Artigos

MODA E CONSUMO PERIFÉRICO: A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE SOCIAL A PARTIR DAS AÇÕESPROMOVIDAS PELO PROJETO 'INVENTANDO MODA PERIFÉRICA' NA CIDADE DE SÃO PAULO

Fashion and Peripheral Consumption:The Construction of social identity from the actions promoted by the project ‘Periferia Inventando Moda’ in the city of Sao Paulo

Moda y consumoen la periferia: La construcción de la identidad social a partir de las accionespromocionadas por el Proyecto ‘PeriferiaInventandoModa’ en la ciudad de São Paulo

A. G. CAMPOS¹
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
D. S. MOURA²
Mackenzie, Brasil

Revista de Ensino em Artes, Moda e Design

Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil

ISSN: 2594-4630

Periodicidade: Bimestral

vol. 5, núm. 1, 2021

modaesociedade@gmail.com

Recepção: 30 Junho 2020

Aprovação: 30 Novembro 2020



DOI: https://doi.org/10.5965/25944630512021198

Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution 4.0 Internacional, que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.

Resumo: Este estudo analisa como a moda está atrelada à construção de identidade social e cultural nas periferias de São Paulo. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre sociedade, consumo e moda que permitiu definir como nosso objeto de pesquisaa instituição social “Periferia Inventando Moda”que, com ações educacionais e sociais, desenvolve importante papel junto ao comportamento de moda do jovem periférico. Ao analisar aatuação dessa entidade, foi possível entender com mais clareza o consumo, mas também a produção de moda e sua relação com a promoção do sentido de pertencimento e ressignificação de um espaço geográfico reconhecido pela pobreza e falta de oportunidades.

Palavras-chave: Consumo, Ações Educativas, Moda Periférica.

Abstract: This study analyzes how fashion is linked to the construction of social and cultural identity in the suburbs of São Paulo. In order to do so, a bibliographic review about society, consumption and fashion was carried out. This research served as a basis for our research object, the social institution “Periferia Inventando Moda”, which, with educational and social actions, plays an important role in the fashion behavior of the suburb’s youth. By analyzing the performance of this entity, it was possible to understand consumption more clearly, but also of fashion production in the sense of pride, belonging and resignification of a geographical space recognized by poverty and lack of opportunities.

Keywords: Consumption, Educational Actions, Fashion in suburbs.

Resumen: Este estudioanalizacómo la moda se vincula a la construcción de la identidad social y cultural en la periferia de São Paulo. Inicialmente se realizó una revisiónbibliográficasobresociedad, consumo y moda, que nospermitiópresentar a la institución social "PeriferiaInventandoModa" comonuestroobjeto de investigación, la cual, con accioneseducativas y sociales, tiene un papelimportanteen el comportamiento de moda de los jóvenesperiféricos. Al analizar el desempeño de estaentidad, se pudoentender con mayor claridad el consumo, perotambién la producción de moda y surelación con la promoción del sentimiento de pertenencia y resignificación de un espaciogeográficoreconocido por la pobreza y la falta de oportunidades.

Palabras clave: Consumo, Accioneseducativas, Modaen la periferia.

1. A VEZ DA MODA PERIFÉRICA

Devido a políticas governamentais ocorridas durante os anos 2000 voltadas à distribuição de renda e acesso à informação, muitos brasileiros das classes C e D passaram a almejar hábitos de consumo menos utilitários, voltados aos itens básicos, e mais próximos ao de consumidores de alta renda, principalmente os que envolvem marcas que estão associadas ao imaginário de luxo e ostentação. Para esses jovens, conectar-se com o universo da moda passou a significar a busca de uma construção de identidade pessoal e social a partir do acesso a bens de consumo. Por isso, este estudo procura compreender os impactos da produção e consumo de moda na construção de identidade social entre jovens da periferia de São Paulo.

