Recepção: 20 Setembro 2024
Aprovação: 21 Dezembro 2024
Resumo: Este trabalho analisa as dinâmicas territoriais formadas pela luta e resistência de Maria Raimunda, mãe de santo, que envolve a defesa da terra e a preservação de suas práticas religiosas. A pesquisa justifica-se pela resistência cultural, religiosa e territorial de Mãe Maria, cuja liderança contribuiu para a transformação sociopolítica de um assentamento do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem-Terra (MST). O objetivo é compreender como o território de luta e fé, que define sua identidade como praticante do Tambor de Mina na Tenda da Cabocla Mariana, está no Assentamento Mártires de Abril, na Ilha de Mosqueiro-PA. Através da metodologia da história de vida para o registro das entrevistas de campo, utilizamos uma abordagem geográfica em que o território, a cultura, a religião e as heranças africanas se manifestam no espaço.
Palavras-chave: Tambor de Mina, Assentamento Mártires de Abril, MST, Território, Mãe de santo.
Abstract: This paper analyzes the territorial dynamics formed by the struggle and resistance of Maria Raimunda, a mother of saint, which involves the defense of the land and the preservation of her religious practices. The research is justified by the cultural, religious and territorial resistance of Mother Maria, whose leadership contributed to the sociopolitical transformation of a settlement of the Landless Workers' Movement (MST). The objective is to understand how the territory of struggle and faith, which defines her identity as a practitioner of Tambor de Mina in the Tenda da Cabocla Mariana, is in the Mártires de Abril Settlement, on Mosqueiro Island, Pará. Through the life history methodology to record the field interviews, we use a geographic approach in which the territory, culture, religion and African heritage are manifested in space.
Keywords: Tambor de Mina , Mártires de Abril Settlement, MST, Territory, Mãe de santo .
INTRODUÇÃO
Este artigo busca investigar as diversas formas de resistência religiosa, com foco na religião de matriz africana – Tambor de Mina –, a partir da trajetória de uma mãe de santo na Amazônia paraense. Maria Raimunda Pereira da Silva, de 53 anos, conhecida como Mãe Maria, é uma guia espiritual afrorreligiosa que cuida, protege e acolhe aqueles que precisam, enquanto tece práticas de resistência que vão desde a preservação dos saberes e fazeres religiosos até a luta pela garantia da terra.
Em meio à diversidade do meio rural, destacam-se as vivências de mulheres negras assentadas por meio da reforma agrária. Mãe Maria se insere nesse contexto específico do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem-Terra (MST), pois sua vulnerabilidade social é agravada pelas adversidades que enfrenta, incluindo a invisibilização e várias formas de racismo. A afro-territorialidade (Melo, 2022) criada por Mãe Maria, no contexto da luta dos sem-terra, coloca em evidência o protagonismo da mulher negra, que, apesar das opressões, conseguiu se (re)territorializar, também por meio do culto ancestral em seu terreiro de Tambor de Mina, localizado no assentamento.
Neste estudo, buscamos explorar o processo de territorialização do Tambor de Mina na Amazônia, com especial atenção ao protagonismo das mulheres mães de santo – zeladoras de santo – que são as verdadeiras guardiãs e propulsoras dessa religião centenária no Brasil. Consideramos a construção deste artigo como parte do fortalecimento do feminismo negro no Brasil, pois ele contribui para a criação de uma epistemologia plural e feminina inserida no campo da afrorreligiosidade, ao investigar as territorialidades do Tambor de Mina na região Norte do país, especificamente na Amazônia. Assim como o feminismo negro, que ainda é visto por muitos como sinônimo de cisão (Akotirene, 2019), a religião de matriz africana também se revela interseccional e, ao mesmo tempo, agregadora.
Dia e noite as mães de santo constroem espaços coletivos, onde aplicam força, saberes e conhecimento. Ao transgredirem o medo e os lugares de subalternidade que eram reservados para as mulheres negras afrorreligiosas, elas rompem com as normas de um projeto colonial, gerando o que Bispo dos Santos (2015) chama de práticas contra-colonizadoras. Este texto visa abordar essas vivências e práticas de Mãe Maria Raimunda, que envolvem lutas, afetos, sonhos, dores, forças e fraquezas. Ele é sobre encontros e partilhas.
Retomando Doreen Massey (2008), que compreende o espaço como o produto de inter-relações e interações, o entrecruzamento de trajetórias é uma característica essencial desta escrita. Ela é protagonizada por uma mulher preta, periférica, lésbica e afrorreligiosa, que, assim como Mãe Maria, segue cumprindo a função de cuidar de um terreiro e acolher seus filhos e filhas sob a bênção das entidades.
