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FORMAÇÃO PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS INICIAIS DO FUNDAMENTAL I
TRAINING FOR SCIENCE EDUCATION IN THE FIRST YEARS OF FUNDAMENTAL I
REAMEC ? Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol.. 8, núm. 2, 2020
Universidade Federal de Mato Grosso



Recepção: 05 Abril 2020

Aprovação: 12 Maio 2020

DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v8i2.10100

Resumo: O texto apresenta parte dos resultados e reflexões que emergiram ao longo da pesquisa concluída no âmbito do mestrado em educação da Universidade Estadual Paulista (FCT/UNESP). Objetiva discutir os limites da formação inicial e contínua dos professores dos anos iniciais, no que diz respeito ao ensino de Ciências Naturais, diante do contexto das escolas públicas municipais de Manaus-AM. Os dados foram construídos por meio de questionários e entrevistas. A pesquisa norteia suas explanações a partir do diálogo entre o método Hermenêutico Crítico (GHEDIN, 2004; GHEDIN & FRANCO, 2008) coadunado aos conceitos da Teoria da Enunciação (BAKHTIN, 1997, 2006). Os resultados indicam que os professores não orientam a construção da prática docente fundamentalmente a partir dos conhecimentos projetados na formação inicial e contínua. No tocante à formação inicial, argumentaram que consideram os processos distantes da realidade escolar e excessivamente teóricos. Falas que são contextualizadas diante do cenário histórico da constituição do curso de Pedagogia. Em relação aos cursos de formação contínua, os docentes os percebem como desorganizados, fragmentados e teóricos. Em suma, o ensino de ciências tem ampliado cada vez mais seu escopo e complexidade enquanto corpo de conhecimentos, possuindo imbricações em diversas áreas, o que fez emergir um conjunto de tendências para o ensino de ciências; portanto, os processos formativos dos professores que ministram Ciências Naturais no Ensino Fundamental I são insuficientes para a compreensão e atuação frente a tais demandas. Para tanto, é necessário maior atenção e reais esforços para mudar o quadro formativo que se apresenta.

Palavras-chave: Formação de professores, Formação inicial e contínua, Ensino de Ciências nos anos iniciais.

Abstract: The text presents part of the results and reflections that emerged during the research concluded in the scope of the master´s degree in education at the Universidade Estadual Paulista (FCT / UNESP). It aims to discuss the limits of initial and continuing education for teachers in the Early Years, without respecting the teaching of Natural Sciences, in the context of the public schools in Manaus-AM. The data were constructed using questionnaires and interviews. A North American research on its explanations based on the dialogue between the critical hermeneutic method (GHEDIN, 2004; GHEDIN & FRANCO, 2008), loaded with the concepts of the Theory of Enunciation (BAKHTIN, 1997, 2006). The results that teachers do not guide in the construction of teaching practice fundamentally from the knowledge projected in the initial and continuous training. It is not allowed to touch initial training, to argue that it considers processes that are distant from school reality and excessively theoretical. Statements that are contextualized before the historical scenario of the constitution of the Pedagogy course. Regarding continuing education courses, the documents perceive them as disorganized, fragmented and theoretical. Conclude that science teaching has increasingly broadened its scope and complexity, while the body of knowledge, having overlap in several areas, which emerged as a set of trends for science teaching, although they indicate the training processes of teachers who teach Natural Sciences in I am insufficient to understand and execute in the face of such demands. Therefore, more attention and real needs are needed to change the formative framework that is presented.

Keywords: Teacher trainig, Initial and continuing trainig, Science teaching in the early years.

1 INTRODUÇÃO

O texto resulta da reflexão estimulada pela pesquisa de mestrado intitulada Interfaces da construção da prática docente em ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental na escola pública municipal de Manaus-AM,atualmente concluída. Objetiva discutir a formação inicial e contínua dos professores que atuam no ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental I, refletindo de que modo os professores percebem a contribuição de sua formação à construção do seu trabalho em ensino de ciências, bem como, quais obstáculos se apresentam ao cumprimento dessa tarefa.

Esta é uma questão importante e que tem sido, de certo modo, ignorada. Sabe-se que o ensino de ciências surge no currículo dos anos iniciais a partir da década de 70, por força da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5692/71. Os estudos inseridos nesse debate concentram-se, fundamentalmente, nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Dado confirmado no levantamento realizado pelo grupo FORMAR-Ciências da Unicamp ( FERNANDES, 2009), o grupo verificou que foram defendidas 1700 teses e dissertações sobre o Ensino de Ciências no período de 1972 a 2005, no Brasil.

No entanto, apenas 8% do total de trabalhos abrangem exclusivamente o Ensino Fundamental I, ou seja, das 1700 Teses e Dissertações, apenas 135 se debruçam sobre os aspectos relacionados às séries iniciais da escolarização. Fato em certa medida compreensível uma vez que a maioria dos pesquisadores dedicados à Didática das Ciências são professores das áreas específicas (Física, Química e Biologia), cuja formação remonta aos anos finais do Ensino Fundamental I e ensino médio.

