Recepção: 30 Março 2024
Aprovação: 13 Agosto 2024
Resumo: O objetivo principal foi analisar o perfil das lideranças indígenas no estado do Ceará de 1988 a 2020. O estudo foi de corte qualitativo e amparado no enfoque do empoderamento da liderança indígena. No tocante à investigação, procurou-se abranger todas as lideranças (das 15 etnias do Ceará) no sentido de constituir o universo quali-quantitavo dos participantes. Posto isso, alguns resultados obtidos foram: a) o empoderamento é uma importante ferramenta de luta, conquista e garantia de direitos; b) a participação nos movimentos sociais, associações e até partidos políticos impulsionam as lideranças, principalmente pautando as demandas dos povos indígenas e possibilitando visibilidade política às mesmas; e c) finalmente, os perfis e trajetórias das lideranças cearenses são plurais e com alto nível de escolaridade em comparação com outros grupos nacionalmente.
Palavras-chave: Etnologia Indígena, Empoderamento, Protagonismo, Indígena.
Abstract: The main objective was to analyze the profile of indigenous leaders in the state of Ceará from 1988 to 2020. The study was qualitative and supported by the focus on empowering indigenous leaders. With regard to the investigation, an attempt was made to cover all the leaders (of the 15 ethnic groups in Ceará) in order to constitute the quali-quantitative universe of the participants. That said, some of the results obtained were: a) empowerment is an important tool for fighting, conquering and guaranteeing rights; b) participation in social movements, associations and even political parties boost leadership, mainly guiding the demands of indigenous peoples and providing political visibility to them; and c) finally, the profiles and trajectories of Ceará's leaders are plural and with a high level of education compared to other groups nationwide.
Keywords: Indigenous Ethnology, Empowerment, Protagonism, Indigenous.
Resumen: El objetivo principal fue analizar el perfil de los líderes indígenas en el estado de Ceará desde 1988 hasta 2020. El estudio fue cualitativo y se apoyó en el enfoque de empoderamiento de los líderes indígenas. En cuanto a la investigación, se intentó abarcar a todos los líderes (de las 15 etnias de Ceará) para constituir el universo cuali-cuantitativo de los participantes. Dicho esto, algunos de los resultados obtenidos fueron: a) el empoderamiento es una herramienta importante para luchar, conquistar y garantizar derechos; b) la participación en movimientos sociales, asociaciones e incluso partidos políticos potencian el liderazgo, orientando principalmente las demandas de los pueblos indígenas y brindándoles visibilidad política; yc) finalmente, los perfiles y trayectorias de los líderes de Ceará son plurales y con un alto nivel de educación en comparación con otros grupos a nivel nacional.
Palabras clave: Etnología Indígena, Empoderamiento, Protagonismo, Indígena.
INTRODUÇÃO
É importante destacar que o protagonismo dos povos indígenas internacionalmente cresce e se materializa de maneira significativa no âmbito dos fóruns nacionais e internacionais, sobretudo no que tange à construção de documentos norteadores das articulações locais e globais, que são instrumentos importantes e necessários para o empoderamento dos povos ancestrais e tradicionais no Brasil e internacionalmente, como a Declaração das Nações Unidas sobre Povos Indígenas e Tribais (2008) e a Convenção da Organização Internacional do Trabalho 169 (OIT, 2011).
A partir dos anos de 1970 do século XX, os povos indígenas no Brasil, e no Ceará especificamente após os anos de 1988, tornaram-se protagonistas dos processos de tomada de decisões que diz respeito à construção histórico-social e política de direitos sobre seus territórios originários, (re)afirmamento de ancestralidade, emergências étnicas, retomadas de terras e participação política ativa dentro das diversas esferas políticas do Estado.
Esse protagonismo das lideranças no/do Nordeste vem a mudar o discurso historicamente enraizado na estrutura sociopolítica dos entes federativos (os municípios, Distrito Federal e estados) da sociedade civil de não existência de povos indígenas no Ceará/Nordeste. Não obstante, esse discurso do desaparecimento dos povos nativos no âmbito regional, que se engendrou no passado, mas que ainda é propagado e que permanece, inclusive, como “verdade” no discurso estatal e nas instituições escolares e políticas.
Dessa forma, por mais de três séculos, o pensamento social, constituído a partir do discurso do Estado brasileiro, invisibilizou os grupos autóctones com base num discurso de poder fortemente marcado pela retórica falso-perversa de desaparecimento de povos indígenas no Nordeste em meio ao processo de modernização da sociedade regional. Alicerçada nessa premissa, o órgão indigenista – Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) – tem hesitado em atuar junto aos “índios do Nordeste”, justamente por seu “alto grau de incorporação na economia e na sociedade regionais” (OLIVEIRA, 1997, p. 53).
Nesse sentido, Oliveira (1997) passa a tematizar sobre a emergência de novas etnias no Nordeste, com destaque especial para a etnogênese de povos/comunidades no Ceará. De acordo com ele:
Se, na Amazônia, a mais grave ameaça é a invasão dos territórios indígenas e a degradação de seus recursos ambientais, no caso do Nordeste, o desafio à ação indigenista é restabelecer [sic] os territórios indígenas, promovendo a retirada dos não índios das áreas indígenas, desnaturalizando a “mistura” como única via de sobrevivência e cidadania (OLIVEIRA, 1997, p. 53).
Dito assim, o processo de emergência étnica é uma conditio sine qua non para o processo de empoderamento de lideranças indígenas no cenário regional com características e perfis ressignificados, muitas delas marcadas pela introdução de ferramentas importantes, como o próprio conceito de recurso cultural disponível dentro do Estado estudado por Yúdice (2004) para construir narrativas importantes a favor dos povos, grupos e/ou etnias. Com base nesse entendimento, Oliveira (1997, p. 53) diz que essas preocupações teóricas “[...] se constituíram do início dos anos 90 para cá um significativo conjunto de conhecimentos sobre os povos e culturas indígenas do Nordeste”.
A Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, no Capítulo VIII, “Dos Índios”, principalmente nos Artigos 231 e 232 (Brasil, 1988), reitera, claramente, os documentos internacionais já supracitados – Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) e OIT/169 –, e reforça o protagonismo indígena em nível nacional nas últimas três décadas. Observa-se na CF/1988 os pressupostos empoderadores do movimento indígena brasileiro no capítulo constitucional mencionado, o qual se constitui importante dispositivo político jurídico que reforça positivamente as emergências de novas lideranças étnicas com perfis diversos em nível local, estadual e nacional (ALMEIDA, 2021).
Sobre a discussão sobre a emergência do protagonismo étnico brasileiro, sobretudo em conformidade com a CF/1988, lê-se: “São reconhecidos aos índios sua organização, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 1988, p. 143).
Assim sendo, como objetivo geral, houve uma análise do perfil das lideranças indígenas no estado do Ceará de 1988 a 2020, de modo que procurou compreender o nível de empoderamento adquirido em contato com as instituições sociais e políticas da sociedade envolvente. Os objetivos específicos foram: a) contextualizar a emergência do protagonismo indígena no estado do Ceará aliado a uma conjuntura de organização do movimento indígena a partir dos anos 1988; b) identificar e caracterizar os perfis das atuais lideranças indígenas que participam do movimento indígena no Ceará; c) pesquisar a trajetória/biografia das lideranças que transitam do universo das comunidades à esfera da sociedade política – Estado.
