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Uma visita à Ombala Ndala Kandumbu: contribuição para a historiografia dos Reinos Ovimbundu
Una visita a Ombala Ndala Kandumbu: contribución a la historiografía de los Reinos Ovimbundu
A visit at Ombala Ndala Kandumbu: a contribution for the historiography of the Kingdoms Ovimbundu
RAC: revista angolana de ciências, vol.. 3, núm. 1, 2021
Associação Multidisciplinar de Investigação Científica

Artigos

RAC: revista angolana de ciências
Associação Multidisciplinar de Investigação Científica, Angola
ISSN-e: 2664-259X
Periodicidade: Semestral
vol. 3, núm. 1, 2021

Recepção: 01 Janeiro 2021

Aprovação: 01 Abril 2021

Política de Direito de Autor O conteúdo das publicações é responsabilidade dos autores e não da RAC: revista angolana de ciências, nem da Associação Multidisciplinar de Investigação Científica. Os autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de publicação inicial, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons CC BY-NC- SA 4.0, e pelos direitos de publicação. Os autores podem publicar seus trabalhos on-line em repositórios institucionais / disciplinares ou nos seus próprios sites.

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: Este trabalho apresenta uma investigação prática que se fez na Ombala Kandumbu para contribuir na construção da Historiografia dos reinos Ovimbundu, através da liderança dos seus sobados, nomeadamente, Nondolo, Ndala Kandumbu, Jaime Santos (colaborador dos brancos sem poder), Kacikwalula, Yulembi e Semente. Tal como aconteceu com as outras, a Ombala também conheceu a invasão e a ocupação portuguesa durante o século XX. A relevância do Penedo de Kandumbu consiste em dar a conhecer e valorizar a História Local da Província do Huambo, de Angola, de África e Universal, cujo enquadramento pode ser feito nas disciplinas de História de África, História de Angola, História Cultural, Tradição Oral e Culturas Africanas, Arqueologia e Prática de Arqueologia, entre outras. É ipso facto que depois da Conferência de Berlim em 1884-1885, tendo em conta o princípio de ocupação efectiva, isto é, a norma que obrigou os portugueses a ocuparem o interior de Angola, para o caso da Província do Huambo aconteceu no início do século XX, mais precisamente em 1902, o que significa que a ombala em referência também foi ocupada durante o século XX, pois, a mesma faz parte da Província do Huambo.

Palavras-chave: História, Requisitos, Kandumbu e Ocupação Portuguesa, História, Requisitos, Kandumbu e Ocupação Portuguesa.

Resumen: Este trabajo presenta una investigación práctica realizada en Ombala Kandumbu para contribuir a la construcción de la Historiografía de los reinos de Ovimbundu, a través del liderazgo de sus sobados, a saber, Nondolo, Ndala Kandumbu, Jaime Santos (colaborador de los blancos impotentes), Kacikwalula, Yulembi y Seed. Al igual que los demás, el ombala también experimentó la invasión y ocupación portuguesa durante el siglo XX. La relevancia del Penedo de Kandumbu consiste en dar a conocer y valorar la Historia Local de la Provincia de Huambo, Angola, África y Universal, cuyo encuadre se puede realizar en las disciplinas de Historia Africana, Historia de Angola, Historia Cultural, Tradición Oral y Culturas Africanas, Arqueología y Práctica de Arqueología, entre otras. Es ipsus factus que luego de la conferencia de Berlín en 1884-1885, tomando en cuenta el principio de ocupación efectiva, es decir, la norma que obligó a los portugueses a ocupar el interior de Angola, para el caso de la provincia de Huambo sucedió al principio del siglo XX, más precisamente en 1902, lo que significa que el ombala en referencia también fue ocupado durante el siglo XX, por ser parte de la provincia de Huambo.

Palabras clave: Historia, Requisitos, Kandumbu y Ocupación portuguesa, Historia, Requisitos, Kandumbu y Ocupación portuguesa.