Entre os trabalhos preocupados com os anos iniciais é possível observar que grande parte se concentra nos aspectos ligados aos conteúdos e aos métodos, restando um número ainda menor preocupado com a questão da formação de professores, além disso, conforme Fernandes (2009, p. 43) ?os aspectos sociais, históricos, filosóficos e políticos do ensino de ciências não constituem ainda foco de interesse principal nem secundário da maior parte dos pesquisadores?. O que nos coloca o desafio de ampliar o olhar da pesquisa sobre a área do ensino de ciências, principalmente com foco nos anos iniciais.

Diante do cenário descrito e preocupados com o desenvolvimento do trabalho docente de base para o ensino de ciências, realizamos a presente pesquisa que foi desenvolvida com professores dos anos iniciais de duas escolas públicas municipais de Manaus-AM.

Os instrumentos de coleta de dados foram: questionários (23) e entrevistas (12) semiestruturadas, gravadas em áudio. O material foi construído e interpretado a partir da orientação metódica da Hermenêutica Crítica ( GHEDIN, 2004; GHEDIN & FRANCO, 2008) e Teoria da Enunciação (BAKHTIN, 1997, 2006). Ao coadunarmos ambas as tendências nos foi possível vislumbrar o sincretismo e complementação de determinados conceitos que se tornaram fundamentais para a compreensão da pesquisa.

Há uma regra tradicional da hermenêutica que diz: ?o significado antecipado em um todo se compreende por suas partes, mas é à luz do todo que as partes adquirem a sua função? ( GADAMER, 1998, p. 58). Nesse sentido, optamos por trazer na primeira parte do texto um levantamento conceitual e histórico acerca da formação inicial e contínua de professores, argumentando que, de modo geral, a profissão docente tem sofrido um histórico movimento de desautorização, perda de autonomia e esvaziamento cognitivo.

Em seguida, problematizamos os limites da Licenciatura em Pedagogia, atual responsável pela formação da grande parte dos docentes polivalentes que atuam nos anos iniciais, em preparar conceitual e metodicamente os seus egressos para o trabalho com o ensino de ciências, argumento que embasamos nos estudos de Gatti e Nunes (2009), Libâneo (2006)e Galian et al (2013).

Posteriormente, trazemos os procedimentos metodológicos utilizados, bem como sua fundamentação metódica. Nos resultados e discussões apresentamos algumas falas-sínteses, que retratam os sentidos mais presentes entre os sujeitos da pesquisa acerca de como compreendem a implicação (colaboração) da formação inicial e contínua para a construção do seu trabalho docente e quais obstáculos declaram enfrentar em relação ao ensino de ciências.

Refletimos, juntamente com Carvalho et al (1998), que o Ensino Fundamental I, por ser a base da formação científica dos jovens, deve receber maiores esforços formativos, econômicos e políticos para o enriquecimento do trabalho nessa fase. Assim, tanto as pesquisas citadas como as falas da pesquisa que empreendemos denunciam um quadro de precariedades na formação inicial e contínua dos professores que lecionam ciências nos anos iniciais.

E com a finalidade de contextualizar e ilustrar a dimensão e complexidade do desafio formativo que se impõe aos professores, apresentamos alguns dos enfoques mais comuns no debate do campo da Didática das Ciências, refletindo que não é possível seguirmos inertes diante das lacunas conceituais, metódicas e procedimentais que se apresentam e que ameaçam esforços e recursos aplicados nas etapas seguintes, tendo em vista a fragilidade dos processos desenvolvidos com os jovens durante seus primeiros anos e experiências com o ensino de ciências.

Nesse sentido, consideramos que novos modelos de formação contínua devem ser propostos respeitando o lugar de fala dos professores, suas demandas cotidianas e saberes, partindo desse universo para significar as falas e práticas. Quanto à formação inicial, argumentamos que urge a revisão da concepção prévia nos cursos de licenciatura em pedagogia de que os professores lembram ou dominam as relações conceituais com as quais deverão trabalhar nos anos iniciais.

É preciso ter em vista duas questões centrais: a) as condições históricas do próprio ensino de ciências lecionado a este egresso em seu tempo escolar, lembrando que o ensino de Ciências Naturais, História e Geografia, eram até pouco tempo consideradas matérias decorativas, ou seja, com poucas chances de geração de um sentido e registro mnemônico verdadeiro. Em segundo lugar, nessa época, eram crianças cujo interesse mais imediato imperava sobre suas relações escolares, e como Chevallard (2009) já nos alertou o saber do ensino e saber ensinado não são uma única e mesma coisa, possuem gradações epistemológicas e metodológicas diferentes e que precisam ser levadas em conta. Como exigir que este conhecimento seja suficiente?

2 APONTAMENTOS ACERCA DA FORMAÇÃO DOCENTE PARA OS ANOS INICIAIS E SUA IMPLICAÇÃO AO ENSINO DE CIÊNCIAS

2.1 Conceito de formação

O conceito de formaçãoé polissêmico, pode corresponder tanto às perspectivas ampliadas com vistas à produção do homem e das sociedades democraticamente assentadas, quanto às correntes técnicas que limitam ao radical formaas expectativas das suas ações, retrocedendo o significado da palavra a algo que deve ser duplicado. Traremos brevemente duas análises do conceito: a primeira, de cunho etimológico e histórico apoiada no texto de Gadamer (2014). E por segundo, uma breve discussão realizada no âmbito da pesquisa em Formação de Professores para auxiliar na reflexão dos dados de campo apresentados posteriormente.

