Recepción: 15 octubre 2024
Aprobación: 09 enero 2025
Resumen: Esta investigación busca analizar la contribución del patrimonio cultural a la producción de ingresos familiares, centrándose en la cestería en el pueblo de Nhacundela. El estudio se basó en un enfoque cualitativo, a través de la observación directa asistida por la recolección de fotografías y entrevistas a la comunidad local, para obtener datos relevantes sobre la investigación. Los resultados muestran que en el pueblo de Nhacundela la cestería se utiliza con fines domésticos, rituales y comerciales. Las cestas que se encuentran en Nhacundela están hechas de materiales naturales, extraídos de plantas como Hyphaene Coriacea (hanga). El conocimiento involucrado en la práctica de la cestería en Nhacundela se transmite de generación en generación. La actividad de cestería en el pueblo de Nhacundela tiene una clara ventaja como fuente de generación de ingresos, aunque existen pocas ganancias para los artesanos debido a que esta actividad depende de la demanda de estos productos por parte de los consumidores. La canasta utilizada por la comunidad para conservar los alimentos conlleva un simbolismo que no puede disociarse de la memoria, de la vida ritual. La característica cultural de la cestería puede ser un elemento que, además de ofrecer productos diferenciados a la demanda turística, en un sentido tangible, también permita a los visitantes tener una experiencia diferente, en un sentido intangible, ya que el contacto con la comunidad receptora permite un intercambio. de experiencias.
Palabras clave: Patrimonio cultural, Cestería, Ingresos familiares.
Resumo: Esta pesquisa, procura analisar o contributo do património cultural na produção da renda familiar com enfoque para a cestaria no povoado de Nhacundela. O estudo baseou-se na abordagem qualitativa, através da observação directa auxiliada pela colecta de fotografias e entrevistas a comunidade local, para obter dados relevantes sobre a pesquisa. Os resultados mostram que no povoado de Nhacundela a cestaria é utilizada para fins domésticos, rituais e comerciais. Os cestos encontrados em Nhacundela, são produzidos de materiais naturais, extraídas de plantas como Hyphaene Coriacea (hanga).O conhecimento envolvido na prática da cestaria em Nhacundela é passado de geração a geração. A actividade da cestaria no povoado de Nhacundela tem clara vantagem como fonte de geração de renda, pés embora regista-se poucos lucros para os artesãos pelo facto desta actividade depender da demanda dos consumidores destes produtos. O cesto usado pela comunidade para conservação de alimento carrega um simbolismo que não pode ser dissociado da memoria, da vida ritual. A característica cultural da cestaria pode ser elemento que além de ofertar produtos diferenciados à demanda turística, no âmbito tangível, também permite que os visitantes possuam uma experiência diferenciada, no âmbito intangível, uma vez que o contacto com a comunidade receptora permite um intercâmbio de experiências.
Palavras-chave: Património cultural, Cestaria, Renda familiar.
Abstract: This research seeks to analyze the contribution of cultural heritage to the production of family income, focusing on basketry in the village of Nhacundela. The study was based on a qualitative approach, through direct observation assisted by the collection of photographs and interviews with the local community, to obtain relevant data about the research. The results show that in the village of Nhacundela, basketry is used for domestic, ritual and commercial purposes. The baskets found in Nhacundela are made from natural materials, extracted from plants such as Hyphaene Coriacea (hanga). The knowledge involved in the practice of basketry in Nhacundela is passed from generation to generation. The activity of basket weaving in the village of Nhacundela has a clear advantage as a source of income generation, although there are few profits for artisans due to the fact that this activity depends on consumer demand for these products. The basket used by the community to preserve food carries a symbolism that cannot be dissociated from memory, from ritual life. The cultural characteristic of basketry can be an element that, in addition to offering differentiated products to tourist demand, in a tangible sense, also allows visitors to have a different experience, in an intangible sense, since contact with the receiving community allows for an exchange of experiences.
Keywords: Cultural heritage, Basketry, Family income.
