leva, aproximadamente, 365,26 dias.Faça uma representação (desenho) da trajetória descrita pela Terra em torno do Sol durante um ano.

4) Na mesma representação feita na questão 4, desenhe a Terra em quatro posições específicas na trajetória, que são marcadas pela entrada das estações do ano, primavera, verão, outono e inverno para o hemisfério sul.

5) Represente (indique) nas quatro posições da questão 5, a velocidade da Terra no seu movimento ao redor do Sol.

Optamos por expor as três questões juntas pelo fato de terem sido respondidas na mesma representação. Assim, começamos pelo objetivo da questão 3) que foi o de verificar como os alunos imaginam ser a excentricidade da órbita da Terra. Sabemos que a órbita da Terra é bem próxima de uma circunferência (elipse com excentricidade ? ? 0,017). Uma das primeiras pesquisas que encontramos sobre o tema foi de Sadler (1993), em que foram feitos testes com 1.414 estudantes americanos de ciências da Terra e astronomia do Ensino Médio. Uma das perguntas do teste era sobre o formato da órbita da Terra e dizia ?das seguintes opções, qual se parece mais com o caminho da Terra ao redor do Sol?? (SADLER, 1993).

O formato da órbita.
FIGURA 7
O formato da órbita.
Sadler (1993).

A resposta correta (A) foi escolhida por 49% dos estudantes, porém o sucesso da questão não implicou em um sucesso nas demais. A resposta (C) foi dada por 28% dos alunos e foi escolhida por alunos de maior desempenho, 14% responderam (B), 8% (D) e 1% a órbita parecendo a analema (E). Sandler (1993) cita Touger (1985) para escrever que estudantes que preferem (C) indicam que as estações do ano são uma evidência da órbita elíptica da Terra. No Brasil alguns trabalhos também indicam essa relação como o de Caniatto (1983) e Batista (2016).

O artigo ?O problema do Ensino da órbita da Terra? de Canelle (2003)aponta que quase 100% dos estudantes que participaram da IV Olimpíada Brasileira de Astronomia (IV OBA) concentraram suas respostas nas alternativas que representavam as duas órbitas mais excêntricas em uma questão sobre ao formato da órbita da Terra. Chamou a atenção que com essa questão muitos professores contestaram a resposta de que a órbita correta era a mais próxima da circunferência. Nessa perspectiva tínhamos certa expectativa de que muitas respostas dos mestrandos, seriam órbitas com excentricidade alta. Tal expectativa se confirmou em 56,25% das respostas. Outros 18,75% representaram órbitas ovaladas, 12,5% não fez representação da órbita e 12,5% desenhou órbitas um pouco mais próximas de circunferências como mostramos abaixo.

Representação do Sistema Solar, por M2 e M4, respectivamente.
FIGURA 8
Representação do Sistema Solar, por M2 e M4, respectivamente.

É importante notarmos que M4 representa corretamente a inclinação do eixo de rotação da Terra e como a formação inicial de ambos os mestrandos é física acreditamos que já foram expostos ao assunto em algum momento.

A questão 4) foi elaborada com intuito de verificar como os mestrandos imaginam ser as posições das estações do ano. Verificamos na figura 8 que M2, por exemplo, não escreveu quais estações estão relacionadas com as posições. Esse tipo de resposta se repetiu em 37,5%, acreditamos que um dos motivos pode ter sido pelo fato de não termos explicitado que os alunos as escrevessem. Contudo, uma resposta que esperávamos foi a relação da órbita altamente elíptica com a posição em que a Terra está no Solstício de Verão, equivocadamente, mais próxima ao Sol. Tivemos 18,75% dos mestrandos que fizeram está relação, sendo que um desses colocou o Sol na órbita da Terra, como podemos observar abaixo.

Representação do Sistema Solar, por M10.
FIGURA 9
Representação do Sistema Solar, por M10.

Perceba um equívoco com as nomenclaturas, visto que apresenta todas as posições com a palavra ?Solstício?. Dois alunos (12,5%), fizeram representações em que o verão está ?acima? na órbita, com o Sol quase ao centro da elipse e que também podemos notar a aproximação do Sol em tal estação.

Representação do Sistema Solar, por M14.
FIGURA 10
Representação do Sistema Solar, por M14.

De modo explícito, onde M14 coloca o verão o aluno M8 coloca o periélio.

Representação do Sistema Solar, por M8.
FIGURA 11
Representação do Sistema Solar, por M8.