O equivalente latino para formação é formatio [...] desde o aristotelismo da Renascença, forma vem sendo inteiramente desvinculada de seu significado técnico e interpretada de maneira puramente dinâmica e natural. Também o triunfo da palavra formação sobre forma não parece só acaso, pois no conceito ?formação? (Bildung) encontra-se a palavra ?imagem? (Bild). O conceito de forma retrocede para aquém da misteriosa duplicidade da palavra ?imagem? (Bild) que abrange tanto o significado de ?cópia? (Nachbild) como de ?modelo? (Vorbild). O fato de a formação designar mais o resultado desse processo de devir do que o próprio processo corresponde a uma frequente transferência do devir para o ser, [...] pois, o resultado da formação não se produz na forma de uma finalidade técnica, mas nasce do processo interior de formulação e formação, permanecendo assim em constante evolução e aperfeiçoamento. Não é por acaso que, nesse particular, a palavra formação se pareça com a palavra grega physis. Assim como a natureza, a formação não conhece nada exterior às suas metas estabelecidas. ( GADAMER, 2014, p. 46 grifos do autor).

A citação é extensa, porém necessária. O recorte dela nos situa quanto à origem e finitude do conceito. Também nos remete ao resultado da história da palavra formação, que se origina na mística da Idade Média, sobrevive na mística do Barroco e sofre uma espiritualização com bases religiosas. Essa última emprega à palavra uma identidade renovada, ligada ao movimento de transformação contínua na melhor versão de si, como uma busca ideal que parte principalmente daquele que se forma.

Para Berbaum (1982 apud GARCÍA, 1999) uma ação de formação corresponde a um conjunto de condutas, de interações entre formadores e formandos, que pode ter múltiplas finalidades e em relação às quais existe uma intencionalidade de mudança. Esta concepção nos alcança, pois acreditamos que tanto a formação inicial, quanto a contínua, devem constituir-se de tal modo que seja capaz de modificar (força reestruturativa) qualitativamente as concepções (tradições) que os formandos (docentes) geralmente trazem de suas experiências anteriores.

De fato, o conceito de formação que pensamos estreita-se ao de vivência na perspectiva gadameriana, assim definido: ?Algo se transforma em vivência na medida em que não somente foi vivenciado (imediaticiade que se apreende algo real), mas que o seu ser-vivenciado teve um efeito especial, que lhe empresta um significado permanente? ( GADAMER, 2014, p. 106).

A perspectiva filosófica anteriormente definida transita para um âmbito mais próximo ao da formação docente nas palavras de Ferry (2008), pois, segundo ele, a formação deve constituir-se como uma dinâmica de desenvolvimento pessoal, na qual o indivíduo é quem se forma, é ele que encontra sua forma, como um trabalho sobre si mesmo que pressupõe três condições básicas de realização: condições de lugar, de tempo e de relação com a realidade.

No quadro mais amplo da história da profissão docente é importante reconhecer um processo de desvalorização e desautorização, que pode ter como marco universal maior o início do mercantilismo, que a partir do século XVI, produziu, conforme Geraldi (1993), a destituição da antiga estrutura de mestres e aprendizes que perdurou até o século XV, na qual o mestre era o sujeito responsável tanto pela produção do conhecimento, quanto por seu ensino. O que surge é a cisão radical e social do trabalho responsável pelo nascimento de uma nova identidade, na qual o professor já não se identifica pelo saber que produz, mas por ministrar um conhecimento produzido por terceiros. No século XVII surge Amós Comêniu, sua Didática Magna, os manuais de instrução, a intenção de universalização do ensino, e a naturalização do empobrecimento cognitivo dos profissionais da educação, como podemos ver na seguinte passagem.

[...] serão hábeis para ensinar mesmo aqueles a quem a natureza não dotou de muita habilidade para ensinar, pois a missão de cada um é tanto tirar da própria mente o que deve ensinar, como sobretudo comunicar e infundir na juventude uma erudição já preparada e com instrumento também já preparados, colocados nas suas mãos. Com efeito, assim como qualquer organista executa qualquer sinfonia, olhando para a partitura a qual talvez ele não fosse capaz de compor nem de executar de cor só com a voz ou com o órgão, assim também por que é não há o professor de ensinar na escola todas as coisas, se tudo aquilo que deverá ensinar e, bem assim, os modos como há de ensinar, o tem escrito como em partituras? (COMENIUS, 1627 apud GERALDI, 1993, p. 87)

A partir do século XVII, a produção do conhecimento e o ensino tornaram-se aspectos não necessariamente vinculados ao mesmo sujeito. Após a Revolução Francesa, no século XVIII, iniciou-se o processo de valorização da instrução escolar, período de criação das Escolas Normais de formação de professores, ?a primeira instituição denominada Escola Normal foi proposta pela convenção, em 1794 e instalada em Paris em 1795 ( BORGES, AQUINO E PUENTES, 2011, p. 96).