Abstract: This work presents a practical research that was conducted at Ombala Kandumbu to contribute to the construction of the Historiography of the kingdoms Ovimbundu, through the leadership of its chiefman, namely, Nondolo, Ndala Kandumbu, Jaime Santos (powerless collaborator of the whitemen), Kacikwalula, Yulembi and Semente. Similarly to others, Ombala has also experienced the Portuguese invasion and occupation during the 20th century. The relevance of Kandumbu's boulder, consists in making known and valuing the Local History of Huambo Province, Angola, Africa and Universal, which can be framed in the disciplines of African History, History of Angola, Cultural History, Oral Tradition and African Cultures, Archaeology and Practical Archaeology, among others. It is ipsus factus that only after the Berlin conference in 1884-1885, taking into account the principle of effective occupation, that forced the Portuguese to occupy the interior of Angola, for the case of Huambo Province, happened at the beginning of the 20th century, more precisely in 1902, which means the aforementioned Ombala was also occupied during the 20th century, as it is part of Huambo Province.

Keywords: History, Requisite, Kandumbu and Portuguese Occupation, History, Requisite, Kandumbu and Portuguese Occupation.

INTRODUÇÃO

Ombala é o espaço de jurisdição, tida como o centro de uma determinada aldeia, de uma determinada região. Lá encontra-se o corpo central do poder local, onde se podem constatar (encontrar) os restos mortais e cranianos dos líderes anteriores (Akokotos). Por este facto é que o poder máximo é considerado de Soma Yakokoto.

Esta descrição faz sentido para a Ombala Kandumbu, porque durante as várias visitas feitas, constatou-se uma aldeia alargada, cuja parte central é constituída por pedras, e são estas pedras consideradas como o espaço central da administração da aldeia. E, existem Akokotos dos chefes anteriores, o que faz do Soma, Soma Yakokoto.

O enquatradmento da palavra Ombala, aqui tratado, é reforçado por Gomes (2016, p. 67), quando considerou que administrativamente, entre os Ovimbundu, o território distribuía-se por «ATUMBU», plural de «ETUMBU» (...) equivalente a província, também designada «OCIVANJA», singular de «OVIVANJA» com embalas, termo corrompido de Ombala, singular de «OLOMBALA», uma estrutura político-administrativa equivalente a capital. Um «ETUMBU» com uma «OMBALA» comportava um conjunto de «OVAMBO», plural de «YMBO» designação dada a aldeias que aglomeravam os «OLOSONGO» plural de «OSONGO», isto é, povoação ou bairro. Por esta razão, Sungo (2015) definiu Ombala como a casa real, equivalente nos dias de hoje a palácio.

Desta forma a ombala é a capital do reino. Por isso, neste trabalho usou-se preferencialmente a palavra ombala, mas há que reconhecer e admitir que após a presença dos portugueses a mesma passou a ser chamada de reino, no seu todo, que no fundo é equivalente a embala/ombala.

O conhecimento da Ombala Kandumbu merece a atenção das autoridades locais (Governador e Administradores) e dos investigadores, dentre os quais se pode destacar os historiadores, antropólogos, sociólogos, arqueólogos e outros, permitindo assim apresentar um estudo interdisciplinar.

Por ser objecto de investigação, achou-se por bem fazer a mais recente visita naquela localidade, no dia 03 de Junho de 2017-2018 para recolher e solidificar os dados que permitam argumentar com conhecimento a sua história e o seu modus vivendi.

É por esta razão que, ao se seleccionar os monumentos históricos da Província do Huambo, dentre os quais se poderia destacar o sítio de Arqueologia do Feti e Kaninguili, também incluí-se as Pedras da Ombala de Ndala Kandumbu (Jornal de Angola, 2016).

Em conformidade com o Jornal de Angola mencionado, a Agência Angola Press-ANGOP (2018) enfatizou também o enquadramento das Pedras de Kandumbu como parte integrante do património nacional de Angola.

Naturalmente, pode considerar-se que as Pedras de Kandumbu constituem um espaço de conservação da riqueza da nossa cultura, tradição e história (Nova Gazeta, 2013). Para a nossa felicidade, Domingos (2013) afirma no seu trabalho a criação de uma política cultural que foi aceite em 2011 pelo governo angolano.

