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A Educação Histórica no Ensino Primário angolano: uma análise centrada no programa da 6.ª classe

La educación histórica en la educación primaria angoleña: un análisis centrado en el programa de la sexta clase

Historical Education in primary school in Angola: An analysis of the 6th grade syllabus.

Vita Emanuel
Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação/INIDE-MED, Angola, Angola
Isabel Barca
Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”/CITCEM, Universidade do Porto, Portugal
Nilza Costa
Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores, Universidade de Aveiro/CIDTFF, Portugal

RAC: revista angolana de ciências

Associação Multidisciplinar de Investigação Científica, Angola

ISSN-e: 2664-259X

Periodicidade: Semestral

vol. 3, núm. 1, 2021

sousangola@gmail.com

Recepção: 01 Março 2021

Aprovação: 01 Maio 2021



Política de Direito de Autor O conteúdo das publicações é responsabilidade dos autores e não da RAC: revista angolana de ciências, nem da Associação Multidisciplinar de Investigação Científica. Os autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de publicação inicial, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons CC BY-NC- SA 4.0, e pelos direitos de publicação. Os autores podem publicar seus trabalhos on-line em repositórios institucionais / disciplinares ou nos seus próprios sites.

Resumo: Este estudo centra-se na Educação Histórica no Ensino Primário em Angola e visa compreender os pressupostos político-normativos internacionais (agenda 2030, 2063) e nacionais (PND 2018-2022/Educar-Angola 2030), e teóricos sobre o ensino da História e seu currículo, subjacentes ao Programa da disciplina na 6.ª classe. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa e interpretativa, que recorreu à análise de conteúdo do Programa actual com base numa grelha elaborada e validada por duas especialistas em Didáctica e Desenvolvimento Curricular da História. Os resultados indicam que, à semelhança do que se encontrou para o Programa da 5.ª classe, embora não corporize referências político-normativas explícitas relativas à necessidade de se trabalhar dimensões centrais dos princípios orientadores internacionais e nacionais, contempla outras, também implicitamente, que estão alinhadas com esses princípios, por exemplo, de alinhamento ao 4.º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Todavia, em relação ao enquadramento teórico, e nomeadamente quanto à “natureza da cognição histórica situada”, denota-se uma reduzida adequação. Do mesmo modo, verifica-se alguma inconsistência curricular, nomeadamente em relação aos elementos nucleares do Programa. Assim, à luz destes resultados e das perspetivas aqui mobilizadas e discutidas, sugere-se que os materiais curriculares em desenvolvimento no País incorporem estes aspectos.

Palavras-chave: Educação Histórica, Ensino Primário Angolano, Programa de História da 6, ª classe, Agendas internacionais e nacionais.

Abstract: This study is focused on History Education in Primary School in Angola and aims to understand the political-normative assumptions at an international (Agenda 2030 and 2063) and national level (PND 2018-2022/Educar-Angola 2030), as well as the theoretical framework about the teaching of History and its curriculum underlying the Program of the discipline in the 6th grade. This research makes use of qualitative and interpretative methods, as well as content analysis of the current Program based on a grid elaborated and validated by two specialists in Didactics and Curricular Development of History. The results indicate that, similarly to what was found by the researchers for the 5th grade syllabus, although it does not incorporate explicit political-normative references related to the need to work on central dimensions of the international and national guiding principles, it contemplates other dimensions, also implicitly, that are in line with these principles. For example, an alignment with the 4th Sustainable Development Goal. Nevertheless, in relation to the theoretical framework, and particularly to the “situated historical cognition”, there is a reduced adequacy. Likewise, there is a lack of curriculum consistency, particularly in relation to the core elements of the Program. Thus, considering these results and the perspectives mobilized and discussed, it is suggested that the curricular materials under development in the country incorporate these aspects.

Keywords: History Education, Angolan Primary Education, 6th Class History Program, International and national agendas.

Introdução

Este estudo[1] insere-se no domínio científico do ensino da História, nomeadamente no Ensino Primário (EP), e aborda-o no contexto Angolano em geral, e na 6.ª classe, em particular. Note-se que Angola encontra-se, actualmente, numa etapa de mudanças curriculares que visa potenciar a promoção de uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, estando consubstanciada no desenvolvimento integrado de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e princípios éticos – CHAVE (INIDE-MED, 2019a). Esta abordagem, como refere Afonso (2019), é perspectivada no diálogo efectivo entre conhecimentos universais e saberes locais, ao nível do desenho, desenvolvimento e gestão curricular.

Neste contexto, definiram-se como objectivos do estudo: (a) sistematizar o conhecimento emergente da literatura internacional sobre o ensino de História e seu currículo, nomeadamente no EP; (b) contextualizar esse conhecimento nas agendas internacionais (Agenda 2030, UN, 2015), regionais para o continente Africano (Agenda 2063 “África que queremos”, CUA, 2015), e nacionais (PND-2018-2022, Angola, 2018), no que estas se referem à educação, e ainda no PNDE/Educar-Angola 2030, Angola, 2016); (c) analisar o Programa oficial de História da 6.ª classe, problematizando de que forma as perspectivas emergentes de a) e b) estão presentes; e (d) propor sugestões que potenciem as referidas articulações.