Borges, Aquino e Puentes (2011) trazem o itinerário histórico e político da formação de professores no Brasil, enfatizando o processo de criação e transformação do que atualmente conhecemos como Licenciatura Plena em Pedagogia, a principal formação inicial dos professores responsáveis pelos anos iniciais do Ensino Fundamental, e por todos os componentes curriculares.

2.2 A formação docente nos anos iniciais para o ensino de Ciências Naturais

A fragilidade na formação do pedagogo referente aos conteúdos específicos da disciplina é alvo de muitas críticas e está presente tanto na composição curricular da maioria dos cursos no país como nos demonstrou Gatti e Nunes (2009), quanto nas Diretrizes Curriculares que estruturam o curso de Pedagogia. Libâneo (2006), ao analisar a Resolução do CNE/CP nº 1/2006, denuncia que nos atuais cursos há quase total ausência dos conteúdos específicos, e se pergunta como formar bons professores sem o domínio desses conhecimentos específicos?

No estudo realizado por Gatti e Nunes (2009), que analisou cerca de 1.498 ementas de disciplinas de 71 cursos de licenciatura em Pedagogia presenciais no território nacional, é possível observar como esse processo histórico desenhou um curso cheio de contradições, dentre as quais a relação bacharel em educação e licenciado se manifesta de modo latente, o que é possível observar no relato das autoras ?a escola, enquanto instituição social de ensino é elemento quase ausente nas ementas, o que leva a pensar numa formação de caráter mais abstrato e pouco integrado ao contexto concreto onde o profissional-professor vai atuar? ( GATTI; NUNES, 2009, p. 55). No que diz respeito ao ensino de Ciências Naturais outro dado desta pesquisa nos chama atenção, a saber:

Os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas na educação básica (Alfabetização, Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Educação Física) comparecem apenas esporadicamente nos cursos de formação; na grande maioria dos cursos analisados, eles são abordados de forma genérica e superficial no interior das disciplinas de metodologias e práticas de ensino, sugerindo frágil associação com as práticas docente. ( GATTI; NUNES, 2009, p. 54)

Galian et al (2013) evidenciam, a partir de dados de pesquisas com professores cuja formação inicial foi em Pedagogia, bem como de estudos sobre o currículo do curso e sua relação com conceitos da área de ciências e matemática, que, no tocante ao ensino de Ciências Naturais, a situação parece ser mais extrema do que nas outras disciplinas que compõe o quadro de responsabilidade dos pedagogos, no que se refere ao conhecimento dos conceitos básicos da área. A exemplo disso, os autores mencionam uma pesquisa com professores estado-unidenses que aponta que menos de 30% dos professores se sentem preparados para ensinar ciências, quando 77% declararam sentirem-se preparados para o ensino de língua materna, 52% para o ensino de Estudos Sociais e 66% para o ensino de matemática.

Os autores concluem que, no curso de Licenciatura em Pedagogia, a abordagem dos conhecimentos específicos das disciplinas que compõem o currículo do Ensino Fundamental I é insuficiente e superficial. O que tem como consequência a falta de domínio do conteúdo e reflete na confiança dos professores em suas práticas.

Diante do exposto, percebe-se que os professores que ensinam ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental sofrem um duplo cenário de precarização formativa, de um lado são atingidos pelo cenário de pauperização e perda de autonomia, bem como da capacidade de projeção e pensamento acerca dos conhecimentos com os quais trabalha, juntamente com toda a classe docente; de outro, e mais singularmente, vê-se despreparado para o ensino de Ciências Naturais ? e não apenas para esta disciplina ? e o seu curso segue ignorando que os conhecimentos acumulados durante seu próprio processo escolar não são minimamente suficientes para lhes permitir atuar eficazmente e com segurança no ensino dessa área.

Fourez (2003, p. 109) fez a seguinte declaração no artigo intitulado Crise no ensino de Ciências? ?Há uns quinze anos, eu não ousaria dizer que o ensino de Ciências estava em crise. Contentava-me por dizer que era a minha opinião. Hoje quando todo mundo em meu país o afirma como evidente [...] eu me sinto menos ridículo dizendo a mesma coisa?. A evidência de uma crise no ensino-aprendizagem de ciências aparece na leitura que fizemos de outros estudos ( DELIZOICOV E ANGOTTI, 2007; POZO E CRESPO, 2009).

Os professores e sua formação estão em meio a esta crise, de algum modo contribuindo para sua superação, ampliação ou permanência. Diante desse cenário, levantamos o seguinte questionamento: como os professores compreendem a implicação (colaboração) da formação inicial e contínua para a construção da sua prática docente e quais obstáculos declaram enfrentar em relação ao ensino de ciências?

3 METODOLOGIA

No tópico anterior trouxemos uma discussão acerca da formação dos professores licenciados em Pedagogia, curso inicial da maioria dos professores sujeitos da pesquisa que, por seu caráter polivalente, são responsáveis também pelo ensino de Ciências Naturais. Neste, explicitamos e discutimos as questões empreendidas na coleta de dados realizada entre 2014 e 2015 empreendida em duas escolas municipais da rede pública de Manaus-AM. Ao todo, realizamos a aplicação de questionários (23 ao todo) e entrevistas (12), no intuito de responder o questionamento declarado.