Résumé: Cette recherche vise à analyser la contribution du patrimoine culturel à la production de revenus familiaux, en se concentrant sur la vannerie dans le village de Nhacundela. L'étude était basée sur une approche qualitative, par l'observation directe assistée par la collecte de photographies et d'entretiens avec la communauté locale, pour obtenir des données pertinentes sur la recherche. Les résultats montrent que dans le village de Nhacundela, la vannerie est utilisée à des fins domestiques, rituelles et commerciales. Les paniers trouvés à Nhacundela sont fabriqués à partir de matériaux naturels, extraits de plantes telles que l'Hyphaene Coriacea (hanga). Les connaissances impliquées dans la pratique de la vannerie à Nhacundela se transmettent de génération en génération. L'activité de vannerie dans le village de Nhacundela présente un net avantage en tant que source de génération de revenus, bien qu'il y ait peu de bénéfices pour les artisans du fait que cette activité dépend de la demande des consommateurs pour ces produits. Le panier utilisé par la communauté pour conserver les aliments est porteur d'une symbolique indissociable de la mémoire, de la vie rituelle. La caractéristique culturelle de la vannerie peut être un élément qui, en plus d'offrir des produits différenciés à la demande touristique, dans un sens tangible, permet également aux visiteurs de vivre une expérience différente, dans un sens intangible, puisque le contact avec la communauté d'accueil permet un échange. d'expériences.
Mots clés: Patrimoine culturel, Vannerie, Revenu familial.
INTRODUÇÃO
O Boletim da República (Lei nº 10/88 de 22 de Dezembro, Moçambique, 1988), define Património Cultural como sendo o conjunto de bens materiais e imateriais criados ou integrados pelo povo moçambicano ao longo da História, com relevância para definição da identidade cultural moçambicana. Acontece que a população de Nhacundela vive e da sentido sua vida por meio dos serviços ecossistémicos das plantas que permitem dar continuidade a cestaria e todos saberes práticos ancestrais acoplados a cestaria. Isto tem seu fundamento baseado na localização privilegiada de Nhacundela numa microregião com características fitogeográficas de vegetação que fornece vários tipos de fibras utilizados nos trabalhos de cestaria tal como palmeiras de vários tipos, capim, bambus, sisal, tambeiras e entre varias cascas de árvores que permitem tecer cestarias com estas fibras retiradas da mata.
A cestaria desempenha diversas funções no cotidiano local na construção de moradias, uso na produção, guardar e servir alimentos, transporte de diversas cargas, conservar excedente agricola, ornamentar a sala, guardar dinheiro e outros utensílios, etc. Inclusive, incorporam a cestaria para produção da renda familiar e para o mercado turístico, por meio da venda de peças decorativas, transformando-se em importante fonte de renda para muitas famílias.
O estudo do contributo do artesanato no desenvolvimento local, poderá contribuir para explicar como pode ser criado o valor da cultura a nível local, uma vez que é uma construção social e idealizada da realidade concreta da comunidade que se torna um processo simbólico de legitimação social e cultural que confere a um grupo um sentimento colectivo de identidade. O património material e imaterial, define a natureza e o carácter de cada indivíduo, lugar ou território e, pode ser utilizado como referência de memória e identidade. Procura-se nesta pesquisa compreender o Contributo da cestaria no desenvolvimento local, com enfoque para a cestaria no povoado de Nhacundela no distrito de Inharrime.
O pressuposto da escolha do tema foi, a observação da existência a nível da província de Inhambane de patrimónios culturais que a sua valoração poderá contribuir no desenvolvimento local, facto que despertou a necessidade de compreender o contributo da cestaria produção de renda familiar no povoado de Nhacundela e procurar conhecer o seu significado histórico. Desta feita, na nossa óptica pensamos que esta pesquisa é relevante na medida em que, ao debruçar sobre cestaria do povoado de Nhacundela, a sua publicação ajude a despertar interesse as outras comunidades, bem como as entidades governamentais que tutelam esses patrimónios e a comunidade local sobre a necessidade de criar formas de valoração de todos os patrimónios culturais, como forma de atraír mais visitantes “turistas”, transformando esta actividade numa prática lucrativa focando-se no incremento de renda familiar, estudando-se a utilização de produtos e valores culturais neste processo, incluindo a promoção da economia local, a coesão e bem-estar social, e a criação de oportunidades para as diversas faixas etárias que constituem a comunidade, constituindo um caminho para a sobrevivência das familias.
