O trabalho feminino no interior da Amazônia, na comunidade Cristo Rei (1970-1985), Belterra-PA, Brasil
Women's work in the interior of the Amazon, in the Cristi Rei community (1970-1985), Belterra-PA, Brazil
Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 11, núm. 2, 2024
Recepção: 02 Março 2024
Aprovação: 27 Abril 2024
Resumo: A figura da mulher esteve e está presente nos variados espaços sociais, porém na maioria dos casos, homens e mulheres recebem tratamentos distintos. Assim, a mulher é invisibilizada e nos escassos casos em que aparece são atribuídas a ela funções secundárias ou com menor destaque na ação do grupo em que está inserida. Nesse contexto, vê-se necessário discutir sobre o papel social da mulher para dar visibilidade as suas ações para a dinâmica do grupo. Como campo para obtenção de informações, selecionou-se, a comunidade Cristo Rei, Belterra-PA, Brasil. Como colaboradoras contou-se com mulheres que chegaram à comunidade Cristo Rei no período entre 1970 e 1985, e foram utilizadas entrevistas semiestruturadas para obter o máximo de informações e dessa forma poder ter uma percepção ampla sobre as ações e a contribuição das colaboradoras na comunidade. Como se trata de ambiente rural, as colaboradoras trabalhavam tanto em casa cuidando dos afazeres domésticos e filhos, como também na agricultura junto do marido. Semelhantes a outros espaços, percebe-se que as colaboradoras sentiram na pele a carga de ser mulher em uma sociedade machista e que inferioriza suas ações, porém essas mesmas ações na realidade são essenciais para que o grupo avance e perpetue seu desenvolvimento.
Palavras-chave: Mulher, Trabalho, Visibilidade.
Abstract: The figure of women has been and is present in various social spaces, but in most cases, men and women receive different treatments. Therefore, the woman is invisible and in the few cases in which it appears are attributed to her secondary functions or with less prominence in the action of the group in which it is inserted. In this context, it is necessary to discuss the social role of women in order to make their actions visible to the dynamics of the group. As a field to obtain information, the Cristo Rei community, Belterra-PA was selected. As collaborators were women who arrived in the community Cristo Rei in the period between 1970 to 1985, and semi-structured interview were used to obtain the maximum information and thus to have a broad perception about the actions and the contribution of the collaborators in the community. As it is a rural environment, the collaborators worked both at home to take care of housework and children, as well as in agriculture with her husband. Similar to other spaces, it is perceived that the collaborators felt in the skin the burden of being a woman in a macho society and that inferiorizes their actions, but these same actions in reality are essential for the group to advance and perpetuate its development.
Keywords: Woman, Work, Visilible.
INTRODUÇÃO
A comunidade de Cristo Rei está localizada na vicinal no KM 115 BR 163, em Belterra-PA, Brasil. Essa comunidade é formada por 30 (trinta) famílias que exercem variadas profissões, sendo em sua maioria de lavradores ou trabalhadores rurais. Esta profissão ganha destaque na comunidade devido às características ideais para produção da agricultura. Dessa forma, além de obtenção de renda e sustento de suas famílias, essa atividade é passada para as próximas gerações que aprendem com os pais as técnicas necessárias para trabalhar com a terra.
Nesse contexto, estão inseridas as mulheres que atuam diretamente nas atividades voltadas para o campo e são associadas ao Sindicato Rural dos(as) Trabalhadores(as) (STR) do município de Belterra. Nessa comunidade, as mulheres praticam várias atividades como o cultivo do milho, arroz, feijão, mandioca e seus derivados (tapioca, tucupi, beiju...). Algumas associadas praticam também o artesanato como: croché e bordado, na perspectiva de obtenção de renda para auxílio no sustento familiar. Como alternativa de lazer recorre à prática do futebol e voleibol, como diversão e entretenimento, tanto que há na comunidade Cristo Rei dois times de futebol, sendo um feminino e um masculino.
Percebe-se a existência de uma série de fatores que contribuem para a economia local e regional. Na comunidade, não há transporte disponível para suprir a necessidade dos moradores, mas a cada oito dias um ônibus de linha vem de outras comunidades trazendo os passageiros e cargas. Assim aproveitando a viagem os moradores trazem seus gêneros alimentícios para vender na feira de Santarém, essa cidade está localizada no estado do Pará, no norte do Brasil.
Sendo assim, esta pesquisa busca analisar as condições de trabalho entre 1970 e 1985 no que se refere ao trabalho da mulher no campo, e sua influência nas transformações sociais da comunidade Cristo Rei. Em especial, este artigo busca apresentar a história das mulheres que ajudaram a fundar o Cristo Rei e a experiência de chegar à Amazônia naquele momento, a vida doméstica, a forma como essas mulheres se ajudavam.
Assim, essa pesquisa busca verificar as mudanças que ocorreram na comunidade na perspectiva das mulheres, como também conhecer os desafios que as entrevistadas enfrentaram nos últimos anos e os principais trabalhos desenvolvidos enfatizando as implicações que interferem no seu modo de vida.
Assim, os conhecimentos a respeito das atividades desenvolvidas pelas trabalhadoras rurais, a luta no seu dia a dia pela sobrevivência, além de outros que podem ser incluídos nesse contexto, serão necessários para entender o porquê de suas reivindicações, o trabalho que elas realizam e talvez, assim, a produção e os direitos trabalhistas das mulheres possam ser valorizados.
