Resumos de livros

Resumo de livro: Butler, J. (2016). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 11 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira

Book abstract: Butler, J. (2016). Gender problems: feminism and subversion of identity. 11 ed. Rio de Janeiro: Brazilian Civilization

Resumen de libro: Butler, J. (2016). Problemas de género: feminismo y subversión de la identidad. 11 ed. Río de Janeiro: civilización brasileña

Marcel de Almeida Freitas
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil

RAC: revista angolana de ciências

Associação Multidisciplinar de Investigação Científica, Angola

ISSN-e: 2664-259X

Periodicidade: Semestral

vol. 3, núm. 1, 2021

sousangola@gmail.com



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Judith Butler é uma filósofa norte-americana de origem russo-judaica nascida em 1956 e ligada à corrente de pensamento pós-estruturalista. Hoje atua na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde se dedica a temas relativos à retórica, ética, filosofia política, literatura comparada, relações de gênero, feminismo, estudos queer e estudos sobre mulheres. Ela realizou o doutorado na Universidade de Yale em 1984 e tratou da questão do desejo a partir de uma perspectiva hegeliana. De orientação homossexual, a autora fala principalmente a partir da teoria queer e do feminismo pós-estruturalista e pós-crítico.

Muito frequentemente aquelas/es que se dispõem a conhecer os trabalhos de Butler os recebe, de chofre, como provocações. Isso porque ela congrega em seus escritos, certa espontaneidade e ironia, incomuns no contexto acadêmico, ainda mais no campo filosófico e, por outro lado, porque os conteúdos do seu pensamento são fortemente assertivos e críticos. Como Problemas de Gênero não é diferente.

Deste modo, sua extensa obra é fundamental para diferentes formas de ativismo e campos de conhecimento como as Ciências Sociais, Literatura, Comunicação Social, Psicologia, Direito, Serviço Social, Educação e, até mesmo, Medicina ou Biologia. Gender Trouble: feminism and subversion of identity é uma obra que, mais de 25 anos após sua publicação original nos Estados Unidos, ainda vem causando importante impactos nos estudos de gênero e nas teorias queer, e também não poucas críticas, advindas, sobretudo, dos/as teóricos/as marxistas, não somente no Brasil, mas em praticamente todo o mundo acadêmico ocidental.

A própria Butler procedeu a releituras e modificações no prefácio da edição comemorativa dos 10 anos do livro, em 1999 e, na conferência realizada quando do aniversário de 25 anos da obra, ela reviu e problematizou questões ali colocadas inicialmente. Sem abandonar seu olhar inicial sobre as relações sociais, isto é, de que o gênero e a sexualidade humana são construídos performativamente pela cultura ao longo do tempo e em diferentes contextos e que não são somente normativos, em Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, primeiro livro da filósofa lançado no Brasil e publicado pela primeira vez em 1990, cuja 11ª edição é o tema desta resenha, ela agrega indagações, provocações e postulados que contemplam a questão do discurso e do poder, especialmente em Michel Foucault, e dos sistemas simbólicos mais abrangentes como é o caso, por exemplo, daqueles tratados pela Psicanálise, especialmente a Lacaniana.

A temática basilar desta obra de Butler é a questão do gênero, no entanto, o observando mais detidamente vemos que ela não o atrela exclusivamente ao tema da sexualidade, como faz as ciências sociais e a Filosofia tradicionais. Gênero aqui é um problema político, histórico e, mais desafiador ainda, ontológico. Para ela, o feminismo é, indiscutivelmente, uma luta em prol das mulheres, mas ela também propõe uma desconstrução do que vem sendo chamado de “mulheres”, bem como de “homens”, e da categoria gênero como um todo.