As entrevistas foram individuais e semiestruturadas, seguindo as orientações que Lüdke e André (1986) delineiam acerca da relevância deste tipo de instrumento para o trabalho de pesquisa em educação. Os questionários foram construídos a partir de perguntas abertas, seguindo as orientações de Richardson (2012). Enquanto método de interpretação de dados, estabelecemos um diálogo entre o que Bakhtin (1997, 2006) elabora na perspectiva da criação do sentido e sua explicitação na linguagem juntamente ao que perfila a discussão hermenêutica sobre esse debate ( GHEDIN, 2004; GHEDIN & FRANCO, 2008).

A possibilidade de compreensão hermenêutica se situa na linguagem como manifestação da existência humana, na busca por recolher o sentido do discurso, que por sua vez é um modo de traduzir a imagem do real, sendo esta imagem traduzida não a própria realidade, mas a fala dela ( GHEDIN, 2004). A hermenêutica crítica nos orienta enquanto método, ao nos permitir tanto a sensibilidade da escuta singular, quanto a contextualização das falas em um todo criticamente maior e mais profundo.

O discurso é para a hermenêutica uma das formas de linguagem na qual os homens exprimem sua interpretação do mundo. Nessa esfera da linguagem, M. Bakhtin ajuda-nos a compreender as diversas vozes/orientações que uma vez presentes no contexto de trabalho dos professores, por consequência, se fazem presentes em sua consciência. A palavra é a nossa evidência das ideologias e contradições que se camuflam na escola. Bakhtin (2006) afirma que a palavra é o fenômeno ideológico por excelência, nela a realidade está contida enquanto signo. ?A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social? ( BAKHTIN, 2006, p. 34).

Nesse sentido, somos autorizados pelo método que nos orienta a buscar compreender e refletir sobre a realidade da formação docente através dos sentidos oriundos das falas dos professores, sujeitos que vivenciaram e vivenciam a formação inicial e contínua em investigação.

4 ANÁLISES E RESULTADOS

Não temos condições, pelas limitações espaciais que nos são presentes, de expor diretamente todas as falas transcritas ao longo da coleta de dados. Para tanto, traremos alguns recortes do que foi mais recorrente no discurso dos professores, e que são significativos para discussão e reflexão de como eles têm percebido a formação inicial e contínua e sua colaboração para a construção do seu trabalho docente cotidiano.

Em relação às formações contínuas da Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério (DDPM), setor responsável pela realização das formações em serviço, perguntamos aos docentes qual a sua opinião acerca destas formações e se já haviam participado de alguma direcionada ao ensino de Ciências Naturais. Apenas dois professores declararam gostar das formações e conseguir abstrair alguma proposta para seu trabalho, apenas uma professora declarou ter participado até aquele momento de uma formação específica, os demais caracterizaram as formações como vagas, fragmentadas, repetitivas e muito teóricas, necessitando de maior planejamento, segundo suas avaliações.

O meu objetivo como de qualquer professor é chegar lá e dizer assim: nós temos uma proposta de trabalho diferente pra vocês. Isso não acontece lá. Eu já fui para várias e eles ficam relatando coisas que a gente não quer escutar, coisas lá de São Paulo do Rio, experiências que eles tiveram, eu não quero saber de experiências, a gente quer saber de atitudes e isso não existe. (Entrevista com a professora do 2.º ano, escola A, 2014)

Olha sobre as formações, na verdade, não, eu não gosto. Salvam-se algumas, mas das quais eu já participei são as mesmas coisas. Às vezes o professor não tem nada a ver [...] porque o professor vai em busca de um objetivo, o meu qual é? Como é que eu tenho que trabalhar o meu aluno que está com dificuldade na sala, ei chego e não é nada daquilo, eu não gosto. (Entrevista com a professora 3.º ano, escola A, 2014)

Muitas outras falas ensejam o mesmo sentimento de insatisfação com as formações contínuas. Os professores expressam nas falas a busca de um espaço de reconhecimento e de real contribuição ao seu trabalho. Na primeira, desejam ver o contexto regional amazônico e manauara servindo de base para o trabalho e na segunda fala está explicito o desencontro entre o que os professores buscam e precisam diante do que lhes é ofertado.

A ausência da relação teórico-prática, da oportunidade de trocar experiências e envolver os sentidos que constroem com e no trabalho no processo formativo, faz com que os formadores e formandos estejam como duas coisas lado a lado que não se comunicam. Assim falou Bakhtin (2011, p. 10) ?os sentidos, cada um incorporado em cada uma das duas enunciações, não podem estar um do lado do outro como duas coisas; tem que entrar internamente em contato, ou seja, estabelecer uma ligação de acordo com um certo sentido?. Não há este elemento que construa uma ligação de sentido entre os objetivos dos formadores (condutores hierárquicos e teóricos) e os objetivos dos formandos, professores preocupados com os problemas concretos do trabalho cotidiano. Os encontros no âmbito das formações contínuas não possuem a força reestruturativa de que falávamos, nem parece cooperar para um trabalho sobre si mesmo da forma que aconselha Ferry (2008).