A epistemologia que buscamos esboçar aqui transita nas margens da ciência, especialmente da geografia, pois tem como centralidade a religião e o sagrado. Essa abordagem ainda é marginalizada, dado o entendimento predominante de que a espiritualidade e a ancestralidade evocadas pelas afrorreligiões não são vistas como uma centralidade adequada para a análise científica. O termo "centralidade de estudo" substitui o antigo conceito de "objeto de estudo", utilizado por décadas, inclusive quando se refere a pessoas/seres humanos. Na Geografia humanista e cultural, lidamos frequentemente com pessoas, sentimentos e emoções, o que torna constrangedor, no século XXI, ainda ter que aceitar um conceito que objetifica seres humanos, especialmente no caso de pessoas negras e, em particular, mulheres negras. Seus corpos são objetificados e violentados diariamente, de maneira sistemática, e a ciência e os espaços acadêmicos, muitas vezes, contribuem para a perpetuação dessa objetificação. Os corpos falam, e a retórica pode construir ou destruir!
Ser branco consiste em ser proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais. Ser branco significa mais do que ocupar os espaços de poder. Significa a própria geografia existencial do poder. O branco é aquele que se coloca como o mais inteligente, o único humano ou mais humano. Para mais, significa obter vantagens econômicas, jurídicas, e se apropriar de territórios dos Outros. A identidade branca é a estética, a corporeidade mais bela. Aquele que possui a História e a sua perspectiva. No ambiente acadêmico ser branco significa ser o cientista, o cérebro, aquele que produz o conhecimento. Enquanto ser negro significa ser o objeto analisado por ele (Cardoso, 2014, p. 17).
Lourenço Cardoso (2014) questiona o conceito de "objeto de pesquisa" e critica a forma como ele é utilizado para reforçar condições raciais, hierarquizantes e estruturais. Ele examina a condição da pessoa negra como objeto da pesquisa branca, refletindo sobre a pretensa superioridade do branco. É comum ouvir que os negros insistem em ver racismo em tudo, mas, sem censura, afirmamos que não se trata de querer, mas de ter a posição e a oportunidade de afirmar a necessidade de humanização tanto de si quanto do outro.
A escravização foi um processo de desumanização, onde o branco não tratava o negro como ser humano, e, ao não nomear isso de racismo, perpetua-se a alienação. Cardoso (2014) nos ensina a virar a chave e questionar os efeitos da rebeldia. E o que queremos com isso? Que a branquitude olhe para si mesma, estude sua própria história e não a nossa. Porém, sabemos que a branquitude não gosta de ver a altivez dos negros.
Geny Guimarães (2020) afirma que, em termos de colonização territorial, muitos grupos sociorraciais, como os indígenas da América e os africanos, tiveram suas histórias ignoradas nos estudos, devido à oralidade de suas culturas e à subordinação imposta pela escravidão. Suas formas de organização espacial (política, econômica e social) também não foram levadas em consideração. Esse processo, fundamentado em uma hierarquia colonial, desconsiderou e menosprezou seus conhecimentos, o que a autora define como racismo. A desconsideração da organização socioespacial desses grupos, imposta pela escravização, teve como resultado a tentativa de desumanização dos corpos negros, amparada pela justificativa de inferioridade racial, gerando a coisificação de seres humanos.
A interseccionalidade permeia todo este texto, pois busca dar ferramentas teóricas para compreender a interdependência estrutural entre racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado – sistemas que geram avenidas identitárias onde as mulheres negras são constantemente atingidas pela sobreposição de gênero, raça e classe, modernos dispositivos coloniais (Akotirene, 2019, p. 19). A interseccionalidade, portanto, é mobilizada como um dispositivo teórico e analítico na perspectiva geográfica.
As geografias feministas, há muito tempo, vêm denunciando que a Geografia é hegemonicamente masculina, branca, ocidental, heterossexual e elitista. Traços da ciência moderna, como objetividade, racionalidade e distância entre a pesquisadora e a centralidade de estudo, ainda predominam na geografia brasileira hegemônica. Contudo, com a expansão da Geografia Cultural no Brasil nas últimas décadas, passou-se a considerar as identidades como plurais, dinâmicas e relacionais, instituídas por processos de negociação permanente mediadas pelo espaço-tempo (Silva; Nascimento Silva, 2014).
Se a experiência das pessoas é concreta, ela também é espacial. As autoras defendem que uma pessoa vivencia simultaneamente várias facetas identitárias (gênero, raça, sexualidade, classe, nacionalidade, religião etc.), mediadas pelo espaço e pelo tempo, sendo fundamentais para entender o movimento dessas interseções. Dessa forma, as pessoas e suas espacialidades se realizam em um processo contínuo de construção e desconstrução de interseccionalidades identitárias (Silva; Nascimento Silva, 2014). É nesse contexto que a ideia de interseccionalidades pode ser articulada à imaginação geográfica.