Dessa maneira, a análise das desigualdades e das condições de vida das mulheres rurais deve levar em conta as condições de vida e de acesso a políticas públicas nas zonas rurais, especialmente nas regiões menos desenvolvidas do país, que afetam as mulheres rurais, aprofundando ainda mais as desigualdades específicas de gênero.
MULHER, TRABALHO E SOCIEDADE: UMA PERSPETIVA TEÓRICA
Veem-se como distintas as diferenças viventes na sociedade do Brasil no que se refere ao tratamento dado a homens e mulheres. Assim, uma das situações em que se pode notar essa diferenciação refere-se às analogias de gênero[1]. Nessa perspectiva, percebe-se a necessidade do trabalho feminino, porém durante muito tempo foi desvalorizado. Conforme Silva (2014), houve uma invisibilidade da figura da mulher e de suas ações dentro da sociedade brasileira e suas realizações.
Conforme Matos e Borelli (2013):
O aumento considerável da população urbana gerou novas oportunidades para o crescimento das atividades comerciais e de abastecimento. Multiplicaram-se os estabelecimentos de pequeno e médio porte como armazéns, açougues, adegas, quitandas, vendas, bares e botequins. A participação de mulheres nesse tipo de negócio foi, desde o início, determinante (p. 129).
Esse cenário foi bem presente nas últimas décadas do século XX, assistimos um dos episódios mais definidos na sociedade brasileira, que se deu na inclusão mais crescente do trabalho da mulher. Este fato pode ser explicado por meio do ajuste entre os fatores econômicos, culturais e sociais: conforme o aumento e desenvolvimento da industrialização brasileira ocorreram à alteração da composição de produtividade, o consecutivo procedimento de urbanização e a diminuição das taxas de fertilidade nas famílias, ajustando a admissão das mulheres no negócio de trabalho.
Vê-se que o trabalho foi incluindo como forma de sanar a ausência de mão-de-obra para garantir o aumento constante da produção de mercadorias para produção de riquezas e lucros para o capitalismo. Para apresentar um panorama do trabalho feminino e evolução ao longo da história, nos tópicos seguintes são descritos como ocorreram essas mudanças de forma gradativa, pois atingir a atual situação muitas pessoas, na maioria mulheres, tiveram que lutar e até perder a vida para que os avanços acontecessem.
As Mulheres Rurais e Relações de Gênero
Na comunidade de Cristo Rei há atividades rurais realizadas pelas mulheres e pelos homens, todos essenciais para a sua sobrevivência da população. Parte da produção é comercializada, tendo forte impacto na economia local, daí a relevância em analisar as trabalhadoras rurais da localidade em questão. A situação das trabalhadoras rurais tem sido objeto de muitos estudos sobre as mais diversas realidades por todo o país.
Segundo Heredia e Cintrão, (2006, p. 128), “enquanto a legislação trabalhista urbana data dos anos 40, apenas no final dos anos 60, cerca de 30 anos depois, foi promulgado o Estatuto do Trabalhador Rural”. Brumer (Apud HEREDIA, CINTRÃO, 2006), também aponta essa desigualdade:
Embora a constituição de 1934 determinasse que todo trabalhador brasileiro teria direito à cobertura da previdência social, apenas depois dos anos 70 os trabalhadores rurais começaram a ter algum acesso com o (Funrural/Prorural), e somente houve uma universalização desta política após a constituição de 1988. Essas desigualdades entre a população rural e urbana se estenderam a outras áreas, como educação e infraestrutura (p. 02).
Dessa forma, os estudos ocupados com a situação das mulheres que doam sua força de trabalho nas atividades do campo, tanto na sociologia, antropologia, na área do serviço social e igualmente na história, tem sido crescentes sobre essa rica temática que articula as atividades das mulheres camponesas às problemáticas de gênero.
Vale ressaltar que uma das maiores conquistas da luta das mulheres trabalhadoras rurais, bem como seus movimentos e organizações, foi a garantia de acesso a rede de proteção social da previdência como a aposentadoria que antes era somente atendia aos homens. Del Priore em seu texto afirma que:
A mobilização das mulheres rurais não se forma na prática sindical, mas a partir de debates sobre as condições de vida realizados em pequenos grupos, em todos esses casos são mulheres que tomam a iniciativa de promover reuniões, organizá-las e dirigi-las. Essa versão destaca a busca feminina pelos seus direitos, os quais foram conquistados, sabe-se que ocorreu devido à persistência das próprias mulheres (1998, p. 57).
Diante dessa situação, menciona-se a importância da mulher na busca de seus direitos que até então eram relativamente restritos e pouco respeitados. Atualmente, conforme Ferreira (2006), as mulheres por meio de suas lutas conquistaram seu espaço na sociedade. Um dos fatos que marcam essa história de luta é a comemoração do dia internacional da mulher em defesa de seus direitos como trabalhadoras. Isso marca as contribuições efetivas na constituição de uma nova sociedade.
Outro aspecto relevante das mulheres trabalhadoras do mundo rural é constituição de redes de sociabilidade que acabam por constituir elementos capazes de reforçar e mesmo construir identidade(s) partilhada(s) a partir das dificuldades e aspirações comuns. Nessa perspectiva, tem-se o objetivo de refletir acerca da constituição ou construção da identidade das trabalhadoras da comunidade Cristo Rei, isto é, entender quais são os elementos constitutivos da(s) identidade(s) dessas mulheres a partir das experiências e desafios enfrentados cotidianamente no ato laboral.