A metodologia do estudo incluiu: uma revisão de literatura sobre investigação em Educação Histórica; uma análise de documentos da política educativa internacional e nacional; e uma análise documental do Programa oficial da disciplina de História da 6.ª classe, com base numa grelha desenvolvida pelos autores deste artigo, e validada por duas especialistas externas da área de Didáctica e Desenvolvimento Curricular da História (DDCH). Este projecto almeja, assim, contribuir para a melhoria da qualidade do ensino da História e do seu currículo, em sentido lato, no âmbito da actual revisão curricular Angolana.

Enquadramento teórico e normativo

Esta secção inclui uma abordagem sumária (a) de perspectivas atuais no âmbito da investigação em Educação Histórica, e (b) do lugar da História no currículo do EP em Angola, tendo em conta abordagens educativas e formativas ancoradas na literatura e em agendas internacionais, regionais e nacionais.

a) Perspectivas actuais da investigação em Educação Histórica

As investigações em Educação Histórica, com ênfase na aprendizagem contextualizada ou Cognição Histórica Situada (Barca, 2001), tiveram origem na década de 70 do século XX, em particular como resposta a perspectivas que contestavam o ensino da História nos primeiros anos de escolaridade. Tais perspectivas, com forte influência da teoria piagetiana, sustentavam-se na ideia de que, na faixa etária correspondente ao EP, as crianças eram incapazes de aprender História pois não dispunham ainda de um nível de pensamento abstracto, imprescindível à compreensão histórica. Também Lee (2001), referindo-se ao ensino da História em Inglaterra na década de 60 do século XX, afirmava que as crianças não gostam da disciplina de História devido ao currículo ser descontextualizado e ao facto de este ser um conjunto de histórias que os alunos não gostavam. Assim, o mesmo autor afirmava que as crianças “Em vez de aprenderem conhecimentos substantivos sobre o passado, os alunos aprendiam “estórias” (p. 13).

Por isso, e na procura de evidências que possibilitassem refutar tais tendências, em Inglaterra deu-se início a estudos sistemáticos sobre o pensamento histórico dos alunos, destacando-se a obra de Alaric Dickinson e Peter publicada em 1978, intitulada “History Teaching and Historical Understanding”. Esta, incluía o estudo “Understanding and research”, que passou a ser um marco das investigações neste domínio. Tal estudo, de base empírica, com um grupo de alunos entre os 12 e 18 anos, indagava a lógica a-histórica que fundamentava algumas pesquisas anteriores com base em pressupostos genéricos de aprendizagem, sem ter em conta um raciocínio específico da História.

Vários outros estudos foram desenvolvidos dentro desta nova lógica assente na cognição histórica, por exemplo o realizado pelos mesmos pesquisadores, em 1984, intitulado “Making Sense of History”. O estudo objectivou aprofundar o primeiro atrás referido, tendo incluído uma amostra de alunos com idades entre os 8 e 18 anos, e que realçou as noções intrínsecas de empatia e imaginação histórica (Barca, 2001). Nesse último quartel do século XX destacam-se, ainda, projetos em contexto real (salas de aula), tais como “Schools Council History 13-16 Project (SCHP), cujos resultados foram publicados na obra “History 13-16: Evaluation Study” (Shemilt, 1980), e “Concepts of History and Teaching approaches” (CHATA Project) desenvolvido sob coordenação de Lee, Ashby e Dickinson, na década de 90. Este último projecto centrou-se na compreensão histórica de alunos (de 6 aos 14 anos) tendo produzido respostas a questões sobre empatia, evidência, causalidade e objetividade em História (Lee, 2001).

Os estudos referidos convergiam na ideia de que as crianças conseguiam pensar historicamente, demonstraram, sobretudo, que os alunos “conseguiam compreender os métodos e a lógica da História desde que os professores lhes propusessem tarefas de questionamento que suscitassem a procura de evidência em fontes históricas variadas sobre a causalidade, a mudança, a continuidade e a relação passado/presente” (Lagarto, 2016, p. 25).

Em suma, na procura de evidências relativas à construção do pensamento histórico dos alunos, conclui-se que não se tratava de um processo invariante, ou seja, tinha oscilações, e que as habilidades cognitivas dos alunos para lidarem com o passado eram condicionadas pelas suas experiências prévias e pelos procedimentos metodológicos de ensino mobilizados (Barca, 2001; Lagarto, 2016). Isso significa que, e como advoga a perspetiva da Cognição Histórica Situada, o processo de ensino, aprendizagem e avaliação da História deve estar alocado na própria epistemologia e metodologia da História, bem como considerar as preconceções, os interesses, as necessidades e os contextos dos sujeitos cognoscentes em construção nas suas múltiplas dimensões históricas – social, política, económica e cultural. Por outras palavras, a aprendizagem histórica pressupõe uma forma de pensar identificada com os pressupostos da natureza da História pois, como referem Schmidt e Urban (2018), aprender História requer pensar o passado historicamente, de modo que os sujeitos possam desenvolver a consciência e o pensamento histórico, e despertar as suas identidades.