REVISÃO DA LITERATURA
Património cultural
Na óptica de Jopela (2014) Património cultural é conjunto de bens tangíveis e intangíveis, que constituem a herança de um grupo de pessoas e que reforçam, emocionalmente, o seu sentido de comunidade com uma identidade própria, sendo percebidos por outros como característicos.
Os bens patrimoniais representam uma narrativa sobre a trajectória, ou ainda o que se busca ser, e sua preservação significa contemplar a diversidade, permitir e assegurar que vários tipos do fazer humano se perpetuem. É uma forma de permitir que as gerações futuras tenham acesso à ancestralidade e a herança cultural da nação.
O património cultural gera e fomenta uma solidariedade orgânica entre os membros do corpo social, uma coesão ou convergência mental traduzida no sentimento de pertença a uma mesma comunidade – comunidade de origem, comunidade de destino (Mendes, 2012).
Tipos de património cultural
De acordo com a lei 10 (Moçambique, 1988), o património cultural é constituído por bens culturais materiais e imateriais.
1- Bens culturais materiais: são os bens imóveis ou móveis pelo qual o seu valor arqueológico, histórico, bibliográfico, faz parte do património cultural moçambicano.
2- Bens culturais imóveis: estes compreendem as seguintes categorias: monumentos, conjuntos, locais ou sítios e elementos naturais.
3- Bens culturais móveis: compreendem as seguintes categorias: espécimes que pela sua raridade ou singularidade são de interesse científico, como minerais fósseis, rochas, materiais fitobiologias, zoológicos, e antropológicos, elementos arqueológicos, manuscritos antigos objectos históricos, objectos etnográficos e obras de artes plásticas.
4- Bens culturais imateriais: são todos que constituem elemento essencial da memória colectiva do povo, tais como historia e literatura oral, as tradições populares, os ritos e o folclore, as próprias línguas nacionais e ainda obras de engenho humano e todas as formas de criação artística e literatura independente do suporte e vínculos por que se manifestam.
Neste contexto, de acordo com as abordagens acima, a nossa pesquisa identifica- se com os bens culturais materiais, pois nesta pesquisa o objectivo central é analisar a cestaria do povoado de Nhacundela como contributo do património cultural que produz renda familiar.
Cestaria
A classe “cestaria” reúne diversos tipos de itens, incluindo recipientes rígidos e semirrígidos, ou cestos, propriamente ditos, esteiras e bolsas. As esteiras são essencialmente itens bidimensionais ou planos, enquanto os cestos são tridimensionais. As bolsas podem ser vistas como formas intermediárias, porque são bidimensionais quando vazias, mas tridimensionais quando estão cheias (Adovasio; Illingworth 2004, apud Costa; Lima, 2016, p. 104).
Além das bolsas, esteiras e cestos de diferentes tamanhos e formatos, incluem-se entre o grupo dos objetos trançados armadilhas de pesca, abanos, chapéus, berços, sandálias, tipitis, entre outros (Mason, 1904; Adovasio, 1977; Ribeiro, 1987; Perez de Micou, 2006, apud Costa; Lima, 2016, p. 104).
Existe ainda uma íntima relação desses objectos com o domínio funerário, uma vez que várias culturas exibem sepultamentos com forros de fibras, trançadas ou não. Em outros casos, o morto é disposto sobre esteiras. Cordoarias costumam também aparecer associadas aos enxovais funerários (Costa; Lima, 2016, p. 105).
Para Batista (2018, p. 19), o termo cestaria é de imediato associado a imagem de objecto funcional do cesto. As enciclopédias delimitam a definição de cestaria como fabrico ou arte de elaborar cestos ou cestas. A cestaria abrande todos os objectos planos e volumétricos confecionados pela intersecção de elementos vegetais, como varas, ervas, palhas, etc.
O cesto é só uma modalidade, uma forma particular, entre muitas, de um tecido de fibras vegetais duras. Entendida neste sentido amplo que recolhe aspectos fundamentais têxteis (Batista, 2018, p. 19).
MATERIAL E MÉTODO
O estudo privilegiou a metodologia qualitativa, porque se recorreu a observação directa e as entrevistas para a recolha de dados. Esta abordagem possibilitou explorar as experiências dos moradores no concernente ao fenómeno em estudo.
