EXTENDED ABSTRACT

Political participation is, in many ways, the foundation of modern democracy. The practices that surround this concept value the individual's role in the politics of his society, going beyond voting itself, but the ability to change his reality, improve it for himself and his companions. Legal provisions related to the promotion of citizen participation were strengthened with the end of the Brazilian military dictatorship, in 1985, and with the formulation and promulgation of the Brazilian Constitution of 1988. Participatory institutions (PI) are one of these ways to promote the inclusion of civil society in decision-making, transferring decision-making authority to spaces that incorporate government and civil society, aiming at proposing alternative policies and monitoring public goods. Councils are one of the examples of PI supported by national legislation, being present in the three spheres of government: national, state and municipal. They are directly connected to the guarantee of universal human rights, and are legally imbued with the functions of formulating, planning, implementing and supervising actions at the systemic levels to which they are related. The Councils are considered hybrid bodies, as they encompass actions between state representations and civil society entities, a sharing that advocates a new political action by renewing institutional powers. With the expansion of the number of councils and their presence in the country's municipalities, the diversification of themes and policy areas addressed also expanded, expanding institutional frameworks.

The National Council, state councils and municipal councils for food security are important tools to achieve the proposed objectives of food and nutrition security, contributing to the design and/or improvement of public policies to guarantee sovereignty and food and nutrition security in Brazil. The promotion or non-promotion of efficient public policies to combat hunger and food and nutritional insecurities must be considered as a result of political and historical contexts, which lead to unequal social realities. These situations are intensified by the performance of economic globalization and the constant advance of neoliberal guidelines in the Brazilian government, gradually using public policies as exchange currencies and ideological guidelines, making it impossible to develop the mechanisms necessary to achieve food security goals and nutrition in the country.

The objective of this work is to analyze how coalitions are structured in the Municipal Council for Food and Nutritional Security (COMSEA – Curitiba, Brazil), using the theoretical Advocacy Coalition Framework (ACF). The specific objectives are to understand how councils can contribute to social and political participation, and to observe how councilors act in terms of defending ideas, coordinating activities and system stability. The interest of the research is in the last administration of COMSEA in Curitiba, which took place between 2020 and 2022. The choice of this period is justified by two reasons: (1) registration and access to the minutes, which was facilitated by the inclusion of the institution in the Portal dos Conselhos Municipais de Curitiba, a governmental website that allows the monitoring of the activities of several other entities in the city; (2) for making reference to the last administration executed – elected at the end of 2020 and who served two years in office, until the end of 2022. As analysis material, the minutes of the period were collected and interviews were conducted with the councilors. Twenty-one minutes were selected and fifteen interviews were carried out with representatives of the institutions indicated as active in the analyzed administration. All interviews were conducted online, through the Teams platform, during the most appropriate periods according to each interviewee. The average duration of the interviews was forty minutes. All interviews were recorded by the system with the authorization of the interviewees, and then submitted to the Transkriptor program, an online transcription software that converts audio into text, then corrected by the researcher, so that they can be used as data. Recordings were discarded after 90 days. The generated data were inserted into the Iramuteq Software to generate statistics on the expressions of the texts.

Initially, it is pointed out that coalitions between councilors seem to form within COMSEA, linking actors with common practices or similar interests in promoting issues on the council. Councilors did not show consistent evidence that they have support groups that direct them to COMSEA, but rather a tendency to take an interest in the position of their own accord, finding more support with fellow councilors within the council to support their agendas and defend common opinions. Therefore, COMSEA seems to serve as an aggregator of people with an interest who then form coalitions in favor of promoting better discussions on public policies for food and nutritional security in Curitiba. Given the documents collected and generated, there is a tendency to form a coalition encompassing all councilors around the common interest of influencing the production of public policies on this topic. This coalition is not fixed, even if some institutions are or tend to be present more recurrently among the representatives. The group changes cyclically every two years through elections, and between these events there is a change of representation in the participating institutions with some frequency, either due to withdrawals or other changes.

COMSEA is an instrument to exercise political discussion in order to positively influence food and nutritional security policies in Curitiba. It is fair to say that the performance of the last administration (2020-2022) played an active role in the discussions and incorporated trajectories of change in the public policies of the municipality, possibly being responsible for adapting proposals and debating changes that provided social improvements and more effective projects. Research like these should be encouraged in order to recognize the merit of these institutions, legitimizing their actions, but also critically analyzing and seeking to produce more and more fruitful results.

1. INTRODUÇÃO

A participação política é, de muitas formas, a base da democracia moderna. As práticas que cercam esse conceito prezam pela atuação do indivíduo na política de sua sociedade, indo além do voto em si, abarcando sua capacidade de alterar sua realidade, afim de melhorá-la para si próprio e seus companheiros. Instituições participativas (IP) são um desses caminhos para promover a inclusão da sociedade civil nas tomadas de decisão, transferindo a autoridade decisória para espaços que incorporam governo e sociedade civil, visando a proposição de políticas alternativas e monitoramento de bens públicos. Os Conselhos de Políticas Públicas são um dos exemplos de IP amparadas pela legislação nacional brasileira, estando presente nas três esferas governamentais: nacional, estadual e municipal. Estão conectados diretamente à garantia dos direitos humanos universais, e são legalmente imbuídos de funções de formulação, planejamento, implementação e fiscalização de ações. A complexidade dos problemas enfrentados pela sociedade atualmente demanda políticas públicas formuladas democraticamente, por meio da participação bottom-up, ou de baixo para cima, como é mais rotineiro em instituições participativas. Dessa forma, torna-se essencial estudar o avanço dessas dinâmicas.

O objetivo geral desse artigo é analisar como se estruturam coalizões no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA – Curitiba/ Brasil), utilizando o Modelo teórico de Coalizões de Defesa (MCD). Os objetivos específicos são: compreender como conselhos podem contribuir para a participação social e política, baseando-se no estudo de caso; observar como os conselheiros atuam em termos de defesa de ideias, coordenação de atividades e estabilidade de atuação.

Esse trabalho foi dividido em seis partes: além da introdução, a segunda aborda Governança Participativa Empoderada e Conselhos de Políticas Públicas no Brasil; a terceira trabalha a teoria do Modelo de Coalizões de Defesa (MCD); a quarta aborda a metodologia; a quinta traz os resultados e discussões; e, por fim, as conclusões da pesquisa.

2. GOVERNANÇA PARTICIPATIVA EMPODERADA E CONSELHOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

A área de pesquisa sobre políticas públicas nasce como um braço da ciência política no caminho traçado nos estudos do mundo público. A compreensão geral em torno da área é de que esse foi um ramo para compreender como e por que governos optam por determinadas ações. Muito se discute sobre a conceituação da expressão “políticas públicas”, e mesmo com a participação de diversos atores, esse não é um termo fechado para interpretações. As políticas públicas são campos multidisciplinares, que repercutem na economia e na sociedade. Por essa característica essencial, se constroem em torno das interações do Estado, da política, da economia e da sociedade. Entre todas as definições, no entanto, o que fica claro é que o cerne do estudo das políticas públicas sempre será o centro de embates de interesses, e onde as ideias se desenvolvem: os governos (Souza, 2006).