Segundo Castells (2002, p. 22),
Identidade pode ser entendida como a fonte de significado e experiência de um povo. No que diz respeito a atores sociais, entende-se por identidade o processo de construção de significados com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados. Para um determinado indivíduo ou um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas.
Essa pluralidade é fonte de tensão e contradição. Enquanto a mulher trabalha fora de casa e é remunerada por isso, se abrem novas expectativas que poderão conduzi-la a participar em todas as atividades sociais: economia, política, ciência ou artes. As características decorrentes desta nova atividade remunerada da mulher, superaram a primeira etapa de sua participação na economia, onde era possível perceber a sua presença em atividades “próprias” da mulher, como secretária ou docente. Essa realidade é replicada no campo:
Assim sendo, as camponesas vivem em uma sociedade, que é formadora de seres sociais e está marcada pelas relações de poder, desiguais e patriarcais. Vão se formando através de sua interação com o meio, mas apresentam características diferentes conforme as diferenças culturais. Em movimento, as mulheres tomam contato com novas teorias e práticas e as identidades vão se formando nesse contexto, que é dialético. Assim refletem sobre os conflitos e dificuldades da vida cotidiana, bem como possibilidades de fazer a diferença a partir de um coletivo organizado. Através do diálogo entre a realidade pessoal e as novas vivências no coletivo, as mulheres vão assumindo-se como sujeitos de sua própria vida e da construção da sua história. Dessa forma, constroem um movimento nacional de mulheres do campo, numa diversidade de expressões, regionalidades e práticas, fato que potencializa possibilidades para que transformem politizadas suas ações cotidianas junto à família e à sociedade como um todo (CASTELLS, 2002, p. 22).
Assim, as desigualdades entre rural e urbano e entre as regiões sobrepõem-se às diferenças de gênero. No entanto, diferentemente do caso das mulheres urbanas, a expansão da escolaridade não necessariamente se reflete em melhores condições de trabalho para as mulheres rurais.
Teixeira (1994) observa o investimento em formação e capacitação das mulheres rurais para os trabalhos agrícolas (em geral negligenciado) pode ser tão importante e urgente quanto o ensino formal, já que aquele aprendizado poderia contribuir para diversificar as opções de trabalho das mulheres, elevar sua renda pessoal e fortalecer sua posição pessoal. Desta maneira, ser mulher do campo no imaginário social representa a figura do feminino que passou boa parte de sua vida confinada ao ambiente da casa e subordinada a autoridade masculina.
Para Prost (2002), o trabalho fora do lar foi uma das grandes evoluções do século XX. O trabalho doméstico das mulheres passou a ser denunciado como uma alienação, uma sujeição ao homem, ao passo que trabalhar fora, especialmente na década de 70, veio a ser um sinal concreto de emancipação, de igualdade dos sexos e de independência da mulher, ao passo que entre as operárias e empregadas do comércio ainda predominavam as justificativas econômicas. A resposta está na antiga diferenciação do espaço e das tarefas, e em seu posterior desaparecimento.
Se o trabalho for definido como toda atividade necessária para o bem-estar dos indivíduos, das famílias e de toda a sociedade, o trabalho feminino estará em toda parte: no preparo da comida, na limpeza das casas e das roupas, na organização e gerência do lar, na formação de futuras gerações e em inúmeros outros afazeres que só passaram a ser visíveis com o amadurecimento, a partir dos anos 70, de pesquisas que se dispuseram a descobrir o trabalho feminino (BRUSCHINI, 2004, p. 63).
Pereira (1996) ressalta que para o pleno exercício da cidadania das mulheres trabalhadoras rurais existem, além dos obstáculos econômicos, sólidas barreiras culturais e sociais, como vimos constatando. As limitações com as quais as trabalhadoras se enfrentam no seu cotidiano, expressam-se na esfera da atividade produtiva, afetando a questões como o cadastramento de beneficiários das terras, acesso ao crédito e serviços de assistência técnica e capacitação.
O CAMINHAR DA PESQUISA: DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A presente pesquisa teve como fonte entrevistas semiestruturadas com mulheres trabalhadoras e residentes na comunidade Cristo Rei, Belterra-pa. A faixa etária das colaboradoras da pesquisa está entre cinquenta e três a setenta e cinco anos, entre ativas ou inativas nas atividades laborais. Nesta perspectiva, a abordagem utilizada para análise da temática com vistas à compreensão das trajetórias ocupacionais e de vida das colaboradoras por meio de metodologia da história oral.
Segundo Alberti (2008):
A entrevista de História oral é, inicialmente, uma relação entre pessoas diferentes, com experiências diferentes e muitas vezes de gerações diferentes. Em geral, o entrevistado é colocado diante de uma situação sui generis, na qual é solicitado a falar sobre sua vida a uma pessoa quase estranha e ainda por cima diante de um gravador ou câmera (p. 178).
Esta pesquisa oral deve ser entendida como o caminho para analisar primeiramente os avanços na situação das mulheres no que se refere às condições de vida em geral na comunidade, e uma análise dos movimentos sociais de mulheres rurais que consideramos uma das vertentes que sustentam as políticas públicas. Com isso, poderemos entender o processo de produção e do trabalho rural obtido pelas mulheres trabalhadoras do campo e, em especial, as mulheres da comunidade Cristo Rei.