Em relação ao modo como os professores percebem a contribuição de sua formação inicial para a construção da prática docente em ensino de ciências obtivemos os seguintes posicionamentos:

A teoria é muito bacana e tal a leitura, mas ir para prática a gente vê que é diferente, pode ter alguma teoria de alguns autores aí que possam complementar a prática, mas de fato estar em sala de aula é bem diferente [...] (Entrevista com a professora 1.º ano, escola B, 2015)

A faculdade é só teoria, a prática, enfim, a gente vai descobrindo a prática no dia-a-dia [...] (Entrevista com a professora 5.º ano, escola B, 2015)

Eu gosto muito de prática, tipo assim aquilo que te falei de mostrar alguma coisa pra criança, de trabalhar com alguma coisa concreta. Na faculdade você não aprende muito isso, você aprende teoria, teoria e teoria (Entrevista com a professora 2.º ano, escola B, 2015)

Sobre a contribuição da formação inicial, os dados reiteraram o que a literatura discutida evidenciou, a Licenciatura em Pedagogia é fortemente marcada pela dualidade teoria e prática, concepção presente nos relatos dos professores. No que se refere aos conceitos da área e às metodologias, vimos que ambos não recebem a atenção necessária, segundo diferentes análises da composição curricular do curso de Pedagogia ( GATTI e NUNES, 2009; GALIAN ET AL, 2013). Esta lacuna da formação inicial gera insegurança nos professores e foi percebida em meio aos seus discursos. É certo que nenhum curso inicial seria capaz de propor soluções definitivas, como nos lembra Tardif (2013), mas na ausência de uma margem segura de conceitos e métodos, o trabalho que se faz se torna alvo fácil de espontaneísmos e fazeres que podem contribuir mais na construção de obstáculos à razão científica do que conhecimentos acerca do seu fazer.

Referente aos obstáculos que os professores sentem ao ensinar ciências trouxemos alguns relatos:

Primeiro uma coisa fundamental que é o apoio, não só pra ciências, mas pra todas as outras matérias, que é o apoio familiar, esse é fundamental [...] (Entrevista com a professora .5º ano, escola A, 2014)

Eu sinto muita dificuldade, aqui são duas realidades aqui e o outro bairro, aqui o problema é que os pais, como digo assim, eu nunca tive uma realidade dessa tem vários pais que estão presos [...] (Entrevista com a professora 3.º ano, escola A, 2014)

A falta do livro didático dificulta o ensino-aprendizagem (Entrevista com a professora 1.º ano, escola B, 2015)

São vários, principalmente a falta das aulas externas com passeios e visitas como, por exemplo, no jardim botânico, zoológico. (Entrevista com a professora 4.º ano, escola B, 2015)

Os professores não se expuseram ou declararam obstáculos internos, como sua própria formação. Evidenciaram outras dimensões que certamente têm forte influência sobre o sucesso do desenvolvimento escolar, tais como: a presença e participação dos pais, a precariedade e vulnerabilidade social dos alunos, a ausência de suporte pedagógico como o livro didático e a possibilidade de outras alternativas e espaços para o ensino de ciências. Mas não colocaram seus próprios obstáculos e dificuldades, o que é compreensível, mas preocupante.

O mais problemático é que essa ausência é decorrente de dois pontos: em primeiro, da falta de aproximação e reflexão acerca do que significa ensinar ciências; e em segundo, da ausência de um trabalho que leve em conta o que indica a Didática das Ciências para o ensino da área, como atividades de experimentação, observação, pesquisas articuladas, formulação de questões e problemas.

Também não percebemos a tentativa de refutação de hipóteses anteriores ou mesmo trabalho conciliativo de concepções adaptadas aos diferentes conceitos como nos indica Mortimer (1996). Isso nos revela que na aula de Ciências conduzida nas instituições investigadas, segundo o que relataram os professores quando perguntados sobre seus processos de ensino, não existe um trabalho que tente desenvolver o pensamento científico, pois é somente a partir deste que se explicitam os conflitos e seus obstáculos, sendo a superação destes obstáculos à construção gradual do pensamento científico.

Isto é, à medida que os educandos não passam por conflitos de suas concepções prévias para a explicação de fenômenos, eles não têm oportunidade de revê-las. Sobre este caráter Bachelard (1996, p. 14) argumenta ?[...] do mesmo modo, a experiência que não retifica nenhum erro, que é monotonamente verdadeira, sem discussão, para que serve? A experiência científica é, portanto, uma experiência que contradiz a experiência comum.?

Quais as implicações da pesquisa para a área de educação em ciências nos anos iniciais? Carvalho et al (1998) explicita alguns sentidos para o ensino nessa etapa, segundo a estudiosa, devemos procurar concentrar nossos esforços no Ensino Fundamental por duas razões, tanto porque nessas séries se encontra a maioria da população estudantil brasileira, quanto porque é nessa etapa que os alunos têm contato pela primeira vez em uma situação de ensino, com certos conceitos científicos, e muito da aprendizagem subsequente em ciências vai depender desse início.