O debate em torno da discussão indígena no Ceará tem oportunizado a transversalidade dos aprendizados e das trocas de saberes emergentes entre instituições em geral e as etnias locais. Cabe aqui o destaque da contribuição da Comunidade Jenipapo-Kanindé para a emergência da primeira liderança feminina no mais alto posto de liderança indígena, com a Cacique Pequena, assim reconhecida pelos povos indígenas no Brasil. Nesse entendimento, empreender esta pesquisa se justifica pela oportunidade de identificar, sistematizar e analisar como o protagonismo das lideranças indígenas cearenses contribui para o estabelecimento e continuidade dos espaços de diálogos e trocas de saberes no âmbito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), principalmente nas discussões no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro e Indígenas (NEABI) e na rede federal de ensino do Brasil.
Em virtude dessas considerações, é importante reforçar a importância sociopolítica da proposta de pesquisa para o movimento indígena estadual, bem como para as instituições e os órgãos governamentais em geral, que passarão a compreender sociologicamente a construção social dos papéis políticos exercidos por líderes (homens e mulheres das quinze etnias) indígenas no espaço de (inter)mediação política no estado do Ceará.
No tocante à questão do referencial teórico para orientar o caminho da pesquisa e dos objetivos propostos em tela, optou-se pelo encaminhamento da pesquisa por meio do enfoque do empoderamento, que é bastante utilizado para examinar questões atinentes aos movimentos sociais, sobretudo aos grupos sociais e étnicos desprovidos e excluídos dos processos sociopolíticos e econômicos em vários continentes.
O estudo é de corte qualitativo e sustenta-se na teoria do empoderamento, considerando a liderança indígena como categoria analítica. Com relação ao universo da pesquisa, Minayo (1999) orienta que uma boa amostragem é aquela que possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas múltiplas dimensões. Portanto, nesta investigação, procurou-se abranger a maior quantidade possível de lideranças (das 15 etnias existentes no/do Ceará reconhecidas pelo movimento indígena cearense) e que a amostra passasse a ser o suficiente no sentido de constituir um universo quali-quantitativamente e heterogêneo de atores sociais envolvidos.
Além disso, foi encaminhado para as lideranças roteiro de entrevista semiestruturada (via e-mail para responder na plataforma digital Google Forms), sobretudo como técnica de coleta de informações, que veio a atingir todos os atores sociais envolvidos direta/indiretamente do/no movimento indígena no Ceará na atualidade. E como recurso qualitativo importante, utilizou-se de duas visitas de campo realizadas em maio de 2023 e abril de 2024, na Aldeia Jenipapo-Kanindé, município de Aquiraz, Ceará.
Para Stake (2011), os roteiros de entrevistas são usados normalmente para vários propósitos por um(a) pesquisador(a) qualitativo(a), isto é, ele(a) pode querer obter informações singulares e/ou interpretações assentadas pelas pessoas entrevistadas na pesquisa. Além disso, ele aponta mais duas questões fundamentais: como coletar uma soma numérica de informações de muitas pessoas; e mais, como descobrir sobre “uma coisa” que supostamente os(as) investigadores(as) não conseguiram observar por eles(a) mesmos(a) no processo exploratório do estudo.
Finalmente, após a coleta de dados e informações importantes, procurou-se fazer a análise e interpretação das categorias (perfis/estratégias/trajetórias) de empoderamento extraídas das entrevistas realizadas com os(as) líderes dos povos locais (homens e mulheres indígenas) que aceitaram participar da investigação em tela.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Antes de tudo, é importante contextualizar a população indígena brasileira, que vem crescendo positivamente em todo o território nacional, como bem demonstra o último Censo Demográfico de 2010. Para a FUNAI (2020), a atual população indígena brasileira, segundo resultados preliminares realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022): aponta que:
A população indígena do país chegou a 1.693.535 pessoas em 2022, o que representa 0,83% do total de habitantes. Um pouco mais da metade (51,2%) estava concentrada na Amazônia Legal. Em 2010, quando foi realizado o Censo anterior, foram contados 896.917 indígenas no país. Isso equivale a um aumento de 88,82% em 12 anos, período em que esse contingente quase dobrou. [...] O crescimento do total da população nesse mesmo período foi de 6,5%. Grande parte dos indígenas do país (44,48%) está concentrada no Norte. São 753.357 indígenas vivendo na região. Em seguida, com o segundo maior número, está o Nordeste, com 528,8 mil, concentrando 31,22% do total do país. Juntas, as duas regiões respondem por 75,71% desse total. As demais têm a seguinte distribuição: Centro-Oeste (11,80% ou 199.912 pessoas indígenas), Sudeste (7,28% ou 123.369) e Sul (5,20% ou 88.097). [...] A Funai também registra 69 referências de índios ainda não contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista (IBGE, 2022, s/p).
Os povos indígenas no/do estado do Ceará sofreram as mais diversas agressões e violações dentro de seus territórios no decorrer da história de colonização, de tal sorte que muitas populações foram “extintas” do território cearense. De acordo com as fontes governamentais do estado do Ceará, pelo menos 20 povos desapareceram, como os Jucá e os Icó, dentre outros grupos que viviam nas regiões serranas e no litoral também. Ainda em conformidade com os dados oficiais do Governo do Ceará (2019), mais de 26 mil indígenas encontram-se aldeados em cidades cearenses, o que corresponde a 17% do total da população indígena no Nordeste (GOVERNO DO CEARÁ, 2019).
Importante enfatizar que o discurso de não existência de populações originárias no Ceará remete a decretos oficiais expedidos pelo governo colonial com o intuito de se apropriar dos territórios e integrar as populações indígenas à sociedade nacional. Com base nisto, Santana, Neto e Aguiar (2010) afirmam que:
Em 1863, o Governo Provincial decretou não haver mais índios no Ceará, alegando que os indígenas foram mortos ou fugiram, dessa forma, os territórios indígenas podiam ser usurpados. Mas o que ocorreu na verdade, foi que as populações indígenas, como estratégia de sobrevivência, optaram por ocultar sua identidade, sobretudo nos aspectos mais exógenos. Deixaram de falar a língua nativa e adotaram alguns elementos do catolicismo popular que se assemelhavam aos seus costumes religiosos (SANTANA; NETO; AGUIAR, 2010).
Na atualidade, os povos indígenas no Nordeste manifestam presença de uma maneira muito visível, vigorosa e destemida há 20 ou 30 anos. Para Schröder (2001), esses povos emergiram como um assunto da política indigenista, por diversas demandas quanto à terra e à assistência governamental. Desse modo, voltaram a ser percebidos pelos(as) antropólogos(as), depois de várias décadas de desinteresse pelos estudos etnológicos/etnográficos. Assim, pode-se dizer que a história desses povos no século XX é de resistência, sobretudo como “[...] eles se organizaram, em algumas regiões já nos anos 30, lutas políticas pela segurança e reconquista de seus territórios que podem ser vistas como antecedentes regionais dos movimentos indígenas contemporâneos, sem que se tenha estudado isto até agora” (SCHRÖDER, 2001, p. 142).