Quanto à natureza privilegiou-se a pesquisa aplicada que, de acordo com Castilho et. al. (2017, p. 17) pesquisa aplicada visa aplicações práticas, com o objectivo de solucionar problemas que surgem no dia-a-dia, que resultam na descoberta de princípios científicos que promovem o avanço do conhecimento nas diferentes áreas. Neste caso, esta pesquisa permitiu produzir conhecimentos que serão aplicados em diferentes pontos para explicar o contributo da cestaria no incremento da renda familiar, bem como a promoção e preservação do valor cultural da cestaria.
A entrevista foi conduzida pelos autores com apoio de um guião com perguntas fechadas devidamente preenchido à 20 moradores (12 homens e 8 mulheres), todos com idade acima de 25 anos de idade. Os entrevistados foram seleccionados por amostragem não probabilística, através da técnica snowball, ou “bola de neve”, na qual os participantes iniciais do estudo indicam novos participantes do universo a ser estudado, os quais, por sua vez, indicam novos participantes, e assim sucessivamente, até que seja alcançado o objectivo proposto como referem Albuquerque et al. (2010).
A definição da amostra foi por acessibilidade, isto é, a amostra apresentada neste estudo corresponde aos artesãos que se propuseram a contribuir com informações importantes para este estudo durante a recolha de dados.
Caracterização da área de estudo
A área de estuo, faz parte da vila de Inharrime (Figura 1) e localiza-se geograficamente a Sul do distrito de Inharrime, Província de Inhambane, na região Sul de Moçambique, entre as coordenadas 24°29'06" de Latitude Sul e 35°01'14" de Longitude Este.
Características físico-naturais
Clima
No que diz respeito ao clima, à semelhança do distrito de Inharrime, o clima é do tipo tropical seco, no interior, e húmido, à medida que se caminha para a costa. Ocorrem duas estações climáticas, uma de Verão (Quente e Chuvosa) que vai de Outubro a Março e o Inverno (fresca e seca) que vai de Abril a Setembro. A Zona litoral presenta temperaturas médias entre os 18° e os 33° C. A precipitação média anual na época das chuvas (Outubro a Março) é de 1500mm, com maior incidência nos meses de Fevereiro e Março, em que chegam a ocorrer inundações (MAE 2005, p. 2). Essas condições contribuem para o desenvolvimento da espécie Hyphaene coriacea pois, estudos mostram que esta planta desenvolve-se nos trópicos e planícies costeiras.
Vegetação
Moçambique é um país que possui uma vasta área de florestas tropicais (Miombo, Mecrusse, Mopane) e outras formações lenhosas. Estas florestas tem sofrido elevadas taxas de desmatamento pelo facto de serem o meio de subsistência da população nativa entre outras razões deste modo, é necessário que se façam inventários florestais frequentes a fim de conhecer as espécies florestais existentes para melhor monitorá-las e explorá-las de forma sustentável (Dias et al., 2023).
A área de estudo, possui recursos florestais que a população local aproveita para o fabrico de utensílios domésticos e para artesanato. Dentro deste conjunto de recursos florestais faz parte a Hyphaene coriacea (Hanga ou Nala), uma palmeira de 3 a 7 m de altura, folhas com cor geralmente cinzentas-esverdeadas encontrava-se em matagais de baixa altitude e matagais costeiros, geralmente formando extensões em pradarias costeiras criando uma paisagem natural. As folhas são utilizadas para fabrico de cestos, peneiras e outros utensílios domésticos. O caule é cortado e a seiva colectada para preparar uma bebida tradicional denominada por utxema conforme referem (Ubisse; Ombe, 2023).
A existência dessa espécie florestal em Nhacundela, é de extrema importância uma vez que por um lado, se trata de uma planta nativa relevante na cultura e costumes da população de Nhacundela pois, Ubisse e Ombe (2023) referem que o conhecimento do valor cultural das plantas, permite o estabelecimento da relação existente entre as plantas e seres humanos numa determinada sociedade. Por outro lado porque os artesãos não precisam percorrer longas distâncias para aquisição do material para o fabrico de cestos.
Solos
A zona litoral, possui solos permeáveis e favoráveis para a agricultura e pecuária, e a zona interior do distrito apresenta solos franco-arenosos e areno-argilosos (MAE 2005, p. 2), sendo que essas condições pedológicas influenciam no desenvolvimento e abundância de Hyphaene coriacea (Hanga ou Nala) na localidade de Nhacundela.