O conceito de interseccionalidade, em seu sentido amplo, nos leva à reflexão de que devemos ajustar nossos olhares, com lentes focadas e bem calibradas, para identificar a matriz dominante colonial – e, sobretudo, moderna – que permeia diversas estruturas dinâmicas. A afrorreligiosidade é uma dessas estruturas, e é nosso dever, enquanto cientistas, seres pensantes, negras e negros, reconhecer e destacar esse lugar, oferecendo a devida atenção política a esse grupo vitimado. Tal atitude deve garantir uma "atenção global à matriz colonial moderna, evitando o desvio analítico para apenas um eixo de opressão" (Akotirene, 2019, p. 20). Assim, é impossível não reconhecer o protagonismo negro e alertar sobre todos os tipos de injustiças que afetam o corpo negro. Diante disso:
A interseccionalidade nos mostra mulheres negras posicionadas em avenidas longe da cisgeneralidade branca heteropatriarcal. São mulheres de cor lésbicas, terceiro-mundistas, interceptadas pelos trânsitos das diferenciações, sempre dispostos a excluir identidades e subjetividades complexificadas, desde a colonização até a colonialidade [...]. Sem dúvidas, mulheres negras foram marinheiras de primeiras viagens transatlânticas, trafegando identidades políticas reclamantes da diversidade, sem distinção entre naufrágio e sufrágio pela liberdade dos negros escravizados e contra opressões globais (Akotirene, 2019, p. 30-31).
Este artigo também tem o papel fundamental de afirmar que as pessoas que compõem o grupo social das religiões de matriz africana são sujeitos políticos. Discutir o Tambor de Mina na academia – e, mais especificamente, na universidade pública e gratuita – é desafiar as cisões existentes e contribuir para a construção e consolidação de um novo espaço. Como afirma Akotirene (2019, p. 14), isso implica "pensar projetos, novos marcos civilizatórios, para que possamos conceber um novo modelo de sociedade", pois a construção intelectual é indissociável da prática política.
Entretanto, ainda nos deparamos com uma linha tênue que submete a criação e a construção do conhecimento. Reafirmamos, portanto, que estamos tratando do protagonismo intelectual das mulheres negras, e, sem intenção de provocar revanchismos, é crucial destacar que, até no campo intelectual, encontramos um campo de batalha.
Com efeito, a interseccionalidade exige orientação geopolítica. Ori rege cabeças negras em diálogo com as epistemologias do Sul. Do ponto de vista feminista negro, intelectuais estadunidenses são consideradas como tais – saberes periféricos do lado sul-nortista: norte, porque, dos Estados Unidos, vivem sob a batuta supremacista-imperialista de publicação, difusão e tradução do conhecimento, ao resto do mundo, e sul, pois sofrem racismo e sexismo epistêmico impostos pela geografia do saber do Norte Global (Akotirene, 2019, p. 31-32).
Queremos destacar que somos todas amefricanas, como conceitua Lélia Gonzalez (2020), e, enquanto cientistas, estamos todas no comando do mesmo barco, refletindo sobre nossas causas e sobre tudo o que nos atravessa. Trabalhamos sob o prisma afrocêntrico para defender o nosso povo (Akotirene, 2019). Esse ego geográfico inflamado só levaria o barco à deriva. Somos todas mensageiras políticas das reivindicações das mulheres negras; assim como Oxum, somos irmãs, companheiras e camaradas.
Nesse sentido, é um equívoco separar a afrorreligiosidade do recorte racial. Inevitavelmente, nos colocamos diante dessa encruzilhada teórica e a entendemos como um marcador racial para compreender e superar os problemas do racismo religioso, que, com certeza, está presente nas avenidas identitárias do racismo (Akotirene, 2019). Esse racismo é parte de um processo contínuo de tentativa de apagamento e morte da cultura do povo preto, incluindo sua religião. Nesse contexto, até hoje, mantemos, revisitamos, construímos e ressignificamos novas formas de sobrevivência.
Em um mundo em constante movimento, surge um novo conceito político: o aquilombamento (Nascimento, 2016). Ele refere-se a um espaço ou prática que reúne pessoas pretas ou causas voltadas para as pautas da vida de pessoas pretas, com o objetivo de agregar lutas e afetos. O aquilombamento é um lugar de proteção, legitimado pelas lutas das pessoas negras, que tratam de questões como a precarização nas favelas, a falta de assistência e políticas públicas nos quilombos, o enfrentamento da violência doméstica, a vulnerabilidade nos trabalhos e tantas outras pautas que têm como centro a soberania e a dignidade da pessoa preta. Podemos afirmar, com convicção, que, enquanto pessoas pretas, somos um quilombo, e a reunião das nossas lutas, forças, histórias, dores e vitórias forma um grande aquilombamento.
As confluências de trajetórias tecidas a partir das afrorreligiosidades e de uma luta comum por uma ciência antirracista se fazem presentes neste trabalho, a partir da história de vida da Mãe Maria Raimunda. Sua figura representa uma coletividade e uma luta. Mãe Maria Raimunda não se expressa apenas por sua individualidade, mas sua trajetória e história de vida revelam dinâmicas territoriais e religiosas de grupos sociais. Talvez seja por isso, e não por outra razão, que optamos pela história de vida como apoio metodológico.
