Artigos

Uma Abordagem Teórica Sobre o Contexto Social do Uso de Drogas

Ygor Diego Delgado Alves
UNIFESP, Brasil
Edward MacRae
UFBA, Brasil

Revista TOMO

Universidade Federal de Sergipe, Brasil

ISSN-e: 1517-4549

Periodicidade: Semestral

núm. 34, 2019

revistatomo@gmail.com

Recepção: 20 Setembro 2018

Aprovação: 18 Dezembro 2018



DOI: https://doi.org/10.21669/tomo.v0i34.9850

Resumo: O artigo trata do contexto social do uso de drogas a partir da análi- se das contribuições de Howard Becker, Norman Zinberg e Jean-Paul Grund. Estes três autores enfatizam, de modo sucessivo e cumulativo, a importância do grupo de pares, do propósito de uso, dos rituais e re- gras, da disponibilidade da droga e, finalmente, da estrutura de vida do usuário sobre a qualidade e consequências do consumo de substâncias psicoativas. Suas contribuições teóricas chamam atenção para a impor- tância dos processos de aprendizagem social, mecanismos de mercado e regulação governamental da oferta, além dos compromissos, obriga- ções e responsabilidades assumidas em ambientes socioeconômicos e culturais diversos. Seguindo esta perspectiva, argumenta-se que todos esses fatores devem ser considerados na pesquisa e análise do uso de substâncias.

Palavras-chave: Uso de drogas, Contexto social, Propósito de uso, Rituais e regras.

Abstract: The article deals with the social context of drug use based on the analy- sis of the contributions of Howard Becker, Norman Zinberg and Jean- -Paul Grund. These three authors emphasize, successively and cumu- latively, the importance of the peer group, usage purpose, rituals and regulations, drug availability and finally the user’s life structure on the quality and consequences of the consumption of psychoactive substan- ces. Their theoretical approaches draw attention to the importance of the social learning processes, market mechanisms and government re- gulation of substance supply, in addition to commitments, obligations and liabilities assumed in various socio-economic and cultural envi- ronments. Following their lead, it is argued that all these factors should be considered in the research and analysis of substance use.

Keywords: Drug use, Social context, Purpose of use, Rituals and rules.

Resumen: El artículo trata del contexto social del uso de drogas a partir del análisis de las contribuiciones de Howard Becker, Norman Zinberg y Jean-Paul Grund. Estos tres autores enfatizan, de modo sucesivo y acumu- lativo, la importancia del grupo de pares, del propósito de uso, de los rituales y reglas, de la disponibilidad de la droga y, finalmente, de la es- tructura de vida del usuario sobre la calidad y consecuencias del con- sumo de energía sustancias psicoactivas. Sus contribuciones teóricas llaman atención sobre la importancia de los procesos de aprendizaje social, mecanismos de mercado y regulación gubernamental de la ofer- ta, además de los compromisos, obligaciones y responsabilidades asu- midas en ambientes socioeconómicos y culturales diversos. Siguiendo esta perspectiva, se argumenta que todos estos factores deben ser con- siderados en la investigación y análisis del uso de sustancias. Palabras clave: Uso de drogas. Contexto social. Propósito de uso. Ritu- ales y reglas.

Palabras clave: Uso de drogas, Contexto social, Propósito de uso, Rituales y reglas.

Introdução

São constantes os debates acadêmicos sobre o uso de drogas nos quais o contexto social em que este uso ocorre aparece apenas e tão somente como uma citação obrigatória da tríade: substância – indivíduo – sociedade. Comumente se disserta so- bre a substância e sua ação sobre o organismo, quando muito considerando-se um ou outro aspecto da psique, porém, pouco se diz a respeito da situação do usuário no ambiente com que ele interage e sua influência sobre os efeitos da droga e os padrões de seu consumo.

Este artigo propõe fornecer subsídios aos pesquisadores e mes- mo técnicos que trabalhem com usuários de substâncias para que possam incluir o contexto social em suas avaliações e análi- ses. Assim, procuramos dar nossa contribuição para que se evite posições simplistas e unidimensionais na abordagem da ques- tão do uso de drogas (Macrae, 1997). Para tanto, apresentamos uma sequência de autores que no decorrer da segunda metade do século XX desenvolveram um profícuo arcabouço teórico des- tinado a dar conta de ricas pesquisas com usuários de maconha, LSD, cocaína e heroína. Todos eles preocupados com a influência do meio social no aprendizado, efeitos, quantidade e propósi- tos de uso. São eles: (1) o sociólogo norte-americano Howard Becker; (2) o psicanalista e psiquiatra, também estadunidense, Norman Zinberg; e (3) o pesquisador e atual diretor fundador do Instituto Internacional de Redução de Danos, Jean-Paul Grund.

Esta abordagem teórica rendeu, no Brasil, importantes traba- lhos no campo da pesquisa antropológica do uso da maconha, cocaína inalada e fumada; apenas para citar os mais importan- tes em influência sobre nosso tratamento da questão da cultura do uso de drogas. Todos esses trabalhos são caudatários das contribuições seminais de Howard Becker sobre o uso da maconha. Originalmente publicado em 1963, o livro Outsiders associa a problemática do desvio à teoria da rotulação e, atual- mente, meio século depois, constitui-se em um clássico. Gilber- to Velho manteve profícuo intercâmbio com Becker desde, pelo menos, o ano de 1976, quando Becker foi professor-visitante no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Além de Becker, outro autor fundamental para a antropologia brasileira, no início do século XXI, segundo Velho, é Erwing Goffman: “Becker e Goffman são hoje autores fundamentais dentro da antropologia que se faz no Brasil, particularmente nos trabalhos voltados para os estudos urbanos e para a temática ampla de indivíduo e sociedade” (Ve- lho, 2002, p. 13). O tema do estigma para Goffman, tanto quanto as discussões sobre desvio e rotulação em Becker, marca, sob a influência de George Herbert Mead, uma preocupação com as interações interpessoais face a face em situações concretas, no caso de Goffman, e sinaliza a ideia de uma ação coletiva em Be- cker. Esses dois autores pioneiros da Escola de Chicago possuem também uma imensa preocupação com a qualidade do trabalho de campo.

No caso da cocaína inalada se destaca o trabalho de Osvaldo Fer- nandez (2007); nele se descortinam as regras, padrões e méto- dos de uso entre consumidores experientes de cocaína, assim como sua visão de mundo em diferentes territórios da cidade de São Paulo. Ainda, neste trabalho, o consumo controlado (light) de cocaína inalada é comprovado pela presença de interlocuto- res com longo histórico de uso sem maiores consequências de- letérias.

O trabalho de Fiore (2013), também sobre cocaína inalada na ci- dade de São Paulo, teve como base de dados dez conversas com amigos do pesquisador, além de sua própria experiência como usuário de substâncias psicoativas. A Teoria do Ator Rede (TAR) serve como referência teórica para tratar de não humanos como actantes, ou seja, capazes de fazer agir. Fiore irá, além da TAR, valer-se de uma adaptação das ideias de Zinberg, e se para este clássico do pensamento social sobre o uso de psicoativos se tra- ta de observar o máximo de relações entre Drug, set e o setting do uso, para Fiore as relações se darão entre substância, sujeito e evento. Assim, ele acredita poder fugir das vicissitudes moder- nas tão amplamente divulgadas por Bruno Latour (2000, 2001, 2008, 2012) e pelos demais seguidores da TAR, principalmente, a separação entre natureza e cultura.