Neste contexto vamos analisar as respostas da questão 5) cujo objetivo era o de verificar como os participantes concebem a velocidade em termos representativos. Desse modo, convém lembrar que a direção do vetor velocidade instantânea ?? do centro de massa da Terra é sempre tangente a trajetória na sua devida posição e o comprimento dele representa o módulo da velocidade. O resultado de alunos que não responderam essa questão foi de 68,75%.

Alunos que desenharam setas para o sentido da órbita como fez M14, foi de 12,5% e nenhum aluno representou o vetor tangente nos pontos que pedíamos, contudo, dois alunos associaram periélio com velocidade maior e afélio com velocidade menor (como fez M10).

Outra concepção que identificamos nessa questão foi a representação de Solstício de verão no mesmo ponto da órbita que o periélio (e afélio com Solstício de inverno) em 18,75% das respostas. Acreditamos que tal concepção surge pela união de dois tipos de ilustrações: a que representa os Solstícios e Equinócios e aquelas que representam o afélio e periélio. Esse tipo de discussão normalmente não está presente nos livros didáticos.

6) Você já ensinou o conteúdo de Gravitação Universal? ( ) Sim ( ) Não.

É claro que o conteúdo ?Gravitação Universal? envolve os estudos de Isaac Newton que não exploramos neste artigo. Contudo, já citamos que implicitamente as Leis de Kepler podemos verificar a essência da Lei da Gravitação Universal ( MOURÃO, 2007). Nesse contexto, os professores ensinam tal conteúdo? Tivemos 25% disseram ?Sim? e 75% ?Não?.

Gostaríamos de comentar aqui que quando inserimos a questão sobre o que os mestrandos sabiam sobre a velocidade dos planetas em suas órbitas, esperávamos noções acerca da gravidade, contudo, apenas o aluno M5 citou a gravidade, explicitando haver relação com o tamanho.

Algumas pesquisas têm mostrado várias concepções acerca da gravidade como fez Smith e Treagust (1988) em um trabalho titulado ? Not understanding gravity limits student?s comprehension of astronomy concepts?e no qual os autores identificaram 4 equívocos que listamos abaixo:

  1. 1. A gravidade do planeta está relacionada com a distância ao Sol.
  2. 2. A gravidade do Sol influencia não somente os planetas a orbitarem ao seu redor, mas também a gravidade do planeta.
  3. 3. A rotação de um planeta ou a falta dela afeta sua gravidade ? Planetas com a rotação zero ou baixa têm menos gravidade do que os planetas em rotação rápida.
  4. 4. A rotação de um planeta é dependente da posição com relação ao Sol ou ao seu tamanho.

Acreditamos que a partir dos estudos desses tipos de concepções poder-se-á delimitar estratégias para que se inicie o complexo processo de superação.

7) Se nunca ensinou, descreva por quê.

Vários mestrandos responderam não ser da área ou como escreve M8: ?nunca houve oportunidade?. A resposta de M14 evidencia a necessidade de formação continuada: ?Mesmo tendo formação em ciências eu nunca trabalhei esse conteúdo em sala. E já não lembro mais o que aprendi de básico a tantos anos atrás?.

Contudo, a resposta que se destacou no grupo que responderam ?Não? foi a falta de tempo, como responde M11: ?Este conteúdo é contemplado ao final do 1º ano do ensino médio e não há tempo hábil para contemplá-lo?.

Acreditamos que os professores de fato possuem dificuldades com o tempo para uma grande gama de conteúdo. Como escreve Moreira (2017, p. 12):

Certamente, o ensino de Física nas escolas depende de melhores condições de trabalho para os professores, da valorização dos professores. Essa é uma questão política a ser enfrentada. No discurso, a educação é sempre prioridade; na prática, os professores têm carga horária muito elevada e salários muito baixos.

Sem dúvidas, a carga horária elevada, a desvalorização e consequentemente a desmotivação e muitos outros fatores têm impacto negativo imediato no ensino. Tempo é uma condição necessária para que professores possam aprender ou reaprender os conteúdos. Nessa perspectiva, acreditamos que trabalhos como este podem dar uma direção para que professores possam corrigir equívocos que não sabiam que cometiam e buscar além do que apresentamos nestas páginas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira curiosidade que tivemos no presente trabalho foi a de verificar que representações do Sistema Solar os mestrandos possuem. Sendo assim, por intermédio de desenhos os alunos puderam colocar no papel seus modelos mentais dos quais pudemos constatar muitos equívocos. Nos chama a atenção que mesmo no nível de pós-graduação em um grupo com uma média de aproximadamente 11 anos de experiência na docência ainda aparecem concepções de Sistema Solar com planetas alinhados, todos com mesmo diâmetro e órbitas se interceptando.