Neste livro provocador, a pensadora elabora incisivas inflexões a dois pilares do movimento feminista e dos movimentos sociais em geral: a identidade e a categoria “mulher”. Segundo ela, não é possível existir uma identidade conforme veio preconizando a metafísica ocidental, e o sexo e a sexualidade são tão “convenções sociais” quanto o gênero, sendo, tanto a identidade quanto a sexualidade, constituídas a partir da prática, da performatividade, e não o oposto. Ela argumenta que, paradoxalmente, buscar definir uma identidade para certo movimento político-social acaba por “aprisionar” os indivíduos em categorias ontológicas engessadas em vez de os libertar como os movimentos pleiteiam, isso valendo não apenas para os movimentos feministas.

Neste sentido, a filósofa rejeita a metafísica da substância subjacente à maior parte do pensamento filosófico ocidental desde o Iluminismo e que conduziu a reflexões cristalizadas de que o corpo e o sexo seriam categorias auto-evidentes e a priori à cultura. Para ela também estas categorias, como a realidade em geral, são produzidas performativa e culturalmente. Além da performatividade, outros pontos fulcrais do livro são a centralidade da categoria gênero, a questão do sujeito, o binarismo cultura versus natureza, a passagem de uma heterossexualidade compulsória para uma heteronormatividade das relações sociais e a constituição linguística do real. Butler também critica os pressupostos do “construcionismo social”, defendendo que a noção de performatividade busca outro registro teórico para as armadilhas do “culturalmente construído”.

A partir da noção de performatividade entende-se que Butler afirma que as palavras produzem ações e atuações, produzem realidade. As palavras agem, não apenas nomeiam. Assim, ela defende que todas as teorias e narrativas provocam alguma coisa nos sujeitos concretos. Desta maneira age também sua própria teorização, porém, ela assume que o faz, não se pretende (porque sabe que não é possível) neutra. Butler então provoca, entre outras instâncias, o próprio poder, na medida em que este se esconde sob a verdade acerca, por exemplo, das identidades sexuais e de gênero (bem como de outras).

Problemas de gênero foi o primeiro livro de Judith Butler lançado no Brasil (em 2003), cuja primeira edição (norte-americana) é de 1990, sendo, talvez, sua obra mais conhecida. Propositalmente provocador e escrito em linguagem complexa e pouco comum na academia, contribuiu decisivamente para a crítica teórica e para que as metodologias de estudos feministas fossem revisitadas desde então. O livro está segmentado em três grandes capítulos principais que, por sua vez, estão divididos em tópicos mais específicos: capítulo 1- Sujeitos do sexo/gênero/desejo; capítulo 2- Proibição, psicanálise e a produção da matriz heterossexual; capítulo 3- Atos corporais subversivos; ao final, a conclusão, onde ela advoga a existência de uma prática política que não esteja fixada em uma identidade fechada e estática.

Para ela se faz necessário uma subversão nas discussões sobre identidade, isto é, não existirá a emancipação da mulher e de outros sujeitos oprimidos a menos que também se subverta esta categoria – identidade – que também as/os aprisiona. Na esteira de Jacques Derrida ao desmontar o binarismo significante/significado que criticou de forma contundente a metafísica ocidental, a autora também critica a filosofia do sujeito dominante no pensamento moderno, admoestando que os feminismos não deveriam tentar se alocar dentro do humanismo, visto que este, além de fechado, tende à universalização descontexualizada dos sujeitos.

Um dos pontos nodais das críticas tecidas por Butler neste trabalho se encontra no fato de criticar que o feminismo que insiste nos binarismos de gênero – mulher e homem, feminino e masculino, homo e heterossexual etc. – isto é, o feminismo que, de certa forma valida as verdades estipuladas sobre a sexualidade, acabar por reproduzir exatamente aquilo que pretende desmontar, a opressão e a desigualdade. Desta feita, o feminismo levado a cabo nesta obra defende uma desconstrução de qualquer tipo de identidade de gênero que aprisione as singularidades reais e que oprima e violente aquelas identidades e comportamentos insurgentes, que não se adequam ou não se deixam adestrar por esta bipolaridade a partir da qual se entende as relações reais entre as pessoas.