Certos pesquisadores dos fenômenos em torno do consumo de substâncias psicoativas ligados à TAR serão críticos dos traba- lhos que têm em Becker sua referência seminal. Dentre esses autores, Fiore destaca os seguintes: Vargas (2006), para quem o uso de drogas pertence à ordem do evento e não do contexto so- cial, e Gomart (2002), que considera os trabalhos sob inspiração de Howard Becker como reproduções do determinismo moder- no ao separar natureza (droga) e cultura (significado atribuído aos efeitos). Mas, segundo Fiore, esses autores não teriam con- seguido nestas críticas: “[...] ao menos no campo de investigação sobre drogas, um conjunto de ferramentas metodológicas para a demonstração de seu projeto de conhecimento sobre as drogas e seus usos, ao menos um que se destacasse claramente daqueles já utilizados pelas ciências sociais” (Fiore, 2013, p. 14).

A cocaína fumada, por sua vez, foi objeto de estudo dos traba- lhos de Luana Malheiros (2012; 2013) e Alves (2017). Malheiros enfoca a cultura do uso do crack na região central da cidade de Salvador/BA, e, nela, a autora pôde diferenciar os usuários de crack por uma graduação quanto ao uso mais ou menos contro- lado; assim, surgem os “patrões”, os “usuários” e, por fim, os “sa- cizeiros”, ou usuários descontrolados. Alves (2017) pesquisou os usuários de cocaína da região central da cidade de São Paulo, inclusive da chamada Cracolândia. Os trabalhos de Becker e Zin- berg foram fundamentais no sentido de guiar o olhar, durante a pesquisa etnográfica, e a análise dos relatos e experiências vividas em campo, para os aspectos tidos como relevantes por es- tes autores, como veremos neste artigo. O programa De Braços Abertos da prefeitura paulistana também foi objeto de pesquisa do autor e pôde ser analisado a partir das variáveis propostas por J. P. Grund relacionadas ao maior ou menor controle sobre o uso de drogas.

As obras desenvolvidas pelos três autores – Becker; Zinberg e Grund –, mais que se completam, elas compõem entre si um fluxo de pensamento. São produto de pesquisas que se suce- dem e procuram, cada uma a seu modo, dar continuidade e superar desafios não plenamente resolvidos nos trabalhos anteriores. Assim será com Zinberg em relação à pesquisa de Becker com fumantes de maconha, e em Grund com relação ao trabalho desenvolvido por Zinberg. Tanto Grund quanto Zin- berg estarão diretamente preocupados em como os rituais e regras presentes nas práticas de consumo de drogas ajudam na autorregulação destas mesmas práticas (Fernandez, 1997). Grund irá acrescentar a essa dimensão a disponibilidade da droga e a estrutura de vida.

O modelo de Howard Becker e o uso da maconha

Howard Becker, em sua obra sobre o desvio intitulada Outsiders, questiona a ideia de que a motivação ou mesmo predisposição ao uso de drogas seriam provenientes de suposta presença de algum traço psicológico particular. Para ele, essa seria a forma corriqueira de considerar o uso de drogas, presente em um grande número de teóricos, particularmente os estudiosos da maconha. Segundo eles, o uso derivaria de certa “necessidade de devanear e fugir de problemas psicológicos que o indivíduo não é capaz de enfrentar” (Becker, 2008, p. 51). Em sua pesquisa, ele entrevistou 50 usuários de maconha, sendo metade músicos de jazz e o restante da amostra obtida por contatos inicialmente fornecidos pelos músicos.

Becker delineia sua visão a respeito do uso da maconha baseando-se no desvio, com motivos desviantes se desenvolvendo no curso da experiência com a atividade desviante (fumar maconha), em um movimento inverso ao proposto pela psicologia. Assim, para ele, o comportamento desviante acabaria por produzir a motivação desviante. Os impulsos e desejos vagos do neófito curioso são, no decorrer de sucessivas sessões de uso, transformados em padrões mais definidos de ação por meio da interpretação social de uma ex- periência física, inicialmente ambígua. O padrão de uso da maconha de alguém – se ele continua ou não usuário, se usa mais ou menos da substância – seria uma decorrência de sua concepção a respeito desta substância psicoativa desenvolvida através da experiência no grupo de usuários. Vejamos isso de modo mais detido.

Na carreira do usuário, procura-se compreender, a partir do desenvolvimento da experiência física e do modo como ele reagirá aos controles sociais existentes em torno da droga, “a sequên- cia de mudanças na atitude e na experiência que leva ao ‘uso de maconha por prazer’ (Becker, 2008, p. 52) (padrão recreativo, casual, não compulsivo). Dois problemas aparecem ao se pre- tender inferir o uso de alguma droga a causas (traços) psicológi- cas. Primeiramente, muitos usuários não apresentam tais traços causadores e, em segundo lugar, a dificuldade encontrada por este modo de conceber o problema para dar resposta à grande varia- bilidade do comportamento em relação à droga, em um dado in- divíduo, no decorrer do tempo (a carreira do usuário). A mesma pessoa pode ser incapaz de usar a droga por prazer em determi- nado momento e ser capaz de fazê-lo no estágio seguinte, para, mais tarde, retornar à primeira forma. Tais variações tornam-se compreensíveis como consequências de mudanças na concepção que o usuário tem da droga, passando, por exemplo, de alguém inicialmente inadaptado ao uso a alguém capaz de vislumbrar no uso de determinada substância uma fonte de prazer.

Existe uma carreira de uso. O termo e o conceito de carreira fo- ram trazidos por Becker da literatura de administração de empresas, particularmente da administração de recursos humanos, onde se tratava da carreira dos funcionários em uma empresa ou no Estado e as mudanças daí advindas. Assim, a experiência com o uso de uma substância é dada através do tempo e não apenas pontualmente - de uma única experiência de experimen- tação da maconha – porque para tornar-se um maconheiro “de sucesso”, ou seja, aquele capaz de usá-la por prazer, se faz neces- sário insistir no uso, mesmo apesar de uma possível má experi- ência. Neste trajeto percorrido ao longo da carreira de uso, uma série de mudanças de atitude com relação à maconha e ao grupo de usuários e não usuários vão se dando.

Becker focalizou em seu trabalho o histórico da experiência do usuário com a maconha “procurando mudanças importantes em sua atitude com relação a ela e no seu uso efetivo e as razões dessas mudanças” (Becker, 2008, p. 55). Quando foi possível e apropriado, ele usou o “jargão” nativo. Becker irá deter-se sobre três momentos de aprendizado, não necessariamente distintos: o aprendizado das técnicas de uso da maconha, o desenvolvi- mento da capacidade de perceber os efeitos e, finalmente, como aprender a gostar destes efeitos. O neófito, no mais das vezes, não sente nem aproveita os efeitos da maconha na primeira oportunidade de a experimentar.

