Mapeamento morfométrico de voçoroca no bairro Galo da Serra, Presidente Figueiredo – AM
Morphometric mapping of gullies in the Galo da Serra neighborhood, Presidente Figueiredo – AM
Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 10, núm. 1, Esp., 2023
Recepção: 15 Abril 2023
Aprovação: 19 Abril 2023
Resumo: A degradação do solo é resultado de fatores naturais e de ações inadequadas das atividades humanas. Um solo degradado sofre perda de nutrientes e estrutura, e fica mais suscetível a processos de erosão, acidificação, salinização, redução de matéria orgânica e permeabilidade. A erosão pode afetar todos os tipos de terrenos, tanto em áreas rurais quanto urbanas. Ao longo do tempo, a erosão superficial desenvolve-se formando sulcos, ravinas e voçorocas, nesta última fase. A ocorrência dessa situação pode estar ligada a ocupação não planejada e pouco sustentável. Neste trabalho foi realizado o mapeamento da feição erosiva, do tipo voçoroca, localizada no bairro Galo da Serra, na área urbana do município Presidente Figueiredo, AM. Para isso foi feito um levantamento histórico da ocupação do bairro Galo da Serra; caracterização da feição erosiva; e mapeamento da voçoroca com uso de VANT. O estudo classificou a voçoroca como muito grande, apontaram que a voçoroca possui 76,4 metros de comprimento, largura média de 27,8 metros, equivalentes a 2.123,9 m² de área. A profundidade média da voçoroca é de 23 metros, e volume de 48.849,7 m³, é do tipo desconectada e apresenta movimento de massa recorrentes. Entre os vários aspectos observados, no que tange a influência antrópica no surgimento e na expansão das voçorocas na área, podem ser listados a rede de drenagem, desmatamento e terraplanagem. O uso de geotecnologias se mostrou indispensável para o presente estudo.
Palavras-chave: Geomorfologia Urbana, Erosão, VANT.
Abstract: The soil degradation is the result of natural factors and inappropriate actions of human activities. A degraded soil suffers nutrients loss and structure, and becomes more susceptible to erosion, acidification, salinization, reduction of organic matter and permeability. Erosion can affect all terrain types, both in rural and urban areas. Over time, surface erosion develops, forming furrows, ravines and gullies, in this last phase. The occurrence of this situation may be linked to unplanned and unsustainable occupation. In this work, the mapping of the erosive feature, of the gully type, located in the Galo da Serra neighborhood, in the urban area of the municipality of Presidente Figueiredo, AM. For this, a historical survey of the occupation of the Galo da Serra neighborhood was carried out; characterization of the erosive feature; and mapping of the gully using a UAV. The study classified the gully as very large, pointing out that the gully is 76.4 meters long, average width of 27.8 meters, equivalent to 2,123.9 m² of area. The average depth of the gully is 23 meters, and a volume of 48,849.7 m³, it is disconnected and presents recurrent mass movements. Among the various aspects observed, regarding the anthropic influence on the emergence and expansion of gullies in the area, the drainage network, deforestation and earthworks can be listed. The use of geotechnologies proved indispensable for the present study.
Keywords: Urban Geomorphology, Erosion.
INTRODUÇÃO
As intervenções humanas relacionadas ao fenômeno da urbanização têm se processado com bastante rapidez no Brasil desde a década de 1950, devido ao êxodo rural, motivado por profundas mudanças no campo, como a mecanização, a concentração fundiária e o sonho de melhorar as condições de vida nas áreas urbanas gerado pela cidade capitalista. Tal aceleração resulta em diversos problemas de ordem socioambiental.
A causa se dá em função das ineficientes políticas de gestão físico-territorial, integradas com problemas socioeconômicos. Conforme Lefebvre (1991), a urbanização é um processo ligado à globalização, de cunho irreversível, que é predominante no mundo.
Os processos de produção que caracterizam a modernidade, principalmente a agropecuária e a indústria, associados aos processos de urbanização e de metropolização cada vez mais intensos, têm potencializado os desastres, as catástrofes, e os problemas ambientais (MENDONÇA, 2008).