Outro aspecto basilar da obra é o questionamento do caráter “natural” das diferenças anatômicas entre mulheres e homens. A partir de críticas ao estruturalismo de Lévi-Strauss e da fixidez das categorias “cultura” e “natureza”, ela questiona tais premissas se opondo a estes pressupostos e criticando como o estruturalismo, tanto na Antropologia quanto na Psicanálise, informou diversos binarismos como, por exemplo, a dicotomia sexo/gênero do feminismo, onde sexo seria um dado biológico e gênero uma construção da sociedade. Ademais, ela questiona o termo genérico “mulheres” como sendo o sujeito do feminismo. Uma das decorrências desse seu pensamento é a possibilidade de incluir as teorias queer, os movimentos sociais de lésbicas, gays, transgêneros, bissexuais, transexuais, travestis, intersexos, dentre outros excluídos sexuais, no feminismo.

O principal problema que Butler enxerga nas tendências em considerar o sexo natural e o gênero cultural é transformar este último conceito em uma nova essência, a cultura tornando-se “destino” aos moldes de como a biologia era vista no século XIX. Então, em uma crítica radical, a filósofa propõe que os conceitos de sexo e de gênero sejam separados, isto é, não necessariamente homens, mulheres, machos e fêmeas, masculino e feminino, conceitos e realidades, seriam correspondentes. Com isso ela busca mostrar que as associações entre gênero e sexo, em qualquer cultura, são arbitrárias.

Portanto, neste livro Butler se esforça em salientar que o sexo, tal como o gênero, também é contingente, discursivo, histórico, performativo e cultural, em suma, gênero e sexo seriam, ambos, construções sociais e temporais. Este é um dos pontos em que ela contesta Simone de Beauvoir: não haveria nenhuma essência no “ser” fêmea que o levasse, inexoravelmente, a se tornar mulher, tentando, nesta proposta, “libertar” o gênero e o sexo daquilo que ela nomeia, baseando-se em Nietzsche, de metafísica da substância.

Dizendo de outra maneira, o sexo também é uma categoria sociocultural e também é construído ao lado do gênero, que é uma categoria erigida a partir das práticas, discursos e vivências individuais e coletivas dentro da sociedade. A partir destas formulações radicais, a autora questiona também a heterossexualidade compulsória, buscando lançar a questão da hetero/bi/homossexualidade em novas linhas de reflexão, criticando algumas pressuposições ontológicas e epistemológicas há muito radicadas nas ciências humanas como, por exemplo: o que é/estar ser mulher, o que é/estar ser homem? Indagações estas que, conforme a pensadora, ampliam a percepção da multiplicidade de sexualidades e de “gêneros”. Não haveria, então, uma “alma”, natureza ou essência feminina ou masculina.

No que concerne à organização do livro, no primeiro capítulo Butler, dialogando com nomes como Gayle Rubin, recoloca a questão de “a mulher” (questionando desde o início o termo no singular) ser o sujeito do movimento feminista e a diferenciação sexo/gênero, assim como o falocentrismo e a heterossexualidade compulsória, compreendendo tais categorias como regimes de poder/de discurso e arguindo: como a linguagem constrói as categorias de gênero? Onde e como convergem falocentrismo e heterossexualidade? A linguagem realmente funde o sexual e o feminino sendo o masculino tido como “geral”, como postula a acadêmica Luce Irigaray? Como a linguagem constrói a produção fictícia de “sexo”? Que práticas culturais produzem a dissonância e a descontinuidade subversiva entre gênero, desejo e sexo e suas relações? Estas são algumas importantes perguntas que ela lança neste capítulo.