No uso da maconha estudado por Becker, sentir os sintomas e vinculá-los à droga pode dar ao usuário, mesmo aquele novato no uso, a certeza íntima, porém, reafirmada e confirmada pelo grupo de pares, de ter sentido os efeitos da cannabis. Assim, “[...] um barato consiste de dois elementos; a presença de sintomas causados pelo uso da maconha e o reconhecimento desses sin- tomas e sua vinculação, pelo usuário, com o uso da droga” (Be- cker, 2008, p. 57). De modo geral, pela observação dos que tem barato, o neófito insiste na experiência até obter e identificar os sintomas; ele aprende alguns “referentes concretos do termo “barato” e aplica essas noções à sua própria experiência” (Be- cker, 2008, p. 59).

Uma vez reconhecidos os efeitos, trata-se agora de aprender a apreciá-los1. O gosto pela experiência de fumar maconha é socialmente adquirido no grupo de pares e não algo dado de antemão como traço de personalidade, como presumido nas abordagens psicológicas criticadas por Becker. Ao investir em sua carreira de usuário de maconha “de sucesso”, as sensações porventura desagradáveis, sentidas pelo novato em seu proces- so de aquisição de experiências de uso, deverão ser redefinidas para a continuidade deste mesmo uso. Isto se dá tipicamente em interação com usuários mais experientes capazes de minimizar a gravidade das sensações desagradáveis e chamar a atenção para aspectos mais prazerosos e reconhecíveis dos efeitos. Por observar outros fazerem uso e constatar seu sucesso em usar por prazer é possível ao novato tranquilizar-se em meio a uma experiência ambígua. Mesmo uma experiência desagradável po- derá ser redefinida como algo agradável, prazeroso e até mesmo desejável depois do gosto pela droga ter-se desenvolvido. “O pra- zer é introduzido pela definição favorável da experiência que uma pessoa adquire de outras” (Becker, 2008, p. 65) na interação.

Assim, alguém só se torna usuário após desenvolver uma dis- posição, ou motivação, que não poderia estar presente no início do uso, “pois envolve concepções da droga que só seria possível formar a partir do tipo de experiência real” (Becker, 2008, p. 67). Esta seria a experiência de aprender a usar e sentir a produção de efeitos reais, aprender a reconhecer estes efeitos e associá-los à maconha, e, finalmente, aprender a gostar das sensações percebidas. A partir daí os controles externos sobre o neófito, controles estes que operam para valorizar certas formas de comportamento em detrimento de outros, como fumar maconha, podem entrar em colapso. Isto ocorre por consequência do ingresso em um “grupo cuja cultura e controles sociais próprios operam em sentido contrário aos da sociedade mais ampla” (Be- cker, 2008, p. 69), emancipando-o destes controles e sensibilizando-o aos do grupo restrito de usuários da droga.

Controles sociais afetam o comportamento pelo manejo de dife- rentes instâncias de poder e pela aplicação de sanções; também o fazem pela recompensa e punição de comportamentos valori- zados e desvalorizados. Mas, no uso de drogas, surgem ainda con- troles mais sutis de influência “sobre as concepções que as pesso- as têm da atividade a ser controlada” (Becker, 2008, p. 69). Essas concepções são comunicadas em situações sociais, na interação com pessoas “consideradas respeitáveis e validadas pela experi- ência” (Becker, 2008, p. 70). Ou seja, aqueles capazes de empres- tar seu prestígio ao comportamento e às concepções valorizadas, particularmente em um grupo desviante. As sanções da sociedade abrangente se tornam ineficazes quando ocorrem eventos gera- dores de experiências capazes de alterar certos entendimentos, adotar o comportamento desviante passa a ser concebível para a pessoa. Portanto, existe uma sequência de eventos e experiências na gênese do comportamento desviante capazes de suplantar os controles sociais que atuam no propósito de evitá-lo.

Na sua relação com os controles da sociedade mais ampla e com a subcultura da droga, a carreira do usuário pode ser dividida em três estágios. O primeiro estágio é o de usuário iniciante; o segundo estágio é o de uso ocasional, esporádico; o terceiro de usuário regular, ou rotineiro. Em uma carreira de usuário de maconha bem-sucedida, os controles sociais do grupo desvian- te e os da sociedade mais ampla vão respectivamente ganhando e perdendo espaço de influência sobre o usuário. Quanto mais o uso deixa de ser ocasional e aumenta sua regularidade, mais este usuário ocasional fica cada vez menos receptivo às concep- ções a respeito da droga contrárias as do grupo desviante.

Podemos ver como os vários tipos de controles sociais tornam-se cada vez menos eficazes na medida em que se avança na carreira de usuário. Assim, se desenrola a consecutiva anulação de controles tais como: a limitação do fornecimento e acesso à droga, a necessidade de manter o uso desconhecido pelos não usuários e a definição do ato como imoral. Estes vão dando lugar às concepções do grupo desviante de usuários de maconha.

Para ter acesso à maconha, ainda no esquema de Howard Becker, deve-se geralmente participar de algum círculo não convencional, muitas vezes praticante de atividades e com valores opostos aos da sociedade mais ampla, capaz de tornar as fontes de fornecimento acessíveis. Ao afastar-se do grupo, o uso pode cessar pela falta de fornecimento, porém, uma vez usando dentro do grupo, os próprios controles internos sensibilizarão o novo usuário da necessidade de adquirir sua própria droga e não permanecer apenas sendo abastecido pelos demais.

Para os usuários de maconha pesquisados por Becker, o uso é limitado também pelo fato ou crença de que não usuários, cujo respeito e aceitação eles valorizam, caso venham a descobrir seu uso, lhes apliquem sanções de algum tipo. Por isto, em sua maioria, os usuários de maconha são desviantes secretos e seus medos são contestados por racionalizações proporcionadas pela observação de usuários mais experientes, aparentemente impunes.

Quando o uso se torna regular, ocorre uma mudança na atitude desse novo usuário de maconha proveniente de uma mudança de concepção a respeito das oportunidades de consumi-la. Surge uma nova convicção a esse respeito e ela passa a ser fumada sob o nariz dos não usuários, ou se adota um novo padrão de parti- cipação social que reduza quase totalmente as interações com não usuários a níveis raros e sem importância. O uso regular só poderá permanecer caso se consiga lidar com os riscos de ser descoberto na posse da droga e ser capaz de esconder seus efeitos quando na presença de não usuários. Caso consiga controlar melhor os efeitos de seu uso com uma eficiente administração dos sintomas aparentes, capazes de denunciar o usuário a não usuários de quem ele está desejoso de manter seu novo hábito em sigilo, ele poderá continuar a ter contato com estes não usu- ários. Porém, quanto maior a dificuldade em manejar sintomas como: confusão, olhos vermelhos, cheiro e dedos amarelados, mais o usuário regular será induzido a permanecer mais tempo com o grupo desviante. A própria fruição dos efeitos desejados a partir do consumo da maconha pode levar o usuário regular a se afastar de não usuários no intuito de melhor aproveitá-los. Administrar os sintomas em frente aos “caretas” pode consumir parcela importante do prazer em utilizar a droga2.