Características socioeconómicas
A actividade agrícola é praticada em todo o distrito, na sua maioria pelo sector familiar disperso. É praticada manualmente em pequenas explorações familiares em consociação de culturas com base em variedades locais, nomeadamente mapira e milho, embora os camponeses ainda produzam amendoim e feijão nhemba. A produção agrícola é feita predominantemente em condições de sequeiro, nem sempre bem sucedida sobretudo no interior do distrito, uma vez que o risco de perda das colheitas é alto, dada a baixa capacidade de armazenamento de humidade no solo durante o período de crescimento das culturas (MAE, 2005, p.3).
Assim, a pequena indústria local (pesca, carpintaria e artesanato) tem-se desenvolvido e surge como alternativa à actividade agricola ou prolongamento da sua actividade (MAE, 2005, p.40).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cestaria e saberes de Nhacundela
De acordo Feitosa e Menendez (2020, p. 169), a produção da cestaria está relacionada ao conhecimento do território, de seus recursos naturais, concebido como um tipo de conhecimento legado pelos ancestrais, criadores da humanidade.
Em Nhacundela a cestaria é utilizada para fins domésticos, rituais e comerciais. Os cestos encontrados em Nhacundela, são produzidos de materiais naturais, extraídos de plantas como Hyphaene Coriacea (hanga ou nala).
O conhecimento envolvido na prática da cestaria em Nhacundela é passado de geração a geração. Desde a infância, os Nhacundenses lidam com materiais de cestaria, usando a palha para produzir brinquedos imitando os objectos utilizados pelos adultos, sendo que os jovens e as crianças aprendem a prática desta observando os mais velhos .
Embora a cestaria seja usada como fonte de renda para muitas famílias, ela é também um meio de promoção e preservação da identidade cultural e da história desta comunidade.
Por tanto, esta actividade não pode ser considerada apenas como fonte de renda porque não se pode esquecer do valor cultural olhando para o saber da ancestralidade que vai sendo divulgado ao longo do tempo.
Contributo da cestaria para o desenvolvimento local no povoado de Nhacundela
Num cenário no qual a busca crescente, por parte dos consumidores, de produtos diferenciados e originais, o artesanato emerge como uma contrapartida à massificação e uniformização de produtos globalizados, promovendo o resgate cultural e a identidade regional (SANTOS, et al., 2010, p. 2).
Dessa forma é possível considerar que a actividade da cestaria no povoado de Nhacundela tem clara vantagem como fonte de geração de renda, pés embora regista-se poucos lucros para os artesãos pelo facto desta actividade depender da procura pelos consumidores destes produtos e, proporciona também a vinda de turistas em Nhacundela. Neste sentido, as entrevistas mostram que esta actividade é transmitida por gerações por forma a preservar-se a identidade da cultura deste povo.
O gráfico 1 revela-nos que grande parte dos entrevistados (58,33%) afirmam que a cestaria não contribui no incremento da renda familiar no povoado de Nhacundela. Isto justifica-se pelo facto de os entrevistados darem mais relevância a renda económica desta actividade que para estes é baixa comparativamente a outras actividades desenvolvidas em Nhacundela.
[…] os tempos são outros, e a vida está cada vez mais cara e o mercado está muito fraco e isso tudo contribui para não termos muito lucro nesta actividade pois, o que mais nos interessa é fazermos os cestos e vendermos no mercado para termos dinheiro para sustentar as famílias (comunicação verbal).
De salientar que existe nas familias a atenção, o cuidado e o pertencimento da cultura que vem sendo passada de geração em geração, mas não conseguem demonstrar por causa da extrema pobreza que se vive, sendo que o mais importa para elas é o valor económico.
Outros entrevistados afirmam que esta actividade não traz nenhum rendimento para as famílias e, por essa razão não acham esta actividade estar a contribuir para o desenvolvimento local de Nhacundela.
Ainda o gráfico nos revela que outra parte dos entrevistados (41, 67%), consideram que a cestaria contribui sim para o desenvolvimento local. Estes justificaram elencando alguns benefícios que esta actividade traz no seio da comunidade. Para estes a cestaria traz renda para as famílias, atrai visitantes, em eventos governamentais e feiras conseguem vender seus produtos disseminando deste modo esta arte e expressa aquilo que é a cultura do povoado.