A aplicação da entrevista foi realizada em dias estabelecidos pelas colaboradoras, com a intenção de obter as informações diversas ao tema pesquisado. Para tanto, foi construído um roteiro de entrevista, com 15 (quinze) pontos. A análise e a interpretação dos resultados ocorreram a partir da transcrição das gravações que foram guardadas e reutilizadas durante a análise e a interpretação dos resultados, considerando-se os objetivos traçados para esta pesquisa.
Portanto, a importância da metodologia da história oral, por meio de entrevistas, na qual será oportuno, para que essas mulheres possam relatar suas experiências e assim ressaltar a sua importância no contexto social, econômico e político da comunidade de Cristo Rei.
Para a presente pesquisa delimitou-se o período de 1970-1985, pois, nesse recorte temporal, a Amazônia apresentava-se como um “El Dorado” para pessoas que buscavam melhores condições de vida e a chance de conseguir um lote de terra e nele poder instalar sua família e fazer seu plantio.
Nesse período, foi grande o número de pessoas vindas da região Nordeste e que com incentivos se aventuravam em longas viagens e excessivamente cansativas, entre ônibus, pau-de-arara, entre alternativas de transporte, até chegar ao destino na Amazônia.
No decorrer da pesquisa foram utilizados os nomes de flores típicas da região amazônica para identificar as colaboradoras: Bromélia; Cirandórea; Heliconia; Orquídea; Vitória-régia; e Jarina. Para coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas e as informantes foram: 6 (seis) mulheres que residem, trabalham na comunidade Cristo Rei e possuem relação com a gênese da comunidade.
Após as informações que serviram de base para o referencial teórico, parte-se para a segunda etapa, a pesquisa de campo, utilizando como instrumento de coleta de dado, a aplicação de um questionário que segundo Vergara (2005), caracterizam-se por uma série de questões apresentadas aos respondentes no caso, as mulheres que atuam na comunidade Cristo Rei.
O questionário foi dividido em duas partes distintas, conforme quadro 1. Na primeira, com objetivo de traçar o perfil das colaboradoras. Na segunda parte referente aos aspectos relacionados ao conhecimento, vivência, trabalho, identidade feminina e desafios.
Colaboradora | Idade (Anos) | Estado civil | Estado de Origem | Chegada à Comunidade | Atuação |
Bromélia | 75 | Casada | Pará | 1977 | Agricultura |
Cirandórea | 53 | Casada | Maranhão | 1977 | Agricultura |
Heliconia | 58 | Casada | Maranhão | 1977 | Agricultura |
Orquídea | 58 | Casada | Pará | 1984 | Agricultura |
Vitória-régia | 66 | Casada | Maranhão | 1977 | Agricultura |
Jarina | 71 | Casada | Maranhão | 1977 | Agricultura |
Conforme as informações solicitadas para traçar um perfil das colaboras da pesquisa, percebe-se que todas são casadas, possuem filhos, originárias da região nordeste do Brasil e exercem profissões ligadas a agricultura.
Dessa forma, o presente trabalho busca relatar o modo de vida das mulheres trabalhadoras da comunidade Cristo Re”, e têm-se como entrevistadas mulheres que moram na comunidade desde os anos de 1970-1985. As análises e discussões das informações serão apresentados por meio de 4 temas: chegada e formação da comunidade; moradia e família; trabalho e produção; e a solidariedade entre as mulheres da comunidade. Espera-se por meio dos temas obterem uma visão privilegiada em relação à vivência e contribuição das colaboradoras na comunidade em questão.
A (IN)VISIBILIDADE DO TRABALHO DAS MULHERES DA COMUNIDADE CRISTO REI (1970-1985), BELTERRA-PA
No primeiro tema analisado aborda-se a questão da origem da comunidade, buscaram-se conhecer como as colaboradas chegaram à comunidade Cristo Rei, como ocorreu a viagem, os motivos que influenciaram essa vinda, as diferenças entre a paisagem própria do seu lugar de origem e as paisagens amazônicas.
Por meio dos relatos, percebe-se que a maioria saiu de seu estado da região Nordeste em busca de terra para plantar e sustentar sua família. Assim, as informantes chegaram à comunidade Cristo Rei entre os anos de 1970 e 1985, como Heliconia: “em 1977, vim do Maranhão”. Essa situação ocorreu devido à forte seca e ausência de políticas públicas voltadas para esse problema. Dessa forma, como alternativa para esse problema foi fator decisivo na determinação de vir para Amazônia, um espaço do qual possuíam vagas ou nenhuma informação, mas que representava dias melhores para si e sua família.
Tomada à decisão de vir para Amazônia, cabia à mulher o papel de cuidar dos filhos enquanto o marido se ausentava durante a viagem. Segundo Jarina: “o esposo veio primeiro, depois eu vim, fiquei em Belém alguns dias depois que vim e fiquei morando na beira do rio Moju”. Conforme Souza (2016, p. 02), isso é reflexo do papel social da mulher: “no imaginário social representa a figura feminina que passou boa parte de sua vida confinada ao ambiente da casa e subordinada à autoridade masculina”.
Na maioria dos casos, o marido se direcionava ao destino para conhecer e organizar o que fosse necessário para vinda de sua família, como casa, alimentação etc. Enquanto isso, a esposa aguardava notícias do marido para vir ao seu encontro no destino planejado. Conforme Jarina, em relação à viagem, “foi difícil, pois chegamos aqui não conhecia ninguém, quando chegamos fomos trabalhar para o sustento”. As viagens eram longas, duravam dias, e trazendo crianças pequenas essa tarefa se tornava ainda mais exaustiva as mulheres.