Com efeito, para além de localizar e compreender a organização sociopolítica que esta ombala apresentava antes da invasão e da ocupação colonial, é também objectivo, explicar o cruzamento entre os portugueses e os nativos, bem como apresentar os requisitos que devem ser levados ao visitar à ombala e conhecer alguns sinais que simbolizam os rituais do poder político, administrativo, judiciário e tradicional, e todo o valor cultural que ali se encontra para permitir que se aumente o turismo naquela parte da Província do Huambo e, desta forma, contribuir directamente para o crescimento e desenvolvimento da economia local para o cumprimento da diversificação da economia no qual o governo angolano, de modo geral, e, do Huambo, de forma particular tem apostado nos últimos anos para se desfazer da dependência do petróleo.

Convém alertar que no texto proposto, encontram-se várias palavras em Língua Nacional Umbundu. A preocupação de levar o leitor a perceber o texto oral [até porque a Tradição Oral é considerada como fonte histórica], tal como realmente se diz em línguas locais, não é nova. Ainda, no final do século XIX, alguns intelectuais angolanos, como Cordeiro de Mata e António de Pinho realizaram importantes estudos e pesquisas de realce com o suporte das línguas locais. É o que aqui se pretendeu como modelo [principal] (Gomes, 2007, p. 11). Aliás, A Tradição Oral é um método utilizado nas investigações que visam compreender a cultura material e imaterial de um povo, transmitida de geração-geração. E, é complementada por ritos e símbolos. Auxiliada pela técnica da entrevista e inquérito.

MATERIAL E MÉTODOS

A elaboração do presente artigo teve duas etapas fundamentais; primeiro fez-se o trabalho de campo, durante dois (2) anos (2017 e 2018), que se sustenta pelas vária visitas feitas, em conjunto com os estudantes do Instituto Superior de Ciências da Educação do Huambo (ISCED-Huambo) e Alberto Sehululo, historiador (na altura, como Chefe de Departamento de Ciências Sociais).

Por conseguinte, usou-se o método da Tradição Oral - como apelou Amadou Hampaté Bâ, em 1960, é necessário salvaguardar as tradições orais porque são a única base ou garantia da liberdade política, da personalidade e fonte do saber original da África-, continuou dizendo: cada povo é o património da humanidade, se as tradições orais não são recolhidas a tempo e postas no papel, elas faltarão um dia nos arquivos universais da humanidade.

Por isso, Keita (2009) diz que a importância deste método consiste em recolher, preservar e conservar o valor cultural de um povo. Keita (2009), Vansina (2017), Bâ (1960) e Batsíkama (2018) declaram que este método ajuda muito na avaliação e interpretação de determinados factos e a Observação Directa (Lakatos e Marconi, 1992) definem como o método mais indicado para recolher informações, obrigando desta forma, a presença constante do investigador, e, este não deve alterar a realidade verificada. Gil (1999) e Rúdio (2002), concluíram que a observação é a exploração dos sentidos dos homens, com a finalidade de obter informações de uma certa realidade). Os dois métodos foram auxiliados pela técnica de inquérito, de modo, a confrontar as informações e a entrevista direcionada ao Rei e o seu Adjunto.

No enredo do trabalho foi possível consultar o referencial teórico, alicerçado por autores reconhecidos para a desconstrução e explicação clara e objectiva dos conceitos usados. Na mesma senda, o computador serviu para retrabalhar as duas fotografias selecionadas, o gravador de som permitiu que se tivesse acesso as entrevistas e uma máquina fotográfica. Finalmente, no último momento analisou-se os dados e os resultados obtidos, tendo como base o cruzamento da fonte oral, escrita e material que durou dois (2) anos (2019 e 2020).

EXPERIÊNCIA DA VISITA À OMBALA

Da cidade do Huambo até à Ombala Kandumbu, a distância é equivalente a 22 km e das pedras até ao Município da Chicala Tcholoanga contam-se cerca de 15 km. Por outras palavras, a Ombala Kandumbu pertence à extensão territorial do Município da Chicala Tcholoanga, Província do Huambo. Como afirmou-se acima, a partir de 1902, este espaço geográfico conheceu terrivéis lutas que marcaram o período de resistência do Huambo. Por parte dos nativos, a organização militar foi comandada por Ndala Kandumbu, enquanto o exército português proveniente de Benguela, após a sua conquista, estava a ser liderado por Joaquim Teixeira Motinho (Cfr. Jornal de Angola, 2015 e Gomes, 2016).

