Artículos de reflexión derivados de investigación
Telessaúde: Redes Colaborativas que Podem Ajudar no Combate de Pandemias
Telesalud: redes de colaboración que pueden ayudar en la lucha contra las pandemias
Revista Kavilando
Grupo de Investigación para la Transformación Social Kavilando, Colombia
ISSN: 2027-2391
ISSN-e: 2344-7125
Periodicidade: Semestral
vol. 13, núm. 2, 2021
Resumo: Com a evolução da pandemia de covid-19 acompanhamos a necessidade de investimentos em uma saúde coletiva global, a morte de milhões de pessoas e a incapacidade dos países se conectarem em efetiva colaboração. Ao considerar os resultados da pandemia como sendo um alerta sobre o enfrentamento de futuras emergências globais, este estudo busca compreender a gênese das redes colaborativas. Para cumprir com este objetivo, realizamos uma pesquisa descritiva analítica com uma abordagem de caráter qualitativo e uma análise de conteúdo a partir do caso Telessaúde Brasil Redes. E identificamos a gênese dessas redes na capacidade de ação-reflexão humana e sua efetiva mudança de comportamentos sociais. O avanço em intelectualidade fez a cooperação por instinto de sobrevivência evoluir para a colaboração intelectual. Sua essência encontra-se no pensamento crítico coletivo, na formação de grupos colaborativos que rompem com sistemas violentos e opressores e avançam em direção de sociedades democráticas. O desenvolvimento de ferramentas intelectuais fez os grupos colaborativos se unirem e evoluírem em redes colaborativas de acordo com o avanço tecnológico de cada tempo. No Brasil, os resultados mais expressivos aconteceram quando movimentos sociais, intelectuais organizados dentro de universidades públicas e o Estado conseguiram estabelecer uma comunicação efetiva. Concluindo que a Telessaúde Brasil Redes é a materialização da evolução intelectual em tempos de Internet e a prova de capacidade tecnológica para enfrentar a pandemia de forma eficaz. Não prevalecendo a intelectualidade, entender o porquê dos mecanismos de sobrevivência terem falhado em um momento de risco coletivo, assim como a interrupção da agenda político-tecnológica do país, pode responder por que regredimos enquanto sociedade.
Palavras-chave: Colaboração, Covid-19, Evolução cognitiva, Ferramentas intelectuais, Saúde coletiva global, Telessaúde.
Resumen: Con la evolución de la pandemia de covid-19 presenciamos la necesidad de inversiones en salud colectiva global, la muerte de millones de personas y la incapacidad los países de conectarse en una colaboración efectiva. Cuando se consideran los resultados de la pandemia como una advertencia sobre el enfrentamiento de futuras emergencias globales, este estudio busca comprender la génesis de las redes colaborativas. Para cumplir con este objetivo, llevamos a cabo una investigación descriptiva analítica con un enfoque cualitativo y un análisis de contenido del caso Telessaúde Brasil Redes. Identificamos la génesis de estas redes en la capacidad de acción-reflexión y su cambio de comportamiento efectivo social. El avance en la intelectualidad hizo que la cooperación por instinto de supervivencia evolucionara hacia colaboración intelectual. Su esencia se encuentra en el pensamiento crítico colectivo, en la formación de grupos colaborativos que rompen con los sistemas violentos y opresores y avanzan hacia sociedades democráticas. El desarrollo de herramientas intelectuales hizo que los grupos colaborativos se unieran y evolucionaran en redes colaboraciones según el avance tecnológico de cada tiempo. En Brasil, los resultados más representativos ocurrieron cuando los movimientos sociales, los intelectuales organizados dentro universidades públicas y el Estado lograron establecer una comunicación efectiva. Se concluye que Telessaúde Brasil Redes es la materialización de la evolución intelectual en tiempos de Internet y prueba de la capacidad tecnológica para enfrentar efectivamente la pandemia. Al no prevalecer la intelectualidad, comprender el porqué de la falla de los mecanismos de supervivencia en un momento de riesgo colectivo, así como la interrupción de la agenda político-tecnológica del país, puede responder por qué retrocedimos como una sociedad.
Palabras clave: Colaboración, Covid-19 , Evolución cognitiva, Herramientas intelectuales, Telesalud.