Seguindo no esquema de Becker, se superar bem, em sua carrei- ra de usuário de maconha, os desafios quanto ao fornecimento da droga, ao sigilo quanto a seu uso e livrar-se dos impedimen- tos morais a constrangê-lo, ele poderá finalmente se tornar um usuário controlado. Isto de modo algum irá levá-lo ao comporta- mento estereotipado de estar usando o tempo todo, muito pelo contrário [...] “Seu uso é planejado; considera-o apropriado em certas ocasiões, não em outras” (Becker, 2008, p. 84). Ele assegu- ra para si mesmo possuir o controle sobre seu uso da droga e isto funciona como símbolo dele desempenhar uma prática inócua. Portanto, não é escravo porque planeja e segue seu plano quanto à quantidade, frequência e oportunidade, com períodos sem o uso da substância psicoativa. Ao reorganizar suas noções morais pode vir a adquirir a concepção de que os valores convencionais sobre drogas não se aplicam ao seu caso, de um uso não exces- sivo, mas regular. Além de serem sem maiores prejuízos à sua vida, pelo contrário, ele é possibilitador de um fruir cotidiano mais prazeroso e em melhor companhia. Mesmo assim, com o uso regular, questões morais novamente podem reaparecer e o convencimento anterior pode precisar ser reatualizado por tes- tes como o abandono do uso por algum tempo, para certificar-se que seu padrão não corresponde ao da mitologia popular sobre o viciado.

Um usuário regular pode, portanto, retornar ao uso ocasional e mesmo abandonar o uso por algum tempo para certificar-se não ser ‘escravo da droga’ como grita o convencionalismo. Sua visão a respeito de seu comportamento como usuário de maconha irá paulatinamente se aproximando da visão compartilhada entre os insiders. Isto se dá na medida de seu distanciamento do modo convencional de considerar essa questão, a dos, agora, outsiders.

Norman E. Zinberg e a importância do setting no uso de drogas

Duas décadas após a publicação do trabalho seminal de Howard Becker, Norman E. Zinberg publica uma pesquisa absolutamente fundamental para a compreensão da questão do uso de drogas sob uma perspectiva social. Drug, set, and setting: the basis for controlled intoxicant use foi publicado no ano de 1984, pela Yale University Press. A obra foi baseada em investigação realizada após mais de 20 anos de experiência clínica do autor, médico, psicanalista e professor de psiquiatria clínica na Universidade de Harvard. Ele procurou saber como e porque muitos usuários, frente a outros que faziam um uso prejudicial, compulsivo ou descontrolado, conseguiam conquistar e manter o controle so- bre o uso de certas drogas. O setting, ou contexto de uso, passou a ganhar importância de certa forma por acaso, ao se perceber que a atitude dos médicos influenciava o efeito que as drogas por eles prescritas tinham nos seus pacientes. Em 1968, Zin- berg pôde, através de uma bolsa, estudar o sistema britânico de terapia de manutenção de heroína e encontrar lá dois tipos de adictos, ambos diferentes do americano. O primeiro, que funcionava adequadamente, até mesmo com sucesso, e o segundo, ainda mais debilitado que o viciado norte-americano, porém, como o alcoólatra americano, não era causa de apreensão, criminalidade ou histeria pública. Essas diferenças entre países puderam aos poucos ser atribuídas aos diferentes settings sociais e às diferentes atitudes sociais e legais com relação ao uso de drogas e aos usuários. Na Inglaterra, o uso de heroína não era crime e os adictos podiam ser legalmente supridos, estavam livres das restrições legais e de boa parte do estigma (Zinberg, 1972). Isto lhes dava a possibilidade de escolher entre aceitar o uso de drogas como fato e manter suas atividades rotineiras, ou verem-se como anormais e adotarem um estilo de vida destruti- vo. Tornava-se claro que não seria mais possível, para entender a experiência com a droga, limitar-se à farmacologia (drug) e à personalidade do usuário (set), mas devia-se também atentar ao ambiente (setting) físico e social em que o uso ocorre.

Ao se debruçar sobre o problema do abuso de drogas entre alistados no Vietnam, Zinberg (1971) pôde perceber que o uso pesado de heroína entre as tropas, assim como outras atitu- des, estava ligado à atração exercida por atividades que obli- terassem as experiências negativas proporcionadas pelo mun- do externo. O setting proporcionado pela guerra não permitia que rituais e sanções sociais de controle tivessem chance de se desenvolver, o que dificultava muito o uso controlado. Porém, assim que os abusadores eram retirados do ambiente nocivo, o abuso tendia a cessar. Ao prosseguir suas pesquisas com usu- ários de heroína, Zinberg percebeu a existência de numerosos padrões de uso e passou a dar atenção às diferenças entre usu- ários ocasionais de final de semana e os de uso crônico de lon- ga duração, por exemplo.

Era amplamente difundido no século XX, a ideia de ser a hero- ína comumente procurada por pessoas com profunda desordem de personalidade e que, para elas, a abstinência total se tornara a única alternativa de reestabelecimento. Estudos dos anos sessenta do século passado igualavam uso ao abuso e raramente consideravam o uso moderado ou ocasional como um padrão viável. O uso não abusivo era tratado como um estágio de transição breve rumo à abstinência, ou, mais comumente, ao uso compulsivo. Os pesquisadores, na época e em grande medida até os dias de hoje, procuravam primeiro determinar os potenciais efeitos danosos das drogas ilícitas para, então, estudar as desordens de personalidade resultantes do uso destas substâncias – desordens que eram ironicamente consideradas responsáveis pelo uso de drogas. Tempos antes, Howard Becker já havia criticado essa abordagem psicológica em sua pesquisa com usuários de maconha, conforme supracitado. Mesmo antes dos anos sessenta, sabia-se que para entender como o controle de uma substância colocada no corpo poderia ser desenvolvido, mantido ou perdido, diferentes padrões de consumo teriam de ser comparados. Depois de sua volta aos EUA, Zinberg realizou uma ampla pesquisa para investigar as práticas de usuário das drogas cujo uso mais preocupava, então, o público e o governo de seu país: maconha, psicodélicos e opiáceos. No Brasil, os estudos desenvolvidos, entre outros, por MacRae (2000) com usu- ários de maconha, por Osvaldo Fernandez (1997, 2007) entre os inaladores de cocaína, finalmente por Luana Malheiros (2012, 2013) e Alves (2014, 2017) entre os usuários de crack, tam- bém caminham nessa mesma direção. O mesmo esquema tem sido usado para o estudo do uso religioso de substâncias como ayahuasca e cannabis (Macrae, 2005) e para nortear programas de redução de danos (Macrae, 2001, p. 34).

Estudos sobre o consumo de maconha, como os levados à frente por Becker e realizados na segunda metade do século XX, nos EUA, apontaram que grande parte das antigas considerações sobre seus alegados malefícios à saúde era sem fundamento. A maioria dos usuários desenvolvia um padrão ocasional e mode- rado mais que intensivo e crônico. Uma pesquisa sobre os vete- ranos do Vietnam (Zinberg, 1984, p. 12) indicou que o consumo de heroína (tida então como a mais perigosa das drogas) nem sempre levava à adicção ou uso disfuncional e, mesmo quan- do ocorria, a adicção era mais reversível do que se costumava acreditar. Zinberg sustentou que, para entender o que impele alguém a utilizar uma droga e como esta droga afeta o usuário, três determinantes devem ser considerados de modo interliga- do: a droga (a ação farmacológica da própria substância), o set (a atitude da pessoa quando do uso, incluindo sua estrutura de personalidade e seu propósito de uso) e setting (a influência do meio, do contexto físico e social em que ocorre o uso). Dos três determinantes, o setting era o que recebia menor atenção. No entanto, tornou-se o foco da sua investigação. Assim, detectou-se que o setting social, através do desenvolvimento de sanções e rituais, possui a capacidade de manter o uso de drogas ilícitas sob controle.