Para acompanhar estas mudanças no comportamento de consumo das classes mais baixas, algumas marcas e agências de publicidade procuraram obter um maior entendimento sobre este público, visandoà construção de uma comunicação mais empática e capaz de gerar conexão com moradores da periferia.Com isso, toda uma cultura periférica, que por muito tempo foi estigmatizada, ganhou um maior protagonismo para além das comunidades. Um exemplo dessa nova realidade foi o projeto “Beyond The Map” (Figura 1), desenvolvido pelo Google em parceria com a Wunderman Thompson para mapear as comunidades do Rio de Janeiro e mostrar não apenas a aparência delas, mas a realidade dos moradores e os projetos sociais que ali existem.

José Júnior, fundador do Afroreggae,
em parceria com a Google desenvolveu o projeto “Beyond The Map”, que permite
conhecer as várias culturas presentes na periferia do Rio de Janeiro
Figura 1
José Júnior, fundador do Afroreggae, em parceria com a Google desenvolveu o projeto “Beyond The Map”, que permite conhecer as várias culturas presentes na periferia do Rio de Janeiro
Canal do Google no Youtube [3]

Iniciativas como essa aproximam-se do objeto de análise deste artigo, o projeto “Periferia Inventando a Moda” (PIM), e contribuem para a consolidação da nossa questão central: Qual a relação entre aprodução de moda nas periferias e a promoção do sentido de pertencimento dos moradores? A partir deste estudo de caso, procuraremos compreender os impactos sociais e culturais no consumo de moda na periferia.

2. NOVOS GRUPOS, NOVAS FORMAS DE CONSUMO

Para entender este momento em que nos encontramos, coma ascensão damoda produzida na periferia e todo o imaginário de grupo a partir de certas vestimentas desses jovens, é necessário considerar que as mudanças sociais em nosso país e no mundo não aconteceram repentinamente, mas foram construídas através do tempo e da história (QUINTANEIRO, 2003, p. 10). A partir dessas mudanças, o consumo passou a exercer um novo papel em nossa sociedade, tornando-se um dos principais mantenedores dos laços sociais, sentimentos de autoestima e realização pessoal (PEREZ, 2004, p. 112).

Em essência, o cenário brevemente exposto aqui ilustra o contexto da ascensão da sociedade de consumo, da globalização e da explosão de tribos que marcam a vida pós-moderna em que a construção de identidade se distingue das grandes narrativas e ideias que guiaram o mundo em períodos anteriores (MAFFESOLI,2014, p. 15). Em uma ampla escala que vai de movimentos como o funk ostentação a projetos como o “Periferia Inventando Moda”, é possível compreendê-los melhor a partir desse paradigma teórico.

2.1. Transformações sociais e o acesso ao consumo

A consolidação do capitalismo e dos novos processos de produção trazidos pela Revolução Industrial também está relacionadaà democratização dos bens de consumo que culminaram no acesso às ferramentas para produção de moda. Isso aconteceu porque, para o sucesso datransformação dos meios produtivos e comerciais, não bastavaapenas produzir em larga escala: era necessário gerar uma demanda capaz de absorver essa produção. Por isso, com o surgimento de novas formas de pagamento (crédito) e o incentivo ao consumo por meio da propaganda, deu-se início a uma transformação social (LIPOVETSKY, 2008, p. 28).

Porém a busca por um ideal de vida baseado na satisfação por meio do consumo não foi capaz de trazer aos consumidores o sentimento de satisfação esperado e vendido pelas marcas. Com isso, um novo grupo social emergiu, mais centrado em satisfação e experiência de compra do que em consumoostentatório, buscando a qualidade de vida e baseado em uma lógica mais subjetiva e emocional.