Segundo os estudos no campo da Didática das Ciências, bem como a legislação que normatiza o ensino de Ciências Naturais. O aspecto intelectual e conceitual do conhecimento científico não tem fim em si mesmo. A tendência propedêutica, enrijecida e canonizada do fazer científico tende a ser substituída ou remanejada diante do currículo e processos escolarizados. Não se propõe o abandono do que é conceitual, tão pouco dos conhecimentos acumulados historicamente pela ciência. O que se discute é que, atualmente, os saberes não podem vir desvinculados da reflexão sobre sua produção, natureza, desenvolvimento e articulação com outras esferas da vida humana. Em resumo, impõem-se às Ciências da natureza, enquanto ensino, que esteja aberta ao diálogo, à contestação e à reflexão congruente e articulada dos fenômenos naturais e sociais, buscando nos fenômenos sociais o que há de ?naturalização? e nos naturais o que há de ?socialização?.

Crescentemente são atribuídos novos desafios ao ensino de ciências, mas o que a pesquisa indica é que o campo da formação de professores, no âmbito dos anos iniciais, tanto sua formação inicial, quanto as propostas de formação contínua não têm contribuído suficientemente para qualificar a compreensão que os professores possuem acerca dos objetivos, conceitos e métodos para o ensino de ciências, permanecendo suas práticas sem solidez epistemológica e pedagógica. Esse quadro denuncia que a base inicial que os educandos possuem acerca das Ciências Naturais, segue repleta de fragilidades e insuficiente na preparação dos alunos para as etapas seguintes.

É preciso investir maiores esforços para superar as fragilidades conceituais não exploradas na formação inicial, garantir espaços e processos de formação contínua eficientes, que vençam o caráter fragmentado e essencialmente de escuta hierárquica dos conhecimentos. Os professores precisam poder se envolver, conhecer o que a Didática das Ciências tem pensado e proposto, experimentar práticas formativas que tragam os fundamentos e métodos das tendências para o ensino de ciências, tais como:

A Educação Ambiental, que se revela cada vez mais problemática e urgente. Para Santos (1989), é preciso que as ciências promovam uma ruptura com a ideia da separação homem- natureza, uma vez que esta separação instala uma racionalidade que permite a exploração, apropriação e destruição do meio ambiente.

A Alfabetização Científica, que de acordo com Fourez (2003) pode expressar suas finalidades por termos humanistas, sociais e econômicos. Os objetivos humanistas .visam à capacidade de se situar em um universo técnico científico e de poder utilizar as ciências para decodificar seu mundo, o qual se torna então menos misterioso (ou menos mistificador)? (idem, compreensão das tecno-ciências, ajudar as pessoas a organizarem-se e dar-lhes os meios para participar de debates democráticos que exigem conhecimentos e um senso crítico? ( FOUREZ, 2003, p. 114). Os objetivos ligados ao econômico e ao político são para Fourez (2003, p. 114) ?participar da produção de nosso mundo industrializado e do reforço de nosso potencial tecnológico e econômico. A isto se acrescenta a promoção de vocações científicas e/ou tecnológicas, necessárias à produção de riquezas?.

A Argumentação, por meio da qual os estudantes ?entram em contato com algumas habilidades importantes dentro do processo de construção do conhecimento científico, tais como reconhecimento entre afirmações contraditórias, identificação de evidências e confronto de evidências com teorias ( CAPECCHI & CARVALHO, 2000, p. 172).

O Ensino por Projetos,segundo Almeida (2001), o desenvolvimento de projetos em sala de aula visa romper com a limitação das atividades, bem como com a fragmentação disciplinar marcadamente presente na prática educacional, nos vários níveis de formação.

A Experimentação, para a qual há pelo menos duas perspectivas. A primeira conforme Pozo & Crespo (2009), assenta-se na racionalidade positivista do fazer ciências, na qual o foco do processo de experimentação está na aplicação rigorosa do método científico pelos alunos, crendo que a mente dos alunos tem as mesmas capacidades essenciais que a mente dos cientistas. A segunda, conforme Carvalho et al (1998), compreende que o foco da experimentação não é proporcionar a redescoberta de teorias científicas, mas se justifica por proporcionar: interação, aguçamento da curiosidade, diálogo argumentativo e proposição relativa aos fenômenos, reflexão de conhecimentos prévios, surgimento e explicitação de lacunas e conflitos de saberes para a compreensão dos fenômenos em estudo, entre outros desdobramentos.

O enfoque CTSA(Ciências, Tecnologia, Sociedade e Ambiente) que abrange o cenário mundial e a mudança no modo de produção material e da relação com esta produção na vivência coletiva. No caso brasileiro, de acordo com Krasilchik (1987), esta preocupação inicia-se nas discussões nacionais a partir da década de 50. De acordo com Santos (2007) obrigatoriamente se incluem na cadeia das inter-relações CTS as implicações ambientais, pois, em tese, essa preocupação surge na origem do movimento, contudo, há discussões sobre CTS que não necessariamente colocam em questão as considerações ambientais, desta forma o movimento CTSA vem resgatar o papel da educação ambiental.

A amplitude do quadro referencial para a área do ensino de ciências, vista sucintamente através das tendências citadas, não corresponde à capacidade que os cursos de formação, inicial e contínua têm ofertado, e esta é uma denúncia realizada ao longo de todo texto e endossada pelas falas dos professores acerca de como percebem a contribuição desses processos para a construção do seu trabalho.