O uso controlado de qualquer droga envolve valores e regras de conduta (que Zinberg chamou de “sanções sociais”) e padrões de comportamento (chamados de “rituais sociais”); estes dois juntos foram designados “controles sociais informais”. As sanções sociais definem se e como uma droga em particular deve ser usada. Elas podem ser informais e compartilhadas por um grupo, como nas máximas associadas ao consumo de álcool: “não misture bebida fermentada com destilada”. Ou podem ser formais, como nas leis e políticas dedicadas à regular o uso de drogas: “se beber, não di- rija”. Vemos aqui, portanto, um desdobramento e sofisticação do modelo de Howard Becker. Para ele, as sanções sociais ocorrem preferencialmente no âmbito daquilo que ele chama de socieda- de abrangente, ou a partir dos não usuários, cabendo aos usuá- rios exercerem alguma sanção no caso da necessidade do neófito passar a dispor de seu próprio suprimento de maconha após seu uso tornar-se um pouco mais constante. Zinberg traz as sanções sociais mais para dentro do grupo de usuários (valores e regras de conduta) e mostra sua importância para a regulação do padrão de uso, assim como leva mais em consideração a importância do ritual (padrões de comportamento).

Os rituais têm relação com os métodos de obter e administrar a droga, a seleção do meio físico e social para uso, as ativida- des desenvolvidas após a administração da droga e os modos de prevenir os efeitos indesejados. Eles ainda servem para apoiar, reforçar e simbolizar as sanções, colocando-as em relação direta com as pessoas através da prática (Harding e Zinberg, 1977).

Portanto, levar em consideração a ocasião de consumo é de imensa importância e está presente no interior das ideias de Zinberg, correspondendo ao setting de uso. Podemos visualizar esquematicamente como se desenha o setting, segundo Zinberg, na figura 1.

Contexto físico e social do uso controlado de drogas
Figura 1
Contexto físico e social do uso controlado de drogas

Controles sociais (rituais e sanções) se aplicam ao uso de todas as drogas, não apenas ao álcool, e operam em uma gama de set- tings sociais, variando muito, dos grupos sociais abrangentes, representativos de uma cultura como um todo, até um pequeno e discreto grupo. Mas sanções e rituais tendem a ser mais diversificados quanto mais próximos às circunstâncias. Por exemplo, no uso de drogas injetáveis: não aplicar a droga até que a última pessoa tenha chegado e as portas estejam fechadas. É impor- tante ressaltar que nada garante que as sanções e rituais se de- senvolverão como mecanismos de controle de doenças (como o ritual de puxar sangue para dentro da seringa com heroína para em seguida injetá-lo).

Nas drogas ilícitas, o principal conflito é entre controles formais contra o uso e a aprovação social do uso pelo grupo. Becker nos mostrou como o grupo de usuários de drogas ilícitas é capaz de fornecer toda uma série de argumentos favoráveis ao seu uso, a despeito da proibição formal. Contudo, os conflitos com a lei, engendrados pela proibição formal, podem causar ansiedade ao usuário e interferir no uso controlado. Pois, na tentativa de lidar com o conflito com a lei, o usuário pode demonstrar mais brava- tas, exibicionismo, paranoia, ou sentimentos antissociais do que se estivesse bebendo num bar, ao lado de uma sala de concerto. Este é o tipo de conflito que faz do controle social das drogas ilícitas mais complexo e mais difícil de conseguir que o uso con- trolado de drogas lícitas3.

Mesmo com um padrão de uso muitas vezes semelhante ao bin- ge, ou excesso descontrolado, devemos considerar que até os mais afetados alcoolistas e adictos, que poderiam ser agrupados no fim do espectro de uso de drogas, exibem algum controle so- bre si e sobre seu uso. Eles efetivamente fazem escolhas sobre se irão usar ou não, em qual momento, com quem e quanto4. No entanto, Zinberg (1984, p. 27) já nos alertava, há décadas, sobre a permanência na cultura norte-americana de uma aversão pro- fundamente estabelecida contra o reconhecimento da existência de uma preocupação com o controle do uso, generalizada entre usuários das mais diversas drogas, fossem eles recreativos ou não. Como resultado, a cultura norte-americana dos anos seten- ta e oitenta do século passado e, de maneira análoga, a brasileira do início do século vinte e um insistem em diminuir a importân- cia de muitos costumes sociais, sanções e rituais que possibili- tam ao usuário de drogas ter certa capacidade de exercer algum controle. Ambos, a existência de um módico controle da parte do mais compulsivo usuário e a preocupação geral com o uso de drogas por parte dos usuários mais controlados, não podem ser ignorados (Harding; Zinberg; Stelmack e Barry, 1980). Portanto, o espectro do uso de drogas deve ser ampliado e incorporar o uso ocasional e também o uso controlado, além da experimenta- ção e do abuso de drogas.

O modo de pensar que ignora o setting social não é capaz de compreender como o uso de intoxicantes tende a variar a cada fase da vida, status e mesmo localização geográfica. Muitos dos que fizeram uso pesado de intoxicantes quando adolescentes diminuem ao atingir a maturidade e mudar seu setting social (amigos e circunstâncias). Assim como alguns adultos, à medida que se tornam mais bem-sucedidos, podem aumentar seu uso. Por exemplo, um homem nascido e criado no campo pode mudar seus hábitos significativamente após mudar-se para a cidade grande. Enormes variações de uma época para outra podem também ser encontradas no uso social de substâncias psicoativas, especialmente álcool, em vários países.

Setting, padrão de uso e rituais para Zinberg.

Zinberg trabalhou com usuários de drogas no Vietnam e colheu evidências que mostram como drogas eram utilizadas pesada- mente, para obscurecer os acontecimentos da guerra, com pou- ca atenção ao controle. O setting terrível da guerra, embora pu- desse ser compensado pelo companheirismo entre militares, foi responsável por certo padrão destrutivo de uso. Para Zinberg é necessário compreender em cada caso como as características específicas da droga e da personalidade do usuário interagem e são modificadas pelo setting social e seus controles ou sanções.

Na prática, as sanções primeiramente definem uso moderado e condenam uso compulsivo. Os usuários controlados de opiáceos pesquisados por Zinberg têm sanções limitando frequência de uso a níveis abaixo que os requeridos para adicção e muitos têm sanções especiais como ‘não use todo dia’5. Um ritual comple- tando essa sanção restringe o uso aos finais de semana. Além disso, as sanções limitam o uso a cenários, ambientes, contextos físicos e sociais, como por exemplo, a máxima encontrada entre usuários de psicodélicos: ‘Use em um bom lugar, em boa hora, com boas pessoas’. Dois rituais consonantes com essas sanções são selecionar um cenário rural aprazível para usar psicodélico e a hora do uso para evitar dirigir ‘viajando’6. As sanções tam- bém identificam efeitos potencialmente indesejados e os rituais incorporam as precauções a serem tomadas antes e durante o uso. Usuários de opiáceos podem minimizar o risco de overdose usando somente uma parte da droga e esperando para calibrar seus efeitos antes de utilizar mais. Finalmente, as sanções e ri- tuais operam para compartimentalizar o uso de drogas e apoiar as obrigações a ele não relacionadas. Usuários podem orçar a quantia em dinheiro que gastam em drogas, como fazem para entretenimento, ou podem consumir apenas à noite ou finais de semana para evitar interferir no desempenho no trabalho.