Introdução
Vivemos em um mundo informatizado, interconectado e com uma disseminação cada vez mais rápida de informações (Teixeira Filho, 2002), acompanhamos um problema de saúde local, transformar-se em uma pandemia. Em dezembro de 2019, surgiram vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na China. Tratava-se do novo coronavírus, responsável pela doença infecciosa covid-19. Dia 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma emergência de saúde pública de interesse internacional (Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS], 2021).
A sinalização da necessidade de investimentos em uma saúde coletiva global não surtiu o efeito necessário. E em 11 de março de 2020, a OMS reconheceu a existência da doença em vários países e regiões do mundo, confirmando uma pandemia de covid-19 (OPAS, 2021). Desde então, passamos a contabilizar as mortes, até 20 de novembro de 2021 havia mais de 5 milhões no mundo (Johns Hopkins University (JHU), 2021), 1,5 milhões na América Latina (Mendoza, 2021) e mais de 600 mil vidas perdidas no Brasil (Valente, 2021).
Os resultados indicam que a colaboração em escala global não é uma coisa tão simples de ser realizada, contradizendo o que visualizamos com o avanço da Internet pelo globo. A evolução de redes colaborativas e seus resultados pareciam promissores para contextos de emergências. A Telessaúde Brasil Redes é um deles, com origem na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), expandiu-se progressivamente para todo o território nacional, oferecendo serviços de teleconsultoria, telediagnóstico e teleducação aos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) (Monteiro & Neves, 2015).
A rede inclui o SUS, os Ministérios da Saúde, da Ciência, Tecnologia e Inovação, e da Educação, além de muitas outras de ensino e serviço com especificidades próprias. Demonstrando uma grande densidade de inovações e desenvolvimento tecnológico, materializando uma visão de democratizar os serviços de saúde e trazer bem-estar e qualidade de vida para a população (Monteiro & Neves, 2015).
Segundo Hargrove (1997) é essa colaboração criativa que determinará o futuro das nações, a fonte de conquista humana será a combinação extraordinária de pessoas, na política, na ciência e na saúde. Para Freire (2016b[1970]) é na colaboração que os sujeitos se encontram para a transformação do mundo e os profissionais comprometidos com o homem concreto não prescindem da ciência e da tecnologia para melhor lutar por essa causa.
Ao considerar o resultado da pandemia de covid-19 como sendo um alerta no enfrentamento de problemas globais futuros, este estudo tem como objetivo principal compreender a gênese das Redes Colaborativas.
Metodologia
Este estudo faz parte de uma série de pesquisas sobre os desdobramentos da pandemia de covid-19 e o enfrentamento de futuros problemas globais. Quanto aos métodos, realizamos uma pesquisa descritiva analítica e nela observamos, registramos e descrevemos as características referentes à gênese das redes colaborativas (Marconi & Lakatos, 2003). A abordagem qualitativa possibilitou um entendimento do por que e como esses fenômenos surgem (Marques, 2019).
A coleta de dados, realizada no Portal Periódico CAPES e nos sites Google Acadêmico e Google, parte das palavras-chave “Telessaúde Brasil Redes”. Com o objetivo de rastrear documentos referentes ao tema, construir hipóteses e criar um índice de busca.
Para dar sentido aos elementos encontrados, foram utilizadas as três fases previstas na análise de conteúdo. A primeira consistiu na pré-análise de materiais referente a Telessaúde Brasil Redes, com interesse no que estes podem ensinar após serem tratados relativamente a outras coisas (Bardin, 2011). E observamos a ligação da rede com o SUS e deste com o Movimento da Reforma Sanitária, com a democratização da saúde e evolução tecnológica do país.
Nesta fase, consideramos os atos de “cooperação” e/ou de “colaboração”, como sendo pilares da rede. Após uma extensa pesquisa, ligamos os conceitos de Paulo Freire (1921-1997) relativos à colaboração com a educação e a intelectualidade. E a intelectualidade e suas relações em grupo, levaram aos estudos de Lev Vygotsky (1896-1934) e de Siegmund Freud (1856-1939) e estes ao desenvolvimento da criatividade e da evolução humana.