No segundo capítulo a filósofa nos oferta uma leitura crítica do estruturalismo, seja na Psicanálise, seja na Antropologia. Ela também discorre sobre as apropriações das concepções estruturalistas feitas pelo feminismo, algumas delas a seu ver duvidosas e simplistas, acerca do tabu do incesto enquanto processo que busca impor identidades e desejos sexuais distintos e internamente coerentes aos sujeitos a partir de uma matriz psíquica estruturada em torno da heterossexualidade. Aqui dialogando principalmente com a teórica feminista Monique Wittig, ela discorda das posturas ortodoxas e hegemônicas do estruturalismo que advogam um estágio “pré-jurídico”, “pré-cultural” e, especialmente, “pré-linguístico” da humanidade. Na sua acepção, não há um “eu” anterior que é revelado pela cultura, mas sim o próprio “eu” é produzido e modificado ao longo da sua trajetória de vida social e cultural.

Dentre as admoestações mais agudas que Butler dirige ao corpo teórico psicanalítico diz respeito a este considerar a mulher 1- no singular e 2- como ausência. Ademais, ela reprova o fato de “[...] o discurso estruturalista se referir à Lei, no singular, seguindo o argumento de Lévi-Strauss de que existe uma estrutura universal de troca reguladora que caracteriza todos os sistemas de parentesco” (p. 77). Além disso, a autora refuta as ideias de totalidade e de universalidade próprias do estruturalismo, bem como o dualismo que lhe é peculiar. Logo, o sujeito é a um só tempo sexuado e sexuante, ou seja, o sexo não é dado, é elaborado tanto quanto o desejo ou o gênero.

Além do discurso, outro tema que atravessa todo o livro é a questão das relações de poder, quando Butler claramente se alicerça em Michel Foucault, mas, obviamente, também não de forma acrítica. No seu entender, os seres humanos, seja em grupo seja enquanto indivíduos, vão sendo elaborados e modificados paralelamente à construção/transformação social da própria linguagem e dos elementos sociais que os compõem. Seria, portanto, um processo dialético.

No terceiro capítulo, em que trata da questão da corporalidade, Butler discute (na maioria das vezes concordando) com a antropóloga Mary Douglas e com a filósofa Julia Kristeva sobre a “implosão” dos dualismos sexuais tipo macho-fêmea e ensejando uma subversiva ressignificação das práticas corporais e sexuais, assim como do desejo. Neste ponto ela coloca que as identidades e os sujeitos são fundamentalmente performativos, ou seja, não basta dar-lhes nomes, mas há que se atentar também para os atos concretos que lhes dizem respeito, não somente os sexuais, mas corporais de modo geral. É neste ponto que emerge com mais força a argumentação da pensadora sobre a performatividade de gênero enquanto modo de subversão da ordem masculina e heteronormativa sobre o desejo, os corpos e a sexualidade, o que resultaria em ressignificações infinitas que ultrapassariam o binarismo pertinente à cultura ocidental.

Colocando em outros termos, um dos intuitos da filósofa ao longo de toda a obra é historicizar e salientar o aspecto socialmente construído dos processos, estruturas e fenômenos ligados ao desejo, ao corpo, à sexualidade e ao gênero. Neste sentido, Butler insere a biologia no domínio do construcionismo social, da mesma forma que procedeu em relação ao gênero. Ademais, ela busca desencorajar a dicotomia sexo versus gênero que, em sua concepção, limita e engessa as teorizações e as mobilizações do feminismo e dos movimentos queer. A seu ver, algumas vezes as feministas caem na armadilha de ratificar, inadvertidamente, a “ordem compulsória” que estabelece coerência entre um gênero, uma orientação do desejo e um sexo voltados para uma prática, inexoravelmente, heterossexual, ou seja, o gênero não pode ser simplesmente concebido como a inscrição cultural de significados num sexo previamente dado. Diz respeito aos processos de produção/constituição dos próprios sexos.