Em primeira mão, coube aos estudos sobre políticas públicas compreender onde se encaixavam as ações dos governos na definição e implementação das mesmas. Nesse processo existem diversas teorias que preconizam como as ações são feitas, desde teorias que afirmam que ações do Estado servem apenas aos interesses de determinadas classes sociais (estruturalistas), ou que o Estado opta sempre por políticas definidas exclusivamente por aqueles que estão no poder (elitismo). Partirmos do pressuposto que as estrutura dos governos e das sociedades é complexa, e que vivemos o processo de definição de políticas que se aproxima de uma perspectiva de “autonomia relativa do Estado”, ou seja, embora os governos possuam um espaço de atuação, estão permeáveis às influências externas e internas. A margem para definir essas capacidades geradas pela autonomia são também complexas de se definir, e dependem de muitos fatores e dos momentos históricos de cada país (Souza, 2006).

A necessidade de regular a liberdade e os interesses entre os diversos cidadãos dentro do regime democrático, reforçando a ampliação e garantia de seus direitos, requer o exercício da cidadania, que pode ser construído de múltiplas formas dentro das sociedades contemporâneas. Múltiplas características dos regimes democráticos refletem a promoção do bem estar da população e para a contínua responsividade que esta forma de governo deve fornecer a seus cidadãos. Instituições formalizadas e estáveis como eleições e outras formas contínuas de participação cidadã são essenciais para que os regimes se tornem cada vez mais democratizados (Dahl, 2008; Lavalle, 2011; Soares, 2012; Touchton, Sugiyama, e Wampler, 2020).

Dispositivos legais relacionados à promoção da participação dos cidadãos no Brasil foram fortalecidos com o final da ditadura militar, em 1985, e com a formulação da Constituição Federal Brasileira de 1988. Conformes aumentam as oportunidades de efetiva participação e contestação, aumenta também o número de indivíduos e interesses cujas preferências devem ser levadas em consideração nas decisões políticas. A pluralidade de opiniões no jogo político é vantajosa para o ambiente democrático por apresentar mais de um lado do mesmo problema, e diferentes formas para solucioná-lo. A participação ampliada provoca uma mudança na composição das lideranças políticas e, conforme novos indivíduos acessam os espaços em que se constroem políticas públicas, possibilitando o sufrágio pleno para os grupos sociais, candidatos com características políticas mais próximas às das camadas recém-incorporadas ganham uma fatia maior dos cargos eletivos. Formas públicas de ações coletivas são essenciais para promover o bem estar comum ao dar voz às reinvindicações e necessidades coletivas (Dahl, 2008; Lavalle, 2011; Soares, 2012; Touchton, Sugiyama, e Wampler, 2020).

A introdução de estratégias de Governança Participativa Empoderada (GPE) é um processo que diz respeito à aplicação de mudanças na participação democrática em organizações e práticas específicas, explorando a reorganização e expansão de instituições estatais formais no engajamento democrático da sociedade civil, e a formação de um círculo virtuoso de reforço recíproco. Os princípios da GPE têm como cerne alcançar os objetivos sociais propostos para estas instituições, em especial o aumento da qualidade da ação estatal, promovendo sua eficácia, equidade e caráter amplamente participativo. A participação e a deliberação criam um estilo ágil de atividade coletiva que pode reconhecer e responder a estratégias errôneas ou ineficazes, em circuitos mais curtos de feedback - a distância e o tempo entre decisões, ação, efeito, observação e reconsideração. As instituições deliberativas tem o potencial de gerar novos grupos entrelaçados, que operam em conexão, mas com autonomia substancial, permitindo o surgimento de mais estratégias, além de permitir conhecer prioridades e técnicas, e difundir mais rapidamente aquelas que se mostram mais eficazes (Fung e Wright, 2003).

Essas estratégias de participação tem a capacidade para gerar resultados mais justos e equitativos nos processos políticos porque tendem a facilitar o acesso de bens públicos a uma parcela da sociedade que frequentemente não é contemplada. Quanto mais presença e voz existirem nestes processos, mais ocorrerá a presença de indivíduos desfavorecidos e invisibilizados. Os efeitos compartilhados são componentes importantes da justiça social e, uma vez que essa ideia é infundida na prática da discussão razoável, a tomada de decisão verdadeiramente deliberativa produz resultados mais equitativos do que aqueles regulados por poder, status, dinheiro ou números. A GPE tem a intenção de promover o valor democrático ao engajar cidadãos comuns em uma participação sustentada e significativa (Fung e Wrignt, 2003).

Instituições participativas (IP) de diversas formas são um dos caminhos para promover a GPE, transferindo a autoridade decisória para espaços que incorporam governo e a sociedade civil, visando a proposição de políticas alternativas e monitoramento de bens públicos. As IP podem atuar como oportunidades ímpares de participação política da sociedade civil, sendo munidas de regras e constituições que ajudam a guiar o comportamento de seus membros, condicionando seu ativismo (Avritzer, 2008; Borba, 2011).

Conselhos de Políticas Públicas são exemplos de IP amparadas pela legislação brasileira, estando presente nas três esferas governamentais: nacional, estadual e municipal. Estão conectados diretamente à garantia dos direitos humanos universais no país, e são legalmente imbuídos de funções de formulação, planejamento, implementação e fiscalização de ações nos níveis sistêmicos aos quais estão relacionados. São considerados órgãos híbridos, por englobarem ações entre representações estatais e as entidades da sociedade civil. Com a expansão dos conselhos e de sua presença nos municípios do país, a diversificação dos temas e áreas políticas abordadas também se expandiu, alargando os arcabouços institucionais, e criando significativas variações nas formas de atuação. (Lavalle, Voigt e Serafim, 2016; Lüchmann e Borba, 2007).

Na virada da década de 1990, existiam no Brasil menos de mil conselhos. Já em 2016, havia cerca de 30 mil conselhos nos 5.570 municípios do Brasil, e, consequentemente, várias dezenas de milhares de conselheiros da sociedade civil, evidenciando a crescente relevância dessa instância participativa. Mais de 90% dos municípios registravam a presença de conselhos nas áreas da saúde, assistência social e criança e adolescente, 92% apresentavam conselhos de cultura, 88% possuíam conselhos de desenvolvimento agrário e para pessoas com deficiência (PCD). Entre 2003 e 2011, os dois primeiros mandatos de Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), houve um forte ritmo de criação de conselhos, quando foram criados dezesseis conselhos nacionais, número que corresponde a mais da metade dos então existentes no país (Almeida e Tatagiba, 2012; Lavalle, Voigt e Serafim, 2016).

2. 1 Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e a situação da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil

A definição consensualizada no Brasil de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e norteia as políticas públicas refere-se:

(...) a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis (CONSEA, 2004. P.04).

Políticas públicas de SAN são conjuntos de ações planejadas para assegurar a oferta e o acesso a alimentos para toda a população, promovendo a nutrição e a saúde. Existem três elementos chaves que devem estar contidos na formulação de políticas públicas de qualidade. Primeiramente, deve estar em consonância com as necessidades nutricionais específicas de cada indivíduo para manter uma vida ativa e saudável, como explanado no subtópico anterior. Em segundo lugar, uma política de SAN deve ser contínua e prever possíveis riscos futuros. O termo “segurança” implica ausência de risco, sendo assim, está diretamente relacionada ao risco de acesso insuficiente a alimentos para garantir o bem-estar físico. Uma política eficaz deve refletir a necessidade do acesso a todos os instantes a uma alimentação adequada para a população, o que pode envolver a preocupação com a produção dado os riscos de escassez, efeitos adversos das mudanças climáticas, entre outras questões. O terceiro elemento chave para as políticas públicas de SAN é que estas devem ser políticas com caráter intersetorial, ou seja, que reconheçam as complementaridades entre a alimentação e outras esferas da vida social, como a educação e a saúde. Essa é uma premissa básica, que vai envolver ações articuladas e coordenadas entre diversas entidades e órgãos, visando resultados mais eficientes em torno de prioridades estabelecidas em conjunto. Políticas de SAN requerem o envolvimento tanto do governo quanto da sociedade civil organizada, em seus diferentes setores ou áreas de ação, por meio de programas diferentes (Barrett, 2002; CONSEA, 2004).