Selecionados os temas principais, deu-se início a segunda fase, composta pela exploração dos materiais e tratamento dos resultados. Já a terceira fase consistiu na inferência e interpretação dos dados (Bardin, 2011).
A Colaboração Dialógica Libertadora
Para refletir sobre sua história evolutiva, a espécie humana encontrou referências em fósseis, restos arqueológicos, ossos e moléculas. Desenvolveu técnicas científicas para comprovar laços genéticos (Santos, 2014) e encontrou base nas artes, religiões, tradições, lendas e mitos para entender seu comportamento (Freud, 1990[1913]). E concluiu que as ações dos seus antepassados eram similares às dos seus parentes chimpanzés e gorilas (Harari, 2011).
Quando o cérebro humano ainda não havia se desenvolvido totalmente, os grupos eram pequenos, as disputas eram hierárquicas, provavelmente lideradas por um macho. Quando o bando aumentava, a ordem social se desestabilizava e o grupo se dividia, mesmo que houvesse comida para todos. A cooperação se dava por instinto de sobrevivência, para a preservação da espécie e por poder. Até cooperavam com um número maior de indivíduos em épocas de crise, mas separavam assim que o perigo passava (Harari, 2011).
Um comportamento de base orgânica, não criava nada de novo, era apenas baseado numa repetição de alguma coisa já existente (Vygotsky, 2012). O equivalente aos instintos dos animais, uma memória filogenética que traz consigo as experiências da espécie para a sua nova vida (Freud, 1996).
Porém, algo mudou nesses cérebros há cerca de 2,5 milhões de anos, quando surgiu uma nova espécie de humanos na África Oriental, evoluídos dos primatas Australopithecus e com ela o indício de ferramentas (Harari, 2011). As ferramentas caracterizam o início da capacidade de ligar a fantasia com a realidade e a origem do ato criativo e a algo novo, pode ser um objeto, uma construção da mente ou um sentimento (Vygotsky, 2012).
A evolução cognitiva continuou e os humanos puderam caminhar com a coluna ereta, ganharam uma visão elevada, habilidades manuais, dominaram o fogo e produziram ferramentas mais sofisticadas. A cada nova habilidade seus cérebros ficavam maiores, causando o nascimento de filhotes prematuros e a demanda de proteção e sustento por muitos anos. Favorecendo o surgimento de grupos capazes de formar laços fortes para sobreviver (Harari, 2011).
Para qualquer mudança de comportamento, primeiro foi necessário elaborar mapas mentais para isso acontecer. Na atividade que combina e cria, com a imaginação é possível desenhar outro futuro, não repetindo o que foi vivido, criando novas imagens e ações, mudando o curso intelectual da humanidade (Vygotsky, 2012).
Segundo Freud (1996) os primeiros vínculos emocionais mútuos surgiram a partir da renúncia instintual, quando os homens compreenderam os perigos e a inutilidade das lutas entre si, conduzindo-os a um acordo, um primeiro contrato social. O reconhecimento de obrigações mútuas equivale aos primórdios da moralidade e da justiça, levando-os à primeira forma de organização social. Dando início ao fenômeno da sensualidade gradativamente ser superada pela intelectualidade no curso do desenvolvimento da humanidade (Freud, 1996[1934-1939]).
Para realizar um acordo nesses termos foi preciso avançar em comunicação. Segundo Freire (2016b) não pode haver colaboração sem comunicação. Na colaboração dialógica os sujeitos dialógicos se voltam sobre sua realidade e ao problematizá-la podem transformá-la. Determinando o momento histórico em que os humanos alcançam a capacidade de ação-reflexão, quando impedidos de atuar, procuraram superar essa situação.
E com a evolução da comunicação, os humanos puderam partilhar mitos e cooperar com um número incontável de estranhos, estabelecer confiança mútua, realizar comércio, formar redes de informação. E com todo esse conhecimento começaram a dominar o planeta (Harari, 2011).