Para o efeito, considera-se necessário que os pressupostos da epistemologia da História precisam de ser mobilizados no desenho, desenvolvimento e gestão curricular da disciplina de História de modo a que se possam superar falta de equilíbrio entre o enfoque dado aos conceitos substantivos e aos epistemológicos[2], lógica criticada por Barca (2011) e Dominguéz (2015). Assim, criam-se, como sugerem Germinari e Barbosa (2014), possibilidades de contribuir para o desenvolvimento do pensamento e da consciência histórica dos aprendentes.

O processo de ensino, aprendizagem e avaliação da disciplina de História deve, ainda, integrar materiais curriculares que privilegiem a construção integrada de saberes assente em conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e princípios éticos – CHAVE (Afonso, 2019), e não simplesmente focada na memorização, efectivando uma relação entre conhecimentos universais, em diálogo efetivo com os saberes locais, partindo das experiências dos sujeitos com fontes sobre o passado, incluindo os seus contextos concretos. Por outro lado, para essa integração harmoniosa de saberes propostos pela CHAVE, há que dar “voz” aos sujeitos aprendentes, ouvir e interpretar as suas ideias sobre factos e situações passadas e, assim, contribuírem para o aprofundamento da sua consciência como seres humanos (consciência histórica).

b) O lugar da História no Ensino Primário angolano

Em Angola, o Ensino Primário (EP) é obrigatório, unitário e com duração de seis anos (da 1.ª a 6.ª classe) e, até ao presente ano, prevalece o regime de lecionação monodocente. Porém, com o decreto-lei aprovado recentemente (Lei n. º32/20 de 12 de agosto, que altera a Lei 17/16) e que carece ainda de regulamentação, nas 5.ª e 6.ª classes deixará provavelmente de existir a monodocência. Precedido da Educação Pré-escolar, o EP constitui a base do Ensino Geral e a sua conclusão com sucesso é condição primordial para o ingresso no Ensino Secundário (Angola, 2016, Lei n.º 17/16).

Nota-se, a partir do Plano Curricular, que o Plano de Estudo (PE) do EP contempla dez disciplinas, incluindo a de História “[...] consideradas fundamentais para o desenvolvimento harmonioso e multifacetado das crianças [...]” (INIDE-MED, 2019b, p. 32). Salienta-se que o PE constitui a base para a elaboração dos programas por classes e disciplinas. O programa de uma determinada classe do EP fornece orientações sobre os temas, subtemas, conteúdos, objectivos gerais e específicos, bem como uma secção reservada às estratégias gerais que orientam o processo de ensino, aprendizagem e avaliação.

No caso da disciplina de História no EP as suas finalidades, nas 5.ª e 6.ª classes, visam “(i) contribuir para a inserção do aluno na realidade social, política e cultural, (ii) proporcionar […] valores em diferentes tempos e espaços, (iii) promover o desenvolvimento de atitudes de tolerância face a ideias, crenças, culturas, opiniões e valores diferentes dos seus” (INIDE-MED, 2019c, p. 66).

Com efeito, um dos desafios primordiais que se coloca à educação escolarizada em Angola, particularmente no EP, e que encontram ressonância nas aludidas finalidades da disciplina de História, consiste na materialização dos fins da educação para o país, mediante um ensino “[…] harmonizador, inclusivo, atraente, relevante, contextualizado, dialógico e significativo na formação integral dos indivíduos para as exigências da vida pessoal, da sua família, comunidade e do país” (INIDE-MED, 2019b, p. 6). Isso, e ainda na perspetiva do INIDE-MED, demanda procedimentos pedagógico-didácticos que favoreçam a promoção do sentimento patriótico dos sujeitos, de unidade “nacional e de integração regional, a manutenção da paz e estabilidade nacional, a consolidação e aprofundamento do processo democrático, o respeito mútuo e dos direitos humanos, bem como a diversidade cultural de Angola e a identidade de cada aluno” (p. 6).

Trata-se, portanto, de elementos congruentes com os que integram a CHAVE, ancorados nos fins da educação plasmados na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino/LBSEE (Lei n.º 17/16, artigo 2.º) e, para os quais, a disciplina de História pode contribuir no quadro de uma educação que se quer integral, inclusiva, equitativa e de qualidade para todos os sujeitos em construção nas suas múltiplas dimensões humanas (Delors et al., 1998). Esta lógica está igualmente alinhada, embora de uma forma não explícita, com perspetivas subjacentes à Agenda 2030, nomeadamente no seu 4.º objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) ligado à educação. Está também alinhada com o Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, inserido na Estratégia de Desenvolvimento de Longo Prazo (EDLP) “Angola 2025”, e com o Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE) 2017-2030, “Educar-Angola 2030”.

De notar que essas agendas, apesar de terem diferentes âmbitos (internacional, regional e nacional), no caso da educação existem elementos que convergem no princípio da necessidade do desenvolvimento humano com base numa educação que promova aprendizagens desejavelmente significativas e duradouras para todos. Pressupõem, ainda, uma aprendizagem ao longo de toda a vida (life long learning), consubstanciada na promoção dos direitos humanos, dos valores morais, cívicos e patrióticos, da igualdade do género, da paz e da segurança, da cidadania global, da diversidade cultural, para uma cidadania ativa a partir do EP, tendo em conta os desafios do século XXI.