Aliada à temática do protagonismo das lideranças indígenas dentro do movimento indígena brasileiro há uma literatura interdisciplinar importante que vem crescendo na produção científica brasileira. Entretanto, em relação à questão da categoria “empoderamento” como ferramenta política de poder [e análise] é ainda incipiente nos estudos e nas pesquisas etnológicas/etnográficas nesse campo. Por fim, para fundamentar o problema de pesquisa proposto, apresenta-se, a seguir, uma breve discussão a respeito das definições de empoderamento a partir da Sociologia, Ciência Política e da Antropologia Política.
O CONTEXTO DO EMPODERAMENTO
Numa pesquisa exploratória sobre o termo empowerment, Almeida (2013) enfatiza que a palavra existia antes mesmo da utilização a partir dos movimentos emancipatórios relacionados ao exercício da democracia e da cidadania, iniciado, sobretudo, nos movimentos sociais dos(as) negros(as), das feministas, dos(as) homossexuais, pelo movimento em prol dos direitos das pessoas com deficiência ocorridos nos Estado Unidos e Europa em meados do século XX.
O conceito de empoderamento passa a ser utilizado a partir dos anos 1970 nos estudos das áreas de educação e nas pesquisas em Sociologia Política, entretanto a literatura existente já fazia referência à existência dele já no século XVI. Aqueles estudos vêm a assinalar que a origem do conceito de empowerment tem ligação direta com o movimento da Reforma Protestante, iniciada pelo monge agostiniano Martinho Lutero, que veio a questionar o poder tradicional da Igreja na Alemanha por meio de 95 Teses, Wittemberg, no dia 31 outubro de 1517.
Importante mencionar que as críticas à Igreja e à autoridade papal atingiu o lero na época, motivo pelo qual veio a modificar os rumos da religião e da autoridade política internacionalmente. Considera-se um ato político de importante enfrentamento/autonomia encabeçado por Lutero como o primeiro indicativo de uma perspectiva de elaboração conceitual do empowerment pelas ciências sociais em geral e, mais tarde, absorvido pela corrente do liberalismo político (HEWITT, 2007; BAQUERO, 2012).
Como se pode notar, existe uma tensão no tocante ao conceito em tela, há os(as) defensores(as) que entendem que o empoderamento deve ser importante para aprimorar e estender a prestação de serviços (administração burocrática, assistencialismo e governança) e os(as) que preconizam a mobilização social (participação ativa) de baixo para cima. Autores(as) críticos(as), como Zimmerman e Rappaport (1988), Antunes (2002), Sen (1997), Romano (2002), Iori (2002), Gohn (2004) e Rowlands (2005), compreendem que as ações mais exitosas são aquelas que rompem com o assistencialismo (cidadania concedida e/ou manipulada), o paternalismo, a apatia e a alienação dos sujeitos. Segundo esse entendimento, a autonomia e a postura crítica e criativa vindo de baixo para cima são indutores importantes de mobilização social e a transformação da ordem existente (ALMEIDA, 2021).
Villacorta e Rodríguez (2002, p. 47) compreendem o empoderamento como uma construção e/ou ampliação das capacidades criativas e tendo as pessoas e os grupos excluídos no centro do processo de tomada de decisão. Em outras palavras, para os autores em tela, importante se faz que os grupos venham: a) “Assumir o controle de seus próprios assuntos; b) produzir, criar, gerar novas alternativas; c) mobilizar suas energias para o respeito a seus direitos; d) mudar as relações de poder; e) poder discernir como escolher; f) levar a cabo suas próprias opções”.
Iori (2002) assinala que o empoderamento, quando bem conduzido, põe as pessoas no centro das tomadas de decisões. O empoderamento é provocar o encorajamento das pessoas e trabalhar a perspectiva política da horizontalidade das ações/decisões políticas. De acordo com esta concepção, as pessoas e os grupos que vivem em condições de vulnerabilidades e fragilidades, principalmente no interior do processo de desenvolvimento, devem ser protegidos pelas instituições econômicas (mercados) e políticas no tocante à participação política e às garantias dignas de cidadania ativa.
Para Zimmerman e Rappaport (1988) e Rappaport (1995), o empoderamento é visto como um indutor do fortalecimento (e construção sociopolítica) de pontos organizacionais de uma instituição/empresa e competências individuais. Para eles, o empoderamento qualificado fortalece sistemas e comportamentos de proatividade quanto às questões de política social e de mudança social no que concerne aos(às) envolvidos(as). Acredita-se ser um processo pelo qual os indivíduos ganham domínio e/ou controle sobre suas próprias vidas e participação democrática na vida da sua comunidade.
PERFIL DA LIDERANÇA EMPODERADA
Há poucos trabalhos no Brasil a respeito das características empoderadoras das lideranças indígenas políticas no contexto de mais de 305 povos contactados que habitam em todo o território nacional. É importante destacar que apenas no século XX passou-se a falar de organização política indígena nacional. Assim, surgiram nomes de lideranças como Raoni Metuktire (povo Kaiapó), Álvaro Tucano (povo Tucano), Ângelo Cretã (Kaingang), Marçal Guarani e Ailton Krenak, que fizeram parte desse protagonismo e da construção do movimento indígena dos anos de 1970 e 1980 até a Constituição Federal de 1988. Esse período foi muito importante para a construção e articulação de todos os povos no sentido da efetivação de direitos iguais e diferentes do(a) brasileiro(a) de matriz ocidental. Vale dizer que algumas dessas lideranças ainda estão vivas e se tornaram ícones da resistência dos povos indígenas brasileiros e latino-americanos (FUNAI, 2020).
Neves (2004) destaca o florescimento da organização indígena nos anos de 1970 com muita troca de informações importantes no que tange à organização social e à realidade enfrentada pelos povos nos contextos étnicos. O primeiro momento pautou-se pelo conhecimento e permutas de práticas organizativas, motivo pelo qual levou o autor a afirmar que “[…] É nesta fase que a troca de experiência e problemas vividos dá origem a um senso de solidariedade indígena (unidade) nunca antes vivenciado, constituindo um espírito de corporação, que é a marca desta fase e que passou a ser a base de todas as mobilizações indígenas” (NEVES, 2004, p. 89).
É bom dizer que tal processo foi muito importante para se compreender o perfil das atuais lideranças indígenas emergentes no cenário regional, nacional e internacional. Nesse entendimento, há estudos recentes que procuraram compreender e explicar sociologicamente as emergências dos papéis exercidos pelas lideranças que participam efetivamente da política dentro das arenas de intermediação e negociação no/do Estado. Por isso, faz-se a pergunta: quem são eles e quais são as suas características performáticas que perpassam elementos de empréstimos culturais e ressignificação de papéis e recursos políticos de disputas no mundo social do colonizador?
Os estudos sobre o povo Kaingang no Sul do Brasil evidenciaram que a questão da apropriação do conhecimento não indígena é vista pelas lideranças como um recurso político para negociar projetos de desenvolvimento comunitários; assim, também conhecer a legislação indigenista, discutir políticas públicas de inclusão social, disputar cargos de direção na FUNAI e participar ativamente de organismos de defesa dos povos indígenas dentro do Estado. É por isso que os Kaingang têm acessado o conhecimento técnico-científico como uma ferramenta alternativa para efetivamente trazer para a realidade das comunidades as políticas específicas que estão escritas somente no papel (ALMEIDA, 2021).