Nessa nova lógica, as tribos consomem produtos que permitam atingir uma maior independência, viver novas experiências e conservar a saúde e a juventude como estado de espírito. Mas o que faz Lipovetsky acreditar que vivemos em uma felicidade paradoxal é o fato de que nossa sociedade é fruto de várias melhorias nas condições de vida material e acesso ao consumo de bens e serviços. Porém, ao mesmo tempo em que buscamos viver melhor, cultuar a leveza, a simplicidade e uma vida livre das amarras da cultura de classe e mais individualizada, vemo-nos cercados pela precariedade, pelas decepções e inseguranças sociais (LIPOVETSKY, 2007, p.44). Devido a esse cenário, as pessoas não buscam nas marcas apenas uma satisfação funcional ou emocional, mas

cada vez mais, os consumidores estão em busca de soluções para satisfazer seu anseio de transformar o mundo globalizado num mundo melhor. Em um mundo confuso, eles buscam empresas que abordem suas mais profundas necessidades de justiça social, econômica e ambiental em sua missão, visão e valores (KOTLER, 2012, p. 4).

Isso quer dizer que os novos consumidores esperam das marcas mais do que visões idealizadas sobre um produto ou aspirações de consumo. Eles esperam que as marcas sejam capazes de criar conexões com assuntos que pertençam ao seu contexto social enquanto público-alvo e consumidor.

2.2. Consumo de Moda nas Periferias

Como já foi dito anteriormente, durante a década de 2000 o Brasil passou por um momento em que incentivos fiscais e programas de distribuição de renda culminaram com o surgimento de uma nova classe consumidora, conhecida como a nova Classe C. De acordo o Outdoor Social, veículo que negocia espaços publicitários dentro de comunidades, as periferias brasileiras foram responsáveis por movimentar R$ 7 bilhões de reais em 2019 [4].

Ao olhar para o consumo de moda nas periferias de São Paulo, é possível perceber uma variedade de expressões culturais que passam pela produção de signos próprios ao local onde a moda é fomentada até à ressignificação de códigos pré-existentes na alta-costura ou nas vitrines de roupas de luxo (Figura 2).

Alguns projetos sociais desenvolvem nas comunidades a produção de uma moda mais acessível e identitária, desenvolvida por pessoas da comunidade para servir a comunidade. Esses movimentos consideram que mais importante do que a reprodução de um comportamento de compra de outro grupo socioeconômico é a produção de uma linguagem própria. Analisaremos a seguir essa nova cultura de jovens da periferia de São Paulo que não apenas consomem moda, mas também a produzem e a ressignificam dentro de seu contexto.

Jovens da periferia de São Paulo
constroem sua identidade a partir do consumo de moda ligada a um estilo
musical, o funk ostentação
Figura 2
Jovens da periferia de São Paulo constroem sua identidade a partir do consumo de moda ligada a um estilo musical, o funk ostentação
Portal R7 [5]

2.3. “Periferia Inventando Moda”

Nos últimos anos surgiram projetos sociais e empreendimentos nas periferias de São Paulo feitos pela comunidade para servir a comunidade, dentre os quais os de produção de moda, e isso revela uma postura mais autônoma na construção de identidade e cultura dentro das periferias. Para eles, mais importante do que reproduzir um comportamento de compra pertencente a outro grupo socioeconômico, esses projetos têm como principal objetivo produzir uma moda acessível e inclusiva, usando como inspiração o local, a vivência e o contexto de seus moradores, pois

os produtos configuram-se como símbolos sociais, responsáveis pelas sensações de aceitação e pertencimento a um determinado grupo social. Os indivíduos são reconhecidos e valorizados pelo seu estilo de vida. Ao valor de uso do produto é agregado a seu poder de conferir status social por meio de sua significação simbólica (PEREZ, 2004, p.120).

O “Periferia Inventando Moda” foi idealizado pelo estilista Alex Santos e pelo produtor cultural e psicólogo Nilson Mariano pensando em tornar a moda mais acessível aos jovens da periferia de São Paulo e incluir outras pessoas que, assim como eles, enfrentam barreiras sociais e financeiras para entrar no universo da moda. De acordo com os fundadores do projeto,

a moda exerce grande poder individual e coletivo, influenciando a autoestima do indivíduo que é deparado com a expressão de seu lugar no mundo através do seu estilo, bem como mobilizando forças criativas e produtivas, despertando talentos e promovendo o empreendedorismo. É nesse sentido que acreditamos no poder transformador de nossa intervenção, promovendo uma grande oficina de moda na comunidade de Paraisópolis, assim como produzindo grandes eventos de divulgação. A periferia consome apenas o que oferecem os magazines e as marcas de penetração popular estando bastante alijada da produção de moda, do acesso e participação em grandes eventos e da possibilidade de contribuir criativamente no processo. Nossa ideia é que a comunidade se aproprie do que a produção de moda oferece (SP CULTURA, 2016, online).