A referência às aludidas agendas, particularmente a Agenda 2030, denotam, segundo Akkari (2017), como as políticas educativas nos contextos nacionais têm sofrido influências de agentes reguladores internacionais. Porém, as propostas destas agendas não devem ser vistas numa perspectiva isenta de olhares críticos, uma vez que, por exemplo, corporizam elementos como o conceito de cidadania mundial, por sinal “[…] bem atraente para esconder que vivemos em um mundo de desigualdades, conflitos, competições, tensões tanto a nível nacional como internacional […]” (Akkari, 2017, p. 649). O conceito de cidadania mundial remete-nos à ideia de cidadão universal, também produto da escola (Beech, 2009; Diogo, 2018), e tem subjacente a ideia da globalização, de modelos universais de educação e de internacionalização de saberes curriculares numa lógica, como refere Dale (2004), de “isomorfismo curricular”, afigurando-se, geralmente, como vectores de difusão dos conhecimentos universais em desfavor dos saberes locais, bem como “[…] a questão do pensar global e agir global, ainda que dentro de um contexto local” (Diogo, 2018, p. 40). Em decorrência disso, neste trabalho advoga-se uma abordagem educacional que objective o tratamento dos conhecimentos universais em diálogo efetivo com os saberes locais no desenho, desenvolvimento e gestão curricular da disciplina de História, comprometendo-se com uma oferta formativa aos sujeitos, consubstanciada na CHAVE, que se querem cidadãos reflexivos, críticos, responsáveis e inovadores, capazes de enfrentarem e vencerem múltiplos desafios dos seus tempos e espaços, pensando glocal e agindo glocalmente.

Neste sentido, e do ponto de vista teórico, é expectável que os componentes do quadro curricular da disciplina de História no EP estejam fundados na lógica aqui assumida, com vista ao alcance das suas finalidades educativas fomentando, assim, o desenvolvimento do pensamento, consciência e literacia histórica nos sujeitos cognoscentes (Lee, 2006; Barca, 2011; Gago, 2016; Chapman, 2016). Todavia, e tendo em conta aspectos referentes às perspectivas educativas e formativas enquadradas nas agendas acima elencadas, uma das questões que se indaga, neste nosso estudo, é a seguinte: até que ponto os programas oficiais da disciplina de História no EP em Angola, particularmente o da 6.ª classe, enquadram as perspetivas aqui aludidas?

Metodologia do estudo

Este estudo, centrado na análise do Programa de História da 6ª. Classe, enquadra-se numa abordagem de natureza qualitativa e interpretativa (Bogdan & Biklen, 1994; Coutinho, 2018). Está focalizado sobre os pressupostos subjacentes ao Programa oficial da disciplina de História da 6.ª classe, mediante análise documental (Pardal & Lopes, 2011) com base num modelo de categorização estruturada numa grelha de análise, desenvolvida pelos autores do estudo, e validada por duas especialistas da área reconhecidas a nível nacional e internacional.

A grelha foi elaborada tendo por base o referencial teórico, político e normativo construído, e que sumariamente se apresentou na secção anterior. A sua estrutura integra três dimensões, cada uma delas com categorias e subcategorias, nomeadamente: (i) Fundamentação político-normativa, (ii) Fundamentação Epistemológica e Metodológica e (iii) Fundamentação Curricular. Esta grelha norteou a análise do corpus, com recurso à técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2018).

Resultados e sua discussão

Nesta secção apresentam-se os principais resultados da análise realizada ao Programa da disciplina de História da 6.ª classe e sua discussão por cada uma das dimensões. A análise incide sob os elementos nucleares do currículo expressos no Programa, nomeadamente, os objectivos, conteúdos, métodos e meios de ensino, aprendizagem e avaliação da História.

Dimensão 1: Fundamentação político-normativa

Esta dimensão foi operacionalizada em quatro categorias, e respetivas subcategorias, que objetivaram a captação de evidências quanto à coerência do enquadramento de abordagens sobre perspectivas educacionais internacionais, regional e nacional. Para o efeito, foram consideradas as finalidades da disciplina de História no EP, os objectivos gerais da disciplina no EP e na classe, os objectivos específicos, bem como os objetivos gerais de aprendizagem por cada um dos temas programáticos.

Salienta-se que os objectivos gerais e específicos da disciplina em análise, expressos no Programa (INIDE-MED, 2019d), indicam que o ensino desta disciplina ambiciona, por exemplo:

“[…] Contribuir para a formação moral e cívica dos alunos; desenvolver atitudes de respeito face às crenças culturais, opiniões e valores diferentes dos seus; promover o sentimento de unidade nacional; desenvolver atitudes de amor à pátria e de respeito pelo património histórico-cultural […]” (p. 84);

“estimular atitudes de rigor na abordagem da realidade histórica […]; desenvolver o espírito de patriotismo, de respeito pelos símbolos nacionais e pelas instituições do Estado […]” (p. 85);

“[…] Conhecer a localização geográfica do continente Africano; conhecer os grandes reinos e impérios que floresceram em África antes da chegada dos europeus; […]” (p. 86).