Para visitar este monumento, alguns requisitos são necessários para cumprir com o Direito Consuetudinário.

Neste sentido, para chegar a este local é necessário a permissão do soberano, actualmente Casimiro Pakissi, ou do seu representante e adjunto. Normalmente, a actividade referenciada, como constatou-se ao longo das nossas visitas, deve ser apresentada pelo adjunto do rei, na Língua Nacional Umbundu[1], funcionando como Língua de Comunicação, cuja tradução em português (Língua Oficial de Angola) é da responsabilidade de uma Entidade Académica para uma interpretação linguística clara e concisa.

Para que se tenham todas as informações deste reino é necessário cumprir com os seguintes requisitos:

a) Na entrada, a 50 metros de distância há uma pedra que era o assento da sentinela[2]; encontra-se um recinto cujo nome é «UTALA WAHUVI», com uma grande sombra histórica que servia para acomodar os visitantes enquanto esperavam pela ordem do rei para autorizar a entrada. Antes da partida para entrada, é necessário passar por uma purificação na mão direita com óleo de palma e «limbwi» e de seguida fazer uma oferta simbólica de 50 kwanzas, servindo de cumprimento às autoridades locais[3].

Em conformidade com a alínea b), a ANGOP noticiou em Maio de 2009 que a Ex Primeira Dama da República de Angola, Ana Paula dos Santos, fez uma visita ao local e por forma a eliminar o mal a partir da entrada, as autoridades colocaram na sua mão direita óleo de palma e algumas folhas medicinais, o que se chamou de limbwi/elimbwi. Aliás, todas as vezes que se foi para lá notou-se que este era o procedimento normal mas também é facto na Ombala Mbalundu, em Nganda la Kawe (centro do reino Wambu, por Wambu Kalunga) e em outros.

Além disso, é necessário levar alguns bens simbólicos, descritos logo de seguida:

· Uma Grade de Cerveja;

· Uma Grade de Gasosa;

· Um Garrafão de Vinho;

· Uma Garrafa de Whisky;

· Uma Galinha;

· Cigarros;

· Amorfos (fósforos);

· Um valor simbólico no Envelope.

Após esse cumprimento da tradição, é permitida a entrada e a investigação histórica, descrita a seguir:

a) Segue-se em fileira para entrada da primeira «mulembeira» onde existe uma pedra como assento da sentinela do rei, como guarda ou informante de qualquer visita benéfica ou com outros objectivos. Em caso de alguém chegar, não poderia contactar as autoridades, sem primeiro prestar depoimento de sua visita à sentinela; dai o rei analisa, se essa visita é boa ou não, se tem bons objectivos, para autorizar a entrada ou não.

b) Pouco depois da entrada estão plantadas três «mulembeiras»; uma representa o jango do Regedor (Soma Inene), outra para o seu adjunto (Epalanga) e a terceira para o jango de sanções ou multas onde servia para abater os animais que eram indemnizados aos lesados; estes animais poderiam ser: bois, porcos, cabritos ou então galinhas. Essa indemnização era atribuída conforme regem os princípios tradicionais.

c) No segundo recinto (OCILA CAVALI), encontram-se várias pedras; cada uma simboliza o crânio de cada soberano que ali passou.

Para os Ovimbundu, segundo Poulson (2009, p. 152), fazem parte do Conselho do Sobado da embala [equivalente a ombala]: Soma [Soma Inene], Soma Epalanga, Casoma e Sunguahanga [corte principal], [enquanto que a secundária é composta por:] Kesongo, Muendalo, Betatela, Ekundukundu e Ukuachalo.

O autor, ora citado, diz que a corte principal poderia ser destituída pela secundária porque é efectivamente a função da corte secundária substituir ou entronizar qualquer membro do corpo central (op. cit.).

Para a realidade de Kandumbu apontam-se seis (6) sobas[4] desde a sua fundação: Nondolo, Ndala Kandumbu, Jaime Santos (colaborador dos brancos sem poder), Kacikwalula, Yulembi e Semente.