Também foi notável que os erros dos mestrandos que possuem formação inicial em física, se aproximaram dos erros apresentados por aqueles com outra formação inicial: apenas um aluno entre os cinco conseguiu responder o questionário com respostas razoavelmente satisfatórias. Assim como os demais, as órbitas de três desses cinco mestrandos foram representadas com excentricidade alta e na segunda questão sobre a velocidade dos planetas boa parte das discussões permearam entre velocidades ?mais rápidas? ou ?altas?, ?devagar?, ?constantes? e acrescentamos ainda que a confusão encontrada entre a representação dos solstícios, coincidindo com o afélio e periélio (que já era esperada, pois essa temática não foi encontrada nos livros didáticos), também se repetiu nos dois grupos. Essas nossas observações, refletem que as formações iniciais na área da forma como são estruturadas ainda não superam as visões comuns sobre o assunto.

Contudo, para que ocorra uma melhora nessas concepções, propomos que os professores trabalhem com simulações como a que mostramos abaixo retirada de um simulador do sistema solar em tempo real. Nessa perspectiva, corroboramos com Yu, Sahami e Denn (2010, p. 13): ?Uma intervenção simplesmente pode consistir em expor os alunos a uma variedade de visões do Sistema Solar sob diferentes perspectivas?.

Simulador do Sistema Solar.
Figura 12
Simulador do Sistema Solar.
NASA Science (2019). Captura de tela. Disponível em: https://solarsystem.nasa.gov/solar-system/beyond/overview/. Acesso em jun. de 2019.

Esperamos que professores do nível superior possam refletir sobre sua prática docente depois da leitura deste trabalho. Apesar de parecer ser um tema bastante simples os resultados revelam duas faces: a primeira é a falta de noções, como evidenciada na quantidade de respostas em branco ou do tipo ? não tenho conhecimento? e a segunda é que entre as respostas dadas existem mais noções equivocadas do que corretas. Nesse ponto, ressaltamos que:

A formação dos professores é outro problema a ser resolvido. Há uma grande quantidade de pesquisa sobre formação de professores, mas grande parte dessa formação fica a cargo de professores universitários cuja avaliação acadêmica depende apenas de trabalhos publicados em revistas bem indexadas. Suas ?metodologias? são apenas ?aulas teóricas e listas de problemas?. O resultado é aprendizagem mecânica e altos índices de reprovação. É preciso mudar essa cultura ( MOREIRA, 2017, p. 12).

Como consequência desse sistema, podemos observar várias concepções equivocadas nos alunos que responderam as questões. Contudo, para superação desse quadro, podemos usar estratégias como as discussões acerca da história da ciência, pois ela,

(...) por meio das resistências que se manifestam ao longo do tempo, nos dá uma boa oportunidade para não subestimar as dificuldades de nossos alunos. Também indica que certos conceitos e noções não devem ser introduzidos rapidamente. Embora limitados, esses pontos poderiam ser razão suficiente para nós, de modo a não negligenciar a história da Ciência ( SALTIEL; VIENNOT, 1985, p. 144).

Para terminarmos lembramos que em uma passagem sobre a degradação da vida do planeta em que Cachapuz et al. (2011, p. 166) cita Hicks e Holden (1995): ?estudar exclusivamente os problemas provoca, no melhor dos casos, indignação, e no pior dos casos falta de esperança?. Todavia, nas ideias de Cachapuz et al. (2011), como contraponto desse trecho, não podemos ficar no discurso deprimente: é necessário superar esse fatalismo traçando e testando possíveis soluções.

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Notas

3 Di Liscia (2007), apresenta uma discussão de que pesquisas recentes mostram que Kepler não usou o termo ?lei natural? (??lex naturae?? ou equivalentes), destinando esse conceito para outras afirmações que um leitor moderno não chamaria de ?lei?.
4 Até o momento da presente pesquisa consta no site do MNPEF 63 polos.
5 Estamos referindo por ?sem experiência? professores com até um ano de exercício na docência.
6 No artigo dos autores Yu, Sahami e Denn (2010), podemos encontrar uma tabela com as crenças dos entrevistados, organizada nos tópicos Kepler?s First Law (Orbit shapes), Kepler?s Second Law (Speed of a planet in its orbit), Kepler?s Third Law (Speeds of planets in relation to their distance from the Sun) e por fim Explanation for planetary motion.

Autor notes

Doutoranda do programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Avenida Colombo, 5790 ? Bloco F67, Maringá, Paraná, Brasil, CEP 87020-900
Doutor em Educação para a Ciência e a Matemática pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Professor Adjunto do departamento de Física da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), R. Rosalina Maria Ferreira, 1233, Campo Mourão, Paraná, Brasil, CEP 87301-899
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