Nota-se que, e à semelhança do constatado no Programa da 5.ª classe (Emanuel, Barca & Costa, 2020), neste não existem orientações declaradas e específicas referentes à necessidade de se trabalhar nem a CHAVE, nem a promoção do desenvolvimento sustentável. Não obstante, as finalidades e os objectivos gerais da disciplina no EP, bem como os objectivos gerais e específicos na 6.ª classe, apresentam elementos que podem ser associados às componentes da CHAVE. Essa associação é evidente na alusão aos conhecimentos essenciais que os alunos precisam de aprender, incluindo um sistema de valores, princípios éticos e atitudinais que informam os saberes curriculares integrados no âmbito do ensino, aprendizagem e avaliação da História visando uma formação integrativa, equitativa, inclusiva e de qualidade (UN, 2015; CUA, 2015).

Tais elementos são igualmente congruentes com as dimensões cognitiva, socio-afetiva e psico-motora, e estreitamente relacionadas com as dimensões conceptuais centrais (áreas ou dimensões de aprendizagem) da Educação para a Cidadania Global (cognitiva, socio-emocional e comportamental), na perspetiva da UNESCO (2016), bem como com os pilares da educação para o século XXI (Delors et al., 1998).

O Programa apresenta igualmente um conjunto de objectivos gerais de aprendizagem por tema (ver tabela 1), que indiciam alinhamentos com os quatro níveis cognitivos segundo Krathwohl (2002), nomeadamente: 1.º – Conhecimento Factual (A); 2.º - Conhecimento Conceptual (B); 3.º - Conhecimento Processual (C); e 4.º - Conhecimento Metacognitivo (D). À semelhança da lógica assumida na análise dos objetivos gerais na 5.ª classe (Emanuel et al. 2020), consideram-se as dimensões cognitivas ao nível de conhecimento factual e processual de acordo com os níveis de Krathwohl que coincidem com as propostas de Educação Histórica. Já ao nível do conhecimento metacognitivo, ele é assumido no plano de conceitos meta-históricos, o que se diferencia da perspetiva metacognitiva proposta por Krathwohl que é a consciência que o aluno adquire quanto à sua própria aprendizagem. A tabela 1 apresenta a análise dos objectivos gerais dos temas programáticos, por níveis da dimensão cognitiva.

Tabela 1
Análise dos Objectivos Gerais dos Temas programáticos de História na 6.ª classe
Tema Objetivo geral de aprendizagem [foco] Dimensões Cognitivas
Tema 1 – África o nosso continente - Conhecer a localização geográfica do continente africano [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Compreender a importância do estudo da História de África [Explicação/Significância] Conhecimento Metacognitivo (D)
- Analisar a importância das fontes históricas para o estudo da História de África [Conteúdo/Significância] Conhecimento Metacognitivo (D)
Tema 2 – As antigas civilizações africanas - Conhecer geograficamente as antigas civilizações africanas [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Compreender que em África floresceu uma das maiores civilizações do Mundo [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Analisar o contributo histórico de África para o resto do Mundo [Explicação/Significância] Conhecimento Metacognitivo (D)
Tema 3 – O período pré-colonial em África - Conhecer as sociedades africanas pré-coloniais [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Compreender que antes da chegada dos europeus a África floresceram grandes reinos e impérios [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Analisar a importância histórica dos reinos e impérios africanos [Explicação/Significância] Conhecimento Metacognitivo (D)
Tema 4 – A África na época do tráfico de escravos - Conhecer como era praticada a escravatura em África [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Compreender como se iniciou o tráfico de escravos em África [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Analisar como eram transportados e tratados os escravos [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
Tema 5 – A época colonial em África - Conhecer as diferentes formas de manifestações dos africanos contra o tráfico de escravos, a conquista e a opressão colonial [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Compreender que os africanos não aceitaram pacificamente o tráfico de escravos, a conquista e a opressão colonial [Conteúdo/Explicação] Conhecimento Conceptual (B)
- Analisar o impacto do tráfico de escravos e da opressão colonial nas sociedades africanas [Explicação/Significância] Conhecimento Metacognitivo (D)
Tema 6 – África: o nascimento de novos estados e o presente - Conhecer o processo das independências de vários países africanos [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Compreender que as independências de África foram o produto de diversas formas de luta dos povos colonizados contra os colonizadores [Explicação/Significância] Conhecimento Metacognitivo (D)
- Conhecer os primeiros países africanos que se tornaram independentes [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Compreender o porquê que o ano de 1960 é chamado o “Ano de África” [Conteúdo] Conhecimento Factual (A)
- Compreender a necessidade da criação da “União Africana” [Conteúdo/Explicação] Conhecimento Conceptual (B)
- Conhecer a razão do surgimento dos movimentos de Libertação Nacional nas colónias portuguesas [Conteúdo/Explicação] Conhecimento Conceptual (B)
Total de objetivos e da sua classificação 21 Objetivos A – 12 B – 3 C – 0 D – 6

Os resultados da tabela 1 sugerem que a maior parte dos objetivos gerais, por tema, se situam nos domínios A (N=12) e D (N=6), tendo o domínio B uma frequência restrita (N=3) e o domínio C nula (N=0). Assim, os resultados sugerem uma maior frequência associada a conteúdos substantivos ao nível factual (domínio A), o que não contribui para o desenvolvimento de um pensamento histórico elaborado. Com efeito, os conceitos mais sofisticados (subjacentes aos domínios B, C e D) são limitados em termos de frequência, tanto mais que não existe explicitamente qualquer alusão à interpretação de fontes históricas (domínio C). Veja-se que, embora no Programa exista o objectivo geral “analisar a importância das fontes históricas para o estudo da História de África” (INIDE-MED, 2019d, p. 88), este aponta para a significância das fontes históricas, sem qualquer anunciação explícita da necessidade de elas serem objecto de interpretação.