Pode-se dizer, então, que sua ampla proposta no segundo capítulo é assaz difícil para quem não domina o linguajar e os marcos teóricos psicanalíticos, visto que ela problematiza como as “ficções” de gênero – seja nos movimentos feministas, na ciência, na Psicanálise – instauram e colocam em circulação denominações simplistas e, algumas vezes, equivocadas de fatos “naturais”, não admitindo ou sequer cogitando que a própria natureza humana é também cultural e historicamente constituída. De acordo com Butler, a complexidade da noção de gênero demanda um olhar inter, trans e pós-disciplinar de discursos, teorias e métodos, o que poderia dirimir a domesticação acadêmica dos estudos desta área e dos estudos sobre mulheres, além de levar às últimas consequências o legado crítico do feminismo. A seu ver, a indeterminação do conceito de gênero não é um fracasso, mas sim um ganho para os movimentos de mulheres, LGBTTQIA+ e outros vinculados a estes lugares e práticas corpóreo-sexuais.

Em oposição ao que comumente é defendido por algumas correntes feministas, no entender da filósofa, gênero seria um processo contextual e contingencial, ponto de convergência de fenômenos históricos e culturais localizados, plurais e reais, não algo atrelado a um ser substantivo fundacional, isto é, em lugar de gênero vinculado ao sujeito, Judith Butler preconiza ser o gênero o efeito de certas relações sociais, políticas, históricas e culturais. Com efeito, Problemas de gênero visa desconstruir a noção fundacional de gênero e de identidade na qual está assentada grande parte da teoria feminista e dos movimentos gays, lésbicas, transexuais dentre outros/as.

A fim de sustentar suas críticas, a filósofa vai desmontando algumas noções e concepções correntes no feminismo e na Teoria Queer. Uma delas é a própria categoria gênero no sentido em que tomava o sexo como natural e um destino sobre o qual incidiriam as normativas sociais e, ao fim e ao cabo, criariam as identidades de gênero. Logo, nem o sexo nem a sexualidade seriam verdades fixas e essenciais, mas também, assim como as performances e identidades de gênero, seriam construções sócio-históricas e culturais. Ela também alerta, na esteira do filósofo Michel Foucault, que tomar o que é histórico como algo natural é uma estratégia do poder. Seu esforço então é, neste contexto, desnaturalizar as posturas e os discursos de gênero e de sexo que, em muitos casos, são tratados como destinos.

Partindo das teorizações sobre os atos dos discursos do filósofo da linguagem John Langshaw Austin, ela nomeia como performatividade o aspecto ativo da relação entre a sociedade e os sujeitos, ressaltando que a primeira é ordenada por normas e leis que operam por meio dos discursos. Na prática isso se dá do seguinte modo: quando alguém se identifica ou permite ser identificado como heterossexual, por exemplo, este sujeito se inscreve em um dado cenário ontológico promovido pelo discurso e pela materialidade que o acompanha no plano da ação social e da vida concreta, produção esta que Butler denomina “efeitos ontológicos” da linguagem.

Deste modo, Butler não advoga somente em favor do feminismo e das mulheres, mas sim de todos aqueles que não se adequam aos discursos normativos que invocam uma pretensa natureza essencial dos corpos. Com efeito, ela defende as potencialidades dos diversos corpos para além das nomenclaturas ontológicas convencionais que, via de regra, se pautam por uma noção de natureza masculina ou feminina fixa. Sendo assim, depreende-se da leitura do seu trabalho que a exclusão é produzida pelos discursos, que então colocam determinados sujeitos no lugar do silêncio e que por sua vez, concretamente, vivenciam a injustiça de não poderem existir ou só poderem existir na clandestinidade.

Vale notar por fim, que desconstruir não é destruir, como muitas vezes, de modo precipitado, se atribui às pretensões e posturas filosóficas pós-críticas e pós-estruturalistas. Para Butler, tanto a sexualidade quanto gênero advêm de conjuntos de ações performativas, são práticas performativas (que ela difere do conceito de performances como concebia Erving Goffman, no sentido de encenação, por exemplo) que produzem significados culturais. Com efeito, os movimentos sociais, os grupos e os sujeitos deveriam se “libertar” (embora ela não utilize esta expressão marcadamente existencialista, é lícito seu emprego) de marcadores identitários rígidos e finitos bem como de visões heterossexualizadas acerca das práticas sexuais e dos desejos.

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