O ESTUDO DAS LIDERANÇAS DO CEARÁ
A história dos povos indígenas no Nordeste tem sido marcada pela luta por terras e direitos ao longo dos anos de sua existência em território nordestino, além das inúmeras tentativas de catequização e apagamento de sua identidade sofridas no passado. De acordo com Silva (2005, apud MAGALHÃES, 2018), as populações do Nordeste atravessaram influxos de “catequese e civilização” com diferentes características, conforme as práticas de Estado de normatização de aldeamentos. Essas práticas, em sua maioria, tinham o objetivo de retirar os indígenas de seus próprios territórios e realizar um apagamento das características e práticas indígenas em algumas localidades.
Barreto Filho (2004 apud ADELCO, 2019) afirma que: “a partir de 1980, os povos indígenas do Ceará ganharam maior visibilidade, com o suporte de um grupo de apoio constituído pela Arquidiocese de Fortaleza. Inicialmente, os Tapeba e, posteriormente, os Tremembé, os Pitaguary e os Jenipapo-Kanindé passaram a reivindicar da FUNAI a demarcação de suas terras e o seu reconhecimento étnico” (Porto Alegre, 2002 apudADELCO, 2019):
Como resultado da mobilização dos povos indígenas no Ceará, a partir de 1985, o Estado brasileiro deu início ao reconhecimento das terras do Povo Tapeba em 1985; Tremembé, em 1986; Pitaguary, em 1993; e Jenipapo-Kanindé, em 1995. Posteriormente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciou processos de identificação das terras de outros grupos indígenas: Kanindé em 2001; Anacé, Potyguara, Tabajara, Gavião, Tubiba-Tapuya, Tremembé de Queimadas e Barra do Mundaú em 2003; Kalabaça e Tapuya-Kariri em 2007. O reconhecimento das Terras Indígenas se deu a partir da mobilização étnica de cada povo, que passou a se organizar em associações indígenas e a se filiar ao movimento indígena, o qual foi expandindo suas áreas de atuação (ADELCO, 2019, p. 20).
Atualmente, o estado do Ceará conta com 15 etnias reconhecidas que estão espalhadas em 18 municípios. Apesar do reconhecimento destas, existem aquelas invisibilizadas e/ou em processo de organização social.
No estado do Ceará existem as etnias: Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary, Potiguara, Tapeba, Tabajara, Tapuia-Kariri, Tremembé, Tubiba-Tapuia, Tupinambá e Paiacu, como pode ser visto no Mapa dos Povos Indígenas do Ceará, figura 1 a seguir.
De acordo com dados da Associação para Desenvolvimento Local Co-Produzido (Adelco, 2019), apenas uma terra indígena do estado do Ceará se encontra homologada, já 5 estão em situação de terras declaradas, uma única terra delimitada, 11 terras se encontram em estudo, 11 terras estão sem providências e 25 terras sendo modificadas.
De acordo com o Adelco (2019):
[...] Podemos concluir que o Estado brasileiro vem cometendo graves violações contra os povos indígenas do Ceará no que diz respeito ao longo período de tempo em que se demoram as 24 áreas indígenas em processo de regulamentação. Há um claro desrespeito à Constituição Federal de 1988, que assegura o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, e à Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário desde 2004, especialmente em seus artigos 14 e 15, os quais versam sobre o dever do Estado em assegurar a posse permanente dos povos indígenas sobre as terras tradicionais e sobre a proteção dos recursos naturais disponíveis nelas e necessários à vida dessa população (ADELCO, 2019, p. 59).
Como uma maneira de garantir direitos e políticas para os povos indígenas, estes foram se destacando pela criação de organizações atuantes no movimento indígena. Cada uma com suas próprias reivindicações e pautas, mas que atuam juntas em prol da valorização da cultura, luta por terras, mobilizações, campanhas e outros.
Atualmente, o Ceará conta com a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (FEPOINCE) e Associação de Mulheres Indígenas do Ceará (AMICE), que atuam no fortalecimento de iniciativas culturais e na manutenção dos territórios.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Para auxiliar no estudo do perfil das lideranças indígenas, a coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de formulário eletrônico na plataforma Google Forms. Os(as) participantes da pesquisa são compostos(as) por um público de faixa etária distinta, etnias e territórios. A coleta de dados envolveu perguntas sobre idade, estado civil, escolaridade, renda das lideranças e questões pertinentes ao empoderamento[1].
É bom dizer que referente que os territórios dos(as) entrevistados(as) estão localizados nos seguintes municípios: Crateús (1), Pacatuba (1), Monsenhor Tabosa (2), Aquiraz (1), São Benedito (1), Crateús (1), Maracanaú (5), Poranga (2) e Quiterianópolis (1).
No tocante à idade dos(as) entrevistados(as) eles(as) são, predominantemente, de faixa etária entre 29 e 42 anos de idade. Como se pode observar, as lideranças têm um perfil bastante jovem, o que significa fazer parte dessa nova geração de lideranças que emergem a partir do final dos anos de 1980. Além disso, quanto ao nível de escolaridade das lideranças, é bastante diferenciado e significativo, uma vez que todas têm ensino médio completo e uma tendência de evolução do nível de escolaridade que aponta do superior incompleto até a pós-graduação completa.
É com base nesses dados preliminares sobre as trajetórias pessoais que adentramos nos depoimentos dos(as) interlocutores(as) da pesquisa sobre empoderamento das lideranças. É importante dizer que no estado em tela, no âmbito destes(as) atores e atrizes sociais ocorre efetivamente o processo de mudança, no qual é possível observar o grande número de mulheres indígenas que se sobressaem como protagonistas dentro de seus territórios.
Com base nas trajetórias das lideranças nos seus territórios e no momento indígena regional, fez-se a seguinte indagação para todos(as): você poderia falar um pouco sobre a sua trajetória de liderança? Assim sendo, como você(s) começou(aram) e de que maneira se tornou(aram) um(a) ativista indígena? E nesse momento, a Participante A, Tapuia-Kariri, respondeu:
Bom, nasci e cresci ouvindo meus avós dizendo que somos indígenas aos 18 anos me dediquei no movimento indígena local, em 2007, montamos uma sala de aula de EJA onde eu fui a professora, a primeira professora indígena organizava reuniões entre nós para discutir a nossa organização com esses ações fui me destacando onde, em 2012, me elegeram cacique do povo Tapuya-Kariri a responsabilidade aumentou, pois além de organizar internamente agora represento um povo tanto local como estadual e até mesmo nacionalmente. Hoje sou vice coordenadora da FEPOINCE, e também coordenadora da APOINME da microrregião do Ceará, enfim fui sendo lapidada pelos meus troncos velhos e acredito que aprendo e ainda tenho muito que aprender (PARTICIPANTE A).
Já o Participante B, povo Kanindé, diz que: “Eu passei 16 anos morando em Fortaleza, contudo sempre que podia participava das reuniões e também das manifestações. Ao passar dos anos vim embora para a aldeia e dei continuidade, sendo com mais efetivação e me dedicando completamente ao movimento indígena”. Convém ressaltar que o Participante C, Pitaguary, aldeia localizada na região de Maracanaú, foi enfático em dizer que: “Iniciei minha trajetória participando do movimento e organização do meu próprio povo (Pitaguary) e participei de alguns eventos de outros povos na busca por direitos não antes atendidos”.