Todavia, apesar da ausência de alusão relativa a essa dimensão cognitiva nos objectivos gerais, ela aparece explicitamente, embora a um nível superficial, nos objectivos específicos, com a indicação da localização geográfica de África no “mapa-mundo” e das “regiões sudanesa, central e oriental no atual mapa de África (INIDE-MED, 2019d, pp. 88-90). Isso, por sua vez, sugere uma certa falta de coerência em relação às dimensões em análise, bem como, um desequilíbrio entre as três dimensões humanas (em desfavor do aprender a fazer), um dos elementos da CHAVE e um dos pilares da educação para o século XXI.

INIDE-MED (2019c) e Krathwohl (2002)

Dimensão 2 – Fundamentação Epistemológica e Metodológica

A análise nesta dimensão foi realizada com base em três categorias e respectivas subcategorias, objectivando a captação de evidências relativas ao grau de enquadramento do Programa com perspectivas actuais emergentes das investigações em Educação Histórica. De notar que o Programa refere que “a necessidade de dar a conhecer o passado histórico de África constitui um dos fundamentos principais na selecção dos conteúdos programáticos da 6.ª classe […]”. Porquanto, “[…] o conhecimento da História de África despertará nos alunos a identidade africana, pois o estudo do passado mostra-nos quem somos e ajuda-nos a compreender melhor o presente” (INIDE-MED, 2019d, p. 83). Todavia, apesar de anunciadas, o alcance destas intencionalidades fica comprometido na medida em que no Programa são genericamente ausentes orientações sobre interpretação de fontes, com exceção a uma única no terceiro objectivo geral do tema 1: “analisar a importância das fontes históricas para o estudo da História de África” (p. 88).

Ora, só pelo uso efectivo de fontes históricas nas aulas se poderá conferir aos alunos a possibilidade de construir e reconstruir os significados e importância que atribuem às mesmas (Cooper, 2012). Cainelli, Ramos e Cunha (2016) corroboram esta perspectiva ao considerarem que o processo de ensino, aprendizagem e avaliação da disciplina de História se efectiva na maneira como “o trabalho com fontes, as estratégias de ensino, os materiais didáticos, os objetos históricos, entre outros, colaboram para a formação ou reelaboração das ideias históricas e da consciência histórica de alunos e professores” (p. 196).

No Programa nota-se, igualmente, limitações de abordagens relativas ao conceito de mudança em História, uma vez que não inclui praticamente orientações acerca de como explorar relações fundamentais entre passado e o presente, em termos de semelhanças e diferenças, excepto nalguns objectivos específicos do tema 4, “[…] reconhecer que em África existiam reinos e impérios bem estruturados antes da chegada dos europeus; comparar a escravatura praticada pelos africanos com a escravatura praticada pelos europeus no Comércio Triangular […]” (INIDE-MED, 2019d, p. 91).

Em contrapartida, em relação à compreensão e explicação em história aparecem implicitamente alguns elementos que permitem atender implicitamente a esses conceitos, tendo em conta alguns conteúdos e objectivos específicos que fazem alusão às causas e consequências, por exemplo, da chegada dos europeus, da época do tráfico de escravos.

Com efeito, a análise sugere uma relação pouco coerente entre os conteúdos históricos e os conceitos meta-históricos, pois verifica-se praticamente a ausência de orientações referentes às questões de interpretação de fontes e conceito de mudança, entre outros elementos indispensáveis à compreensão fundamentada do passado. Porém, o programa mostra alguns indícios em relação à compreensão e explicação em História relacionados, por exemplo, com a “importância do estudo da história de África, as antigas civilizações africanas (…) (INIDE-MED, 2019d, p. 88).

Assim, entende-se que existe uma sobrevalorização de conteúdos (históricos) substantivos que corporizam os seis temas programáticos da disciplina de História na 6.ª classe, em detrimento de conceitos meta-históricos essenciais na formação do pensamento histórico dos jovens estudantes. Essa perspectiva é criticada por Barca (2011), Domínguez (2015), Schmidt e Urban (2018) pois, para estes autores, é cada vez mais recomendável a necessidade de se promover uma relação equilibrada entre o simples conhecimento de conteúdos históricos e a inclusão, em contexto escolar, de uma abordagem que tenha uma atenção cuidada a alguns conceitos meta-históricos, como interpretação de fontes, mudança, explicação e multiperspectiva.

De realçar que esta crítica não significa desvalorizar conteúdos relacionados, por exemplo, com a “importância do estudo da história de África, as antigas civilizações africanas, os faraós e seus dignatários, a religião, a cultura e a arte (…)” (INIDE-MED, 2019d, p. 88). Bem pelo contrário, tais temas demandam um tratamento cuidadoso, partindo mesmo do desenho dos programas, em termos históricos no sentido de contribuir, efectivamente, para uma compreensão gradual e consistente das questões humanas que eles implicam. Será, por este meio, que o ensino de História pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento e da consciência histórica dos alunos, tendo por base uma literacia histórica que não deturpe os conceitos e o método do saber histórico.