Os Conselhos de SAN possuem o direcionamento de auxiliarem na formulação de políticas de SAN, estando presentes como conselho nacional, como conselhos estaduais e como conselhos municipais, com diferentes atribuições e funções. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional assessora o Presidente da República na formulação de políticas públicas a nível nacional, definindo diretrizes que possibilitassem a garantia da SAN, o estímulo ao atendimento de necessidades básicas e o combate à fome. Dentre os importantes atributos do CONSEA que podem ser apontados, o mais relevante é a qualidade intersetorial do órgão. Sua construção para o novo milênio levou em conta essa necessidade ao favorecer a interlocução entre os diversos setores de governo, bem como uma representação igualmente diversa dos setores sociais. O caráter consultivo é incluído como parte essencial do processo de participação social em políticas públicas, pois o CONSEA tem como propósito exercer a intersetorialidade na formulação e implementação dos programas correspondentes, e essa característica central em suas funções possibilitou a abertura para apresentar proposições que seguem desde a Presidência da República para as mais distintas áreas de governo que contam, quase todas, com seus próprios dispositivos de participação social. (Lavalle, Voigt e Serafim, 2016; Lüchmann e Borba, 2007; Sattamini, 2013).

O CONSEA é uma parte constituinte de um conjunto articulado mais amplo. O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) foi um dos sistema de gestão intersetorial de políticas públicas desenvolvido para integrar essa rede junto ao CONSEA, provendo articulação entre os três níveis de governo para a implementação e execução de política de SAN. Foi constituído como parte da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), também chamada de Lei nº 11.346. Compõe o SISAN as Câmara Interministeriais ou Intersetoriais de SAN (CAISAN), e os Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricionais, que atuam enquanto rede de espaços para a construção de políticas com a sociedade civil, interligando os trabalhos locais com as iniciativas do CONSEA (Paula, 2021; Rigon, 2012).

A posição do CONSEA, junto ao alto escalão com o Presidente da República, demonstrava sua alta relevância no enfrentamento da fome e à promoção da SAN na agenda dos governos do PT, entre os dois mandatos de Lula, que se iniciam em 2003, e do um governo e meio de Dilma Rousseff, até sua deposição por golpe em 2016. Com a mudança do comando executivo federal, rupturas institucionais foram provocadas, levando a cortes orçamentários que impactaram diretamente nas políticas de alimentação e nutrição, e indicando mudanças de paradigmas e retrocessos nos princípios e direitos adquiridos. Os desmontes de políticas públicas consagradas de SAN foram fortes e constantes, afetando mercados institucionais focados na realização da produção da agricultura familiar, desestruturando o corpo técnico de serviços públicos, e interferindo de forma negativa na condução da política de desenvolvimento agrário do país. O governo de Michel Temer (2016-2017) tentou firmemente popularizar o discurso da “austeridade fiscal”, visando beneficiar a base política aliada no Congresso Nacional composta, em sua maioria, por deputados e senadores ligados ao agronegócio (Mattei, 2018; Vasconcelos et al, 2019).

O desmonte de políticas públicas de SAN se intensificou com a entrada do governo de Jair Messias Bolsonaro em 2019. Assumindo um governo que já indicava expressiva piora de indicadores sociais e ao aumento da pobreza, um dos primeiros atos do governo de Bolsonaro foi a extinção do CONSEA, aprofundando as fragilidades já existentes nas políticas de SAN. A descontinuidade de programas sociais não afetou somente a área de segurança alimentar, impactando o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), mas também o Sistema Único de Saúde (SUS), entre outras políticas, indo na contramão do processo da redução da desigualdade social e redistribuição de renda. E, ainda em 2020, apresentou-se um dos maiores desafios sanitários mundiais deste século, a pandemia de COVID-19. Devido à esta situação complexa e desfavorável, as medidas de distanciamento físico voluntário, essenciais para conter a circulação do vírus e impedir maior disseminação da doença, também impactaram no acesso à renda e afetaram a regularidade da produção, acesso, disponibilidade, abastecimento e preço de alimentos, consequentemente afetando a garantia da SAN da população. (Alpino et al, 2020; Ribeiro-Silva et al, 2020).

Respostas diretas ou indiretas aos desmontes e retrocessos legais, o Brasil passa hoje por uma grave situação de fome e de insegurança alimentar. De acordo com o II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e SAN (PENSSAN), pouco mais de 41% dos domicílios no Brasil tinham garantia de acesso pleno aos alimentos em 2021. Em dezembro de 2020, o I VIGISAN constatou que 9% da população, ou 19 milhões de pessoas, conviviam com a fome no Brasil. O II VIGISAN evidenciou que este percentual passou para 15,5% da população, ou seja, que 33,1 milhões de pessoas hoje convivem com a ameaça ou vivência da fome, 14 milhões de brasileiros a mais que no último ano. A deterioração das condições alimentares é um grave sintoma do contínuo processo de empobrecimento e vulnerabilidade social de ampla parcela da população brasileira. As condutas governamentais criaram uma armadilha para a população brasileira, elevando os níveis de concentração de renda e riqueza, e falhando visivelmente em atender às crescentes demandas sociais (PENSSAN, 2022).

2.2 Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Curitiba (COMSEA – Curitiba)

O Conselho Estadual de Segurança Alimentar do Paraná (CONSEA – PR) foi criado pelo Decreto n°1.566 em 09 de julho de 2003, tendo como objetivo principal realizar o assessoramento imediato ao governador do estado do Paraná, propondo diretrizes gerais da política estadual de SAN. O estado do Paraná aderiu formalmente ao SISAN em 2011, estando cumprindo sua segunda edição do Plano Estadual de SAN, que terá vigência até 2023. Em 2020, cerca de 160 municípios do estado já tinham aderido ao SISAN, colocando o Paraná como destaque pela maior adesão de municípios ao sistema até então. A mobilização da sociedade civil é de grande importância dentro dos processos e avanços nas políticas de SAN no Brasil. O protagonismo do estado do Paraná nesta área, e da presença de lideranças interessadas no espaço municipal igualmente pode ter tido um impacto significativo para os resultados da SAN (Paula, 2021; Rigon, 2012).

O município de Curitiba possui uma importante relevância no cenário regional, no que diz respeito às políticas públicas de SAN do estado. Os primeiros equipamentos públicos voltados exclusivamente para o abastecimento popular foram propostos em 1940, sendo criados ao longo das próximas ações que promoviam a suplementação alimentar nas escolas com a alimentação escolar, a regulamentação de feiras livres e a construção do mercado municipal. Curitiba recebeu também, durante os anos da ditadura militar, a Central de Abastecimento (CEASA), além de outros projetos que intensificaram ações voltadas ao abastecimento alimentar. Em 2000, se estrutura a Secretaria que passou a atuar em três eixos: Abastecimento Social, Unidades de Abastecimento e Educação Alimentar e Nutricional. Em 2003, se oficializa a criação do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Curitiba (COMSEA – Curitiba) (Paula, 2021; Rigon, 2012).