O Desenvolvimento De Ferramentas Intelectuais
Com a capacidade de refletir sobre si mesmo e sobre sua realidade, o humano desenvolveu a educação (Freire, 2016a) e a literatura para não perder os avanços adquiridos anteriormente. Segundo Freud (1996) o infortúnio político do povo judeu fez evoluir a sua literatura. Após a destruição do Templo em Jerusalém por Tito, o rabino Jochanan ben Zakkai abriu a primeira escola de Torá em Jabné. Os labores intelectuais mantiveram o povo reunido, ajudaram a controlar a brutalidade e a tendência à violência.
Em 1620, o conceito de “cooperação” coloca em palavras as estratégias utilizadas pelos que detinham o poder para incentivar os trabalhadores a trabalharem juntos, de modo a produzirem mais para os ricos e poderosos (Dictionary Etymology, 2019). Enquanto em 1871, o conceito de “colaboração” explica o esforço intelectual empreendido em conjunto com outras pessoas (Merriam-Webster, 2019).
Os atos intelectuais levaram John Dewey, em 1916, durante a primeira Guerra Mundial, a escrever o livro “Democracia e Educação” e propor mudanças nos ambientes escolares e preparar o aluno para exercer a democracia (Torres & Irala, 2015). No Brasil, em 1968, durante a Ditadura Militar, Paulo Freire, exilado no Chile, escreveu a “Pedagogia do Oprimido” e conceituou uma educação libertadora, na qual as massas populares possam pensar criticamente sobre sua realidade e assim transformá-la (Freire, 2016b[1970]).
Durante a Ditadura Militar a sociedade brasileira sofreu duras perdas, entre elas a privatização da saúde. E durante essa fase autoritária, intelectuais estruturados nas universidades, se uniram ao movimento sindical em experiências regionais de organização de serviços. Com o lema “Saúde e Democracia” (Fonsêca, Brazorotto, & Balen, 2015) promoveram mudanças sociais a partir da consciência do direito à saúde. Influenciando o surgimento de diversos espaços de reivindicações populares para a criação de uma política de saúde pública (Conserva et al, 2014). E já no final da década de 1960, as bases do Movimento da Reforma Sanitária se firmaram (Bussinguer & Salles, 2016).
Em 1985, a Ditadura Militar chegou ao fim no Brasil (Priori et al, 2012). Configurando entre outras coisas, a participação social dos cidadãos e o início da democratização da saúde (Conserva et al, 2014) assegurada na Constituição Federal de 1988 (Bussinguer & Salles, 2016). E estabelecendo os princípios sobre os quais o SUS deveria ser institucionalizado (Santos & Bastos, 2015). É a colaboração criando um novo valor, trazendo avanços científicos e legislaturas históricas (Hargrove, 1997).
As Ferramentas Intelectuais Em Tempos De Internet
Uma consciência criadora e comunicativa é democrática (Freire, 2016a[1979]) e com a democracia vieram os avanços sociais, políticos e tecnológicos. Em 1987, especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizaram a primeira experiência com a Internet, em uma conexão com a Universidade da Califórnia em Los Angeles. Dessa colaboração criativa nasceu a Rede-Rio em 1992, interligando 10 instituições, com o objetivo de oferecer acesso à Internet à comunidade científica do estado (Monteiro & Neves, 2015).
O desenvolvimento de um país depende do Estado investir em tecnologia e da capacidade da sociedade de cada tempo em dominá-la (Castells, 1999). Mas foi só a partir de 2003, com Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), que o Governo Federal mudou e ampliou a sua agenda político-tecnológica-social. Em 2004, com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior; em 2008, com a Política de Desenvolvimento Produtivo; e em 2011, com o lançamento do Plano Brasil Maior (Bastos, 2012). Entre 2003 e 2010 a inclusão social também adentrou na agenda dos governos petistas. Em 2003, iniciou a implementação da proposta Fome Zero (Silva et al, 2010), marcando o início de vários outros programas sociais, nas áreas da habitação, educação e saúde (Pinho, 2016).
Essa mudança político-tecnológica-social coincide com as primeiras atividades em Telemedicina na Faculdade de Ciências Médicas da UERJ. Em 2003, a médica pediatra Evelyn Eisenstein ao tentar solucionar um caso clínico de difícil conduta, realizou diversos contatos e conseguiu apoio da Organização Não Governamental Missão Médica para Crianças e da equipe médica da Universidade Joohns Hopkins. A experiência foi realizada por videoconferência, com a participação de um corpo clínico multidisciplinar de ambas as instituições (Monteiro & Neves, 2015).