Em suma, quanto à dimensão em análise poderá concluir-se que o Programa é pouco adequado às exigências de um ensino que tenha em atenção a natureza específica do saber histórico. E, em relação aos procedimentos apontados no Programa que devem orientar o desenvolvimento das aprendizagens, os mesmos aparentam pouco atendimento ou adequação às ideias, experiências prévias e contextos dos sujeitos cognoscentes. Isso demanda um desenho, desenvolvimento e gestão curricular baseado na integração de saberes curriculares (com conteúdos significativos) informados por um sistema de conceitos e factos que concorrem para o desenvolvimento da CHAVE mediante o recurso a princípios de contextualização e recontextualização (reinterpretação em contextos específicos), favorecendo, assim, o diálogo efetivo entre os conhecimentos universais e os saberes locais (INIDE-MED, 2019a).

Dimensão 3: Fundamentação Curricular

A terceira e última dimensão incluiu oito categorias, e respectivas subcategorias, que visaram captar evidências relativas à coerência entre os elementos nucleares do Programa, e com as finalidades educativas da disciplina de História no EP. Os elementos do Programa considerados e que nos permitiram a captação de evidências são, principalmente, a) os objectivos gerais da disciplina de História no EP, b) os objectivos gerais e específicos da disciplina na 6.ª classe, c) os conteúdos programáticos, e d) as sugestões metodológicas de ensino, aprendizagem e avaliação.

Em termos de finalidades da disciplina, o Programa refere que o ensino e a aprendizagem da História na 6.ª classe visa “[…] ampliar os conhecimentos e habilidades adquiridas na 5.ª classe e compreender a história comum dos africanos”. Visa, também, permitir “[…] que os alunos tenham conhecimentos, embora elementares, da História do Continente africano, sendo Angola parte integrante de África” (INIDE-MED, 2019d, p. 83). Estas finalidades são presumivelmente alcançáveis mediante a operacionalização, por exemplo, dos seguintes objectivos gerais e específicos da disciplina (INIDE-MED, 2019d):

“Inserir o aluno na realidade social, política e cultural que o rodeia; […]” (p. 85);

[…] desenvolver a capacidade de análise, crítica e síntese; […] desenvolver atitudes de respeito e tolerância face a ideias, crenças, culturas, opiniões e valores diferentes dos outros […]” (p. 85).

“[…] conhecer a localização geográfica do continente africano; conhecer os grandes reinos e impérios que floresceram em África […]; compreender que as independências em África foram o produto de diversas formas de luta dos povos colonizados […]” (p. 86).

Tais objectivos dão vida aos conteúdos programáticos da História na 6.ª classe destinados ao desenvolvimento de conhecimentos sobre a localização e os limites geográficos do continente africano, suas primeiras comunidades humanas, a civilização egípcia, sua localização geográfica, modos de vida, principais atividades económicas, entre outro (INIDE-MED, 2019d).

À semelhança do constatado na análise do Programa de História na 5.ª classe, quanto à questão da coerência da proposta programática com as finalidades e visão curricular do EP, verificam-se indícios que apontam para uma relação coerente, tendo em conta as finalidades da disciplina de História no EP que revelam um alinhamento com os objectivos do EP (artigo 29.º da LBSEE). Relativamente às finalidades, os objectivos (gerais e específicos) da disciplina no EP e na classe revelam uma relação igualmente coerente pois, tanto as finalidades como os objectivos da História incorporam elementos dos objectivos do EP em Angola.

Neste sentido, todos parecem preconizar o desenvolvimento de uma formação que propicie aprendizagens significativas. Ou seja, propõe-se uma formação que se quer integradora, inclusiva, equitativa e de qualidade para os sujeitos aprendentes, contribuindo, assim, para a formação do pensamento e consciência histórica de tais sujeitos. Quanto à relação de tais objectivos com a dimensão cognitiva e socio-afectiva, os resultados da análise sugerem uma formulação e orientação coerente, uma vez que incluem elementos desta natureza, nomeadamente em termos de conhecimento, compreensão, explicação e análise, por um lado, e de formação de atitudes, valores e de princípios éticos relacionados com a realidade glocal, por outro. Contudo, a dimensão psico-motora é praticamente ausente nos objectivos gerais, uma vez que dada as características desta disciplina, ela se enquadrará melhor, e de forma pontual, nos objectivos específicos relacionados, por exemplo, com dramatizações.

Em relação aos conteúdos programáticos, embora todos tenham praticamente um enfoque africano, eles perseguem uma abordagem diacrónica da História de África em três épocas principais: pré-colonial, colonial e pós-colonial. Apesar disso, é relevante constatar uma ausência quase que total de referências a horizontes de futuro e, ainda, de orientações que lhes confiram um carácter contextual, pertinência e relevância social. Quanto à articulação de tais conteúdos entre si denota-se uma relação pouco satisfatória pois a sua organização no plano temático, seguida da distribuição detalhada dos subtemas e respetivos objectivos, apontam para uma perspectiva que favorece pouco a integração dos conteúdos.