O fato é que com ou sem a preparação necessária os professores estão cotidianamente nas salas ensinando ciências aos educandos, o que devemos nos questionar enquanto área e sociedade é quais consequências trazem as fragilidades apontadas não apenas à formação docente, mas à formação dos educandos, ao seu espírito crítico e científico, ao seu desejo e interesse pela área? Até quando podemos ficar inertes frente ao descaso do ensino de ciências nos anos iniciais?

5 CONSIDERAÇÕES

Diante das discussões, dados e referenciais dialogados percebe-se que é urgente a problematização e atuação comprometida dos diversos setores envolvidos para qualificação das formações voltadas aos professores polivalentes. No que tange ao cenário da formação inicial devemos pensar com seriedade acerca do real conhecimento dos discentes em relação aos conceitos que deverão ministrar, tanto em relação às Ciências Naturais, quanto nas demais disciplinas. Nos parece que há duas questões mais prementes nesse debate.

A primeira se refere à precariedade da base, ao tempo de aluno vivido pelos sujeitos que ingressam nos cursos de Pedagogia, e não somente por eles. É preciso lembrar que até pouco tempo as disciplinas de Ciências, História e Geografia eram consideradas matérias decorativas, nas quais o processo cognitivo mais mobilizado era a memória, e não haviam relações de sentido e contexto suficientes para converter este registro de forma permanente, ao menos este é um fator que tem sido levantado pelos cientistas dedicados ao processo da memória.. Ou seja, preconceber que os alunos do curso conhecem os conceitos e trabalhar apenas as metodologias não é um processo que esteja contribuindo com a formação desses professores, nem como o ensino posteriormente desenvolvido.

Uma segunda questão que precisa ser problematizada é que a experiência enquanto aluno está ancorada no saber ensinado e não no saber do ensino, conforme Chevallard (2009) esse saber sofre deformações que o tornam apto para ser ensinado. Todo corpo epistemológico possui uma lógica interna própria, que deve ser do conhecimento e consciência do docente, habilitando-o a pensar metodologias adequadas ao ensino de diferentes naturezas conceituais. Este é um debate muito interessante que não nos cabe aprofundar nesse objeto.. O que desejamos enfatizar é que a formação inicial dos professores polivalentes precisa rever sua estrutura e quem sabe pensar em habilitações posteriores específicas para o ensino de Ciências Naturais e Sociais.

As formações contínuas não estão alcançando o êxito de auxiliar os professores na reestruturação do seu trabalho e da compreensão sobre ele. Enquanto encaminhamentos defendemos o desenvolvimento de um plano de trabalho, para os professores dos anos iniciais ? mas não somente ? que inclua o exercício de vinte horas semanais voltadas ao estudo, planejamento e desenvolvimento profissional fora das salas de aula. Tempo importante para a participação em cursos mais organizados e sistematizados, preferencialmente na modalidade de pós-graduação, que poderiam ser ofertados pelas próprias secretarias em parceria com as Instituições de ensino superior. Além disto, é preciso embasar as mediações pedagógicas desenvolvidas nas formações contínuas respeitando as demandas, aflições e desafios que os professores vivem cotidianamente, criando um ambiente no qual os docentes se sintam confortáveis para expor suas fragilidades e superá-las coletivamente.

Outro ponto importante nesse processo de escuta, e que também surgiu nas falas, é a aproximação das propostas à realidade regional, os professores precisam localizar-se nas falas, precisam localizar seus objetos, suas vivências, os aspectos idiossincráticos presentes na cultura regional e local, enquanto elementos que são valorizados e que podem fazer parte do seu processo de ensino. Certamente, é possível pensar nas articulações com a fauna, a flora e cultura local, mas para tanto os professores precisam ter tempo remunerado de trabalho fora da sala de aula e uma estrutura que de fato proporcione o enriquecimento dos seus saberes para o ensino de ciências e das demais disciplinas.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) pela bolsa concedida.

REFERÊNCIAS

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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional.15º ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2013.

Notas

4 Para maior aprofundamento consultar: IZQUIERDO, I. Questões sobre memória. Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2006 e KANDEL, E. R. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
5 Para aprofundamento indicamos a leitura de: OLIVEIRA, M. B. E., OLIVEIRA, M. K. (org) Investigações cognitivas. Conceitos, linguagem e cultura. Porto Alegre: Artmed, 1999.

Autor notes

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Docente do Departamento de Métodos e Técnicas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, Amazonas, Brasil. Endereço para correspondência: Av. General Rodrigo Octávio Jordão Ramos, 1200, Coroado I, Manaus, Amazonas, Brasil, CEP: 69067-005.
Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Presidente Prudente, São Paulo, Brasil. Endereço para correspondência: Rua. Roberto Símonsen, 305, Centro Educacional, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil, CEP: 19060-900.
Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Docente titular do Departamento de Teorias e Fundamentos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, Amazonas, Brasil. Endereço para correspondência: Av. General Rodrigo Octávio Jordão Ramos, 1200, Coroado I, Manaus, Amazonas, Brasil, CEP: 69067-005.


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