Uma das entrevistadas (artesã), afirmou que:
[…] aprendi a cestaria com o meu pai desde pequena, aos sete anos de idade, em que fazíamos para vender no mercado mais próximo, ou mesmo fazer trocas por roupas ou alimentos. Esta actividade contribui para geração de renda e a preservação da cultura pois, com esta actividade é possível notar-se a vinda de visitantes para apreciar e comprar os artigos de cestaria (Comunicação verbal).
A prática do trançado da cestaria e o entendimento do seu significado podem servir de estímulo para o resgate da cultura de Nhacundela. Foi possível evidenciar vários cestos prontos (Figura 2)
Estes cestos, para além de serem comercializados, têm também uso doméstico para buscar comida, pôr roupas sujas; a peneira é usada para vários fins como escolher os grãos, peneirar vários produtos, etc. O cesto usado pela comunidade para conservação de alimento carrega um simbolismo que não pode ser dissociado da memoria, da vida ritual.
[…] a cestaria é importante para o desenvolvimento do povoado porque, não só proporciona renda para as famílias, mas também esses artigos de cestaria constituem cultura do povo pois, por exemplo quando se trata de casamentos ou lobolos, no dia de xiguiane esses produtos não devem faltar. As pessoas que acompanham a noiva ao lar não devem se deslocar acompanhar a noiva sem levar consigo peneiras, cestos, vassoura de palha e outros artigos de cestaria. Alguns artigos da cestaria, são ainda usados para brindes quando temos casamentos (Comunicação verbal).
Esta entrevistada olha para a cestaria nas duas dimensões (cultural e económico), o que nos faz perceber que mesmo que maior parte das pessoas se preocupem com o valor económico ainda existem algumas pessoas que dão valor cultural a cestaria.
Outra das entrevistadas teria narrado a sua história de como começou a praticar a cestaria dizendo que:
[…] comecei a praticar a cestaria em 1971 quando tinha 10 anos de idade, graças aos meus pais que tiveram muita paciência de ensinar-me pois, não consegui estudar por vários motivos, mas, com esta arte consigo organizar a minha vida. Eles também receberam esta herança dos seus pais. Tenho filhos que estudaram graças a este trabalho, ou seja, esta arte me permitiu custear os estudos dos meus filhos. Para além desta actividade pratico a agricultura para produzir alimentos para a família assim como para fazer trocas ou comercialização no mercado. Quanto a compra do produto final, consigo mais dinheiro quando levo os produtos para comercializar em Maputo, visto que em Inharrime a procura é reduzida comparando com Maputo. Aqui em Inharrime consigo vender sim, mas não consigo muito dinheiro comparativamente com Maputo (comunicação verbal).
Quanto ao material utilizado para o fabrico de artigos da cestaria os artesãos evidenciaram a palha “mahanga” retirada nas baixas de rios e lagoas do distrito de Inharrime, percorrendo 4 a 6 km para a aquisição do mesmo. Para além da palha evidenciou-se também o “Txindzo” como sendo outro material usado para a produção dos artigos em alusão.
Segundo estes a palha (hanga) é usada para produzir cestos, peneiras, vassouras. Por sua vez o “Txindzo” é usado para produzir chapéus e artigos de pequeno porte como as bolsas e as carteiras (Figura 3).
De acordo com os entrevistados, após o corte deste material, deixa-se secar durante 1 dia no verão e 3 dias no inverno.
Em Nhacundela, para a aquisição do material os artesãos não gastam dinheiro, apenas garantem a logística para o transporte deste, o que é uma grande valia para os artesãos pois, não precisam de muito dinheiro para a execução da cestaria.
Quanto aos preços da venda dos artigos no mercado os preços variam de acordo com o local de venda, o tipo de artigo e o tamanho do artigo e o modelo do mesmo. Estes variam dos 20 meticais a 1000 meticais.
Grau de valoração da cestaria em Nhacundela
O artesanato é um elemento atractivo, possível de ser incorporado na oferta turística de uma região, dada forma de produção, a padronização dos produtos e hábitos, podendo esses produtos se sobressaírem com uma certa exclusividade, além do caráter tradicional e singular.