Breves considerações sobre o Tambor de Mina
O Tambor de Mina é uma religião de matriz africana originária da região do Benin, na África, antiga área do Dahomé. Foi trazida ao Brasil através das encruzilhadas trilhadas por uma mulher negra escravizada. A figura central nesse processo de territorialização do Tambor de Mina na Amazônia foi mãe Maria Jesuína, responsável por fundar, no Maranhão – então Grão Pará – a Casa das Minas, que ficou conhecida como a Casa Grande do Tambor de Mina.
O Tambor de Mina é mais encontrado na capital e se caracteriza pelo predomínio de entidades africanas, voduns e orixás e a inclusão de caboclos. Estes, na maioria, não são de origem ameríndia. Muitos são nobres europeus que se encantaram na mina ou são entidades brasileiras. O nome Tambor de Mina deriva da importância do tambor entre os instrumentos musicais e do forte de São Jorge da Mina, na atual República do Gana, por onde foram importados muitos escravos africanos. O Tambor de Mina também é conhecido como Linha da Água Salgada, significando que suas entidades vieram do outro lado do oceano. Possui características semelhantes às demais religiões afro-brasileiras como o Candomblé da Bahia, mas tem especificidades locais que o diferenciam. Como as demais religiões afro-brasileiras, o Tambor de Mina conserva elementos e características africanas, sendo, porém, uma religião afro-brasileira que se distingue das religiões africanas originais. O Tambor de Mina é participado predominantemente por mulheres. Nas casas mais antigas e tradicionais, a liderança é sempre feminina e, em algumas, só mulheres podem receber e dançar com as entidades. Atualmente há muitos terreiros dirigidos e com a participação de homens, embora com predomínio do número de mulheres (Ferretti, 2013, p. 264-265).
Vale ressaltar que as informações apresentadas acima são características específicas da cultura maranhense, dado que há uma vasta literatura sobre o Tambor de Mina no Maranhão. No entanto, pouco se sabe sobre as práticas e rituais religiosos dessa tradição, especialmente sobre como ocorreu sua afro-diáspora para a região Norte do Brasil, onde se enraizou na Amazônia com características singulares e distintas, diferentes do Tambor de Mina maranhense (Sousa; Sanches, 2021).
Mas, como o Tambor de Mina chegou à região Norte do Brasil? A afro-diáspora dessa religião, assim como de outras origens africanas, está intimamente ligada ao processo de escravização, quando mulheres provenientes da antiga região do Dahomé foram trazidas ao Brasil, trazendo consigo seu sagrado. Esse movimento deu origem à religião afro-brasileira Tambor de Mina. Stuart Hall (2003), ao discutir o processo de diáspora, enfatiza uma afro-diáspora centrada na escravização e na transferência de conhecimentos e práticas religiosas entre continentes.
Nossos povos têm suas raízes nos – ou, mais precisamente, podem traçar suas rotas a partir dos – quatro cantos do globo, desde a Europa, África, Ásia; foram forçados a se juntar no quarto canto, na "cena primaria" do Novo Mundo. Suas "rotas" são tudo, menos "puras". A grande maioria deles e de descendência "africana" – mas, como teria dito Shakespeare, "norte pelo noroeste". Sabemos que o termo "África" e, em todo caso, uma construção moderna, que se refere a uma variedade de povos, tribos, culturas e línguas cujo principal ponto de origem comum situava-se no tráfico de escravos (HALL, 2003, p. 31).
Nesse processo de diáspora, especialmente no caso do processo de territorialização do Tambor de Mina, que transita de um continente (Africano) para outro (Americano), muitas tradições e conhecimentos ficam para trás – lembrando que essa transição não foi voluntária. Contudo, novos caminhos se abrem, possibilitando a construção de um novo percurso e, portanto, de uma nova territorialidade. Stuart Hall (2003) contribui para a compreensão do que é deixado para trás e do processo de recomeço quando afirma que:
Os elementos da "tradição" não só podem ser reorganizados para se articular a diferentes práticas e posições e adquirir um novo significado e relevância. Com frequência, também, a luta cultural surge mais intensamente naquele ponto onde tradições distintas e antagônicas se encontram ou se cruzam. Elas procuram destacar uma forma cultural de sua inserção em uma tradição, conferindo-lhe uma nova ressonância ou valência cultural. As tradições não se fixam para sempre: certamente não em termos de uma posição universal em relação a uma única classe. As culturas, concebidas não como "formas de vida", mas como "formas de luta" constantemente se entrecruzam: as lutas culturais relevantes surgem nos pontos de intersecção (HALL, 2003, p. 260).
Em consonância com as reflexões de Stuart Hall (2003), Zélia Amador de Deus (2012) afirma que as diversas culturas trazidas pelos africanos e africanas durante a diáspora forçada conseguiram disseminar africanidades por todo o território brasileiro. Esse processo foi permeado pela resistência astuta dos africanos e seus descendentes, que, apesar da repressão cultural imposta pelo poder hegemônico, e pela persistente força do racismo, mantiveram vivas suas manifestações culturais.