Durante a década de 70, ocorreram mudanças drásticas na qua- lidade do uso que tornaram a experiência com LSD menos cata- clísmica. Esta diferença se dará, na opinião de Zinberg (1984), devido a mudanças principalmente no propósito de uso. No início dos anos 70, a admissão de usuários de psicodélicos para tratamento em serviços de saúde mental por episódios psicóticos agudos e, mesmo de longo termo, passíveis de ocorrer frequentemente no final dos anos 60, desapareceu por completo nos EUA. Ele observou um importante dado da National Commis- sion on marihuana and Drug Abuse a respeito da quantidade de psicodélico usada; ela não declinara até 1974. Ainda mais, desde que os recursos psiquiátricos estabelecidos não foram capazes de lidar com as más experiências com drogas com sucesso, a contracultura havia começado a invocar seu próprio “pessoal” experimentado, para lidar com as más viagens. Muitos usuários, ademais, estavam dispostos simplesmente a ter uma má viagem, sabendo ser o problema um efeito transitório da droga e não um indicativo de insanidade. Mesmo aqueles entre os sujeitos inves- tigados na pesquisa de Zinberg (1984), com histórico de uso pe- sado de psicodélicos, não costumavam mais mostrar interesse no pensamento religioso do Oriente ou em um estado de cons- ciência mais elevado, o que seria comum alguns anos antes. O novo contexto social, um elemento qualitativo, parece ter sido o fator predominante nessa mudança, um novo contexto marcado por um uso mais hedonista e menos afeito às buscas espirituais. Porém, o mais importante fator de proteção seria a diminuição da vulnerabilidade de usuários inexperientes, posterior ao de- senvolvimento da sanção: ‘use a primeira vez sempre com uma pessoa experiente’.

O modo como um indivíduo usa drogas é influenciado pelo modo como seus associados as usam, ou seja, sujeitos controlados tendem a conhecer mais usuários controlados que compulsivos. Evidentemente, sujeitos controlados mantêm uma rede mais ampla de conexões sociais – um grupo de pares mais largo – que os proveem com retornos valorizados e reforço para o uso mo- derado, enquanto sujeitos compulsivos, que tendem a conhecer mais usuários compulsivos e menos usuários controlados e que também tendem a ser solitários, parecem ficar fora do campo de influência dos usuários mais moderados (Zinberg; Harding e Winkeller, 1977).

A proximidade desenvolvida ao se compartilhar uma experiência ilícita e prazerosa dá ao usuário um senso de pertencimento a algo especial e impróprio que não há conhecido pelo mundo ‘careta’. Maconha certamente provê um tópico especial de conversação. Isto faz o usuário se sentir como um membro de um clube. Sobre os efeitos do LSD, a pesquisa de Zinberg detectou certa influência nos relacionamentos, um tipo de ligação pode- rosa entre as pessoas que viajavam juntas. Um sentimento de proximidade pessoal. A experiência compartilhada parece estabelecer um sentimento de afinidade. As características empatogênicas das drogas são aquelas relacionadas à sua associação com a produção de sentimentos de empatia, amor e proximida- de emocional entre seus usuários. Estas características foram estudadas pela primeira vez de um modo específico pelo psicó- logo alemão, radicado nos EUA, Ralph Metzner (Adamson; Metz- ner, 1988), companheiro de Timothy Leary em seus estudos com LSD em Harvard, no início dos anos 19607.

A síntese de Grund: disponibilidade da droga, rituais e regras, e estrutura de vida

Discutiremos agora, um pouco mais detidamente, os trabalhos do psicólogo holandês Jean-Paul Grund sobre usuários de drogas de Roterdã, para em seguida tirarmos nossas conclusões a partir de seu modelo. Muitas teorias enfatizam as poderosas propriedades farmacológicas dos psicoativos, outras destacam estruturas de personalidade deficientes. É também comum as- sociar o uso de drogas a deficiências de desenvolvimento social, como pobreza. Para Grund (1993) não se deve colocar ênfase em um dos aspectos do uso de qualquer droga, seja ele farmacológico, psicológico, seja social. Enquanto a maior parte das teorias sobre o uso de substâncias é baseada em experiências advindas da clínica de usuários problemáticos, para o autor, se queremos chegar ao fulcro da questão, torna-se necessário estudar o fenômeno primordialmente em sua arena de atuação cotidiana. Assim, se deveria observar cuidadosamente, através de uma pesquisa etnográfica, indivíduos em seu dia a dia, registrando quando fazem o que fazem, onde, com quem e porque, evitando as cegueiras das noções pré-concebidas. Para tanto, Grund em sua pesquisa sobre usuários de cocaína e heroína teve de aden- trar na comunidade sob estudo, muito similarmente ao antropó- logo cultural clássico que estuda uma sociedade tradicional. Sua análise resultante fundamentou-se nesse estudo da experiência e percepção dos sujeitos sobre seu contexto.

O material foi colhido de um estudo etnográfico de usuários regu- lares de heroína e cocaína em Roterdã, nos Países Baixos. Larga- mente baseado na observação participante, os estudos de Grund (1993) e Grund, Kaplan & De Vries (1993) descrevem padrões de uso, suas funções, significados e determinantes. O maior objetivo da pesquisa foi descobrir as funções e significados do comportamento ritualizado relacionado a drogas. O achado mais impor- tante é que esses comportamentos fornecem uma infraestrutura para o processo de autorregulação controlador do uso.

Uma característica proeminente dos rituais e regras é que eles visam controlar ou regular a experiência de uso da droga, as- sim, os dados da pesquisa de Grund (1993) e Grund, Kaplan & De Vries (1993) têm forte apoio na teoria de Zinberg (1984). Este considera que o uso de drogas é amplamente regulado por controles sociais – rituais e regras (ou “sanções sociais” como Zinberg os chamou) que moldam a maneira como a droga é uti- lizada. Através de processos de aprendizagem social com seus pares, rituais específicos e regras são desenvolvidos como adap- tações para os efeitos das interações entre droga, personalidade e ambiente (Grund, 1993; Grund, Friedman, Stern, Jose, Neaigus, Curtis, E Des Jarlais, 1996).

Contudo, a habilidade para autorregular o uso da droga não se en- contra igualmente disseminada por todos os usuários, assim sendo, alguns usuários nos estudos de Grund (1993) e Grund, Kaplan e De Vries (1993) pareciam ser capazes de usar grandes quantidades de heroína e cocaína apresentando poucos dos problemas caracterís- ticos, enquanto outros – tipicamente os usuários marginalizados ao redor da Estação Central de Roterdã – apesar de acabarem por usar menos das substâncias (que para eles eram caras e de baixo grau de pureza), pareciam mais suscetíveis aos problemas relacionados. Assim, autorregulação ou controle implicam em mais do que sim- plesmente limitar o consumo, devendo-se também levar em conta a prevenção dos problemas relacionados a este consumo na vida cotidiana. Para Grund (1993) e Grund, Kaplan e De Vries (1993), a teoria de Zinberg não explica adequadamente as variações entre os usuários, encontrados no estudo de Roterdã, em relação à sua resposta aos diferentes controles sociais vigentes. Grund considera que a teoria de Zinberg seria estática por não tratar de outros fato- res que têm impacto sobre a eficácia de rituais e regras. Para ele, a eficácia de regras e rituais seria moderada por fatores adicionais não trabalhados por Zinberg.