Essa dinâmica tem sido acelerada, principalmente em países subdesenvolvidos. Dentre as consequências, a segregação urbana ganha destaque pela construção de paisagens diferenciadas de acordo com os padrões sociais e fluxos produtivos. Surgem assim, as espacialidades mais diversas: condomínios residenciais, bairros populares, favelas e cortiços, zonas comerciais e de escritórios, áreas industriais, áreas de comércio especializado, zonas de tráfico, guetos, e um de seus aspetos mais negativo, a instalação de áreas de risco. Essas áreas são majoritariamente ocupadas pelas classes sociais mais baixas, pondo em risco suas vidas e causando danos materiais.
A crescente demanda pelo espaço urbano fez com que as cidades crescessem, principalmente com uma forma de planejamento que não considera a cidade como um todo, mas apenas fragmentos dela, em muitos casos, áreas que apresentavam densa cobertura vegetal nativa foram totalmente destruídas, dando lugar a loteamentos e ocupações. Acompanhando a expansão do sítio urbano, aparecem formas resultantes de processos erosivos, como sulcos, ravinas e voçorocas (VIEIRA, 2008).
A erosão é uma das consequências desse cenário. Em áreas urbanas, esse tipo de feição avança agressivamente em terrenos sem cobertura vegetal e proteção da superfície do solo, principalmente na abertura de novos lotes (BATISTA, 2019).
De acordo com Vieira (2008), o entendimento da dinâmica de processos erosivos, por meio do monitoramento e medidas precisas de comprimento, largura e profundidade dessas feições são necessárias para o planejamento do espaço urbano. Com o avanço das geotecnologias existem diversas alternativas rápidas e práticas para o levantamento destas feições erosivas, inicialmente com o uso de fotografias aéreas de alta resolução espacial, e posteriormente com os softwares de processamento desses dados. As voçorocas ocasionam cicatrizes na paisagem e, dependendo do tamanho, tornam-se perceptíveis em imagens de satélite de alta resolução.
No caso específico da expansão urbana do município de Presidente Figueiredo, a população de baixo poder aquisitivo, impossibilitada de adquirir imóveis de maior valor no mercado imobiliário, tem ocupado as áreas de encostas e promovido a invasão de áreas marginais de geomorfologia impróprias para ocupações. Em linhas gerais, em Presidente Figueiredo tem-se uma ocupação desordenada e irregular das encostas, fundos de vales e margem de igarapés, com construções de moradias inadequadas, executadas sem supervisão técnica ou qualquer planejamento.
A presente pesquisa teve como principal objetivo realizar o mapeamento da feição erosiva, do tipo voçoroca, localizada no bairro Galo da Serra, na área urbana do município Presidente Figueiredo, AM. Para isso foi feito um levantamento histórico da ocupação do bairro Galo da Serra; a caracterização da feição erosiva; e o mapeamento da voçoroca com uso de Veículo Aéreo Não-Tripulado – VANT.
CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
O município de Presidente Figueiredo limita-se ao norte com o estado de Roraima e o município de Urucará; a Leste com os municípios de Urucará e São Sebastião do Uatumã; ao sul com os municípios de Itapiranga, Rio Preto da Eva e Manaus; e a oeste com o município de Novo Airão. O município está delimitado pela linha do Equador e o paralelo 3° 00 '00'' S e pelos meridianos 61° 30' 00'' e 58° 30 '00'' W, com uma área de 25.422,235 km2.
A voçoroca alvo desse estudo se localiza no bairro Galo da Serra (Figura 1). De acordo com Ferreira (2019), o bairro teve seu início com um contrato formal em 27 de março de 2003 entre a Prefeitura de Presidente Figueiredo e o proprietário das terras onde hoje está localizado. A área de 20,24 hectares foi dividida em 448 lotes, medindo cada lote 10 metros de largura por 20 metros de comprimento. Somente em 17 de novembro de 2006, a área foi nomeada como bairro, destinado à construção de casas populares e infraestrutura urbana.
A estrutura geológica do município de Presidente Figueiredo é composta por rochas ígneas e metamórficas de idade Proterozoica, que integra uma parte sul do Planalto das Guianas, correspondendo a parte setentrional do Cráton Amazônico, localizado ao norte da Bacia Amazônica. A estrutura geológica também compreende sedimentos fanerozoicos, depositados na Bacia Sedimentar Intracratônica do Amazonas, durante o Paleozoico (BRASIL, 1998).