Tem-se como fundador da ombala o primeiro-Nondolo. Antes da sua morte nomeou seu sobrinho Ndala Kandumbu. Importa dizer que, quando o soberano nomeia o seu sobrinho, significa que o sistema de sucessão é matrilinear e nunca é demais lembrar-se dos argumentos de Al-Bakri, citado por Ki-Zerbo (2002), ao ter considerado que nas sociedades negro-africanas, o sistema de sucessão regra geral era matrilinear, isto para manter o sangue real no poder. Nas suas declarações foi possível constatar o seguinte:

Se se tem a certeza de se ser irmão da sua irmã, nem sempre se tem a certeza de se ser pai do seu próprio filho; por outro lado, porque este sistema está ligado à cultura da prática da agricultura e da sedentarização da época (pp. 136-137).

Entra neste dialógo o Pe. Raúl Altuna, quando considerou que, para a realidade dos Bantu o herdeiro do trono e das coisas deixadas pelo rei seria necessariamente o sobrinho mais velho, da irmã mais velha, como ele confirma mais adiante, consta nas veias do sobrinho o mesmo sangue do soberano (Altuna, 2014, citado por Sungo, 2015).

Esta declaração não é necessariamnete uma desconfiança, mas é precaução, não é desprezar a mulher, pelo contrário é valorizá-la. A ideia a reter para esta defesa é que a mulher é comparada com o campo. O campo em referência é um espaço fértil para a prática da agricultura. Neste mesmo campo é possível lançar semente, germinar e colher. Portanto, a terra dá à luz. Justamente, por esta razão, pelo facto da mulher receber o sémen do homem, engravidar e por fim dar à luz, está na base do argumento de alguns especialistas, como, Al-Bakri, Kizerbo, Kandjo, M´bokolo, Keita e outros, na comparação entre o campo e a mulher. Desta forma, vai suceder ao trono o filho da irmã do rei, como referenciado anteriormente. A mulher do rei é muito importante para o irmão dela, já que o filho do rei é sobrinho do irmão da sua mulher. Por isso que, para a realidade da cultura ovimbundu, na zona planáltica, em relação ao alambamento têm palavra os tios dos noivos e não necessariamente os pais, porque para esta realidade os filhos têm um valor acrescido perante os seus tios. Na verdade, não são sobrinhos, são filhos. Foram os portugueses que trouxeram a realidade de que o filho da irmã é sobrinho, o que é factual nos dias que decorrem. Tal não significa que em todos os reinos africanos o sucessor do trono é sempre o sobrinho. Existem impérios como o Zulu, em que Chaka Zulu, filho directo de Senza Ngakona foi o sucessor do trono da linhagem do clã dos Ngunis, denominando-se de, linhagem patrilinear. Outra verdade para o sistema de sucessão matrilinear é que, há situações em que o sobrinho não apresenta competências necessárias para ser líder, ou por interesse, ou por ausência de força, ou ainda, por outra razão qualquer. Neste caso, olha-se para o filho. Se o filho também não apresentar as condições que se requer, o poder vai baixando gradualmente, passando pela família e pode em alguns casos ser dado a um escravo, como aconteceu no Império do Mali (Cfr. Ki-Zerbo, 2002; M´bokolo; 2003; Keita, 2009 e Kandjo, 2019).

Por seu turno, é aceite ao trono quem esteja preparado para o efeito mesmo que faça parte da linhagem dos olossoma. Em defesa do enunciado Larazino Poulson foi muito categórico quando escreveu sobre o poder local, em relação aos reinos Ovimbundu, ao ter considerado que:

Segundo a cultura tradicional dos Ovimbundu, para uma pessoa ser Ossoma devia pertencer à «elila» (linhagem) dos olossoma. Não basta pertencer à genealogia real; devia ser também irrempreensível, forte, inteligente e corpulento (Poulson, 2009, p. 174).

Perante esta abordagem não queriam ficar de fora Dozon (1998) e Burguiére (1998), referenciados por Sungo (2015), que corroboram a ideia segundo a qual, os modos de filiação em África podem ser identificados de três formas: matrilinear, patrilinear e bilinear. Dentre as três, a Ombala Kandumbo posiciona-se na primeira perspectiva-matrilinear.