A cooperação em saúde não é algo novo, em 1778 já havia registro de cartas sobre o objetivo de a sociedade médica francesa vincular-se à medicina estrangeira. Essa cooperação entre médicos separados pela distância (Foucault, 1979) evolui junto com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’S) e a denominação atual Telemedicina (Celes et al., 2018).
Já o conceito de colaboração em saúde, entrou na literatura na década de 1940, em referência à luta entre interesses dominantes entre enfermagem e medicina. O termo implica a reunião de interesses diferentes para negociar livremente em torno de complexidades e alcançar objetivos comuns (Penny, 2015). E com a inclusão de outros profissionais da saúde, a troca de informações para fins de educação, assistência e pesquisa em saúde, utilizando-se de TIC’s passou a ser denominada Telessaúde (Aguiar Pereira & Machado, 2015).
Mas no Brasil, o uso dessa tecnologia só ficou amplamente conhecido com a divulgação da experiência vivenciada pela médica Evelyn Eisenstein no programa Fantástico da Rede Globo de Televisão e apresentada no primeiro Congresso Brasileiro de Telemedicina e Telessaúde em 2003. Possibilitando a identificação de um universo de possibilidades, a troca de experiências com instituições nacionais e internacionais, e a incorporação da educação a distância na UERJ (Monteiro & Neves, 2015).
Em 2005, a Rede-Rio implantou cabos aéreos e terrestres de fibra óptica nas capitais do país, viabilizando a formação de redes colaborativas de ensino e pesquisa, interligando essas instituições em nível regional, nacional e internacional (Monteiro & Neves, 2015). Em 2006, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação criou a Rede Universitária de Telemedicina (Messina et al, 2012). Visando aprimorar a infraestrutura, criar unidades de Telemedicina e Telessaúde e integrar os projetos existentes no país (Ministério da Saúde, 2013).
No mesmo ano, o Reitor da UERJ encaminhou ao Ministério da Saúde um projeto de Telemedicina voltado à atenção primária. Porém, um Projeto Piloto em Telessaúde só foi lançado em 04 de janeiro de 2007, iniciando com 09 núcleos nacionais com base em universidades públicas e tinha como objetivo desenvolver a educação à distância, voltada para os profissionais da atenção básica do SUS (Monteiro & Neves, 2015).
A partir de 2009, deu-se início a expansão da Rede Telessaúde, com ela o programa foi sendo renomeado, até chegar ao nome atual Telessaúde Brasil Redes (Monteiro & Neves, 2015). Em 2013, o Governo Federal anunciou 32,9 bilhões de reais para um plano de inovação tecnológica, direcionado a setores estratégicos, entre eles para a saúde e para as TIC’s (Da Redação Exame, 2013). Em 2015, o programa estava em funcionamento em 22 estados, reunindo cerca de 6.000 pontos de Telessaúde, instalados em 2.600 municípios e com 50.000 profissionais tendo acesso aos serviços (Ministério da Saúde, 2015).
O ano de 2016 marcou o fim de um ciclo, com a reversão dos investimentos em inovação tecnológica (Marques, 2019). Em 2019, 23 núcleos ofereciam os serviços de teleconsultoria, telediagnóstico e teleducação aos profissionais e trabalhadores do SUS, a partir de plataformas alocadas em 22 estados (Ministério da Saúde, 2013; 2019).
É o meio envolvente como determinante, o inventor é sempre o produto do seu tempo, a criatividade parte de necessidades criadas antes do indivíduo e se embasa nas possibilidades que residem fora dele. Há notadamente uma sucessão rigorosa no desenvolvimento da ciência, nenhuma invenção ou descoberta científica surge antes de se criarem as condições materiais e psicológicas necessárias para que isso aconteça (Vygotsky, 2012).
Análise e Discussão dos Resultados
A gênese das redes colaborativas encontra-se na capacidade de reflexão-ação, adquirida pelos humanos durante a evolução cognitiva. Está ligada à ruptura do mundo dos animais, à intelectualização da espécie e a efetiva mudança de comportamentos sociais, como a evolução da cooperação por instinto de sobrevivência para a colaboração intelectual.