É de se notar que o perfil das lideranças também muda de acordo com a trajetória delas. Assim, nessa esteira de depoimentos biográficos, o Participante D, Tupinambá, conta-nos: “[...] desde criança aprendi que nós devemos respeitar a diversidade, culturas e tratar todos iguais por que é fundamental respeitar a todos e a todas. Meu povo confia no meu trabalho e o meu objetivo é unificar cada dia mais e fortalecer nossa luta por melhoria. Obrigado pai Tupã, obrigado meu povo”. Já a Participante F, Jenipapo-Kanindé, disse-nos que iniciou sua liderança ainda criança:
Bom, minha trajetória deu-se início aos 12 anos de idade no movimento indígena cearense, minha mãe sempre me levava às assembleias, reuniões, conferências para que eu pudesse escrever o que era discutido nesses momentos. Aos 14 anos me tornei representante dos jovens no Conselho local de saúde indígena e em seguida fui ocupando outros espaços. Costumo dizer que minha mãe foi minha mestra nessa luta, ela que me ensinou tudo o que sei de movimento indígena. Nunca saí da aldeia, sempre estive presente na vida do meu povo e fui ganhando espaço e respeito perante meu próprio povo (PARTICIPANTE F).
Indígena Tapeba, a Participante G, explica como chegou a ser a liderança: “[...] nasci e me criei na Aldeia Vila dos Cacos em Caucaia-CE, e moro com meus bisavós desde os seis anos de idade. O Sr. Sebastião Caco rezador, cachimbeiro e agricultor, não está mais entre a gente, ele se encantou. Dona Josefa parteira, mezinheira e agricultura, grande mulher a quem admiro”. Ela reforça que participa do movimento indígena desde muito cedo, logo, serviu como uma grande escola da vida para o empoderamento dela para atuar na AMICE, principalmente defendendo o direito delas e na unidade da luta. Esse depoimento dialoga com os interlocutores Villacorta e Rodríguez (2002), que sustentam a premissa de que o empoderamento é um processo de construção e ampliação das capacidades, e que as pessoas e grupos excluídos devem assumir o controle de seus próprios assuntos/pautas, principalmente mobilizando suas energias para o respeito a seus direitos e transformando radicalmente as relações de poder.
O Participante H, Tabajara, conta-nos: “Então sou liderança indígena da etnia Tabajara. Sou presidente da nossa organização local, e represento o meu povo dentro e fora de minha comunidade”. A Participante I, Pitaguary, do município de Maracanaú, conta-nos a sua trajetória como liderança:
Comecei minha militância no movimento indígena nos anos 90. Na época estávamos no processo de organização política do nosso povo e lutando pela demarcação da Terra. De lá para cá não parei mais, sempre me engajando e participando ativamente das discussões e deliberações. Em 2007, fui eleita coordenadora de mulheres indígenas do Departamento de Mulheres Indígenas da APOINME. (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do NE, MG e ES). Permaneci até 2013, nesse período tive oportunidade de conhecer diversos povos da área de abrangência da APOINME e participar da construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas - PNGATI. Retornando para o Ceará, criamos em 2017 a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará - FEPOINCE, organização essa que sou coordenadora pelo segundo mandato. Recentemente fui eleita presidenta do Conselho Local de Saúde Indígena Pitaguary, e trabalho como Assistente Técnica da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial – CEPPIR (PARTICIPANTE I).
No tocante à importância de ser uma líder escolhida pelo povo, a Participante K, Tabajara, descreve um pouco acerca do que é ser uma liderança: “Há muitos anos estou na militância indígena e sempre fui escolhida pelo meu povo para representá-los e acredito que ser liderança é ser apoiada pelo seu povo, pois é o povo quem diz o que você é. Sempre gostei de participar das lutas do movimento indígena e busco não somente participar mais contribuir na defesa dos direitos não somente do meu povo, mas de todos os povos indígenas do Ceará, do Brasil”. Em virtude dessas considerações, Zimmerman e Rappaport (1988) e Rappaport (1995) entendem que a participação fortalece as organizações e o protagonismo indígena quanto às questões de política social, organização política e afirmação de direitos.
A Participante L, Pitaguary, destaca: “Minha liderança se faz pela luta e pela manutenção de nossas tradições, do artesanato e da cultura do meu povo”. O Participante N, Kariri, mostra-nos que a influência do mais velho também pode ser um fator preponderante para se empoderar e se tornar uma liderança ativa: “Bom, comecei a ser uma liderança jovem após eu me comunicar com os troncos velhos da cidade e ver de perto a luta para conquistar o que temos hoje!”.
Ao mesmo tempo, temos o Participante O, indígena Potyguara, que fortalece o relato anterior ao nos contar que: “[...] através dos troncos velhos me tornei uma liderança jovem do meu povo e no meu município”. Importante dizer que os três depoimentos em tela revelam o aprendizado que vem pela tradição e pela oralidade dessas comunidades, ou seja, um conhecimento repassado e ressignificado pelas lideranças aliado a outras ferramentas importantes que chegam por meio do acesso à educação escolar intercultural da sociedade envolvente (ALMEIDA, 2021).
O Participante J, Tabajara, conta-nos como iniciou sua liderança e influências: “Iniciou em 1999, mas me tornei liderança do povo Tabajara de Quiterianópolis, Inhamuns, em 2003, quando voltei para minha terra de origem e também por determinação do meu avô Pedro Severo, minha mãe, meu pai e meus tios”. E a Participante P, Potyguara, revelou que a aproximação com o movimento indígena lhe despertou o interesse em ajudar a sua etnia no sentido de superar as dificuldades e a lutar pelos direitos dos povos indígenas. Ela destacou ainda que um dos fatores importantes para esse protagonismo político como liderança é a participação nas ações dentro e fora da comunidade:
Eu iniciei participando do movimento e procurando ajudar meu povo sempre em suas lutas e necessidade, na época não tinha muita condição para deslocamento, mas não faltava aos encontros e ações do movimento, e sempre estava à frente de todas ações na minha comunidade, fora de nossa aldeia buscava conhecimento em meio aos movimentos para ajudar meu povo, e assim me tornei liderança na Aldeia Jucás, e fui batizada pajé da minha aldeia com muito orgulho defendo meu povo e todo movimento, aonde tiver um índio tem um pouco de mim, Rosinha Potyguara, fui coroada por meu guia Cacique Cobra Coral… É uma ciência na luta contra as demandas (PARTICIPANTE P).
O Participante M, Pitaguary, fala da importância da universidade no processo para se reconhecer como liderança e mudar positivamente a vida de sua comunidade. No depoimento a seguir, percebe-se a importância da aquisição do conhecimento do não indígena [aquele adquirido pela educação formal nas instituições da sociedade envolvente], deveras importante para o ativismo e o fortalecimento pessoal/coletivo das lideranças.
Na verdade, me sinto um ativista ambiental, com empoderamento através da UNILAB, a partir do momento que iniciei minhas aulas da graduação, minha cabeça começou a se abrir para outras possibilidades e minha visão mudou em relação ao nosso território e o que eu como indígena Pitaguary, poderia fazer para melhorar a vida nas nossas comunidades e também como poderia trazer desenvolvimento para o nosso povo de forma sustentável (PARTICIPANTE M).