Presente na comunidade de Paraisópolis desde 2014, o “Periferia Inventando Moda” apresenta-se com o objetivo de promover a inclusão social, a capacitação e a qualificação profissional de jovens entusiastas da moda. Os cursos de formação oferecidos pela entidadebuscampreparar jovens de comunidades para atuar no mercado têxtil como costureiras, cabeleireiros, maquiadores, modelos, fotógrafos etc.

Em parceria com a Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda (Abepem), o PIM lançou a UniPim, uma escola de moda com cursos gratuitos que abordam temas como mídias sociais, branding e fotografia.A diretriz dos idealizadores e da USP é dar o conhecimento teórico, mas acima de tudo preparar os estudantes para o mercado de trabalho.

2.3.1. Alta-costura como forma de empoderar a periferia

Para os criadores do projeto, mais do que formar profissionais, o PIM tem como principal objetivo possibilitar aos alunos o acesso aos códigos que são exclusivos da alta-costura e de uma classe socioeconômica específica, para que assim seja possível a criação de um produto original, promovendo o protagonismo da periferia e a democratização da moda.

Projeto “Periferia Inventando Moda”
usa a produção de moda para ressignificar o sentido do ser jovem morador das
periferias de São Paulo a partir das convenções da alta-costura europeia
Figura 3
Projeto “Periferia Inventando Moda” usa a produção de moda para ressignificar o sentido do ser jovem morador das periferias de São Paulo a partir das convenções da alta-costura europeia
Instagram do Projeto Periferia Inventando Moda [6]

Num país marcado pela diversidade e também pela exclusão, enquanto a moda se restringir a um pequeno grupo, ela estará longe de expressar toda a riqueza de nossa cultura.Por isso, “empoderar” e “transformar” são as palavras de ordem dos fundadores do “Periferia Inventando Moda”, que consideram o projeto um caminho para que os moradores de Paraisópolis, comunidade localizada na zona sul de São Paulo, reafirmem suas identidades e tenham acesso a uma área da cultura restrita a poucos.

Apesar do pouco tempo de atividade do projeto, o processo de democratização da moda não é recente no Brasil. Ele chegou à periferia com mais força na última década como uma forma de expressar a ascensão econômica e a possibilidade de construir hábitos de consumo menos considerados como de primeira necessidadepor seus moradores, que até alguns anos antes viam esse comportamento como algo pertencente apenas às elites econômicas brasileiras (Figura 3). Todavia, esta mudança aconteceu porque

os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer aos outros; tornaram-se uma exigência de massa, o prazer, as novidades. A era do prêt-à-porter coincide com a emergência de uma sociedade cada vez mais voltada para o presente, euforizada pelo Novo e pelo consumo(LIPOVETSKY, 1989, p.115).

Movimentos como este mostram uma mudança no comportamento de compra de inúmeros grupos sociais, inclusive os periféricos. Eles não querem apenas consumir, mas ressignificar códigos já existentes, criar outros códigos que sejam mais adequados aos seus interesses, fazer parte de todo processo e consumir para além de suas necessidades mais básicas:

o “capital cultural” das classes dominantes não é o mais crucial; há, no coração do redescobrimento da Alta Costura, outra coisa que não a emergência de uma classe “bastante segura de sua própria legitimidade para não ter necessidade de usar os emblemas de sua autoridade (LIPOVETSKY, 1989, p.118).