Kandumbu foi o sobrinho do primeiro rei e seu sucessor. Governou com muita força e desenvolveu altas técnicas militares como arma de fogo (kanyangulu) cuja pólvora vinha das raízes. Com a pressão do colonialismo português, muitas guerras foram sucedendo, o que obrigou a inventar uma arma com alta capacidade de destruição massiva, e a sua experiência foi feita numa pedra. Esta experiência foi boa no entender dos populares da região, porque criou danos na pedra, o que se considerou como um teste positivo.

Para isso, foi necessário blindar os soldados com alguns medicamentos para evitar mortes, porque o português já trazia armas mais sofisticadas como «mauser» (espingarda de repetição alemã). Após a fabricação de armas, criavam um armazém que servia para a distribuição das mesmas.

Em relação ao topónimo Kandumbu (nome à pedra e à ombala), uma pergunta muito interessante é feita:

Se o primeiro soberano foi Nondolo, porquê que a Pedra e a Ombala chamam-se Kandumbu? Ou seja, porquê receberam o nome do segundo soberano e não do primeiro?

Destaca-se o soberano Ndala Kandumbu, porque é com ele que aconteceu a luta de resistência durante a penetração do colonialismo português e os massacres de militares de membros da sua ombala até a vitória dos brancos no dia 19 de Setembro de 1948.

Só com Kacikwalula foi possível recolher todos os corpos e merecer o seu sepultamento, homenageando assim a vitória da caravana do Sul (a conquista portuguesa para a ocupação de Kandumbu).

Desta forma, Freudenthal (2001), citado por Alexandre (2016), afirma que a partir de 1920 a maior parte do território da actual Angola estava ocupada pelos portugueses e, assim, foram criadas as condiçoes para a aplicação da Administração Colonial.

Interpreta-se de antemão, que no resto de Angola que ainda resistia, incluia-se também a Ombala Kandumbu porque, como foi dito anteriormente, a mesma só foi ocupada em 1948.

A PENETRAÇÃO PORTUGUESA E A OCUPAÇÃO COLONIAL

Comecemos com os seguintes trechos de Rosa Melo:

Em todas as sociedades humanas, os contextos sociais e políticos do presente são influenciados não só pelos acontecimentos históricos concretos, mas também pelas ideias herdadas do passado (Melo, 2005, p. 14 ).

No caso de África, incluindo Angola, as formas coloniais de intervenção e dominação continuam a influenciar fortemente as percepções das realidades sociais e políticas pós-coloniais quer dentro, quer fora do continente (op. cit).

Em linhas gerais, a África foi confiscada dos africanos em pleno século XIX, arquitectada pelos colonialistas na Conferência de Berlim (15 de Novembro de 1884-26 de Fevereiro de 1885), após o fracasso da conferência de Bruxelas (em Novembro de 1876) por causa da abolição do tráfico de escravos (início do século XIX), da dinâmica da Revolução Industrial (no fim do século XVIII, início do século XIX e XX), e da perda das principais colónias europeias; no caso de Portugal, a perda do Brasil em 1822 (Cfr. Ki-Zerbo, 2002; M´bokolo, 2003 e Kandjo, 2020).

O que se pode entender é que essas declarações servem para a África toda e, de forma muito particular, para Angola, como podemos confirmar com Alexandre, ao referir que, entre os finais do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, assistiu-se as múltiplas acções portuguesas de ocupação e recuperações definitivas de todo território que hoje constitui a Angola actual (Alexandre, 2016, p. 153).

Foi neste contexto da invasão e ocupação do interior para atender os objectivos económicos da velha Europa que depois de se ter alcançado e fundado a cidade de Loanda (Luanda-1576), e a cidade de Benguela (1617), na costa angolana, levou-se a cabo a invasão do interior de acordo com as regras estipuladas na Conferência de Berlim e por este facto os portugueses atingiram a região do Huambo, para a sua fundação (Nova Lisboa) por Norton de Matos em 1912 e consequentemente à Ombala Kandumbu (Cfr. Gomes, 2016 e Gonçalves, 2016).