Participante E, Potyguara, descreve o processo de envolvimento e construção social e política de sua ação como ativista e liderança do segmento do movimento indígena LGBT, sobretudo nos coletivos mais amplos do movimento indígena cearense e brasileiro:
Então, meu processo de retomada em 2005, luta pela terra e comecei bem nova dentro do movimento exemplo da minha mãe uma liderança indígena, meu pai que é o pajé e daí eu fui começando a utilizar meu ativismo. Hoje sou fundadora do Coletivo: (caboclas indígenas LGBT); liderança da Juventude indígena de Crateús, AMICE (Articulação das Mulheres Indígenas) (PARTICIPANTE E).
No que pese o depoimento engajado e pluralmente inclusivo evidenciado na pesquisa sobre as etnias em destaque, Iorio (2002) destaca que os movimentos sociais estão cada vez mais heterogêneos (segmentados) e pragmáticos em relação à agenda de demandas políticas e culturais, não obstante não deveria ser diferente com o movimento indígena do/no século XXI.
Com base nos questionamentos sobre o perfil para se tornar uma liderança reconhecida/atuante, foram levantadas as seguintes perguntas: o que é preciso hoje para ser uma liderança indígena? Quais pré-requisitos se devem ter para atuar dentro do movimento indígena no/do Ceará? A Participante A, Tapuya-Kariri, disse que: “ser atuante no movimento, conhecer e defender seus direitos e ter um pensamento coletivo”, ou seja, estar preparada e capacitada para compreender e interferir dentro das estruturas do Estado como liderança indígena defensora dos direitos coletivos da comunidade. Nesse entendimento, Iorio (2002) afirma que é possível ver os grupos excluídos em países em via de desenvolvimento reivindicarem políticas afirmativas/inclusivas no que concerne aos direitos sociais, culturais e políticos. Atualmente, acrescenta-se o processo de conscientização política para a defesa dos direitos territoriais ancestrais.
Em consonância com as perguntas do parágrafo anterior, a Participante B, Kanindé, respondeu:
Sair da zona de conforto, ver o movimento indígena, como uma forma de resistência na busca ativa dos nossos direitos coletivos, conquistas espaço que ao longo de 500 anos foram perdidos. Eu não vou chamar de pré-requisito, mas sim a melhor maneira de nos tornarmos lideranças indígenas é trazer uma responsabilidade do movimento indígena para cada um, é entender que os nossos troncos velhos se dedicaram e muitos deles morreram lutando para que seus descendentes pudessem usufruir de uma conquista iniciadas por eles (PARTICIPANTE B).
É importante destacar a conscientização em relação às bandeiras de lutas, às pautas sobre os direitos dos povos originários, principalmente daqueles assegurados na CF/1988. Assim, fazendo um paralelo entre a fala anterior com o depoimento a seguir, pode-se extrair do Participante C, Pitaguary, que ser liderança é "ter coragem não só para enfrentar os problemas internos, mas saber dialogar e debater com outros autores para garantir a defesa do território”. Essa fala nos remete àquilo que Iorio (2002) considera como empoderamento, a perspectiva que coloca as pessoas [os agentes envolvidos] no centro do processo de desenvolvimento social e político. Para a autora, não pode haver protagonismo se não houver o encorajamento dos sujeitos e das comunidades.
A tradição foi e continua sendo elemento empoderador nos coletivos indígenas, portanto todas as comunidades recorrem à ancestralidade, principalmente aos troncos velhos, aos sábios e xamãs para reverenciarem a existência cosmo-antológica e o bem-viver. Dessa forma, destaca-se a importância (a reverência) dos mais velhos no discurso da Participante D, Tupinambá, que reforça: “Ter pensamentos coletivos, não ter medo de lutar por melhoria, ter bom ouvido, pois aprendemos muito com nossos troncos velhos.”
Com relação ao papel da liderança e a visibilidade política dela, o Participante E, Potyguara, enfatiza que deve existir um processo cultural e político de atualização:
Primeiramente tem um processo. Como se dá como ajudando para você começar a realizar a sua liderança primeiramente lutar dentro da comunidade e das aldeias também e começar o processo de ajudar dentro, principalmente nas redes sociais que é um local que está dando muita visibilidade para muitas lideranças indígenas e começar a fazer suas ações (PARTICIPANTE E).
Como se pode notar, a Participante F, Jenipapo-Kanindé, em contrapartida aos argumentos anteriores, enumera os pré-requisitos que, em sua concepção, são essenciais para ocupar o espaço de liderança:
Primeiramente ser indígena, segundo ter perfil de líder pois não é todo mundo que nasce com esse perfil, muitos querem ocupar esse espaço, mas nem todos têm o dom. Você precisa ter humildade, ter pensamentos que visam a coletividade, buscar sempre alternativas para enfrentar os desafios que se apresentam no dia a dia da aldeia (PARTICIPANTE F).
Baseado no perfil em construção a partir dos anos de 1988, a Participante G, Tapeba, falou dos distintivos importantes, como amor à causa, vivência na aldeia e espírito de coletividade para se tornar uma boa liderança. Além desses fatores já mencionados, o Participante H, Tabajara, enaltece a participação nas articulações políticas internas e externas à comunidade, principalmente para interagir com a sociedade civil e o Estado. Neves (2004) enfatiza que a troca de experiência e os problemas vividos enriquecem o senso de solidariedade indígena [fortalece a unidade] até então não vivenciado, constituindo-se espírito de corporação e base para as mobilizações indígenas.
Como se pode notar, ainda sobre os perfis em construção e desenvolvimento, o Participante I, Pitaguary, respondeu que há fatores importantes para se tornar um(a) ativista, isto é, ele menciona critérios importantes para se escolher um(a) bom líder: ser indígena e defensor(a) da terra, dos costumes e do seu povo. Além do mais, deve ter boa relação com as comunidades, respeitar os(a) mais velhos(as) e ser escolhido(a) dentro do seu povo, seguindo os ritos organizacionais e burocráticos de cada grupo. Nos depoimentos a seguir, a maioria segue a filosofia ameríndia, bastante trabalhada dentro das aldeias:
Ser resistente, lutar pelo bem-estar do seu povo e principalmente lutar pela terra e território, pois se conseguirmos termos nossas terras demarcadas teremos saúde, educação escolar indígena e uma alimentação saudável (PARTICIPANTE P).
Ser escolhida e indicada pelo seu povo, ser sempre atuante nas lutas em defesa dos direitos.
O que deve ser levado em conta é o protagonismo dessa liderança junto ao seu povo, se realmente atua na defesa do território e seu povo (PARTICIPANTE M).
É necessário ser uma pessoa comunicativa e ser social com todos da comunidade (PARTICIPANTE N).
Sempre buscar o bem coletivo para ter um bem-estar entre todos e todas (PARTICIPANTE O).
É preciso ter bastante coragem para os desafios, muita fé em nosso pai tupã, determinação, humildade, compromisso e respeito para com seu povo (PARTICIPANTE P).
Após exposição sobre os requisitos necessários para se tornar um ator social com protagonismo, perguntou-se aos(às) entrevistados(as) sobre a construção de tais características pertinentes e/ou aproximativas para ser uma liderança empoderada. Para a Participante A, Tapuya-Kariri: “essas características são adquiridas na vivência dentro da aldeia com os nossos troncos velhos (os nossos idosos)”. Já para a Participante B, Kanindé, a atuação no movimento indígena conta para adquirir essas características: “Ao longo dos anos, fazendo movimento”.