O COMSEA Curitiba foi criado por meio da Lei Ordinária de Curitiba-PR, nº 10698 de 12 de junho de 2003, que englobava o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional e o Fundo Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional. Seu regimento foi formulado em 2009, comportando suas competências como conselho municipal, e sua estrutura interna. O COMSEA é composto por 2/3 de representantes da sociedade civil, tendo quatorze membros titulares e seus respectivos suplentes representantes, e 1/3 por representantes do governo, formados por sete membros titulares e seus respectivos suplentes. Teve sua composição alterada em 2020 por demanda dos membros, dando mais liberdade para a escolha dos conselheiros oriundos de áreas não governamentais. É um órgão permanente que assessora o poder executivo municipal e possui caráter consultivo, devendo ser propositivo e servir como um espaço de diálogo e articulação entre a sociedade civil e o governo, em especial para propor diretrizes que irão compor políticas e ações de SAN no município.

O COMSEA Curitiba foi responsável pela organização de três Conferências Municipais de Segurança Alimentar e Nutricional, sendo a primeira em 2011, a segunda em 2015 e a última em 2019. O I Plano Municipal de SAN, com vigência de 2016 a 2019, foi aprovado em 2016, resultado de discussões realizadas durante a conferência de 2015 (Paula, 2021; Rigon, 2012). O conselho possui também câmaras temáticas para organizar e direcionar os debates internos, coordenadas por conselheiros da sociedade civil. São elas a Câmara de Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas; a Câmara de Institucionalidade; e a Câmara de Nutrição e Saúde (Portal dos Conselhos, 2023).

3. COALIZÕES DE DEFESA

Advocacy Coalition Framework (ACF), ou o Modelo de Coalizões de Defesa (MCD), é uma abordagem desenvolvida para simplificar a complexidade das políticas públicas, proposto por Paul A. Sabatier. O modelo vem sendo sistematicamente aprimorado com uma série de adições e revisões teóricas, que busca estudar a formulação e os processos pelas quais as políticas públicas mudam ao longo do tempo. Os autores buscam explicar a deficiência dos modelos contemporâneos em fornecer respostas ancoradas aos indivíduos responsáveis pelas políticas O modelo se tornou uma estrutura que suporta várias áreas teóricas de ênfase, com premissas estabelecidas desde sua concepção: o subsistema de políticas é a unidade primária de análise; é necessária uma perspectiva de longo prazo para compreender as decisões tomadas; o conjunto de atores envolvidos em sistemas de políticas pode ser agregado em coalizões; e os desenhos de políticas são interpretados como traduções das crenças da coalizão (Rodrigues, Vasconcellos e Vasconcellos, 2020; Vicente, 2015; Weible Sabatier e McQueen, 2009, Weible et al, 2011).

Devido à complexidade da formulação de políticas públicas nas sociedades modernas, MCD define que, em ordem de integrar e maximizar sua influência sobre as decisões no subsistema, os participantes tendem a se especializar na área; e assume também que a informação científica e técnica desempenha um papel importante na modificação das crenças dos participantes da política, ou seja, que pesquisadores estão entre os atores centrais de um processo político. Subsistemas maduros são caracterizados por grupos com experiência compartilhada em certas situações políticas por um período maior, ou agências, grupos de interesse e instituições de pesquisa que tenham subunidades especializadas nesse tópico por um período prolongado. Em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, diversos subsistemas são considerados recentes pela instabilidade do sistema político de forma geral e pela falta de formação técnica no conjunto. Assumiremos as suposições apresentadas pelo modelo proposto por Sabatier (2007) e consideraremos que o escopo de um subsistema é delimitado pelo mapeamento dos atores (e suas possíveis organizações) que buscam influenciar um determinado processo de política (Rodrigues, Vasconcellos e Vasconcellos, 2020; Sabatier e Weible, 2019).

Para os autores do MCD, um dos objetivos principais era o de compreender processos de mudanças no longo prazo em políticas públicas. Para tanto, teorizaram que as coalizões de defesa são quem geralmente assumem o protagonismo de tais mudanças ou de manutenção da estabilidade em um subsistema de política. Entre as fontes de mudanças estão os processos de aprendizado orientados para a política, oriundas de mudanças duradouras de pensamento ou intenções comportamentais resultantes de novas experiências, e que dialogam com a realização ou revisão dos objetivos da política proposta. Crenças centrais profundas são mais difíceis de serem remodeladas, mas crenças secundárias (baseadas em vivências empíricas) são mais suscetíveis à aprendizagem orientada por políticas, porque o escopo relativamente estreito requer menos evidência e mudança de crença entre menos indivíduos (Rodrigues, Vasconcellos e Vasconcellos, 2020; Sabatier e Weible, 2019).

4. METODOLOGIA

O interesse da pesquisa está na última gestão do COMSEA de Curitiba, que ocorreu entre 2021 e 2022. A escolha deste período é justificada por dois motivos: (1) o registro e acesso às atas, que foi facilitado com a inserção da instituição no Portal dos Conselhos Municipais de Curitiba, site governamental que permite o acompanhamento das atividades de diversas outras entidades da cidade; (2) devido ao fato de fazer referência à última gestão executada – eleita ao final de 2020 e que cumpriu dois anos de atuação, até o final de 2022. Para sedimentar o referencial teórico, foram selecionados artigos, livros e outros materiais dos principais autores das áreas requeridas por meio de ferramentas de buscas acadêmicas como o Portal da Capes, além do uso de portais governamentais, tais como dados do IPEA. Para a organização e categorização dos documentos, foi utilizado o software Mendeley, garantindo a estruturação coerente do conteúdo.

Atas são documentos elaborados para servirem enquanto registro formal dos eventos, deliberações, discussões e decisões tomadas em reunião, visando o repasse das informações aos membros ausentes, servindo como memória ou documento com valor jurídico. A preservação de dados em documentos como atas é entendido como um procedimento importante da gestão de informações, uma forma de permitir o acesso às informações e consolidar a cidadania ao proteger e permitir divulgação de dados públicos (Esquinsani, 2007; Silva, 2008).

Foram coletados treze documentos do ano de 2021, e doze documentos de 2022. Destes vinte e cinco documentos disponibilizados no Portal dos Conselhos, existiam aqueles que continham somente atas da reunião ordinária, atas de reuniões extraordinárias, e outros que possuíam em anexo ofícios, notas, apresentações – por slide ou imagens – fotos e lista de presença dos encontros presenciais. Foram 21 atas documentadas (nove de 2021 e doze de 2022), sendo dezoito de reuniões ordinárias e três de reuniões extraordinárias, tal como é apresentado na Figura 1.

Figura 1
Documentos selecionados da gestão 20212022 do COMSEA Curitiba

A segunda etapa foi a realização de entrevistas semiestruturadas aplicadas aos conselheiros e conselheiras da gestão selecionada do COMSEA de Curitiba. A técnica permite maior elasticidade no tempo de resposta, além de permitir uma proximidade maior entre entrevistador e entrevistado, o que vem a ser relevante ao tratar do significado pessoal de determinadas atitudes e comportamentos reflexivos (Minayo, 1989). Os dados de contato foram solicitados à Secretaria Executiva do Conselho, que repassaram aos conselheiros informações sobre o trabalho a ser desenvolvido, e autorizaram os encontros. Foram destacadas vinte instituições governamentais e não governamentais participantes para atender a pesquisa, com cerca de quarenta representantes entre conselheiros titulares e suplentes. Inicialmente foram contatados todos os vinte conselheiros titulares e, caso este contato tenha sido infrutífero ou o conselheiro não tenha se disponibilizado à entrevista, foram contatados os suplentes. Não foi feita a distinção entre ambos a fim de manter a anonimidade das respostas. A pesquisa foi executada de acordo com a Declaração de Helsinque (1964). Todos os entrevistados assinaram termos de consentimento e puderam manter o contato com a pesquisadora caso tivessem dúvidas ou necessitassem de mais informações sobre o trabalho, podendo ainda desistir da participação a qualquer momento.