Segundo as entrevistadas, a disponibilidade de terra e os incentivos do INCRA[2] foram tentadores e, por isso motivo, se aventuraram em viagens exaustivas até chegar a Amazônia. Conforme Heliconia: “por causa da terra que onde morávamos não tinha em abundância como aqui, fomos avisados por conhecidos que na Amazônia tinha muita terra que o INCRA dava para trabalhar”. Conforme Marin (2016), devido uma perspectiva patriarcal, a concessão de terra dependia da presença de um homem como chefe da família para receber o título. Ainda segundo a autora, essa situação prejudicava as mulheres no caso de viuvez, pois o INCRA apresentava diversos empecilhos para dificultar a posse da terra no nome de uma mulher.
Dessa forma, Marin (2016, p. 122) atribui essa situação: “o reconhecimento do direito a terra reflete uma distribuição desigual entre homens e mulheres, observada igualmente entre tamanhos de propriedade e grupos sociais”, ou seja, essa ação do INCRA buscou aplicar na concessão de terra a concepção de que apenas o homem devia ser o chefe, ter o poder, do grupo ao seu redor, no caso a família e tudo a ela relacionada, em especial a terra que viriam a morar.
Em relação à mudança de paisagem em relação sua terra de origem e a Amazônia, conforme Jarina: “achei muito diferente, de onde morava, pois aqui tem uma floresta bonita, e muito farto, tinha muitos animais, no rio tinha muito peixe” e segundo Vitória-régia: “sim, bem diferente de lá, porque lá era só água”. As entrevistadas relatam perceberem bastantes diferenças entre sua região de origem e região Amazônia, pois apresentam características climáticas bem distintas que se acentuam em determinadas épocas do ano.
Entre as características mais destacadas na Amazônia, segundo as entrevistadas, estão: abundância de água, peixe e extensão de floresta. Esses fatores diferenciam-se bastante do quadro em que se encontrava sua terra de origem, pois a região nordestina é assolada há muito tempo com forte seca que diminui a quantidade do volume dos rios que afeta a produção de peixe e atinge as florestas que ficam alternativas obter os nutrientes para crescer e expandir sua extensão.
O segundo tema de interesse nesta pesquisa tratou-se de “moradia e família”, buscando conhecer como aconteciam as relações sociais dentro do ambiente familiar na percepção das colaboradoras. Conforme os relatos, todas as entrevistadas já possuíam filhos antes de chegar à comunidade Cristo Rei e algumas tiveram outros depois da chegada. Assim, com a presença de filhos a mulher passava mais tempo em casa, cuidando dos afazeres domésticos e dividindo seu horário com trabalho no campo junto do marido.
Segundo Silva (2004), as atividades das mulheres campesinas são bem distintas das mulheres que habitam o meio urbano, pois no espaço rural ela exerce variadas atividades, assim deve cuidar dos filhos, serviços domésticos, incluindo limpeza da casa e organizar as alimentações da família, auxiliar nos trabalhos no campo, tendo que levar os filhos e lá além dar atenção ao trabalho.
Em relação ao nascimento dos filhos, as colaboradoras relatam que era uma ação precária, sem as mínimas condições e expostas a diversos riscos em relação a sua saúde de seu filho. Essa circunstância era acentuada pela distância em que se situavam dos hospitais e maternidades de Santarém-PA, porém por meio do conhecimento tradicional, algumas mulheres as chamadas parteiras se tornaram as responsáveis pelos partos na comunidade devido ao conhecimento e técnica utilizados nos partos. A atuação dessas profissionais no nascimento das crianças era uma alternativa, pois o longo deslocamento até o meio urbano poderia ser prejudicial à mulher e seu bebê.
No meio rural, as primeiras moradias utilizavam materiais disponíveis na própria natureza. Conforme Angelina de Castro Borges: “era de pau a pique que dizer que a madeira era retirada da mata e não passava por um processo na serraria. A madeira era bruta da mata enfiada inteira no chão para forma a casa”. Em relação à quantidade de cômodos: “tinha somente um cômodo, não tinha quartos”, segundo a colaboradora. Percebe-se que a situação e a forma como eram construídas reflete as precárias condições em que viviam as pessoas na comunidade.
Apesar do fato de a construção das casas serem popularmente entendido como trabalho masculino, as colaboradoras relatam terem contribuído trabalhando na edificação de sua casa. Segundo Angelina de Castro Borges, ela ajudou “diretamente carregando as madeirar da mata e dando a opinião a respeito da casa”. Nessa perspectiva, Scott defende que: “ela era presença eloquente, trabalhadora, móvel, agitada, fecunda, desejante e desejada. Presença em relação com o mundo e, entre outros, com o mundo masculino” (Scott, 1992, p. 225). Ou seja, reiterando a figura da mulher nos espaços em que esteve inserida para contribuir de forma ativa para somar com as ações desenvolvidas pelos demais do grupo.
Quando questionadas em relação ao fornecimento de energia elétrica e alimentos mais consumidos, descrevem que não havia energia elétrica na comunidade. Dessa forma, durante a noite, recorriam ao uso de velas, lampiões e lamparinas. Conforme relato de Vitória-régia: “a energia elétrica, era de lampião, a alimentação era caça do mato, feijão, arroz, e galinha criada no quintal”. Os alimentos eram obtidos na própria comunidade através das plantações e por meio de caças.