Assim, percebe-se que a característica cultural da cestaria em Nhacundela é um elemento que além de ofertar produtos diferenciados à demanda turística, no âmbito tangível, também permite que os visitantes possuam uma experiência diferenciada, no âmbito intangível, uma vez que o contacto com a comunidade receptora se permite um intercâmbio de experiências. É nesse sentido que a valoração da cestaria no povoado de Nhacundela e importante tendo em conta as manifestações culturais que são elementos que caracterizam este povo.
No que diz respeito ao grau de valoração da cestaria no povoado de Nhacundela, o gráfico mostra-nos que há pouca valoração da cestaria naquele local. Grande parte dos entrevistados (46, 67%), confirma que o grau de valoração deste património é médio. Isto significa que há uma necessidade de se envidar esforço por forma a valorizar-se cada vez mais a cultura local. 40% dos entrevistados afirma que não existe nenhuma valoração da cestaria. Isto pode ser respondido pela mentalidade que os moradores têm quando se trata da cestaria (olham para ganhos económicos). E pequena parte dos entrevistados (13, 33%) dizem haver o um alto grau de valoração da cestaria.
É importante que existam órgãos ou entidades distritais ligadas a cultura para que estes façam um trabalho de base no seio da comunidade por forma a incutir na sociedade a valoração do património cultural, em especial a cestaria pois, se não for a própria comunidade a valorizar a sua cultura nenhum viente o fará.
A comunidade de Nhacundela precisa olhar para a cestaria não só no contexto de renda económica para as famílias, mas também no contexto cultural pois, são actividades que evidenciam a identidade cultural do povo daquela comunidade que vem sendo passado de geração a geração e que é necessário que eles também façam sua parte na disseminação ou transmissão desta para as outras gerações.
Contributo da cestaria na renda familiar dos artesãos de Nhacundela
Em Nhacundela, grande parte dos artigos da cestaria é destinada para comercialização. Tratando de uma arte importante naquele local, estes produzem para além de cestos, outros artigos que também maior parte vai para a venda e outra para o uso das familias dos artesãos.
Segundo os relatos dos entrevistados, a comercialização dos produtos da cestaria tem contribuído significativamente para a melhoria das rendas económicas dos produtores e dos respectivos agregados familiares.
[…] a maior parte dos artigos feitos é destinada a venda no mercado. A cestaria contribui para melhorar a minha vida, trazendo me muitos ganhos e alavancou a minha economia. Quando temos feiras ou festivais consigo vender muitos artigos conseguindo assim dinheiro para resolver várias situações da minha vida. Em média consigo economizar por mês 20.000 meticais no banco (Comunicação verbal).
Alguns entrevistados avançaram que, com o valor ganho da venda investem em poupança mensal “xitique” que é uma actividade que complementa as actividades desenvolvidas pelas familias de Nhacundela, como forma de reforçar cada vez mais as suas economias sendo que, cada integrante neste grupo de poupança vai tirando o valor para outros membros mensalmente até que chegue o seu mês de receber.
Esta poupança é feita como forma de reforçar cada vez mais as suas economias sendo que, cada integrante neste grupo de poupança vai tirando o valor para outros membros mensalmente até que chegue o seu mês de receber. O valor a poupar “ticar” é acordado a nível do grupo.
Segundo Allen e Staehle (2011) grupos de poupança e crédito referem o conjunto de pessoas que se reúnem por afinidade, vizinhança ou associativismo em actividades socioeconómicas para realizarem operações de poupança, crédito e pagamento de juros associados ao crédito (p.139-140).
Este valor é usado para financiar as despesas familiares como alimentação, saúde e educação do agregado familiar, aquisição de diversificados bens duradouros, construção de habitações.
As entrevistas revelam nos que naquele local maior parte dos camponeses pratica esta actividade. Neste sentido, todos os entrevistados praticam esta actividade e mostram se satisfeitos com a mesma porque é uma fonte de renda que trás muitos ganhos para eles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cestaria no povoado de Nhacundela, não contribui no incremento económico porque o ganho obtido é baixo comparativamente as outras actividades desenvolvidas em Nhacundela. Há pouca valoração da cestaria, o que significa uma necessidade de se envidar esforços por forma a valorizar-se cada vez mais a cultura local em especial a cestaria.
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