2.3.2. Moda da periferia a serviço da periferia

Além do forte viés para a inclusão de jovens de baixa renda no mundo da alta-costura, o projeto busca construir laços e ser relevante dentro da comunidade por meio de ações como as realizadas durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, a Covid-19, no primeiro semestre de 2020. Com essa situação, o projeto ganhou um novo braço: o PIM Acolhe, que tem como objetivo utilizar o conhecimento dos membros do projeto para produzir e distribuir máscaras para a comunidade de Paraisópolis.

Apesar da importância do distanciamento social para evitar a circulação do vírus e não superlotar o sistema de saúde brasileiro, ficar em casa não é uma opção para muitos trabalhadores que residem nas periferias brasileiras. Nesse sentido, o “Periferia Inventando Moda” posicionou-se como uma marca parceira da comunidade de Paraisópolis, onde atua regularmente, em um momento de dificuldade e vulnerabilidade.

O Projeto
“Periferia Inventando Moda” tem trabalhado na comunidade de Paraisópolis para
contribuir com o combate a pandemia de coronavírus
Figura 4
O Projeto “Periferia Inventando Moda” tem trabalhado na comunidade de Paraisópolis para contribuir com o combate a pandemia de coronavírus
Imagem retirada de reportagem da Folha de S.Paulo, em uma matéria para falar sobre as ações do “Periferia Inventando Moda” em Paraisópolis. [7]

Mostrando que o movimento encampado pelo PIM é mais que somente consumo e busca a construção de identidade, a ação realizada durante a pandemia é rica em significados. Uma reportagem publicada na Folha de S.Paulo [8], detalha a ação que o projeto realizou para ajudar no combate dos efeitos da Covid-19 na segunda maior favela de São Paulo. Paraisópolis tem mais de 100 mil habitantes e mais de 23 mil casas e, apesar de toda essa grandiosidade, sofre com desafios estruturais, como falta de água encanada, esgoto e segurança.

Em um ambiente com carências como essas, a pandemia tem um peso ainda maior, pela falta de estrutura e de condições socioeconômicas que permitiriam à população carente fazer, de maneira correta, o isolamento social. A iniciativa PIM Acolhe começou com metas modestas, fazer 600 máscaras em menos de 30 dias, a partir da decisão dos estilistas do projeto PIM de dedicar seu tempo à produção desse item de proteção facial (Figura 4).

Contudo a PIM Acolhe conseguiu criar uma rede de apoio em torno da causa de proteger a comunidade de Paraisópolis em tempos tão complexos. O projeto conseguiu apoio da Rede Atuação PerifaSul, de estilistas, empresas e de mais de 50 costureiras da comunidade, o que fez com que, em poucos meses de iniciativa, mais de 16 mil máscaras fossem produzidas e disponibilizadas para a comunidade carente local.

A mudança de estratégia, em caráter emergencial, tomada pelo PIM mostra um sentido mais profundo de conexão do projeto com a sua comunidade. Ainda, esse posicionamento mostra o quanto a iniciativa está alinhadaaos conceitos recentes do Marketing 3.0, de Kotler, para quem

em épocas de crise econômica global, o Marketing 3.0 adquire relevância ainda maior para a vida dos consumidores, na medida em que são afetados por rápidas mudanças e turbulências nas esferas social, econômica e ambiental. Doenças tornam-se pandemias, a pobreza aumenta e a destruição do meio ambiente caminha a passos largos. As empresas que praticam o Marketing 3.0 oferecem respostas e esperança às pessoas que enfrentam esses problemas e, assim, tocam os consumidores em um nível superior. No Marketing 3.0, as empresas se diferenciam por seus valores. Em épocas de turbulência, trata-se definitivamente de um diferencial e tanto (KOTLER, 2012, p. 5).

A partir das ideias de Kotler, em um contexto em que o poder público encontra dificuldades decontrolar a pandemia e cuidar daqueles que estão mais expostos a situações de contágio em regiões mais fragilizadas socialmente, por falta de saneamento básico adequado e, economicamente, por falta de empregos, é necessário que empresas e marcas com preocupações sociais não fiquem apáticas à situação e intervenham para suprir demandas sociais. Elas podem atuar promovendo o bem social, mas também aproximando suas estratégias de seu público-consumidor ao construir uma imagem mais empática.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após apresentação e análise do caso PIM, bem como da observação de sua atuação em tempos extremos como na pandemia, podemos relacionar, de maneira mais sinérgica,a revisão bibliográfica feita neste artigo com as ações do caso apresentado. Com isso, é possível exporalgumas considerações sobre o papel do consumo de moda na construção da identidade do jovem que mora na periferia de São Paulo.