Convém notar que os pontos levantados pelos entrevistados “A” e “B” reforçam o passado, a ancestralidade e a vivência dentro das comunidades como elementos constitutivos de formação cultural e política de um(a) líder. Os depoimentos abaixo vêm corroborar e enriquecer mais a pesquisa sobre o perfil das lideranças indígenas no estado do Ceará a saber:
É no dia-dia participando ativamente e politicamente das discussões com o povo é que se adquire as características necessárias para se tornar uma liderança (PARTICIPANTE C).
Saber lidar com os parentes e respeitar espiritualidade é uma maneira de adquirir tais características (PARTICIPANTE E).
Você nasce líder, você não se torna um. Com o tempo essa liderança só vai sendo exposta para fora com o comprometimento de colaborar com a aldeia (PARTICIPANTE F).
Na vivência do movimento no cotidiano que se adquire as características de liderança (PARTICIPANTE G).
Participando das ações da comunidade (PARTICIPANTE H).
Se pertenço a um povo e ele me reconhece, terei os elementos primordiais que irão moldar o meu caráter e a minha formação enquanto liderança indígena (PARTICIPANTE I).
Alguns já nascem com esse dom desde pequenos, outros vão adquirindo e se fortalecendo ao longo da sua militância (PARTICIPANTE K).
Com exemplo de vida e o respeito da comunidade (PARTICIPANTE L).
Com as vivências dentro das comunidades, principalmente atuando na resolução de problemas (PARTICIPANTE M).
Em conjunto com a comunidade, e outras lideranças junto principalmente com os troncos velhos (PARTICIPANTE N).
Ao longo do tempo através do reconhecimento de outras pessoas (PARTICIPANTE P).
Procurou-se investigar se as lideranças conheciam (ou já tinham escutado falar) a palavra “empoderamento” em algum momento de sua trajetória de líder indígena. Ademais, questionou-se: você já ouviu falar na palavra “empoderamento”? Se sim, você se considera uma pessoa empoderada? A Participante A, Tapuya Kariri, enfatiza: “Eu sou sim uma mulher indígena, mãe nordestina que procuro sempre aprender e incentivar outras mulheres a se empoderar também, pois como mulher temos muito que contribuir com a realização de ações que venham beneficiar a todos”. Estimular a participação política das lideranças no contexto da vida política interna/externa das aldeias é um ingrediente importante para fortalecer os sujeitos e dar visibilidade à luta das etnias (ALMEIDA, 2021).
A entrevistada F, Jenipapo-Kanindé, além de se reconhecer como uma pessoa empoderada, ainda estimula outras mulheres a serem protagonistas: “Sim, eu me sinto muito empoderada e ainda busco empoderar outras mulheres. Sou muito destemida no que acredito como real para minha vida”. Também é o caso da Participante G, Tapeba, que relata que a vivência e o aprendizado fazem com que se considere uma liderança fortalecida: “Sim, me considero empoderada pela minha vivência e aprendizados no movimento indígena”. Nestas falas revelam-se a autonomia e a postura crítica e criativa vindo de baixo para cima como ingredientes fundamentais para a mobilização social e a transformação da ordem existente (ALMEIDA, 2021).
Já o Participante I, Pitaguary, explica com detalhes sobre considerar-se uma liderança:
Me considero uma liderança que sempre observei as pessoas e os sinais da natureza, isso fez com que eu pudesse aprender e traçar meu próprio caminho de liderança. No movimento indígena o que considero mais importante é saber escutar. Sempre esperar o momento certo para colocar o seu ponto de vista sem desrespeitar ninguém (PARTICIPANTE I).
Todas as respostas são importantes, sintetizam-se os trechos dos depoimentos a seguir: A Participante J, Tabajara, responde: “Sim. Eu sou empoderada”. Limitando-se às suas respostas, a Participante K, Tabajara, diz que: “não muito.” Enquanto o Participante L, Pitaguary, afirma que “em parte” se considera uma liderança empoderada. O Participante M, Pitaguary, enfaticamente responde: “Sim, sou um guerreiro do meu povo que luta pela garantia da proteção do nosso território, não gosto do termo liderança, para mim é muito superficial e subjetivo.”
Como se pode notar, o Participante N, Kariri, vê-se como protagonista, e nos respondeu: “uma liderança de força maior”. Convém ressaltar que o Participante O, Tabajara, apenas limita-se a responder com um simples “não”. Já o Participante P, Potyguara, reforça que: “[...] me considero por que estou sempre ocupando os espaços e nos debates”.
Outra pergunta que foi aplicada no roteiro versa sobre os passos para ser uma liderança política da comunidade fora da aldeia. No tocante à questão, questionou-se: quais são os passos necessários para se tornar uma liderança política e representante legítimo da comunidade fora da aldeia? As percepções foram múltiplas, por exemplo a Participante A, Tapuya-Kariri, respondeu que lutar pela terra, ouvir e respeitar os mais velhos seriam os passos para se tornar uma pessoa com perfil político importante dentro e fora da aldeia. Segundo ela: “Atuação no movimento local na defesa principalmente na luta pela terra, ouvir e respeitar os nossos troncos velhos porque pelas vivências que tiveram tem muitas coisas para nos ensinar e nós temos que aprender muito com eles”.
O Participante C, Pitaguary, diz que “ter um bom poder de diálogo e conhecimento” são os passos para se tornar liderança política dentro e fora da aldeia. O Participante D, Tupinambá, traz em sua resposta também a questão do diálogo, assim como o participante anterior, destacando a união na luta da comunidade: “Ter um bom diálogo com seus parentes e unificar a luta” (Almeida, 2021).
Já o Participante E, Potyguara, diz que “Trabalhar com o povo” é um passo importante para ser essa liderança fora da comunidade. O Participante F, Jenipapo-Kanindé, destaca a importância de ser escolhido e apoiado pelo povo para se colocar no lugar de liderança da comunidade: “se faz preciso que seu povo te permita representá-los fora da aldeia, não basta só querer representar o povo, faz-se necessário o apoio e consentimento dos mesmos”. Para Zimmerman e Rappaport (1988), Antunes (2002), Sen (1997) e Romano (2002), as ações participativas mais exitosas (as transformadoras de baixo para cima) são aquelas que rompem com a apatia e a alienação dos atores e atrizes sociais e políticos(as) envolvidos(as) no processo de tomada de decisões e nos espaços de representatividades dos grupos, dos territórios e das comunidades em geral.
O Participante I, Pitaguary, em contrapartida às respostas obtidas anteriormente, destaca que não é tão fácil ser um representante fora da comunidade: "É muito difícil se formar e ser representante fora da aldeia. A pessoa precisa ter referências históricas com o povo a que pertence, ter vivência”. Com base neste entendimento, a Participante J, Tabajara, destaca a necessidade de certos conhecimentos para ocupar esse espaço de representação fora da comunidade: “Ter conhecimentos em todos os segmentos: políticas sociais, partidárias, políticas públicas sociais, educação, saúde e de gêneros”. Em razão disso, Almeida (2021) diz que acessar o conhecimento técnico-científico da sociedade envolvente é uma ferramenta usada pelas comunidades indígenas para efetivamente colocar em prática políticas específicas que estão escritas apenas no papel.