Na área de estudo afloram rochas da Formação Nhamundá, Formação Pitinga, inseridas no Grupo Trombetas, de idade Siluro-Devoniano da Bacia do Amazonas. A Formação Nhamundá é encontrada de forma predominante, constituída por quartzitos arenitos de finos a muito grossos, de cor cinza esbranquiçada, com grãos arredondados, e espessuras de 7mm, essa formação foi depositada em dinâmica glacial em ambiente litorâneo. A Formação Pitinga é constituída por folhelhos com intercalações de arenitos finos com laminação ondulada, depositada em ambiente marinho (BRASIL, 1998).
Devido a sua configuração geológica, o município apresenta recursos minerais como estanho e minerais não metálicos de uso na construção civil como brita, arenitos, lateritos e argila. Outro recurso importante do município é a água subterrânea, captada do aquífero intergranular associado às rochas da Formação Nhamundá (BRASIL, 1998). De acordo com Sarges et al. (2001), a área urbana do município de Presidente Figueiredo está inserida na unidade geomorfológica do Planalto da Bacia Sedimentar do Amazonas (PBSA), configurando-se como áreas topograficamente elevadas, caracterizadas por um sistema de interflúvios tabulares, dissecados, residuais, e áreas topograficamente baixas, cujo relevo desenvolvido sobre arenitos é caracterizado por vertentes íngremes, vales abertos de fundo plano.
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
O trabalho teve como base sólida pesquisas bibliográficas sobre a temática para o aprimoramento das discussões apresentadas: MOURA, R. et. al (2021); BATISTA, D. et. al (2019); VIEIRA, A. (1998); VIEIRA, A. (2008); MARCELINO, E. (2008); VIEIRA, A; ALBUQUERQUE (2004) e OLIVEIRA (1989).
Urbanização e Processos Erosivos
Os ambientes urbanos têm cada vez mais concentrado a maior parte da população mundial, no que diz respeito ao Brasil, esse processo ganhou força a partir de 1950, pois com a industrialização promovida por Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek houve a formação de um mercado interno integrado que atraiu milhares de pessoas as grandes cidades. A forma como o solo tem sido ocupado e usado, está levando as cidades a um verdadeiro caos socioambiental, com danos materiais e perda de vidas. Esse crescimento acelerado e desordenado, tem resultado em diversas mudanças no ambiente. Um dos principais problemas relacionados à ocupação urbana tem sido os processos erosivos.
De acordo com Almeida e Guerra (2001), a degradação do solo está ligada ao mau uso e distribuição das terras, quando falamos em uma visão da economia política da erosão de solos. A erosão é causada pela intervenção entre vegetação e forças erosivas, mas também, são considerados os elementos sociais como pertinentes à problemática. A falta de planejamento, investimentos do governo no que se refere à infraestrutura habitacional, expansão das cidades que muitas vezes ocorre por meio de invasões de terras desvalorizadas ou voltadas para preservação, resulta no crescente número de processos erosivos durante os períodos mais chuvosos.
Os processos erosivos estão relacionados a diferentes fatores naturais que mudam de acordo com o espaço e tempo. De ordem natural, esse fenômeno é relacionado às características do solo, topografia, vegetação e clima, podendo ter seu processo intensificado ou mitigado pela ação antrópica. De acordo com Almeida e Guerra (2001), várias são as propriedades que afetam a erosão dos solos: textura, densidade aparente, porosidade, teor de matéria orgânica, teor e estabilidade dos agregados e o pH do solo.
As interferências do homem no meio natural, e os processos de uso e ocupação do solo urbano foram intensificadas nos últimos anos no município, contribuindo significativamente para o surgimento de problemas ambientais, dentre eles as feições erosivas.
A degradação do solo por meio da erosão, promove a formação de voçorocas. O processo de formação de uma voçoroca, perpassa diferentes tipos de incisões erosivas, de sulcos para ravinas e destas para voçorocas.
Os sulcos são resultados do escoamento superficial produzido pela chuva, o que intensifica o desgaste do solo, ocasionando a formação de pequenos canais ou cortes nos terrenos. Geralmente, esse é o princípio para a formação de feições erosivas mais graves em áreas de declividade mais acentuada. Amorim (1997), caracteriza a erosão em sulcos quando se tem a formação de um canal com uma profundidade máxima de 0,3 m. Ao contrário dos sulcos, a ravina tem mais de 0,5 m de profundidade. Sulcos e ravinas em geral são diferenciados pela profundidade da erosão linear em forma de canal originada pelo escoamento concentrado das águas superficiais.