Todas as entrevistas foram conduzidas de forma online, por meio da plataforma Teams, durante os períodos mais apropriados de acordo com cada entrevistado. A média de duração das entrevistas foram de quarenta minutos. Todas as entrevistas foram gravadas pelo sistema com a autorização dos entrevistados, e então submetidas ao programa Transkriptor, um software de transcrição online que converte áudio em texto, e corrigidos pela pesquisadora, para então poderem ser utilizados como dados. As gravações foram descartadas após 90 dias. Ao final do período proposto (até dezembro de 2022), foram realizadas quinze entrevistas com representantes das instituições indicadas como ativas na gestão de 2021-2022, entre conselheiros titulares e suplentes. As cinco instituições das quais não foi entrevistado nenhum conselheiro dizem respeito a membros que estavam indisponíveis em razão das datas propostas, não responderam ao contato da pesquisadora ou se recusaram por outros motivos. Foram contatadas todas as instituições apontadas pela secretaria executiva do conselho como ativas, tendo todas as oportunidades de responder à entrevista.

Para organizar e analisar o corpus empírico, foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (1977). O emprego das metodologias de Bardin tem o intuito de afastar o que a autora chama de compreensão espontânea dos dados, com induções errôneas e conclusões precipitadas. A interpretação final dos dados deverá ser fundamentada através de operações que conduzem a resultados de confiança. Sendo assim, foi utilizado três polos cronológicos da metodologia, sendo eles: a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados (Bardin, 1977; Mendes e Miskulin, 2017). Os dados gerados foram inseridos no Software Iramuteq para geração de estatísticas sobre as expressões dos textos. Foram retiradas todas as preposições e pronomes que se repetiam e sem valor para a análise, e nomes próprios de pessoas e instituições que pudessem levar ao reconhecimento dos entrevistados da gestão escolhida. Utilizando o modelo teórico de coalizões de defesa, o presente trabalho pretende, de forma exploratória, focalizar as ações desenvolvidas pelo Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Curitiba (COMSEA) no processo de formação de coalizões. Buscaremos observar e caracterizar os papeis exercidos pelos conselheiros e conselheiras em termos de defesas de ideias, constituição de crenças e condução de processos de aprendizados e na construção de mecanismos de coordenação de atividades políticas.

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Teremos aqui o COMSEA como nosso subsistema de análise, delimitado pelo mapeamento dos atores (e suas organizações de origem) que buscam influenciar os processos de elaboração de políticas (Rodrigues, Vasconcellos e Vasconcellos, 2020; Sabatier e Weible, 2019).

As primeiras perguntas do instrumento de entrevista visavam compilar uma série de informações sobre os membros do COMSEA de forma objetiva, a fim de montar um perfil médio do conselheiro. Sem uma série histórica é difícil alegar que esse é um padrão recorrente de conselheiros. Porém, existe a tendência de manutenção de determinados grupos, como a permanência das organizações governamentais pelo regimento, e alguns grupos de interesse da sociedade civil que continuamente integram o conselho. Na gestão atual do COMSEA Curitiba, como apresenta a tabela abaixo, prevaleceram conselheiros do sexo feminino, brancos, com ensino superior completo, e renda familiar média mensal acima dos doze mil reais. Como Cruxên, et al (2013) apontou, os conselheiros normalmente apresentaram renda e escolaridade superior à média da população, e confirmou a tendência de participação feminina acentuada em conselhos municipais (Cruxên et al, 2013) (Tabela 1).

Tabela 1
perfil do conselheiro do COMSEA – Curitiba na gestão 2021/2022

Existe uma tendência de os Conselhos de Promoções de Direitos possuírem, comparativamente, mais negros e pardos do que Conselhos Tradicionais (que são os correspondentes às áreas consideradas estratégicas pela Constituição: saúde, educação e direitos da criança e do adolescente). No COMSEA, entre quinze entrevistados, quatro não se identificaram como brancos, se considerando pardos (20%) ou amarelo (6,6%). Curitiba é a capital mais negra do Sul do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. No entanto, devido a políticas de embranquecimento e invisibilização dessas populações, no Paraná a população afrodescendente e indígena foi proporcionalmente menos beneficiada por políticas públicas (Candiero, 2019; Cruxên et al, 2013).

Diversas consequências nascem dessa falta de políticas públicas específicas voltadas a essas populações, entre elas o empobrecimento contínuo e o aumento das desigualdades, tornando Curitiba uma das cidades mais desiguais do Brasil, com concentração de extrema pobreza entre negros nas áreas urbanas e nas áreas rurais. Nestas, soma-se o agudo agravamento das condições de vida da população (Candiero, 2019). Simultaneamente ao evento da pandemia da Covid-19, essa inação política da prefeitura produziu um resultado catastrófico, expondo milhares de pessoas à vulnerabilidade social, em sua maioria homens e mulheres pretas que, sem devida proteção social e oportunidades, integram a crescente parcela de população em situação de rua na cidade (PDUR, 2020).

Essa percepção da realidade transborda para os conselheiros, que trouxeram esse como um dos pontos mais discutidos em suas reuniões. O desmonte de políticas públicas de SAN que se ocorreu no Brasil nos últimos anos refletiu significativamente no trabalho ativo sobre essas temáticas, aprofundando as fragilidades já existentes. Subsistemas maduros compartilham experiências políticas a fim de integrar e maximizar sua influência sobre as decisões. Mas, na situação experimentada no país, pela instabilidade do sistema político de forma geral, essas estruturas são retardadas ou impedidas de prosperar (Rodrigues, Vasconcellos e Vasconcellos, 2020; Sabatier e Weible, 2019). Não por acaso, duas preocupações concomitantes ficam aparentes nas atas do COMSEA Curitiba e na entrevista com os conselheiros, sendo elas a ação do projeto Mesa Solidária, da prefeitura, e das ações desenvolvidas com pessoas que vivem em vulnerabilidade social e situação de rua.

(...) trago de novo a questão do Mesa Solidária, que foi algo recente que ocorreu nessa gestão. A importância de a gente ter... pelo que vi até fora do conselho, o contato com a sociedade civil junto à população em situação de rua na época. Não foi algo que a prefeitura levou antes para discutir nesse momento, que seria super relevante para os representantes trazerem essa pauta, não trazem. Isso passa por aquilo que eu já comentei, do interesse de só trazem pautas de marketing, de dizer ‘nossa, como a prefeitura faz’, ‘a gente faz o possível, vocês estão reclamando de que’. E aí, nesse momento, o COMSEA se mobilizou, gerou o documento colocando os pontos que seriam importantes, indo contra até, porque naquele momento estava sendo imposto, sem a discussão com a sociedade civil. E aí foi possível rever. A prefeitura reviu o texto e adequou diretamente com o COMSEA, trabalhando junto. Grupos que já trabalhavam com a população de rua passaram a servir as refeições junto ao Mesa Solidária. É uma estratégia que deu certo, mas o papel do conselho é muito importante, e a gente tem o exemplo dessa gestão, de que pode ser efetivo na melhoria da formulação destas questões (Entrevistado A).