Conforme Orquídea: “A respeito da alimentação, era caça do mato como: veado, paca, tatu, entre outros, utilizavam com alimento carne de gado, porco, peixe de várias espécies”. Em relação à ação de caça de animais para alimentação ser uma atividade ligada a masculinidade, cabia ao homem ir ao interior da mata em busca do alimento, porém ao retornar com o resultado dessa empreitada, via-se como “obrigação” a função da mulher: higienizar o alimento, tratar para conservar por meio de salga[3] e cuidar de cozinhar para alimentar sua família.
Sobre como eram divididas as tarefas de casa, a maioria relatou que as atividades domésticas ficavam unicamente para si. Onde deveria organizar as refeições, banho e demais cuidados para os filhos, alimentar os animais domésticos. Segundo relato de Bromélia: “fazia tudo sozinha e tinha que levar o alimento na roça para seu esposo e tinha que voltar rapidamente para cuidar das crianças”. Ou seja, o espaço dentro da casa era concebido como ambiente unicamente para presença da mulher, os demais espaços fora o doméstico eram territórios masculinos.
O terceiro tema da análise dos relatos abordou a relação “trabalho e produção”, pois é relevante conhecer as relações de trabalho dentro e fora do contexto familiar. Conforme os relatos, as entrevistadas descrevem ter vivenciado diariamente árduas tarefas, desempenhando atividades dentro e fora de casa para manutenção de sua família e como mão-de-obra nos trabalhos na lavoura.
Dessa forma, buscou-se por meio das questões a chance de conhecer e poder refletir sobre essa situação sob a perspectiva feminina. Assim, ao serem questionadas como era a participação da família no trabalho fora de casa. Segundo Heliconia esse trabalho: “Era feito somente por ela e o esposo as crianças não participavam, o esposo foi para o garimpo e ela ficou tomando conta da casa e da roça”. Porém outras entrevistadas relatam que filhos após alguns meses de vida, já acompanhavam os pais na roça e ficavam em local aos olhos da mãe.
Assim, além de trabalhar com marido, a mãe também devia estar atenta ao filho. Conforme iam crescendo, e quando podiam ajudar nos trabalhos, os filhos mesmo ainda crianças eram incluídas como mão-de-obra, pois eram ações que observando ou através de brincadeiras, imitando o trabalho, acabavam aprendendo e assim conseguiam auxiliar mesmo de forma significativa na produção de alimento e sustento da família.
Um fato interessante e relatado pelas colaboradoras é a instrução cedo aos serviços domésticos das filhas, pois havia a concepção de mulher devia unicamente fazer doméstico e assim ser preparada desde cedo para o casamento, assim entendiam que bastava às mulheres o conhecimento relacionamento a cozinha e afazeres domésticos era suficiente.
Como relata a colaboradora Cirandórea, que chegou à comunidade ainda adolescente, mas já trabalhava para ajudar seus pais: levantava bem cedo ajudava sua mãe no café da manhã, para deixar por outros irmãos que ainda eram pequenos, então ia para roça junto com seu pai e sua mãe e seus irmãos mais velhos. Segundo ela, era muito sofrido, pois trabalhava muito. Então a mesma, achando que ia facilitar seu trabalho, casou-se com um jovem da comunidade, mas não foi como pensava, o trabalho continuo ainda, pois tinha que sair cedo com esposo, e quando chegava ao meio-dia ainda iria fazer o almoço, limpar as coisas e voltava às 13h00min horas para a roça, retornando só à noite. E logo começou a nascerem os filhos, aí é que ficou difícil.
Com isso, vê-se como essa concepção de função diferenciada vem passando de geração a geração, tem seu início no ambiente familiar e torna-se como algo “normal”. Devido a essa percepção, muitos espaços como escola eram concebidos como irrelevantes para presença de mulheres, por isso sua presença era escassa ou nula. Enquanto a presença masculina era mais expressiva e vista como primordial pelo fato de ser “homem”.
Em uma questão posterior, questionou-se como eram divididos os trabalhos, quem plantava. Segundo relato da Vitória-régia: “todos plantavam”, reiterando a discussão acima, todos no trabalho na agricultura aprendiam desde cedo como lidar com essa atividade, porém essa inserção acontecia de forma gradativa e o homem (pai) e a mulher (mãe) eram presenças constantes.
Em outro momento, indagou-se sobre a derrubada da mata para saber quem desempenhava essa função. Conforme relato de Vitória-régia: “A mata era derrubada pelo meu marido e às vezes trocavam diária com os vizinhos”. Quando questionada se participava da colheita, ela relata que não.
Como ainda estavam desbravando a região em que está localizada a comunidade, era necessário retirar a mata de floresta para poder desenvolver o plantio e posterior colheita. Como se tratava de uma atividade arriscada era executado unicamente pelos homens, porém nos momentos de plantio e colheita conforme as demais entrevistadas, a presença delas era algo constante.
O uso do trabalho feminino, conforme Castro e Acevedo (2016), ocorre pela ausência de mão-de-obra e no intuito de cortar custos, por esse motivo mulheres e crianças eram incluídos no trabalho, nos casos em que recebiam algo pelo serviço não se comparava aos pagamentos feitos aos homens em idade adulta.
Em seguida, buscou-se conhecer o destino da produção, que segundo Orquídea: “era levado para Santarém, vendia no mercado modelo. Os alimentos que eram plantados e colhidos na comunidade eram laranja, graviola, cupuaçu, feijão, arroz, milho, mandioca, pois era muito farto de produtos alimentícios”.