O conceito adotado neste trabalho caracteriza voçoroca como incisão erosiva que apresenta queda em bloco das camadas do solo, paredes verticais e fundo plano, formando secção transversal em U (VIEIRA, 1998) e profundidade superior a 1,5 m.
As voçorocas podem ser classificadas em três tipos: conectadas, desconectadas e integradas (Figura 2).
De acordo com Oliveira (1989) o tipo conectada está relacionado a escoamentos hipodérmicos e/ou superficiais na parte inferior do talude, e podem ser consideradas canais de primeira ordem; o tipo desconectada, localizam-se no topo do talude e estão associadas à drenagem do solo e/ou movimento de massa e não podem ser consideradas canais de primeira ordem porque não estão conectadas a nenhuma rede de drenagem; o tipo integrada é na verdade um cruzamento entre as duas formas anteriores (conectada e desconectada) formando um único corte de erosão. Quanto a suas formas, podem ser classificadas como: linear, bifurcada, ramificada, irregular e retangular (VIEIRA, 2008) (Figura 3).
Cada forma é resultado de processos específicos e condições ambientais características do local onde ocorre. As voçorocas podem ser classificadas também quanto ao tamanho, pelo volume erodido em m³, conforme se verifica no Quadro 1(VIEIRA e ALBUQUERQUE, 2004).
Ordem | Volume erodido | Tamanho |
01 | Até 999 m³ | Muito pequena |
02 | De 1.000 m³ até 9.999m³ | Pequena |
03 | Entre 10.00 e 19.999m³ | Média |
04 | Entre 20.000 e 40.000 m³ | Grande |
05 | Mais de 40.000m³ | Muito Grande |
Geoprocessamento nos estudos geográficos
No mundo tecnológico, muitos são os recursos disponíveis para a descrição e análise do mundo real, que combinam dados espaciais pré-existentes e dados que o utilizador pode anexar e contribuir para o melhor desempenho, tornando o acesso à informação geográfica democrática. A partir do avanço da tecnologia da computação, que possibilitaram armazenar e representar informações geográficas em um ambiente computacional, surgiu o geoprocessamento.
Segundo Piroli (2013), o termo geoprocessamento é um ramo da ciência que trata do processamento de informações georreferenciadas por meio de aplicativos, dispositivos e dados de diversas fontes. Este conjunto deve possibilitar a manipulação, avaliação e geração de produtos relacionados às informações da superfície terrestre. O geoprocessamento surgiu a partir dos avanços da tecnologia da informática que tornou possível armazenar e representar informações geográficas em ambiente computacional.
Para o estudo de fenômenos socioambientais e descrição do espaço, é indispensável. Estes estudos têm como objetivo tabular dados analógicos, dados digitais, dados de fotografias aéreas, ou dados de sensores, gerenciar esses dados, elaborar estatísticas, análises, mapas e relatórios (MARCELINO, 2008). Como uma ferramenta de processamento de dados rápida e eficiente, é cada vez mais utilizada na análise ambiental, permitindo monitorar fenômenos naturais dinâmicos, bem como a evolução de fenômenos antrópicos em tempo real.
Barbosa et al. (2012) realizaram um estudo de vulnerabilidade à perda de solo na bacia hidrográfica do ribeirão do Pântano, localizados na área central do estado de São Paulo. Para alcançar os objetivos da pesquisa foram geradas cartas de vulnerabilidade à erosão com base nos temas: geomorfologia, geologia, solo, vegetação, uso do solo e clima, elaboradas com auxílio de geoprocessamento.
Na mesma linha, Pavanin et al. (2017) fizeram uso do geoprocessamento aplicado ao estudo de vulnerabilidade do solo da bacia hidrográfica do córrego Guaribas em Uberlândia-MG. Os autores afirmam que mediante a aplicação do geoprocessamento, é possível estabelecer parâmetros importantes para o processo de tomada de decisão dentro do âmbito da gestão territorial e ambiental, de forma a contribuir significativamente para a efetivação de políticas e ações de Engenharia de Construção Civil e Urbana que visem o desenvolvimento pleno das atividades humanas e sua concomitância com a preservação dos recursos naturais existentes na Biosfera.