Grund sugere então que, além dos controles sociais informais discutidos por Zinberg, deve-se também levar em conta a disponibilidade da droga e a estrutura de vida dos usuários. O estudo de Grund irá tratar da interação entre disponibilidade da droga, rituais e regras e estrutura de vida, para tentar especificar e de- talhar o contexto social no qual os processos autorregulatórios se plasmam (Grund, 1993, p. 236).

Para tanto, foi apresentada uma análise secundária dos dados de admissão, referentes ao ano de 1989, no tratamento dos pro- gramas de metadona de Roterdã (RODIS). Esse relatório contém dados sobre uso de cocaína e etnicidade; prevalência na vida de overdoses, episódios psicóticos, inconsciência e convulsões; o nível de uso de heroína e suas associações mútuas. A prevalência de problemas em usuários de cocaína foi também analisada para determinar diferenças entre grupos étnicos: holandeses, surina- meses/antilhanos, marroquinos e estrangeiros. O grupo surina- mês/antilhano apresentou o mais baixo de todos os indicadores, enquanto o holandês teve as maiores marcas.

Entre os usuários holandeses de heroína, 55 % usavam cocaína sem problemas e 9 % consideravam o seu uso como problemático. Entre os surinameses/antilhanos a prevalência do uso de cocaína era maior, 77 %, mas aparentemente isto levava a me- nos problemas, 3 %. O uso da heroína foi correlacionado positivamente com o uso da cocaína, a heroína era empregada para controlar os efeitos colaterais da cocaína. Os estudos de Grund (1993) e Grund, Kaplan & De Vries (1993) apontaram o fato de os usuários surinameses usarem mais frequentemente cocaína, mas experimentarem menos problemas com o uso desta droga.

Os usuários envolvidos com sucesso no tráfico estão em uma posição melhor para exercer controle sobre seu uso de drogas, sofrem menos dos problemas relacionados à cocaína e dependem menos do ritual heroína controla cocaína. Sabia-se que era comum, entre os usuários de cocaína estudados, o uso da heroína para contrabalançar os efeitos estimulantes da cocaína. Os surinameses dominavam a distribuição no varejo, ocupando posições chave em grupos multiétnicos e tinham os melhores contatos com fornecedores de nível médio, uma vez que estas posições eram frequentemente também ocupadas por surinameses.

Grund (1993) e Grund, Kaplan e De Vries (1993) argumentam que, no caso holandês, embora limitar artificialmente a oferta de drogas possa deter o seu consumo até certo ponto, isto teria um considerável custo psicossocial. Além de criar um incentivo eco- nômico forte para a venda de drogas em circuitos empresariais desregulados, restringir a disponibilidade induz e alimenta um processo psicossocial que multiplica muito o valor ritual das dro- gas – inaugurando um estreitamento do foco do usuário. Fixação na droga irá levar a uma forte limitação das expressões compor- tamentais quando a droga é ansiada e difícil de obter, e ao consu- mo exagerado e impulsivo quando uma dose se torna disponível. Como resultado, rituais e regras ao redor da droga se tornam me- nos dirigidos à autorregulação e segurança no sentido da saúde, porém, mais no da proteção, sigilo e facilitação do uso de drogas e atividades correlatas (por exemplo, transações com drogas). Em contraste, a ausência de incerteza quanto à obtenção da próxima dose libera o usuário das preocupações obsessivas correntes voltadas à obtenção de drogas e à necessidade de batalhar por ela. Quando uma droga está suficientemente disponível, cria-se uma situação propícia ao desenvolvimento de rituais e regras que restrinjam o uso da droga e induzam padrões de uso estáveis. Como os resultados mostram, isso não necessariamente significa níveis menores de uso de drogas. Constatou-se que, quando a droga é suficientemente disponível, os usuários podem sustentar altos níveis de consumo, sem desenvolver problemas típicos relaciona- dos ao uso abusivo de drogas. No caso que estudou em Roterdã, Grund considera que uma disponibilidade suficiente seria pre-condição para o desenvolvimento e efetividade de rituais e regras que regulem os padrões e níveis de uso.

Além da disponibilidade da droga, outra dimensão fundamental é a da estrutura de vida, ela seria composta por um importante conjunto de variáveis que guiou o estudo de Grund e se refere a padrões regulares de atividades laborais, recreativos, domésti- cos e criminais que moldam e constrangem o dia a dia de usu- ários de heroína. Faupel (1987), um dos autores fundamentais no estudo de Grund, já havia enfatizado a importância das ati- vidades regulares (tanto convencionais quanto as relacionadas ao uso de drogas), que formatam o cotidiano dos usuários, como elementos cruciais de suas estruturas de vida a influenciar o uso de substâncias psicoativas. Seguindo esta lógica, Grund inclui os relacionamentos pessoais, compromissos, obrigações, respon- sabilidades, metas e expectativas que são exigentes e simultane- amente têm valor social (afetos) ou econômico (salários) como determinantes importantes da estrutura de vida de seus sujeitos de pesquisa. Contatos regulares com usuários controlados e não usuários são também de considerável importância, lembremos o quanto Zinberg salientou este aspecto. Assim como, são impor- tantes para Grund a participação nas estruturas e atividades não motivadas primariamente por incentivos relacionados a drogas.

Apesar da disponibilidade da droga ser essencial para o desen- volvimento de controles sociais, na falta de uma estrutura de vida estável, isto apenas lhe oferece apoio limitado. Faupel apre- senta uma tipologia de uso de heroína em que a importância da estrutura de vida é muito claramente demonstrada, pela sua au- sência, no caso do chamado junkie de expedientes (free wheeling junkie) (Faupel, 1987).

Tabela 1
Tipologia para o uso de heroína de Faupel.
Disponibilidade de drogas Estrutura de vida
Alta Baixa
Alta Baixa Junkie estabilizado Usuário ocasional Junkie de expedientes Junkie de rua

A despeito de ter amplo acesso a drogas, o “junkie estabilizado” consegue controlar seu uso, ao contrário do “junkie de expedien- tes” que possui baixa estrutura de vida e dedica-se, em boa parte de seu tempo, a práticas de obtenção de fundos para aquisição de substâncias. O usuário que possui alta estrutura de vida e baixo acesso às drogas tenderá a permanecer como um usuário ocasional, caso não haja nenhuma modificação substancial em nenhuma das variáveis que compõem sua estrutura de vida ou um eventual aumento na disponibilidade. Por fim, o junkie de rua encontra-se na pior situação entre os tipos acima. Com frá- geis conexões relacionadas a atividades fora do universo do uso de drogas e baixa disponibilidade, ele será empurrado para uma situação de alta vulnerabilidade com conexões cada vez mais frágeis com não usuários e vínculos progressivamente menores com atividades não pertinentes ao uso de drogas. Além disso, ele terá de dedicar grande parte de seu tempo à obtenção de fundos para o consumo de substâncias.