Imagem nº 1
A pedra Kandumbu, o centro da ombala.

Quanto à invasão, segundo as narrativas apresentadas, diz-se que os espiões do soberano tinham notado uma movimentação de algumas grandes carroças a passar próximo da ombala; tal facto, verificou-se duas (2) vezes consecutivas e, pela terceira vez, o rei decidiu mandar as tropas para apanhá-los com os seus bens, só foi possível prender a mulher e quatro bois, enquanto que o homem tinha escapado; essa senhora foi mantida em cativeiro escuro durante um tempo. O seu marido que havia escapado comunicou a Benguela e pediu reforço para atacar o reino Kandumbu e salvar a prisioneira.

Os portugueses que ficaram todos apavorados com a situação, decidiram instalar-se na zona hoje chamada “Heróis de Kangamba”, fazendo assim um quartel de base para atacar a qualquer momento.

Segundo a Tradição Oral constata-se que, certo dia, os portugueses arrumaram-se para derrubar e atacar mortalmente todos e salvarem aquela prisioneira, todavia, Kandumbu já tinha percebido desde cedo a ameaça dos portugueses; com a magia que possuía era fácil fazer uma manobra e derrotar os mesmos. Transformou aproximadamente 500 m de distância em mar para os portugueses não verem os seus inimigos, enquanto que para os nativos era possível. Neste conflito, os soldados (nativos) com as suas armas conseguiram derrotar os portugueses rapidamente, tendo-se registado «999» mortos, restando assim apenas um para contar aos outros (portugueses) o sucedido e informar que aquela ombala era muito forte.

Os invasores pediram novamente reforço. Por azar do soberano, seu sobrinho ou adjunto com o nome de «SEVIMBI[5]» (Epalanga Lyasoma) que planificou seguir os rastos dos portugueses para atacar o seu quartel e Kandumbu admitiu que se fizesse. Posto lá o indivíduo entrega-se afirmando que ele era o detentor de todas as magias e segredos da ombala e que com ele seria possível acabar com o soberano.

Neste caso, os portugueses depositaram a confiança nele e puseram-se a caminho para invadir com toda força. Com efeito, Kandumbu, notando a penetração por todos os lados decide fazer a magia, mas infelizmente o sobrinho desvendava todas manobras mágicas, o que fez comque houvesse fogo tremendo nestas pedras, morrendo muita gente. O rei, sentindo-se derrotado e traído, decide transformar-se num pássaro (cujo nome em umbundu é conhecido de «EPUMUMU»), voa saltando para uma pedra, a uma distância aproximadamente de 700 m; com dor por ver a morte do seu povo decidiu voltar e pousou na pedra mais alta chorando de traição pelo sucedido.

Mais tarde, os invasores forçaram «SEVIMBI» para que mostrasse o soberano, por formas a ser executado e este virou os olhos dizendo: -aquela ave que aparece no meio das pedras é ele, isso é simplesmente magia que fez com que se transformasse em um pássaro, podem atirar nele e verão o que pode surgir e, de repente, foram soltos alguns tiros; viram o soberano a cair. Daí, a ombala foi conquistada e os portugueses construíram um monumento histórico nessa pedra que homenageia a vitória da Caravana do Sul como se apresenta na imagem nº 2.

joão Sicato Kandjo (2017).


Imagem nº 2-
O pilar branco foi construído depois dos portugueses conquistarem a ombala.

Depois de algum tempo e de analisar a traição de Sevimbi chegaram a concluir que um dia ele poderia também os trair, então o executaram e colocaram um soberano dos seus interesses com o nome de «Jaime Santos». Quando este morreu, foi substituído por Kacikwaluala, que conseguiu sepultar os corpos que ali haviam morrido durante a guerra, dando sequência com o soberano Semente.

Fica claro que a partir dai, a tentaiva de resistência foi destruída e por isso os portugueses conseguiram ocupar aquele espaço. Tal não seria diferente quando Freudenthal (2001), citado por Alexandre (2016, p. 153) considerou que as resistências tenham sido enérgicas, mas elas foram barbaramente desmanteladas.