Dias (2012) avaliou áreas de riscos de erosão do solo, utilizando a aplicação por geoprocessamento, tendo como software o SAGA/UFRJ (Sistema de Análise Geoambiental). Silva (2009) fez a análise das áreas suscetíveis à erosão na bacia do Arroio Pelotas (RS), com auxílio do geoprocessamento.
Vidal (2012) ultilizou o Geoprocessamento aplicado no mapeamento de áreas susceptíveis a voçorocamento na área urbana de Manaus. Oliveira et. al (2013), fez a identificação dos processos erosivos lineares no Distrito Federal através de fotografias aéreas e geoprocessamento. Silva et. al (1999) também aplicaram técnicas de geoprocessamento no estudo das relações entre os processos erosivos e sedimentológicos de bacia hidrográfica.
A partir dessa série de exemplos, fica claro que o uso do geoprocessamento tem se tornado comum nesse tipo de análise, pois permite que as informações sejam especializadas por meio da criação de bancos de dados que podem ser gerenciados e manipulados a qualquer momento e a qualquer momento. Essa aquisição de dados revolucionou a forma de compreensão do mundo e a dinâmica dos fenômenos naturais e humanos.
MATERIAIS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente trabalho teve início com uma pesquisa bibliográfica, seguida do levantamento de informações de campo. Em gabinete, foi feito o geoprocessamento dos dados, a modelação dos produtos cartográficos, classificação da feição erosiva e análise dos resultados.
O trabalho teve como base sólida pesquisas bibliográficas sobre a temática para o aprimoramento das discussões apresentadas. Em campo, seguindo os pressupostos de Moura et. al (2021), que utilizam geotecnologias aplicados em áreas de erosões, empregou-se o Drone Modelo Parrot PF728000, quadcopter dobrável, como ferramenta para a realização dos aerolevantamentos e utilizou-se o software Photoscan® para o processamento digital das aerofotografias, produzindo como resultados o MDS (Modelo Digital de Superfície), o MDT (Modelo Digital do Terreno), o ortomosaico e as curvas de níveis do terreno.
O planejamento do voo foi realizado no aplicativo Pix4D®, enquanto a execução do voo foi realizada no aplicativo DJI GO®. Foram registradas 214 imagens aéreas, com voo a uma altura de 40m, 98% da área de estudo teve sobreposição de imagem maior que 9, sobreposição lateral e longitudinal, resolução do solo de 1,16 cm/pix (Figura 4)
As imagens foram adquiridas sem pontos de controle, utilizando apenas os parâmetros de orientação externa do sistema de navegação e o sistema inercial instalado no Drone. A geração dos ortomosaicos, MDS, MDT, Curvas de nível no MDT e medidas do tamanho, volumes da voçoroca foram obtidas pelo PhotoScan®.
A classificação do tipo, tamanho e forma da voçoroca foi realizada utilizando as definições de Oliveira (1989), Vieira e Albuquerque (2004) e Vieira (2008). A estimativa da área e volume erodido foi estimada por meio das seguintes expressões:
Área (m²) = Comprimento (m) x Largura média (m)
Volume (m³) = Área (m²) x Profundidade média (m)
Para definir o comprimento foi extraído dados observando a feição no sentido do segmento superior ao inferior, verifica-se claramente o maior crescimento em sentido longitudinal. Já na largura média, obteve-se a métrica de três segmentos: inferior, médio e superior. A profundidade média da voçoroca foi retirada dos segmentos superior, médio e inferior. Esses dados possibilitaram o cálculo da área (m²) e volume erodido (m³).
As ferramentas de edição vetorial “Régua”ou “ruler” do Agisoft Meta Shape foram utilizadas para obter estimativas de comprimento, largura, e profundidade de área, tipo e forma da voçoroca em análise. Os dados obtidos possuem coordenadas geodésicas e datum SIRGAS 2000.
O processamento é totalmente automatizado até que o MDS seja gerado, portanto, é necessária apenas uma intervenção na filtragem do MDS. Nesta etapa, o usuário opta por eliminar as variações abruptas de declividade do terreno e realizar uma nova interpolação na região. Após a construção dos modelos, o ortomosaico pode ser gerado.