Quanto às orientações metodológicas de ensino, aprendizagem e avaliação é igualmente relevante constatar que, tal como no Programa da 5.ª classe, não existem evidências que espelhem as perspectivas metodológicas subjacentes que presidem às suas abordagens. Refira-se que as concretizações práticas destes elementos metodológicos, por um lado, subordinam-se a orientações gerais da parte comum das disciplinas da 6.ª classe “Estratégias gerais de organização e de gestão de processos de ensino e de aprendizagem e Avaliação ao serviço da aprendizagem” (INIDE-MED, 2019d), e, por outro, tendem a depender muito das competências profissionais dos professores.

Em suma, quanto à articulação entre os elementos nucleares do currículo expressos no Programa com disposições presentes na visão e finalidades do EP, os resultados sugerem a existência de uma relação coerente, em termos genéricos, em relação às finalidades, objectivos e conteúdos programáticos da História na 6.ª classe. Contudo, os métodos e recursos de ensino e de avaliação não permitem quaisquer comparações com os demais elementos nucleares do quadro curricular, uma vez que, como já referido, o Programa não incorpora estes elementos, devendo os mesmos ser atribuídos à responsabilidade dos docentes, pelo direito à autonomia de ensinar que se lhes reconhece. Todavia, em situações nas quais os professores não dispõem ainda de uma formação actualizada e avançada, essa autonomia poderá ocasionar dificuldades no trabalho desses mesmos professores. Assim, os resultados quanto a análise à articulação entre os vários elementos nucleares do programa sugere a existência de alguma inconsistência curricular (Almeida, Roldão & Barcelos, 2020).

Considerações finais

Este estudo gravitou na compreensão dos pressupostos político-normativos (internacionais, regionais e nacionais) e teóricos relativos à DDCH subjacentes ao Programa da disciplina de História da 6.ª classe do EP em Angola, recentemente publicado. Para o efeito, realizou-se uma análise do Programa com base em categorias consubstanciadas numa grelha elaborada e validada, o que permitiu produzir resultados que indicam os encaminhamentos que se apresentam nesta síntese conclusiva. Assim, e à semelhança do constatado na análise do Programa de História da 5.ª classe (Emanuel et al., 2020), os resultados revelam alinhamentos, embora nem sempre explícitos e consistentes, com as propostas contempladas em agendas internacionais e nacionais. O programa alinha-se aos fins da educação e formação para Angola, com os objectivos do EP plasmados na LBSEE, com o PND 2018-2022, o PNDE/Educar-Angola 2030, e, mas de forma não explicita, ao desenvolvimento da CHAVE.

Quanto à perspectiva da “cognição histórica situada” (Barca, 2001), nota-se que o Programa apresenta limitações várias, tanto na sua relação com conceitos situados na História (conceitos meta-históricos) como na ausência de atender às ideias prévias dos aprendentes, formadas muitas vezes em contextos não escolares. É também praticamente omisso referências a questões essenciais como as de interpretação de fontes ou de consideração de múltiplas perspectivas (embora em relação a conceitos estruturantes como o da compreensão, mudança e explicação em história apareçam subjacentes algumas intenções genéricas), parecendo dar-se relevo à monitorização das aprendizagens (Cooper, 2012; Cainelli, Ramos & Cunha, 2016).

Relativamente aos elementos do quadro curricular, embora no que concerne às finalidades, objectivos e conteúdos programáticos da História na 6.ª classe se denote a existência de uma relação coerente com os métodos e meios de ensino e de avaliação não há evidências que permitam quaisquer comparações com os demais elementos nucleares do currículo.

Neste sentido, como contributo para o melhoramento do Programa, num momento em que no País se experiência um processo de revisão curricular, assim como para outros elementos que potenciem o processo de desenvolvimento e gestão curricular, o estudo recomenda que:

· no enquadramento do Programa de História se explicite clara e especificamente as implicações educacionais de políticas internacionais (como as incluídas nas Agenda 2030);

· a perspetiva da “cognição histórica situada” esteja reflectida no Programa, com a devida adequação à realidade angolana;

· a consistência curricular seja assegurada nas suas múltiplas dimensões, nos elementos nucleares expressos no Programa;

· os materiais curriculares em desenvolvimento no país procurem atender aos aspectos mencionados, em particular os manuais e os guias metodológicos da disciplina para o EP.

Entretanto, e apesar do aludido, é relevante sublinhar-se que sem uma aposta na formação e envolvimento dos professores e seus formadores, dificilmente se alcançarão os resultados almejados.

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Notas

[1] Enquadrou-se no projecto de doutoramento do 1.º autor deste artigo, orientado pelas duas co-autoras.
[2] Conceitos substantivos sobre conteúdos históricos (por exemplo Revolução Francesa, Fascismo, Nacionalismo). Já os conceitos epistemológicos (meta-históricos) são os que fundamentam o desenvolvimento do pensamento histórico dos alunos, como a evidência, significância, multiperspectiva, empatia, mudança e continuidade, explicação e imaginação histórica (Lee, 2006; Barca, 2011).
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