A produção de alimentos pelos moradores da comunidade tinha dois destinos sustentar sua família e o excedente era vendido na cidade de Santarém para custear outras necessidades da família. Geralmente, era o homem que recebia a missão de levar o produto e negociar sua venda, porém devido à quantidade de oferta disponível nem sempre conseguia um preço justo, necessitando muitas vezes atribuir um preço menor para conseguir vendê-lo.
Enquanto o homem estava na cidade, tratando da venda dos produtos, a mulher ficava em casa organizando as refeições, cuidando dos filhos, das plantações e alimentando os animais criados na propriedade. Ao serem questionadas se gostavam do trabalho da roça, as colaboradoras disseram que gostam de trabalhar e que até sentem falta quando não podem ir. Porém, algumas relatam que devido à idade e alguns problemas não é possível se deslocar todos os dias para desempenhar sua função na roça.
Conforme descreve Orquídea: “trabalhava direto, o dia todo na roça tinha que levantar-se cedo para fazer almoço, carregava água na cabeça, pilava arroz, fazia todo o trabalho de casa rapidinho para ir logo para roça”. Segundo os relatos, o trabalha iniciava antes de o marido acordar, pois a mulher se levantava mais cedo para cuidar do café da manhã e do lanche que o grupo iria degustar no intervalo, enquanto o marido ia fazer sua higiene, a mulher colocava na mesa o café para o esposo e o aguardava para tomar café e saírem junto ao trabalho.
Geralmente, se dividiam no transporte dos utensílios de trabalhos, porém algo era imprescindível junto da mulher, o seu filho quando pequeno, bebê ou que precisasse de atenção até certa idade, pois não havia outra pessoa para dividir essa tarefa. Devido à concepção de que o cuidado dos filhos era tarefa exclusiva para mulheres, exceto no caso em que irmãs maiores eram divididas com elas essa tarefa.
No quarto e último tema, discutiu-se a questão da solidariedade entre as mulheres dentro da comunidade, em que momento elas se organizavam. Algo interessante nos momentos de reunião dos grupos é que geralmente os homens são postos como únicos responsáveis por estas ações. Já as mulheres são destinadas ações que ficam nos “bastidores”, funções com menos destaque.
Primeiramente, tratou-se conhecer como era no momento da perda de parentes e conhecidos. Segundo relato de Heliconia: “todos se reuniam para velar o corpo e ajudar a construir o caixão para enterrar o morto que era feito de madeira plainado com uma plainadeira de mão”. Vitória-régia afirma que “as mulheres se ajuntavam, recebendo as pessoas fazendo comida”. Ela também reiterou “que quando morria uma pessoa, o caixão era feito na própria comunidade”.
Quando ocorria o falecimento de um ente, a família se organizava para acontecer o velório, onde as mulheres ficavam responsáveis por organizar com limpeza e ornamentação o espaço onde aconteceria o velório. Já aos homens era destinada a busca de material para providenciar a produção do caixão, pois nas áreas rurais é algo muito comum essa ação devido à distância para encomendar e transportar esse objetivo funerário.
Conforme Bromélia: “era muito difícil porque não tinham como comprar caixão tinha que ser fabricado na comunidade, todos se reunião para ajudar, fazendo alimentação, construindo o caixão todos ajudavam de alguma maneira”. Após providenciar o caixão e organizar o espaço, dá-se início ao velório onde as pessoas da comunidade e demais redondezas são recepcionadas para dar condolências à família.
Algo interessante refere-se ao contato social: geralmente, os homens de outras famílias, ao chegar ao velório, direcionam primeiro contato em cumprimentar o marido e, em seguida sua esposa, no caso de viúvas acontece algo semelhante onde é cumprimentado primeiramente o filho mais velho ou homem da mulher, quem estiver mais próximo.
Mulheres teriam pouco a ganhar no reconhecimento da prioridade de uma identidade repousando sobre o gênero. Seu gênero poderá ter alguma relevância no que tange algumas desvantagens dentro da família e até na comunidade local (CASTRO e ACEVEDO, 2016, p. 5-6).
Mudando de perspectiva, indagou-se sobre como era no momento do nascimento. Segundo as entrevistadas, era momento em que todos iam visitar a criança. Alguns levavam presentes e os pais sempre tinham superstições em relação ao contato, pois conforme o conhecimento tradicional o visitante não deve olhar para bebê se estiver cansado, pois poderia causar quebranto[4] e trazer problemas para saúde da criança. Por esse motivo, os pais na chegada da visita o recepcionavam, ofereciam água e iniciava a conversa, até perceberem que não oferecia mais risco a saúde da criança.
Segundo as colaboradoras da pesquisa, quando questionadas como se mobilizavam no momento do nascimento, todos ajudavam quando a família precisava. Como a distância do meio é algo característico das comunidades rurais, essa situação também foi vivenciada na comunidade Cristo Rei. Assim, nos momentos de nascimentos das crianças, as mães viam nas parteiras a única alternativa para ter seu filho.
Na comunidade Cristo Rei, a função de parteira era desempenhada pela colaboradora Bromélia, a mesma conta que aprendeu o ofício com sua mãe que também parteira. Apesar da pouca escolaridade, essa colaboradora conseguiu desenvolver sua função durante muitos anos com êxito e ajudou muitas virem ao mundo. Durante seu trabalho sempre utilizou além dos conhecimentos tradicionais, aliou o uso de ervas medicinas que aprendeu a relevância de cada planta trata de diversas enfermidades.