A modelação do produto final, foi realizada no QGIS Desktop 3.2.2. Imagens do Google Earth Pro série histórica foram utilizadas para estudo da urbanização do bairro Galo da Serra, a fim de fomentar uma análise e discussão mais completa da feição erosiva e suas áreas adjacentes.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Histórico da Ocupação do Bairro Galo da Serra
A partir da necessidade de organizar parte da população urbana que vivia em pequenas invasões, a prefeitura de Presidente Figueiredo comprou e realizou a limpeza da área atual onde está localizado o bairro Galo da Serra, que era de floresta primária.
A Lei Municipal n°. 458, de 27 de março de 2003, autorizou o Poder Executivo a permutar áreas pertencentes ao município de Presidente Figueiredo com terceiros, e a Lei n°. 565, de 17 de novembro de 2006 nomeou o novo bairro destinado à construção de casas populares e respectiva infraestrutura urbana (FERREIRA et. al, 2019).
O processo de ocupação da área do bairro Galo da Serra, que se deu de forma rápida como pode ser observado na série histórica de imagens de satélite referente aos anos de 2007 e 2022 (Figuras 5 e 6).
Anteriormente desprezada, por ser distante do centro da cidade, a área passou a ser ocupada rapidamente, neste período caracterizado tanto pela expansão da malha urbana quanto pelo aumento populacional. A ampliação da malha urbana contribuiu para reduzir as áreas verdes e ampliar a ocupação de áreas inadequadas à construção de habitações.
Mapeamento da voçoroca com uso de VANT
O uso do MDS auxilia na elaboração de projetos urbanos, onde objetos como construções, vegetações e calçamentos precisam ser considerados, a exemplo da Figura 7. Neste modelo, estão presentes a altitude de todos os objetos presentes na superfície topográfica, como vegetação e edifícios.
No caso deste estudo, foi possível verificar o uso e ocupação da área afetada pela ocorrência de voçorocas. O Bairro Galo da Serra nasceu de uma necessidade populacional do Município de Presidente Figueiredo. Está inserido na malha urbana, onde se encontram os 448 lotes iniciais doados pelo governo a população de baixa e média renda do município, procurando promover uma ocupação do solo urbano de forma mais organizada (FERREIRA et. al, 2019).
Entre os vários aspectos observados, no que tange a influência antrópica no surgimento e na expansão das voçorocas na área, podem ser listados a rede de drenagem, desmatamento, como visto no ortomosaico abaixo (Figura 8). Esses fatores não ocorrem isoladamente, estão associados (combinados) a fatores naturais como o clima e a declividade do terreno.
O Modelo Digital de Terreno (MDT) da figura 9, apresentando as cotas do terreno, do solo, sem considerar as construções, árvores e demais objetos acima do nível do terreno. Aplicam-se para a realização de estudos que sejam necessárias as informações do terreno.
Buscando analisar a declividade do terreno elaborou-se o mapa das curvas de nível no MDT. Foi possível notar a terraplanagem na área de ocupação (Figura 10).
Através da observação do mapa das curvas de nível, é possível notar uma distância horizontal pequena, indicando uma declividade constante ao longo de grande parte da área de estudo, com exceção da região central que apresenta uma declividade acentuada. Na região central da voçoroca observa-se área sem vegetação, árvores caídas e formação de paredes íngremes ao seu redor, sendo este um dos principais fatores que caracteriza esta erosão como uma voçoroca ativa.
A declividade é um importante fator na erosão dos solos, pois influenciam na velocidade do escoamento e no volume do fluxo hídrico. Por isso a declividade no cálculo de perda de solo é uma função exponencial. (VILLELA; MATTOS, 1975 apud MOURA et. al, 2021).
A fotografia registrada pelo drone, aliada a técnicas de fotointerpretação podem revelar determinados elementos de reconhecimento, como: tonalidade, cor, forma, tamanho, textura, padrão e sombra; com o objetivo de identificar determinados objetos de interesse como as redes de drenagem, traçados de estradas, categorias de uso da terra, formas de vertentes, dentre outros (NEPOMUCENO et. al, 2014).