O Mesa Solidária é descrito pela prefeitura como um espaço onde são oferecidas diariamente refeições gratuitas para a população em situação de rua, risco social e insegurança alimentar e nutricional, resultado da parceria entre a prefeitura e entidades públicas e privadas, e gerenciado pela SMSAN (Prefeitura, 2023). Ao longo das atas, expressões que faziam referência ao projeto foram citadas mais de trinta vezes, além de ser citado por diversas vezes nas entrevistas. Apesar de mencionado em reuniões do COMSEA desde o início de 2022, o avanço do projeto na prefeitura correu sem o conhecimento dos conselheiros. Devido à essa situação, existiram discordâncias acerca do conteúdo do Projeto de Lei (PL) do Mesa Solidária, sobre sua estruturação e sobre como a iniciativa seria gerida, em especial por não terem abordado entidades que trabalham com o público alvo ou feito levantamento de informações sobre a mesma para dialogar e então desenvolver o Projeto. Isso pode representar não somente a perda da legitimidade desses espaços como locais de debate para melhorias nas políticas públicas do município, como também na diminuição da participação em si.

Eu acho que nesses 4 anos a gente pisou em ovos. Tanto com conselhos nos municípios, quanto com o conselho estadual, porque parece que o poder público estava fazendo um favor em manter esses conselhos, sabe? Porque não tinha obrigação de mantê-los. Até pelo SISAN não ser algo obrigatório. A adesão é “adere quem quer”. Não há obrigação de que o município ou estado tenha adesão ao SISAN. Então, claro, teve essa vontade política de aderir e de manter e, mesmo que a extinção do nacional, se manteve. Tanto que Paraná acho que foi um dos únicos que conseguiram dar sequência. Mas é sempre naquela sensação de que eles estão fazendo favor. Então, vamos devagarinho, vamos até onde dá pra não correr o risco de perder. (Entrevistado O).

O estado do Paraná e sua capital, Curitiba, ainda são exemplos frente a outras unidades da federação e outras cidades pela promoção de políticas de SAN e pela continuidade de participação no SISAN mesmo após seu desmonte constante dos últimos anos. Possuem um conselho bem delimitado e estruturado desde o início dos anos 2000, e integram uma das maiores redes de SAN do país. Esse conjunto de direcionamentos atua como proteção às políticas de SAN por promoverem maior regularidade nas ações, e está em constante mudança por representar interesses não só sociais, como econômicos e políticos, devendo se adequar às necessidades impostas. Mesmo assim, a percepção dos conselheiros ao longo das entrevistas é a de que o COMSEA é subutilizado enquanto ferramenta para debater políticas de SAN no município, como vemos abaixo nesse trecho de uma entrevista.

E a gestão não entende que essa escuta é uma escuta qualificada que pode ser utilizada para políticas públicas, mas não é o que eles pensam. Eles pensam que conselho é algo que fica ali “enchendo o saco” deles, criticando tudo que eles estão fazendo, e eles não entendem a pérola que eles têm na mão. Porque se eles devem uma atenção maior, e até um recurso maior viessem para isso, as políticas seriam muito mais bem definidas. E aí a margem pra erro seria quase zero. Mas ainda... isso não é entendido (Entrevistado H).

As dificuldades que circundam a participação no COMSEA também foram um tópico relevante e que, por diversas vezes, voltaram a ser assunto nas entrevistas feitas. Tanto a participação dos conselheiros quanto a participação do público possuem problemas que acarretaram em desmotivação, desistência e a falta de inclusão. Existem três questões que aparecem de forma recorrente nas entrevistas: a primeira trata da dificuldade de compreensão dos temas debatidos no COMSEA; a segunda diz respeito a dificuldade de permanência dos conselheiros devido a incompatibilidade de agendas; e terceiro, toca a falta de participação popular além da presença dos conselheiros. A primeira questão diz respeito às dificuldades pessoais dos conselheiros eleitos para tratar dos tópicos discutidos no COMSEA, devido à complexidade da formulação de políticas públicas nas sociedades modernas.

A pessoa que eu substituí colocava como muito difícil, porque ali nós temos doutores, especialistas no que fazem, na parte da agricultura... então, tem pessoas que tem um conhecimento muito profundo daquilo que estão defendendo, e no meu caso, como peguei tudo já caminhando, eu precisei me inteirar das situações; um dos motivos que fez com que a pessoa desistisse foi justamente essa dificuldade, achando difícil o entendimento para acompanhar o conselho. (...) Na última reunião eu até coloquei essa questão que eu estou colocando pra você dizendo que nosso representante desistiu por conta disso, que se achava insuficiente (Entrevistado K).

O modelo de coalizões define que, a fim de integrar e maximizar sua influência sobre as decisões no subsistema, os participantes tendem a se especializar na área temática ao qual estão vinculados, e a informação científica e técnica desempenha um papel importante na modificação das crenças dos participantes da política, ou seja, que pesquisadores estão entre os atores centrais de um processo político (Rodrigues, Vasconcellos e Vasconcellos, 2020; Sabatier e Weible, 2019). Essa especialização e a promoção de informação científica e técnica pode acarretar no afastamento de representantes que sejam novos ao ambiente, dificultando a inclusão integral daqueles representantes - seja por receio de não corresponderem ao tipo de conhecimento proposto na discussão, ou por simplesmente não compreenderem os processos pelo curto tempo em atuação no conselho.

Compreende-se, assim, a importância de processos de sensibilização com os conselheiros em ciclos periódicos, a fim de auxiliar no processo de inclusão. Porém, também é importante ressaltar que presença nesses espaços de representantes do meio acadêmico é um sinal de que o conhecimento não somente é valorizado como é essencial para promover debates significativos sobre temas sociais. Mas não são os únicos a compartilhar conhecimento. Organizações não governamentais, ou ONGs, são um exemplo forte de participação social e envolvimento cívico. Por meio de espaços como o COMSEA essas organizações podem se manifestar em um meio institucionalizado, pensado para promover essa interação e possibilitar que as experiências sejam passadas adiante, promovendo melhorias em políticas já experimentadas pela cidade, ou gerando novas políticas que abarquem os problemas sociais mais emergentes, como é o caso da insegurança alimentar entre pessoas em condição de vulnerabilidade social.

(...) É uma questão de respeito, porque as pessoas que estão ali, essas pessoas, elas têm um saber. E elas têm um saber que ele é construído (...). O saber construído ele é um saber que que vem e que aflora de maneira que quando se você tiver o interesse, a humildade e o compromisso com a população, de ouvir o que essas pessoas trazem, você pode implementar políticas que sejam de interesse dessas pessoas, que seja de interesse da população (Entrevistado G).

A segunda dificuldade sobre a participação diz respeito à permanência dos conselheiros devido à incompatibilidade de agendas. Instituições formalizadas, estáveis e contínuas de participação cidadã são essenciais para que os regimes se tornem cada vez mais democratizados, sendo o direito à participação um dos aspectos da democratização. Porém, não existe legislação que promova essa atividade cívica e resguarde o direito da participação atuante. O COMSEA representa uma realidade comum aos conselhos consultivos, que não possuem orçamento próprio nem remuneram ou auxiliam seus conselheiros. Sendo assim, tendem a serem vistos como uma atividade não compensatória, fruto de trabalho pessoal. A vontade de participação é somente uma das amarras para um sistema bem feito, faltando ainda essenciais iniciativas e políticas estáveis e dinâmicas para que se alcance um país que realmente promova a cidadania participativa.