De acordo com Amador de Deus (2012), esse embate cultural resultou na evidência de espaços africanizados, como os terreiros de Tambor de Mina na Amazônia, que desconstroem a ideia de que a região Norte do Brasil foi influenciada apenas por povos indígenas. Ela argumenta que as manifestações de africanidades rasgam o tecido cultural branco que busca ser hegemônico, rompendo com esse senso comum e evidenciando a diversidade cultural da região. Nesse sentido, a autora faz uma crítica ao apagamento das influências africanas na Amazônia, apontando a resistência cultural como um espaço de afirmação identitária.
Em consonância com a perspectiva de Calundu (2022), a manutenção da cultura afrorreligiosa deve ser entendida não como um processo rígido e estático, mas como uma prática dinâmica que pode ser atualizada dentro das novas realidades diaspóricas, sem perder a conexão com as raízes e o referencial de origem. As religiões afro-brasileiras ou afro-ameríndia-brasileiras são formadas por encontros e desencontros entre diversas etnias e saberes ancestrais e religiosos, moldados por um processo histórico de diáspora.
O processo de territorialização do Tambor de Mina no Pará remonta a 1890, quando mãe Josina fundou o Terreiro de Santa Bárbara, que mais tarde seria renomeado como Terreiro de Mina Dois Irmãos. O terreiro completou 132 anos em agosto de 2022 e continua a ser chefiado por mulheres, mantendo sua trajetória de liderança feminina. Ao longo dos anos, a religião se espalhou pela região Norte, com terreiros fundados em cidades como Santarém, Monte Alegre e Alenquer, e ganhou características próprias, com a presença de entidades locais como os "índios" ou caboclos da mata, que se tornaram figuras centrais na cosmologia do Tambor de Mina na Amazônia.
A encantaria amazônica, com sua forte relação com a natureza, especialmente com os rios e as matas, é um elemento crucial no imaginário das populações da região. Os rios e as florestas não são vistos apenas como recursos naturais, mas sim, como espaços sagrados habitados por entidades e divindades. Essa concepção está enraizada na forma como as populações amazônicas percebem a natureza, respeitando-a como um templo que precisa ser tratado com reverência. Como enfatizam Pinheiro, Fernandes e Portela (2022), a encantaria amazônica se manifesta por meio da natureza, com seres encantados presentes nas águas, nas matas, no vento e nas folhas caídas, transformando o ambiente natural em um espaço sagrado de interação com o mundo espiritual.
Essa simbiose entre o espiritual e a natureza se manifesta a partir das figuras dos índios, caboclos e caboclas da mata. Os igarapés, as cachoeiras e a terra estão estreitamente associados às representações das habitações dessas entidades. Por isso, ousamos afirmar que o Tambor de Mina se configura também como uma religião afro-amazônida, pois foi nesse portal de encantaria que se registram, por meio da oralidade, personagens originariamente turcas, como as princesas Mariana, Jarina e Herondina. Essas figuras marcam o nascimento e a continuidade da prática religiosa nesses espaços amazônicos.
A relação de Mãe Maria com o Tambor de Mina e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Maria Raimunda é natural de Araguatins, município localizado no estado do Tocantins. Há 23 anos, reside no Assentamento Mártires de Abril, situado na Ilha de Mosqueiro, em Belém-PA. Como zeladora de santo — termo popularmente utilizado para se referir à mãe de santo —, Mãe Maria Raimunda atua na religião há 21 anos (figura 1). O Assentamento Mártires de Abril recebeu esse nome em homenagem ao massacre de Eldorado dos Carajás[1], ocorrido no estado do Pará. É nesse assentamento que se localiza a Tenda da Cabocla Mariana (figura 2), terreiro sob sua responsabilidade como zeladora de santo.
Neste estudo, entendemos que o processo de resistência religiosa não está dissociado da luta pela terra, uma vez que Mãe Maria Raimunda é assentada e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) há 26 anos. As lutas pela liberdade e contra a escravização, presentes na história de vida de Mãe Maria Raimunda, estão profundamente entrelaçadas, formando um conjunto de resistência que transcende a dimensão religiosa.
A política é a discussão dos caminhos que desejamos para a sociedade. Ela nos reúne em torno de um projeto cujo debate público e escolha das metas para a coletividade é coisa das mais importantes numa sociedade. A política supõe o conflito, as diferenças, as discordâncias, as contradições e é a única possibilidade de superá-los (Kahil, 2012, p. 26).
A zeladora de santo Mãe Maria iniciou sua jornada na religião de matriz africana ainda em seu lugar de origem, Araguatins, em Tocantins. Desde então, trilha caminhos, por meio da política, para a construção de uma sociedade pautada nos princípios da democracia, que, embora apresente dualidades e conflitos, tem nas divergências uma expressão legítima (Kahil, 2012).