Cada forma é resultante de processos específicos e de condições ambientais características de seu local de ocorrência, tais como: geologia (litologia e estrutura), relevo (forma e declividade), solo, cobertura vegetal e sistema de drenagem superficial ou subsuperficial.
Caracterização da Feição Erosiva
Este trabalho analisou os dados morfométricos da voçoroca (comprimento, largura, profundidade e forma). Tal método procura medir a relação entre variáveis X e Y através da disposição dos pontos (X, Y) em torno de uma reta.
Os dados levantados em campo, posteriormente modelados pelo software em laboratório, apontaram que a voçoroca possui 76,4 metros de comprimento, largura média de 27,8 metros, equivalentes a 2.123,9 m² de área. A profundidade média da voçoroca é de 23 metros, e volume de 48.849,7 m³. Segundo Vieira e Albuquerque (2004), com essas medidas a feição é classificada como muito grande (Figura 11).
A pesquisa classificou a voçoroca como de forma bifurcada, encontrando-se na parte superior da encosta, com fluxo de escoamento superficial com duas zonas de contribuição (Figura 12).
Nas imagens de detalhe da figura 13, é possível observar que ocorre o deslocamento de massa pela ação da gravidade, característica principal da feição. Nas imagens 1 e 2 tem-se a queda da vegetação devido a movimento de massa; em 3 tem-se o desmoronamento das paredes expostas à incisão; e em 4 o uso da incisão como depósito de lixo.
No que tange aos aspectos urbanos, a área montante da voçoroca, apresenta um sistema de drenagem deficiente, além de moradias e áreas terraplanadas, fatores que contribuem para a intensificação e expansão do processo erosivo da voçoroca. Como pode ser visto no modelo esquemático, o surgimento da voçoroca no bairro Galo da Serra se deu com o desmatamento, terraplanagem e posterior ocupação da área (Figura 14).
De acordo com modelos esquemáticos, que sintetizam como essas incisões surgiram e evoluíram dentro do espaço urbano (VIEIRA, 2008). A voçoroca alvo deste estudo encontra-se no Estágio 4, como a ampliação da ocupação e aumento da área impermeabilizada pela presença das moradias. Fluxos superficiais já começam a arrastar, de modo mais eficaz, as partículas soltas da superfície do terreno em direção ao canal na parte jusante da encosta, evoluindo a feição para o tipo voçoroca desconectada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados expostos neste trabalho conduzem a algumas conclusões a respeito do mapeamento morfométrico da feição erosiva, do tipo voçoroca, localizada no bairro Galo da Serra, na área urbana do município Presidente Figueiredo, AM. Antes, porém, é importante ressaltar que se buscou analisar aspectos naturais e urbanos em relação ao problema estudado.
Pelo critério de tamanho adotado neste trabalho, a voçoroca foi classificada como muito grande, seu volume erodido chega a 48.849,7 m³, e sua extensão em 2.123,9 m² de área. A voçoroca é do tipo desconectada e apresenta movimento de massa recorrentes.
Analisando as mudanças espaciais ao redor da voçoroca, pode-se notar uma rápida ocupação de moradias populares, apesar do bairro ter sido planejado, ocorreu inicialmente uma ocupação intensiva (desmatamento e uso de encostas de grande declividade), os processos erosivos intensos somente ocorrem após intervenção do poder público por meio da instalação do sistema de drenagem ineficiente e após processo de terraplanagem, principais fatores desencadeadores antrópicos.
Os danos ambientais referem-se à inutilização da área da voçoroca, perda de solo, desaparecimento de parte da vegetação afetada diretamente pela incisão, e uso indevido da incisão como depósito de lixo doméstico e industrial. Não foram encontrados registros de nenhum curso de água que seja afetado pelo material erodido da voçoroca.
O uso de drones se mostrou uma ferramenta importante para o estudo desse tipo de feição erosiva, pois de maneira rápida (cerca de 20 minutos) e pouco recurso financeiro foi feito um levantamento de alta qualidade em uma área de aproximadamente 18.400 metros quadrados. Vale ressaltar que a utilização da ferramenta Drone reduz o tempo entre os levantamentos, tornando-se uma ferramenta importante para o monitoramento de grandes áreas, podendo ser aplicada em diversas áreas de pesquisa.
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