(...) Porque a maioria está representando a instituição em que trabalha. Até aí tudo bem, né? Quem está representando a instituição que trabalha tem esse entendimento. Minha chefe vai saber que eu estou numa reunião contigo por causa de conselho, ela vai entender que é válido essa interação entre nós. Agora, tem pessoas que estão em alguma instituição, mas também tem o seu trabalho. Então, pra essa pessoa é difícil conseguir conciliar essa agenda. (...) (Entrevistado O).

O terceiro desafio diz respeito à participação popular além da presença dos conselheiros. As reuniões mensais do COMSEA sempre ocorrem em local público, com livre acesso da população. Mesmo que não tenham direito a voto sobre as decisões finais assumidas pelos conselheiros, o público possui direito a voz, podendo ser porta de entrada para questões relevantes de serem tratadas naquele espaço. Assim como os conselheiros, o público geral parece sofrer com as mesmas questões que o impedem de estar presente, que dizem respeito à própria estrutura do sistema. E no mais, costumam não estar informadas sobre a agenda (tanto de datas quanto de temáticas trabalhadas) do COMSEA.

[A presença de representantes governamentais] tem um seu aspecto positivo no sentido de que quando você precisa da interação deles, você está mais perto de poder acessar a informação a eles. O aspecto negativo é que, quando a agenda deles não bate com a da sociedade civil, eles funcionam como um filtro, eles se seguram ao processo para poder ser avançado (Entrevistado E).

Tendo em vista que os atores de diferentes coalizões tendem a avaliar as mesmas informações de maneiras distintas (Rodrigues, Vasconcellos e Vasconcellos, 2020; Sabatier e Weible, 2019; Weible, Sabatier e McQueen, 2009), as entrevistas apresentaram muitas percepções sobre a atuação dos conselheiros representantes de áreas governamentais. Essas dificuldades listadas pelos conselheiros da sociedade civil tiveram pouco reflexo entre os conselheiros de áreas governamentais. Esses representantes têm cadeiras fixas no conselho, e trabalham com temáticas similares às que são abordadas em reuniões do COMSEA, o que os torna menos sujeitos às dificuldades de participação, tais como ausências por agenda ou dificuldades burocráticas. Muitos possuem conhecimento sobre o sistema e não estão em sua primeira gestão no cargo. São eles os responsáveis apontados por trazer pautas sobre políticas da prefeitura, às vezes já encaminhadas para aprovação em agenda da Câmara de Vereadores do município (como foi o caso do Mesa Solidária) ou em processo de finalização.

5.1 Políticas Públicas Municipais de SAN e a percepção dos conselheiros sobre a atuação do COMSEA

O intuito de questionar os conselheiros sobre a percepção quanto aos principais projetos e políticas da SAN do município tinha do objetivo de compreender quais programas eram conhecidos e mais valorizados. Como visto em atas, a principal discussão que tomou lugar no COMSEA na gestão de 2021/2022 refere-se ao Projeto Mesa Solidária. Foi também o projeto com mais citações ao longo das entrevistas, sendo citado cerca de vinte e duas vezes pelos conselheiros. Outros projetos complementares foram apontados como importantes programas do município para a promoção da SAN, como as Cozinhas Comunitárias e Restaurantes Populares, girando em torno da questão da alimentação adequada para as populações mais vulneráveis. A figura proposta a seguir apresenta uma Nuvem de Palavras, instrumento utilizado com o fim de ilustrar a ocorrências de determinadas expressões que representaram políticas públicas ao longo das entrevistas realizadas com os conselheiros. (Figura 2)

Figura 2
Nuvem de Palavras sobre Percepções de Políticas Públicas Municipais por Conselheiros do COMSEA- Curitiba

As Fazendas Urbanas foram o segundo tipo de ação mais mencionado pelos entrevistados, representando uma possibilidade de produção de comida no ambiente da cidade, promovendo interação com a natureza, espaços verdes e manutenção de fauna e flora. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi citado diretamente cerca de cinco vezes, mas diversas outras foi introduzido enquanto tema ao longo das entrevistas para relembrar que o programa foi afetado pela situação atual. A pandemia impediu a continuidade de algumas pautas, em especial por paralisar atividades e demandar novas formas de atuação das entidades – que nem sempre se adaptaram de forma rápida ou eficaz; mas também pelas discussões que focaram em ações emergenciais para conter o avanço desenfreado da fome e do desabastecimento alimentar nos centros urbanos. Entende-se que por essa razão uma das principais temáticas na gestão além do Mesa Solidária, foi uma contenção imediata para populações que já estavam em situação vulnerável e subitamente perderam renda e estabilidade mínima. Outros equipamentos e programas de SAN citados pelos conselheiros foram projetos de agricultura familiar e hortas comunitárias, que visam estimular e orientar sistemas de produção de alimentos em espaços públicos e privados, provendo circuitos curtos de alimentação e o desenvolvimento de atividades de agricultura urbana. Foram citados também programas de apoio ao abastecimento alimentar que comercializam alimentos básicos como Armazém e Sacolão da Família, e que atendem famílias com renda bruta mensal de até cinco salários mínimos (Paula, 2021).

Acho que não tem muitos equipamentos onde a população precisa, e sim equipamentos em locais onde a população é mais numerosa, mas não tão carente. Então, você teria que ter no Cachimbo alguma coisa, você teria que ter em outras comunidades mais carentes essas políticas. Penso eu que a SAN tem um cerne inicial do combate à fome. Então, se você, naquele município X ou Y, por exemplo, de Curitiba, equipamentos de SAN naquele local vão ser inúteis. Claro que vai ser útil a um tipo de população, mas para combate à fome e à miséria eu acho que falta muito (ENTREVISTADO H).

As respostas demonstram um bom conhecimento sobre os instrumentos de SAN do município, mas poucas respostas se delongam em críticas ou comentários sobre os mesmos projetos. Conselheiros informados e cientes são essenciais para promover debates mais abrangentes, que abarquem as necessidades dos cidadãos. Uma importante questão que não foi abarcada nas entrevistas, mas seria de grande valia para a análise da percepção dos conselheiros sobre os bens públicos de promoção de SAN, é o questionamento de quantos desses conselheiros realmente utilizam ou conhecem profundamente o funcionamento dos projetos que apontaram como relevantes. Essa talvez seja uma questão de cunho mais amplo, que deva ser destinada aos estudos de políticas públicas de modo geral.

Assim como o CONSEA, os conselhos a nível estaduais e municipais usam de espaços consultivos como ferramentas de promoção de participação. Não pretendem promover leis sobre SAN de forma obtusa, preferindo que estados e municípios permitam a participação de atores sociais no debate e, assim, possa se estruturar como instância relevante para as políticas públicas do local. Os conselheiros expressaram preocupação sobre a frequência com a qual suas sugestões eram ouvidas. Por ser um conselho consultivo, a prefeitura não possui obrigação de acatar suas deliberações internas. Críticas foram produzidas sobre a falta de comprometimento da prefeitura em estar presente e dedicar esse esforço de escuta aos membros do COMSEA.