Nesse contexto, é fundamental compreendermos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como um movimento social que defende e trabalha pela formação de sujeitos coletivos com uma identidade política e social de trabalhadores sem-terra. Esmeraldo (2007) corrobora ao afirmar que esse movimento desperta uma consciência voltada para a ação política coletiva, buscando a unidade entre trabalhadores e trabalhadoras, e forjando a luta de classes, que se materializa na luta pela reforma agrária, pela conquista do trabalho livre e pela produção agropecuária em bases ecologicamente sustentáveis.
A luta pela reforma agrária, por meio do MST, não é fácil; pelo contrário, é intensa e perigosa, por vezes, fatal. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 houve um aumento de 75% no número de assassinatos decorrentes de conflitos no campo. Quantas lideranças e trabalhadores(as) rurais sem-terra já foram assassinados(as)? Incontáveis vezes, muitas delas sem corpo, sem suspeitos, sem criminosos e sem justiça. E quantos terreiros de religião de matriz africana já foram ameaçados, depredados e destruídos, tornando-se parte das estatísticas de intolerância religiosa – ou, mais precisamente, racismo religioso – no Brasil? Mãe Maria está, portanto, inserida em duas estatísticas de alta violência. Ter um terreiro de religião de matriz africana em um assentamento é, de fato, sinônimo de força; é transcender as fronteiras do medo. Trata-se de construir um espaço sagrado coletivo em um território coletivo, evocando as forças da natureza, as entidades, os orixás e os voduns como guardiões de um território gestado na luta.
Assim como afirmam Saquet e Briskievicz (2009), acreditamos que o território compreende elementos fundamentais: as relações de poder, as redes de circulação e comunicação, as identidades e a natureza. Não há território sem a conjugação desses processos sociais e naturais. Dessa forma, podemos entender que o sujeito, um grupo ou uma sociedade, se territorializam ao se fixarem em um espaço e modificá-lo.
A modificação desse espaço implica em alterar o próprio modo de vida, ressignificando a espacialidade por meio das relações socioterritoriais desempenhadas nesse espaço, o que chamamos de territorialização – o ato de se relacionar afetivamente com o lugar. É a concretização do espaço simbólico cultural, é o tempo vivido.
Rosendahl (2005) argumenta que a territorialidade é fortalecida pelas experiências religiosas coletivas ou individuais que o grupo mantém no lugar sagrado e nos itinerários que constituem seu território. De fato, é por meio do território que se materializa a relação simbólica entre cultura e espaço. Assim, o terreiro se configura como um território sagrado, onde a encantaria ocorre, mas também, como um espaço onde as histórias reais se entrelaçam. Passa-se a viver em um universo simbólico e afetivo religioso (Sousa, 2022, p. 32).
A existência e permanência desse espaço sagrado, construído no contexto da luta pelo direito à terra, só foram possíveis graças à ousadia, à força, à expertise e à resistência de uma mulher negra. Uma luta coletiva, tecida pelas mãos de Mãe Maria Raimunda, que se tornou símbolo de resistência e poder em sua comunidade.
Assim, as mulheres que fazem o piquete resistem e lutam tanto quanto a que mantém vivo o conhecimento da cura e do uso das ervas, a parteira, a mãe de santo do tambor de mina, as coreiras do tambor de crioula e a que é conhecedora dos saberes e povos que habitam as matas, as florestas, os riachos e os olhos d’água (Soares, 2021).
A luta política no terreiro é inseparável do processo de afirmação da identidade e da ancestralidade. O terreiro e o assentamento representam duas territorialidades que coexistem em uma luta coletiva: pela conquista do direito à terra e pela preservação do direito ao sagrado.
O que dá sentido à territorialidade local é toda essa teia de fazeres e saberes que se entrelaçam como modos de vida, modos de ser: quem tece a rede de pescar o peixe; quem domina o modo de fazer a farinha e o beiju da massa puba; quem sabe a época certa de plantar o feijão, o arroz e o milho; quem sabe curar mordida de cobra, tosse seca e espinhela caída etc. Essas práticas também são parte da resistência cotidiana desses territórios e alimentam a luta política com suas ações e seus conhecimentos. São todos esses elementos que compõem a ideia de território (Soares, 2021).
Na tentativa de demonstrar a força desse espaço sagrado, construído a partir das lutas coletivas dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra e dos filhos e filhas de santo, apresentamos alguns pejis (lugares sagrados com fundamentos dentro do terreiro) que reafirmam o sentimento de pertencimento ao terreiro e ao assentamento Mártires de Abril.
Os pejis guardam os principais segredos de uma casa de santo, pois são os lugares de referência sagrada do terreiro, acessíveis apenas aos filhos e filhas da casa, além da mãe e do pai de santo. Podemos afirmar que o peji é um espaço exclusivo, carregado com a força ancestral maior de um terreiro, onde estão presentes os principais fundamentos. Nestes locais, residem os segredos dos orixás e dos caboclos da casa.