Assim, manter uma estrutura de vida estável em alto grau requer cuidadosa administração do consumo de drogas e de atividades correlatas e depende do desenvolvimento e do cumprimento de certas regras. Controlar o seu uso de drogas durante o horário de trabalho é um pré-requisito para uma participação produtiva no tráfico. Surinameses pesquisados por Grund frequentemente exercem intensa pressão social um sobre o outro para que per- maneçam em controle. Até certo ponto, o controle também é exercitado por parceiros não usuários e pela família. A repressão relativamente pequena que sofrem os usuários de heroína nos Pa- íses Baixos tem sido um facilitador indispensável dos processos de aprendizado social que promovem o uso controlado de drogas segundo Grund (1993) e Grund, Kaplan e De Vries, (1993).

O nível mais alto de autocontrole encontrado entre traficantes pode agora ser explicado como um exemplo de interação entre a disponibilidade da droga, rituais e regras e estrutura de vida. O tráfico exige certo grau de estrutura de vida na alocação de tempo, nos relacionamentos com clientes, comparsas e fornecedores atacadistas; ele estimula conexões exigentes, compromissos, obrigações, responsabilidades e expectativas. A disponibilidade é uma pré-condição para o desenvolvimento e manutenção de rituais e regras reguladores. Disponibilidade da droga, rituais e regras e estrutura de vida são uma tríade – fatores interativos em um processo circular coerente internamente no qual estes fatores são eles mesmos modulados (modificados, corrigidos, reforçados, etc.) por seus resultados. É, portanto, um circuito de retroalimentação que determina a força de processos de autor- regulação controlando o uso da droga8. A figura 2 esquematiza esse circuito (Grund, 1993, p. 248).

Modelo retroalimentativo da autorregulação do uso de drogas de Grund
Figura 2
Modelo retroalimentativo da autorregulação do uso de drogas de Grund

A crítica ao modelo

Certos pesquisadores dos fenômenos em torno do consumo de substâncias psicoativas ligados à Teoria do Ator Rede serão crí- ticos dos trabalhos que têm em Becker sua referência seminal. Neste artigo, tratamos do consumo de substâncias psicoativas, pensado a partir de certos contextos sociais e não como um evento (Vargas, 2006), por considerarmos esta abordagem pou- co eficaz como instrumento teórico apto para o trabalho com comportamentos ritualizados como são os relacionados ao uso de drogas. Ela não dá conta do aspecto repetitivo das diversas práticas associadas ao uso. Mais que uma sucessão de casualida- des fortuitas, aleatórias, ocasionais, ou seja, eventuais, o cotidia- no do usuário, ao contrário, está intimamente associado a ritu- ais, regras e valores de certa maneira permanentes no tempo e disseminados no espaço por uma cultura de uso. Os usuários de drogas não estão invariavelmente perdidos no paradoxo, como gostaria de nos fazer acreditar Vargas (2006). Muito pelo con- trário, eles desenvolvem uma rica cultura de uso que lhes per- mite esperar certos comportamentos de seus pares, assim como lhes possibilita ter certa ciência de como devem comportar-se no decorrer das diversas interações que venham a estabelecer. Para nós, acreditar que o uso de drogas está intrinsecamente li- gado à vida intensa (Vargas, 2006) é desconsiderar certa exten- são intensa dada na rotina, no cotidiano de usuários diários de drogas, às vezes, com décadas de experiência.

Considerações finais

Vimos como Howard Becker, a partir de suas investigações do uso da maconha, insere socialmente seu consumo. O grupo de pares, os demais maconheiros com quem, costumeiramente, seus interlocutores começavam a fumar, é responsável por guiar o neófito pelos esfumaçados caminhos da carreira de usuário. Esta carreira não possui nada de definido a priori, como uma característica psicológica intrínseca ao usuário de maconha, mas é indeterminada e irá conduzir-se a melhor ou pior termo depen- dendo de fatores sociais como, por exemplo, a relação com não usuários. Então, a carreira seguirá seu caminho dependendo da resposta aos obstáculos e oportunidades que poderão se abrir. Se tudo correr bem, ele poderá, finalmente, fumar maconha por prazer.

O trabalho de Becker possibilita que Zinberg se aprofunde na dinâmica social do uso de drogas, agora, além da maconha, do LSD e da heroína, para demonstrar como a busca por autocontrole, mes- mo em drogas até então consideradas intrinsecamente adictivas como a heroína, está presente pela pressão do grupo de usuários através de sanções e regras disponíveis nos rituais de uso.

Por fim, o trabalho sintético e ao mesmo tempo capaz de trazer novos elementos sociais para a compreensão do uso de cocaína e heroína, escrito por Jean-Paul Grund, insere a disponibilidade da droga e a estrutura de vida em um circuíto retroalimentativo que juntamente com os rituais e regras irão nos fornecer as va- riáveis necessárias para analisarmos a maior ou menor capaci- dade de autorregulação do uso de drogas.

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Notas

1 Em nossa pesquisa sobre o uso do crack (Alves, 2017), um usuário declarou que: “A brisa boa é quando dá um tuim” e por tuim podemos entender um zumbido agudo nos ouvidos. Um termo êmico para o ato de fumar crack é “dar uma paulada” devido à for- ça atribuída ao efeito da droga. Esses referentes concretos dados no corpo do usuário, em sua percepção da realidade, das cores a sua volta, dos sons, as mudanças de humor características e desejadas, são todos passíveis de indicar para ele diferentes sensações que poderiam ser associadas com o uso da droga.
2 Estes apontamentos de Becker a respeito da relação entre o usuário de maconha, os grupos de usuários e a sociedade mais ampla é de capital importância para procurarmos compreender o fenômeno das cracolândias (Alves, 2014).
3 A paranoia entre usuários de crack é tão marcante que ‘noia’ tornou-se sinônimo de craqueiro e comportamentos como olhar insistentemente por um buraco de fechadura, ficar em silêncio procurando escutar algum barulho e andar pelas ruas com ar descon- fiado são considerados típicos (Alves, 2017). Porém, esses comportamentos não são bem visto pelos demais usuários e no uso coletivo do crack “os usuários considerados como os mais paranoicos acabam sendo afastados do grupo” (Oliveira, 2007).
4 Observamos isso por diversas vezes no campo com usuários de crack que, por exemplo, guardam pedaços de sua pedra para consumir em ocasião mais oportuna (Alves, 2017).
5 No caso dos usuários de crack, nossos interlocutores, ouvimos diversas vezes a seguin- te máxima: “Você deve saber usar para não ser usado” (Alves, 2017).
6 Entre nossos usuários de crack, os rituais de uso podem prender-se à seleção da maloca como ambiente propício e a se evitar fumar na presença de crianças e de não usuários (Alves, 2017).
7 Ainda mais destacado que o LSD, neste sentido, o MDMA, ou Ecstasy, é reconhecida- mente uma droga empatógena. O mesmo pôde ser observado quanto ao uso do crack (Alves, 2017).
8 Este modo de abordar o uso de drogas rendeu frutos posteriores em pesquisas sobre a cultura de uso de drogas realizadas por Grund. Em 1996, ele publicaria os resultados de pesquisa sobre o ritual de troca de seringas entre usuários de drogas injetáveis. Tal trabalho destacaria a cantralidade do contexto de uso, particularmente das relações sociais presentes em torno da parafernália. Novamente, o estudo de campo estará presente como metodologia de coleta de dados.
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