Por isso que eu te digo que é uma prática, de primeiro trazer produtos prontos para essa apreciação. Então, eu acho que o que se conseguiu com essa mudança e com essa ampliação é trazer o aspecto da saída dessa sala de conversa, chamada segurança alimentar, dentro do COMSEA. (...) E também isso trouxe um... talvez uma cultura de amadurecimento para essas secretarias, especialmente a Secretaria que abriga o conselho, de que ao propor um projeto de lei, ela está publicizando pra fora. Isso vai além da questão da instância de controle social e ela tem um coletivo, um universo para ser desenvolvido com outros atores. Então, eu vejo que a atuação no COMSEA ela tem um marco hoje que tem um caminho das pedras que está se iniciando, que é justamente esta articulação (Entrevistado L).

Cada organismo possui uma forma única de perseguir seus interesses. É com aproximação de interesses e fortalecimento desses espaços de escuta que os conselhos de SAN tentam estabelecer o diálogo entre a sociedade civil e governamental. Esses espaços podem não ser suficientes para implementar mudanças na realidade de forma abrupta, passando a imagem de que são espaços que são morosos. No entanto, parecem produzir como resultado a percepção de que verdadeiramente só se criam políticas públicas quando as entidades e a sociedade civil são ouvidas. É um trabalho constante que envolve além da alimentação e saúde toda uma cadeia de políticas voltadas à SAN.

Isso varia, como eu falei anteriormente. Se chega pra gente, a gente consegue avaliar. Mas, geralmente, a gente tem mais escuta na Câmara de Vereadores, que é ali que eles vão mudar alguma parte de proposição de lei, de acordo com o que a gente sugeriu, recomendou, porque a gente é só consultivo, né? Não é deliberativo. Então, a gente recomenda e daí vai da Prefeitura, vai de a Câmara de Vereadores aceitar essa recomendação. Via de regra, eu acho que nesse último mandato o saldo foi positivo. Não foi negativo. O mandato anterior também. A gente conseguiu mudar a lei de composição do COMSEA, que também foi positivo. E muita lei que a gente conseguiu recomendar e algumas outras situações. Mas eu acho que dá pra melhorar essa relação (Entrevistado O).

Notou-se com as entrevistas que os conselheiros possuíam certa descrença na atuação do próprio conselho ante as políticas municipais geradas, mesmo que identifiquem alguns pontos positivos ao longo da última gestão. Ou seja, os conselheiros sentem a dificuldade de atuar em um conselho que lhes detona desprestígio, sem a devida atenção da prefeitura às suas vocalizações.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O COMSEA representa uma força política importante para discutir políticas públicas de SAN em Curitiba. Sem a mobilização e ações conjuntas que podem ser moldadas neste espaço, o processo de produção de políticas é centralizado em repartições públicas com pouco contato com a sociedade, a não ser após a publicização e implementação de ações. A fim de responder o objetivo geral da pesquisa, como se estruturam coalizões de defesa no COMSEA – Curitiba, levantam-se alguns indícios que podem nos indicar possíveis respostas.

Inicialmente, pontua-se que as estruturas de trabalho internas, entre conselheiros, parecem se formar dentro do COMSEA, ligando atores com práticas em comum ou interesses similares na promoção de temas no conselho. Os conselheiros não apresentaram evidências consistentes de que possuem grupos de apoio que os direcionam ao COMSEA, mas sim a tendência de se interessarem pelo cargo por vontade própria, encontrando mais suporte com os colegas conselheiros dentro do conselho para apoiar suas pautas e defender opiniões em comum. Por isso, o COMSEA parece servir como um agregador de pessoas com interesse que então formam coalizões em prol de promover melhores discussões sobre políticas públicas de SAN em Curitiba.

Sobre as possíveis coalizões que se formam no âmbito do conselho, não foi possível aferir que existam coalizões conflitantes entre representantes governamentais e não governamentais. Mesmo que existam choques entre esses dois grupos de representantes, não existem evidências suficientes que sustentem uma cisão ou perpetuação de conflitos ao longo da gestão. Os representantes de viés mais acadêmico, oriundos de entidades estudantis, universidades e afins, parecem seguir a mesma tendência. Não se aproximar do COMSEA por coalizões anteriores, mas por motivação pessoal em participar do debate público sobre políticas temáticas de SAN no município.

Dado os documentos coletados e gerados, vê-se uma propensão da formação de uma coalizão englobando todos os conselheiros em torno do interesse comum de influenciar a produção de políticas públicas sobre SAN em Curitiba. Essa coalizão não é fixa, mesmo que algumas instituições sejam ou tendam a estar presentes de forma mais recorrente entre os representantes. O grupo se altera ciclicamente a cada dois anos por meio de eleições, e entre esses eventos ocorre a mudança de representação nas instituições participantes com alguma frequência, seja por desistências ou outras alterações. A afirmação de que existem uma ou mais coalizões no âmbito do COMSEA, no entanto, demanda uma observação a longo prazo, trabalhando com mais gestões ao longo de anos de atividade. Por isso, colocamos essa observação a fim de explicar que esses indícios podem indicar essa estruturação das atividades do conselho, mas o espaço de tempo do estudo foi limitante para o resultado.

Os conselheiros se mostraram coesos quanto à defesa de ideias básicas sobre participação social e produção de políticas públicas. Reconheceram a importância de existir um espaço como o COMSEA para discutir questões de SAN do município, e auxiliar na produção de ações mais eficientes e que realmente sejam destinadas a sanar problemas apontados pela população. Constantemente reforçam esse ponto na argumentação sobre o projeto Mesa Solidária, em especial quando o mesmo retornou ao conselho para debate (como citado em atas), apontando a necessidade da escuta ativa tanto ao público alvo quanto aos conselheiros, importantes peças para o quebra cabeça complexo que é a estruturação de uma política direta e eficaz para conter o avanço da fome da insegurança alimentar.

O COMSEA é um instrumento para exercitar a discussão política como meio de influenciar positivamente as políticas de SAN de Curitiba. Diante dos dados empíricos coletados e do recorte e limitação dessa pesquisa, parece coerente afirmar que a atuação da última gestão (2021/2022) teve um papel ativo nas discussões e incorporou trajetórias de mudança nas políticas públicas do município, possivelmente sendo responsáveis por adequar propostas e debater mudanças que proporcionaram melhorias sociais e projetos mais eficazes. Os processos apresentados tem a intenção de promover o valor democrático de engajar cidadãos comuns em uma participação sustentada e significativa. A inclusão é essencial, pois pode fornecer informações locais sobre várias políticas, dados retrospectivos sobre seus efeitos, impulsionando o aprendizado. A importância de um estudo com foco na instância municipal de debate e discussão sobre SAN, dentro de conselhos, é mostrar a relevância dessas organizações na produção de políticas. Mesmo diante dos desafios ocasionados por questões globais como a pandemia de Covid-19 ou por instabilidades políticas internas resultantes da falta de estímulo governamental e desmonte de políticas sociais, é possível destacar a estabilidade de atuação do conselho ao longo de tantas gestões políticas municipais, estaduais e federais.

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Autor notes

Informação adicional

Cómo citar /citation: Ribeiro-Rocha, B., Formighieri, R., e de Paula, N.M. (2023). A gestão de 2021/2022 do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Curitiba - Brasil sob a ótica do Modelo de Coalizões de Defesa. Estudios de la Paz y el Conflicto, Revista Latinoamericana, Volumen 4, Número 8, 71-91. https://doi.org/10.5377/rlpc.v4i8.16259