O desenvolvimento de ferramentas intelectuais (mitos - história contada, educação, literatura, plataformas digitais) fez os grupos colaborativos se unirem e evoluírem em redes colaborativas. Com a capacidade de reflexão-ação, um sujeito insatisfeito com a dificuldade de sobreviver, conseguiu cristalizar sua imaginação em uma ferramenta nova para facilitar a sua vida. Com o agrupamento de vários sujeitos criativos deu-se início a uma comunicação mais avançada, aos grupos colaborativos, às lideranças intelectuais e a união destes as redes colaborativas.
A essência dessas redes encontra-se no pensamento crítico coletivo, na formação de grupos colaborativos que buscam a libertação dos modelos violentos e dominantes para as relações horizontais e sociedades democráticas. No Brasil, as redes colaborativas em saúde surgiram em momentos de restrição de liberdade, quando houve união entre as lutas dos movimentos sociais e as aspirações por ferramentas e soluções democráticas idealizadas por intelectuais organizados dentro de universidades públicas. E diferente das redes cooperativas, não se separaram após resolverem as crises e evoluíram mais em tempos de liberdade.
A evolução de grupos cooperativos para grupos colaborativos e deles para redes colaborativas acontece de acordo com o avanço tecnológico de cada tempo. O grupo da médica Evelyn Eisenstein já iniciou suas atividades mediadas por mídias digitais e ganhou notoriedade em um quadro televisivo de alcance nacional, dando oportunidade para outros grupos das mais diversas áreas se unirem, expandindo-se em rede, até chegar a Telessaúde Brasil Redes.
O grande avanço da rede tem base vital: nas suas precursoras (Movimento da Reforma Sanitária, SUS e Rede-Rio); na formação de vínculos de confiança mútuos entre grupos de intelectuais em um momento de liberdade de expressão em rede nacional de televisão; e na aproximação entre intelectuais e o governo federal, materializada na sua agenda político-tecnológica-social.
Um período considerado exitoso em termos tecnológicos, o programa Telessaúde Brasil Redes teve seu inicio em 2007 com 09 (nove) núcleos nacionais e em 2019 estava presente em 22 estados brasileiros, com cerca de 6.000 pontos de Telessaúde, instalados em 2.600 municípios, oferecendo serviços de teleconsultoria, telediagnóstico e teleducação aos profissionais e trabalhadores do SUS (Monteiro & Neves, 2015; Ministério da Saúde, 2019)
O Brasil é composto por 26 estados e 01 Distrito Federal, 5.570 municípios (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2022). O que significa que a rede de Telessaúde estava presente em 81,48% dos estados e em 46,67% dos municípios do país. Estes resultados demonstram que o país tinha uma rede tecnologia estruturada e que poderia ter sido utilizada para combater a pandemia de forma eficaz. Sendo necessário investigar se a interrupção da agenda político-tecnológica-social por parte do Governo Federal desde 2016 foi determinante para a comunicação em rede colaborativa ter falhado ou não ter sido acionada para este fim.
Uma investigação nesta direção pode nos fornecer respostas para as mais de 600 mil vidas perdidas e todo o custo social que isto representa. Segundo Fachin (2021) 55% dos habitantes do Brasil passaram fome em 2021, enquanto programas sociais como a Bolsa Família era desestruturado pelo governo de Jair Messias Bolsonaro.
Considerações Finais
No Brasil, a evolução de redes colaborativas aconteceu junto com a evolução social, política e tecnológica. Concluindo que a Telessaúde Brasil Redes materializa a evolução intelectual em tempos de Internet e que o país possuía tecnologia suficiente para combater a pandemia de forma eficaz.
Se as redes colaborativas representam a evolução humana intelectual, democrática e social, então sua estagnação ou fim delas podem representar nosso retorno a tempos violentos, sombrios e ditatoriais opressores? Não prevalecendo a intelectualidade, entender o porquê dos mecanismos de sobrevivência terem falhado em um momento de risco de morte coletiva, assim como compreender os interesses por detrás do fim da agenda político-tecnológica-social no país, podem responder se estamos regredimos enquanto sociedade e questões de emergências catastróficas futuras.
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