Os depoimentos dos Participantes K, Tabajara, L, Pitaguary, N, Kariri, explicam que manter o respeito pela história e a ancestralidade do povo é o necessário para ter esse perfil de representante étnico-político fora da aldeia:
Ser indígena de seu povo, viver na aldeia e ser de confiança são importantes para representar o povo fora da aldeia e ainda destaca que ocupando esse lugar o representante tem que estar presente em todos os momentos que seu povo necessita (PARTICIPANTE K).
Ter o reconhecimento do seu próprio povo através de trabalho executado dentro das aldeias, ou pelo menos deveria ser (PARTICIPANTE K).
Adquirir melhorias e políticas públicas nas aldeias e comunidades é o que é preciso para ser um representante da comunidade (PARTICIPANTE O).
A Participante P, Potyguara, explica que para ser um líder, representante de uma aldeia, é necessário que a liderança esteja diariamente em sintonia com a aldeia e não se distancie tanto de seu povo. Segundo ela, caso isso venha ocorrer, é muito provável que essa pessoa venha a perder a confiança da comunidade. Em virtude dessas considerações, outra entrevistada descreveu:
Bom, para você ser uma liderança de uma aldeia você precisa morar naquela aldeia, mas quando você sai da aldeia para uma outra cidade você pode estar indo para eventos como liderança daquela aldeia, só que se você estiver morando em outra cidade ou aldeia você não poderá ser mas liderança daquela comunidade, porque você não tem mas o convívio. Um líder não pode se distanciar dos seus liderados (PARTICIPANTE P).
Na esteira dessa discussão do protagonismo indígena, formulou-se a seguinte questão: você está vinculado(a) a alguma organização não governamental (ONG), associação, sindicato e/ou filiado(a) a algum partido político? Se sim, quais e há quanto tempo? A maioria das respostas foi positiva. Ao todo, 14 lideranças afirmaram estar envolvidas e/ou filiadas às entidades mencionadas acima, enquanto apenas quatro lideranças disseram não possuir vínculos com nenhuma das opções citadas.
Ademais, questionou-se sobre o perfil de lideranças na atualidade, quando se constata grande presença de mulheres e jovens como lideranças indígenas. Baseado na observação desse processo de mudança nos perfis dos atores e atrizes políticos(as) ameríndios(as), perguntou-se: como você observa o processo de formação e mudança das lideranças no Ceará? No seu ponto de vista, esse processo de mudança nas características contribui para o fortalecimento do movimento indígena no estado?
O processo de ser liderança indígena ele parte da vivência e escuta com os mais velhos para conhecer e entender sua história e consequentemente defender seus direitos pela demarcação de seu território saúde e educação a contribuição vem a partir do momento onde usamos todos os aprendizados repassados pelos nossos troncos velhos para dar visibilidade a nossas lutas (PARTICIPANTE A).
É muito difícil ser uma liderança dentro do movimento indígena no estado do Ceará porque é muito apagado, mas eu vejo que os meus parentes são muito fortes (PARTICIPANTE B).
Sim, fortalece muito e quando essa liderança se empodera também de conhecimento acadêmico facilita muitas coisas, pois passamos a entender muitas vezes como os ditos "brancos" veem o mundo do nativo e aprendemos formas de nos defender (PARTICIPANTE E).
Não temos mudanças de lideranças, pois as lideranças que começaram a organização dos povos indígenas do Ceará permanecem até hoje. O que temos é formação de novos guerreiros e guerreiras que continuam o movimento com o mesmo empenho e dedicação (PARTICIPANTE H).
Porque são as lideranças tradicionais juntamente com pajés e caciques que contribuem para que as conquistas cheguem até as aldeias. Sem a participação das lideranças, o movimento indígena não teria a força que tem (PARTICIPANTE J).
Do meu ponto de vista algumas lideranças estão assumindo em alguns momentos papel de homem branco, o que atrapalha na tomada de decisões ou na luta dentro do próprio território, precisamos agir em defesa do território e não somente falar, já perdemos muito e continuamos a perder, mas poucos conseguem enxergar isso (PARTICIPANTE L).
A partir da coleta dos depoimentos das lideranças indígenas cearenses, percebe-se uma pluralidade de percepções que denota o sentido de vivência, participação e aquisição de ferramentas de cunho técnico-científico importantes da sociedade e das instituições não indígenas para o mundo sociocultural dos originários, principalmente a educação escolar (acessar a universidade, o emprego e outros dispositivos culturais/científicos importantes) para, efetivamente, transitar, dialogar e afirmar direitos e políticas públicas existentes para os povos indígenas brasileiros/cearenses.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa apontou que as lideranças atuantes no Ceará pertencem a várias gerações [de jovens e pessoas mais experientes] que têm poder de barganha no cenário atual e recurso político de pressão no âmbito dos direitos dos povos indígenas, sobretudo das aldeias às quais pertencem.
O estudo sobre as lideranças indígenas no Ceará revelou que o empoderamento é uma importante ferramenta para a luta, conquista e garantia de direitos e políticas públicas no campo indigenista. E que, somada aos movimentos sociais, associações e até partidos políticos, impulsionam as lideranças, colocando-lhes em lugar de destaque no qual suas reivindicações podem ganhar força e visibilidade regional. Nota-se que a maioria dos relatos sobre a trajetória das lideranças versa sobre sua inserção como liderança por meio da participação no movimento indígena, em organizações e ações desenvolvidas dentro da aldeia em prol da comunidade.
Foi observado, a partir dos depoimentos, que o perfil esperado de uma liderança interna/externa deve ser alguém que está inserido no contexto cultural da aldeia e atuando em prol de melhorias para a comunidade. Além disso, deve ele(a) estar também inserido(a) diretamente no movimento indígena cearense/brasileiro, que é a maior vitrine de luta e afirmação dos povos no estado do Ceará. Nota-se que para além da vivência na aldeia e no movimento, de acordo com a maioria das respostas obtidas, é necessário que a liderança seja comunicativa, tenha espírito de coletividade, nível de escolaridade como ferramenta técnico-científica de luta, aprenda com os troncos velhos e os respeitem.
Outro ponto importante e que merece destaque é o fato da maioria dos(as) envolvidos(as) na pesquisa serem lideranças atuantes que não se reconhecem como tal, ou sequer reconhecem o significado sociológico da palavra empoderamento e/ou protagonismo.
No tocante ao perfil das lideranças na atualidade, a pesquisa revelou que há algumas exigências, como grau de instrução e dialogar com políticas públicas e com a sociedade envolvente, além de não perder o contato com as aldeias e comportamento exemplar. Outro ponto marcante em meio às respostas foi o receio por parte das lideranças estabelecidas em relação à ascensão política e insurgência das novas.
O olhar sob o protagonismo indígena no estado do Ceará nos permite perceber nitidamente a necessidade e urgência em garantir destaque para as pautas referentes aos povos indígenas do estado, já que em pleno século XXI, há mais de 500 anos, esses povos ainda lutam por reconhecimento étnico, demarcação de seus territórios ancestrais e garantia de direitos e políticas que lhes abracem.
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Notas