Em um terreiro, podem existir diversos pejis, cada um com finalidades distintas. Entre os mais importantes, estão a guma ou guna e o chão, localizados no centro do terreiro. A guma/guna é um fundamento feito no teto do terreiro, voltado para o chão sagrado do centro, que também recebe uma preparação especial. Esse espaço é considerado fundamental para a prática religiosa, e por isso é denominado de chão sagrado.
Na sua luta política, Mãe Maria ergue duas bandeiras importantes: a luta pela terra e pela soberania de sua religiosidade, que leva em conta sua função social e suas representações culturais (Almeida, 2005). Mãe Maria, detentora de saberes-fazeres ancestrais e práticas contracoloniais, expressa a força do que podemos chamar de cultura afro-brasileira. Essa cultura sobrevive, especialmente, nos terreiros, onde as mulheres desempenham o papel fundamental de guardiãs da tradição. Concordamos com a afirmação de Soares (2021), ao ensaiar que “o estudo e o entendimento desse sistema de resistências, trocas, transmissão e luta podem nos ajudar muito na construção de uma sociedade emancipada” (p. 10).
E, dentro dessa teia de elementos simbólicos e materiais, mediada pelo processo de territorialização, Mãe Maria enfrentou, primeiramente, a famigerada experiência do despejo, uma dura realidade que desafiou e reforçou sua resistência.
O tempo que a gente passou acampado foi dois anos e passamos por quatro despejos muito cruéis. O nosso despejo foi tão cruel, que os policiais olhavam no relógio e marcavam o horário pra a gente sair de lá, era cinco minutos, 10 minutos. Então, aqueles minutos que eles davam, não davam pra a gente tirar todas as coisas, panela, aquelas “coisinhas de pobre”. Aí tinha que ensacar, e muitas vezes não dava tempo de a gente tirar as nossas roupas e eles tocavam fogo nos barracos. Era uma tristeza, muita gente ficava só com a roupa do corpo (Mãe Maria, Mosqueiro, 2022).
A narrativa acima representa de maneira contundente a violência e a humilhação de ser uma pessoa sem-terra no Brasil. Dois anos de instabilidade, medo e sujeição, marcados por despejos e crueldades. Ver o acampamento, que simbolizava a casa, o lar, ser consumido pelas chamas é uma brutalidade inaceitável e irreparável. Contudo, mais forte do que toda a dor e violência, estava o desejo inabalável de manter firme um território no qual pudessem se abrigar.
Compreendemos que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se enquadra no conceito de movimento socioterritorial e socioespacial proposto por Fernandes (2005), que entende o território como um conceito multidimensional. Fernandes destaca que o movimento social não é apenas uma reação, mas um processo dinâmico de luta e resistência, no qual o conceito de território vai além do espaço físico e envolve aspectos simbólicos e sociais.
O movimento, portanto, busca redefinir e reconquistar esse território, tornando-o um espaço de identidade, dignidade e resistência, onde os trabalhadores sem-terra podem reivindicar e afirmar seu lugar no mundo.
A ocupação é um processo socioespacial e político complexo compreendido como forma de luta popular de resistência do campesinato, para sua recriação e criação. Nesse sentido, a ocupação da terra e sua espacialização levam a transformação do espaço em território, com a conquista da terra.
[...]
A ocupação, como prática socioespacial e territorial radical, caracteriza fortemente o processo de formação do MST. Também os acampamentos, as marchas ou caminhadas são formas de luta que têm sido utilizadas por diferentes organizações políticas. Assim entendidas, compreende-se melhor porque o poder neoliberal busca, desde a segunda metade dos anos 1990, criar muitos obstáculos a fim de enfrentar mais eficazmente esse movimento popular considerado insuportável: judiciarização, militarização, repressão, prisão e elaboração de políticas voltadas para o mercado, como por exemplo, o Banco da Terra.
Ao saber da existência do MST, foi que Mãe Maria se libertou, como diz ela, de uma trama de violência doméstica e racismo religioso praticados por seu próprio companheiro.
A minha doença não era pra médico. O pai dos meus filhos não queria que eu fosse pra umbanda, ele não aceitava, e quando eu desprezava, eu faltava morrer. Eu guardava as minhas coisas escondidas na casa dos vizinhos, que ele não queria ver. Ele era muito violento, então eu guardava. Quando eu tirava as coisas de dentro de casa, eu adoecia, quanto mais eu tomava remédio de farmácia mais eu piorava, porque ele não aceitava. Era muito triste pra mim (Mãe Maria, Mosqueiro, 2022).
Mãe Maria, na narrativa acima, expõe uma violência complexa que envolve legado, mediunidade, espiritualidade e ancestralidade. Ser oprimida ao ponto de esconder suas "coisas" — ou seja, os objetos sagrados usados nos rituais afrorreligiosos — resultava em sérios danos à sua saúde física, emocional e espiritual. A força dessa narrativa revela o ciclo de violências que Mãe Maria vivenciava, envolvendo opressões domésticas, racismo religioso e violência no campo.