O uso de conhecimentos tradicionais e erva medicinal foram fundamentais para manutenção da saúde dos moradores Cristo Rei, pois a distância era um empecilho nos casos relativos à saúde. Na maioria dos casos ligada ao tratamento de doenças, a mulher desempenha distintos papéis como: parteira, benzedeira, rezadeira, puxadora etc. fazendo uma relação simbólica, vê-se a figura feminina como elo entre algo superior, divino, no caso a cura.
No meio rural, a figura de um médico ou outro profissional da saúde, como se conhece, era algo muito abstrato para muitas colaboradoras, pois durante muito tempo as próprias mulheres se incumbiam da missão de auxiliar umas as outras, em prol da saúde dos comunitários, mesmo em condições precárias.
Nas comunidades rurais, os momentos religiosos ganham destaque na vida dos colonos, pois as dificuldades vivenciadas e o trabalho duro oferecem as condições ideais para essa ligação mais fortalecida aos momentos religiosos. Assim, conforme relato de Orquídea, como era no momento religioso: “tinha somente uma igreja católica com o passar dos anos foi feito uma igreja evangélica”. Nas comunidades, o espaço da igreja ganha uma ênfase, pois é destinada a reunião para diversos fins, como também a responsável por mostrar o caminho para “salvação”.
Como relata da colaboradora Bromélia, “a primeira missa foi celebrada no quintal da minha casa embaixo de uma árvore”, ela relata que seu esposo era o catequista da comunidade e o padre veio rezar a missa.
Ainda aproveitando alguns relatos, elas descrevem que tem aumentado crescentemente o número de igrejas evangélicas e com variadas denominações e isso tem dividido a comunidade, pois cada igreja busca atrair um número crescente de fiéis que contribuam financeiramente para manutenção dos serviços da instituição religiosa.
Em relação aos momentos, segundo as informações de Jarina: “as primeiras missas foram celebradas embaixo de uma árvore, até a comunidade fazer sua própria igreja”. A criação de uma igreja serve para demarcar a criação de comunidade, pois se torna responsável por fazer a ligação entre os seres terrenos (comunitários) e divindade, porém mesmo nesses espaços percebe-se que a mulher fica responsável pela limpeza, ornamento, entre outras funções, porém a celebração fica sob a responsabilidade de um homem escolhido para conduzir essa ação religiosa.
Segundo a colaboradora Jarina, em relação aos conflitos: “não existia, viviam em paz nunca houve briga na comunidade”. Buscando conhecer como era no momento dos conflitos, as colaboradoras relatam que não há conflito na comunidade e todos viviam em paz. Essa situação é bem frequente nas comunidades, pois estabelecem uma forte ligação de amizade, porém isso também é reflexo de os laços de parentescos ser bem acentuado e frequente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mulheres ao longo da história vêm buscando seu espaço, não no intuito de ser superior ou subjugar o homem, mas na busca da equidade de direitos e oportunidades, porém essa tarefa tem exigido cada vez mais, tanto como pessoa ou profissional, pois a estigma é algo que afeta diretamente o tratamento a ser recebido como também afeta o seu desempenho nas suas ações.
A pesquisa com mulheres das mulheres da Comunidade Cristo Rei proporcionou uma visão privilegiada em relação as suas ações na gênese e trajetória na comunidade, pois como espaço rural, ele apresenta características distintas das relações estabelecidas no meio urbano, porém também acaba por tratar ou refletir uma concepção da mulher como secundário ou inferior e isso é explicito nas ações diárias.
Por meio dos relatos, pode-se conhecer a árdua tarefa que é ser mulher no meio rural, ou mais precisamente, ser mulher na comunidade Cristo Rei. Os desafios se iniciam desde a saída de sua terra natal em busca de melhores condições de vida para si e família, indo em direção ao desconhecido tendo como motivação uma vida mais digna.
Ao chegar a Amazônia, as colaboradoras se depararam com paisagens que agradaram aos olhos e encheram de esperança alguém que mesmo sofrendo, renunciou a suas origens em busca de um lugar com melhores perspectivas. Esse novo espaço, com tanto verde e fartura, conseguiu encantar e confortar essas pessoas que viram nesse lugar a chance de dias melhores.
Ao refletir sobre as informações obtidas, percebe-se que as entrevistadas vivenciaram como é ser mulher em uma sociedade que expressa o machismo em suas ações das mais simples as mais complexas. Sendo que essa concepção se inicia em casa e é tratada com natural e tida como normal e que sair dessa “linha” é fazer o errado. Ou seja, o trabalho diferenciado entre homens e mulheres se inicia em casa e perpetua-se nos mais variados espaços, no simples fato da mãe ensinar apenas a filha os afazeres e deixar o filho no ócio dá anúncios de quão distinto é esse tratamento.
Essa questão da diferenciação esteve nítida nos relatos, onde se percebe que o espaço doméstico estava restrito como espaço para mulher onde ela acabava desenvolvendo inúmeros papeis, como: mãe, companheira, faxineira, entre outros. Fora de casa, na agricultura deveria trabalhar de sol a sol com marido e simultaneamente dar atenção aos filhos. Ou mesmo nos momentos festivos ou de perda de um ente familiar, cabia a elas cuidarem unicamente da limpeza e organização do lanche servido aos visitantes do velório.
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Notas