João Sicato Kandjo (2017).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O dever de registar a nossa própria história aos poucos tem dado passos significativos e os diversos investigadores da actualidade têm esta missão. A missão de deixar um legado às gerações futuras através dos seus textos.

O Penedo de Kandumbu registado pelo autor é de facto a demonstração do interesse pela História Local. Pensou-se por bem terminar este trabalho com alguns pontos a reter, descritos de seguida:

As principais fontes que nos restam sobre essa ombala são fundamentalmente as bibliotecas vivas e os vestígios que esses grandes homens deixaram, como os fósseis que estão bem conservados nos seus “Akokotos”, mas também, embora seja difícil, encontram-se alguns documentos escritos, como aqueles que se usou neste trabalho. Consequentemente, acredita-se que este artigo servirá de ponto de partida para muitos que pretendam escrever sobre esta realidade.

É ponto assente que a África, Huambo e Kandumbo têm História desde o período anterior à presença colonial.

Os habitantes de Kandumbu pertencem ao grupo etnolinguístico Umbundu, do grupo Ovimbundu, localizados fundamentalmente nas Províncias de Huambo, Benguela, Kwanza Sul, Bié, Namibe e Huíla. E os Ovimbundu percentem ao grupo maior que se chama Bantu. Instalaram-se, provavelmente, em 943 a. C. Porém, a construção dos seus reinos começou apenas no século XIII d. C. Por fim, ocuparam todo centro e sul de África. Angola encontra-se no centro e sul do continente africano e o Huambo no centro e sul de Angola. Portanto, os habitantes e construtores do Reino Wambu, Mbalundu, Galangi, Vyé, Kandumbu e outros são precisamente Bantu.

Kandumbu foi o segundo soberano, e marcou significativamente a resistência do Sul pelas diversas lutas que travou contra os portugueses durante o século XX. Em homenagem as grandes lutas durante o seu mandato, foi atribuído o seu nome as pedras que compõem a ombala, hoje considerado como monumento histórico. Importa dizer que o centro de Angola (Huambo, de forma particular Kandumbu) só conheceu a presença portuguesa no século XX depois da realização da Conferência de Berlim, em 1884-1885, que determinou a ocupação efectiva do continente africano, em geral.

A sucessão ao trono obedecia ao sistema matrilinear, parecido ou igual ao que foi característico no Reino do Khongo. Até nos dias de hoje a linhagem continua. Desta forma até 2017-2018, altura que fizemos a última visita, registou-se seis (6) soberanos desde a fundação da ombala, nomeadamente: Nondolo, Ndala Kandumbu, Jaime Santos, Kacikwalula, Yulembi e Semente, mais quatro sobas que vêm a seguir.

Alguns sobas modernos destacam-se, como: Soba Fiel Cahala, Abel Kafuloma, Martinho Cawema e Casimiro Pakissi (actual soba de Ndala Kandumbu). Por fim, A visita a esta ombala, obedece às ordens internas, apresentadas nas páginas anteriores. Outrossim, só se pode ver os crânios (Akokoto) uma vez por ano, consagrado por uma festa que acontece a 15 de Setembro em todos os anos, e assim os soberanos são apresentados ao público.

Referencias bibliográficas

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Notas

[1] A Língua Umbundu é a mais usada naquela localidade. Por isso, é imperioso a utilização da sua língua como forma de valorização e reconhecimento por aquilo que caracteriza a população residente. Pela necessidade de passar a mensagem aos visitantes (regra geral vêm de outras localidades, nem sempre falantes de Umbundu), urge a necessidade de traduzir em português, uma vez que esta é a língua oficial, neste caso, a Língua Portuguesa.
[2] Equivalente a um polícia, guarda que rapidamente dá a conhecer ao rei quando se aperceber de um elemento estranho na comunidade. Sendo que este é interrompido logo na entrada pela sentinela.
[3] 50 kwanzas é o valor mínimo, quem quiser dar mais pode fazê-lo.
[4] Entenda-se, Soma Inene.
[5] Durante o depoimento, conseguimos perceber que até nos dias de hoje, os residentes da ombala pensam e configuram a imagem de Sevimbi como um traidor usado pelos portugueses e também acabou mal porque foi morto pelos mesmos.


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