Contudo, aos poucos, os caminhos começaram a se abrir, e a liberdade, finalmente, chegaria. Essa libertação teve início com a leitura de um livro de formação, dado por um coordenador do MST chamado Ulisses. Mãe Maria o chama de "livro de disciplina", e ele se revelou um divisor de águas em sua vida. Como ela mesma expressa: "Quando eu li aquele livro, eu me desacorrentei, eu voei, igual aquele passarinho que tá dentro da gaiola, bem pequeno, que, quando se solta, voa, subindo, cantando."
Conforme Esmeraldo (2007) aponta, a expropriação da terra, do trabalho e da renda rural, além da falta de condições de sobrevivência, tanto no campo, como na cidade, são as motivações iniciais que levam muitas mulheres a se engajarem nas reuniões e ocupações. Esse primeiro passo é estratégico para que as mulheres se engajem no Movimento, buscando descobrir novos objetivos de vida, assumir o controle de suas próprias trajetórias e, no caso de Mãe Maria, alcançar a liberdade.
Mãe Maria temeu que seu cadastro para ser contemplada com o assentamento fosse rejeitado por conta de sua religião, mas, pelo contrário, ela recebeu do Movimento acolhimento e respeito, o que reafirma a posição de apoio e fraternidade que a luta coletiva de um movimento social representa. A pessoa responsável pelo cadastro explicou-lhe que o acesso à terra não dependia de sua fé, e que, em seu pedaço de terra, ela teria liberdade para construir seu terreiro, com os mesmos direitos que outras religiões possuíam. E foi na luta pela garantia do assentamento que Mãe Maria também assegurou a permanência de sua religião. Para ela, seu chão é sagrado, e ela afirma com confiança que, no MST, nunca teve do que se queixar, pois todos sempre a apoiaram.
Com a bênção dos encantados e da Cabocla Mariana, o território onde Mãe Maria poderia estabelecer seu terreiro foi conquistado, mantido e consolidado. Assim, podemos afirmar que Mãe Maria Raimunda ratifica sua identidade no território que, agora, representa sua permanência definitiva, alcançada por meio da conquista da terra.
As correntes se romperam, A gaiola se abriu, O passarinho voou e cantou.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de territorialização, no contexto do MST, é uma jornada árdua e repleta de desafios, mas fundamental para garantir a dignidade humana. O acesso à terra não é apenas uma necessidade básica, mas um direito essencial para que os indivíduos possam estabelecer e afirmar sua identidade, seus valores e, sobretudo, suas territorialidades. A luta pela terra é, assim, uma luta pela vida, pela liberdade e pela possibilidade de viver de acordo com seus próprios princípios.
A trajetória de Mãe Maria Raimunda evidencia essa luta constante. Inserida no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ela não apenas conquistou a terra como um espaço físico, mas também, uma terra sagrada, onde pôde territorializar sua religiosidade, que é o Tambor de Mina. Sua história nos revela como a luta por um pedaço de terra pode ser também uma luta por direitos culturais e espirituais, principalmente quando se trata da afirmação de religiões de matriz africana, que frequentemente enfrentam marginalização e intolerância religiosa.
Mãe Maria se tornou um símbolo de resistência contra a opressão e as múltiplas formas de violência que enfrentou ao longo de sua vida, como o racismo religioso, o machismo e o patriarcado. Sua trajetória de superação e resistência, tanto como mãe de santo, como assentada, reflete a força das mulheres negras no campo da política, da espiritualidade e da luta por justiça social. Ela se ergueu como protagonista de sua própria história, defendendo não apenas o direito à terra, mas também, o direito à liberdade religiosa e à manutenção de suas tradições ancestrais.
Ao longo de sua vida, Mãe Maria foi testemunha e parte ativa de um processo de transformação, não só de sua realidade pessoal, mas também, do contexto sociopolítico em que está inserida. Sua história, marcada pela luta e pela conquista do território, nos oferece uma poderosa reflexão sobre a importância de uma territorialidade que vá além do espaço físico, envolvendo também as dimensões culturais, espirituais e simbólicas.
Assim, a luta de Mãe Maria e sua conexão com o MST são uma expressão afirmática de como a resistência e a identidade estão entrelaçadas com a terra, com a memória ancestral e com as lutas cotidianas de quem busca, acima de tudo, um lugar de pertencimento e dignidade.
Agradecimentos
Para a realização da pesquisa, agradecemos o apoio institucional das entidades: Fundação de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicas e Tecnológicas e à Pesquisa do Estado de Rondônia – FAPERO; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES; Programa de Pós-graduação Mestrado e Doutorado em Geografia da Universidade Federal de Rondônia – PPGG/UNIR; ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vida e Culturas Amazônicas – GEPCULTURA/UNIR; ao Grupo de Estudos sobre Cultura e Identidade Negra na Amazônia – GLECINAM/UNIR e, especialmente, à mãe de santo Maria Raimunda.
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Notas