Primeiramente, é possível notar que a diversidade cultural presente nas regiões mais afastadas do centrotambém está presente na forma como os jovens consomem e, além disso, em como eles usam os conhecimentos que recebem no Periferia Inventando Moda para criar uma maneira própria de criar moda. As iniciativas realizadas no contexto da pandemia dão, ainda, mais constância para o êxito dessas estratégias.

O PIM, grupo social aqui estudado, possui um forte senso comunitário, seja na construção de identidade ou de ações que geram valor e buscam diminuir os abismos socioeconômicos de nosso país. A busca por áreas do conhecimento historicamente restritas a classes sociais mais abastadas mostra ações com a intenção de promover o resgate da autoestima dos moradores da periferia de São Paulo,não restringindo as regiões mais pobres a uma mera replicação da moda desenvolvida pela alta-costura. Isso tudo permite que se imprimam os valores dos jovens periféricos em suas criações.

Para os jovens do “Periferia Inventando Moda”, a moda é um fator importante para o reconhecimento social entre eles, mas também para a construção e valorização de uma cultura que tem conquistado não apenas o espaço geográfico ao qual eles pertencem, mas que aos poucos vem conquistando notoriedade nas mídias tradicionais por meio das novas possibilidades impostas pela conectividade via redes sociais.

Com o avanço e popularização das tecnologias da informação e da comunicação, um número maior de pessoas passou a consumir conteúdos e referências culturais de diversas partes do mundo, tornando o conhecimento e a construção de identidades um processo mais livre e independente do local onde se vive ou da renda que possui.

Assim, pois, constatamosque a produção cultural de moda e o consumo passaram a ser guiados não apenas por renda, mas por gostos, estilos e aspirações de vida, moldados a partir das mais variadas referências às quais uma pessoa tem acesso e isso acontece nas mais variadas camadas da estratificação social. No encontro com as culturas periféricas, a moda ganha um sentido político-estético novo, organizando grupos e criando redes para tempos comuns e de exceção, como o da pandemia da Covid-19 [9].

REFERÊNCIAS

FOLHA DE S.PAULO. Projeto da própria favela distribui máscaras em Paraisópolis em São Paulo. Folha de São Paulo, São Paulo, SP, 21 Mai. 2020. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/projeto-da-propria-favela-distribui-mascaras-em-paraisopolis-em-sao-paulo.shtml> Acesso em 22 Jun. 2020.

GUADAGNUCCI, Natália. Projeto em Paraisópolis quer formar elite de moda da periferia. Estadão, São Paulo, 23 Mar. 2018. Disponível em: >. Acesso em 23 Jun. 2020.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2005.

HANSON, Keri. From the humble beginnings to stunning success. Manhattan, NYC, 12 Jun. 2017. Disponível em: ttps://www.visitmacysusa.com/article/history-macys-humble-beginnings-stunning-success> Acesso em 11 Mai. 2019.

KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 3.0: As forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

LEWGOY, Júlia. Periferias Brasileiras devem girar mais de R$ 7 bilhões só neste ano. Valor Investe, São Paulo, SP. Disponível em: < https://valorinveste.globo.com/objetivo/empreenda-se/noticia/2019/08/28/periferias-brasileiras-devem-girar-mais-de-r-7-bilhoes-so-este-ano.ghtml>. Acesso em: 29Jun. 2020.

LIPOVETSKY, Gilles. Da Leveza: Rumo a uma civilização sem peso. São Paulo: Amarylis Editora, 2016.

_____________, _____. Felicidade paradoxal: Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras. 2008.

_____________, _____. O império do efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989

MAFFESOLI, Michael. O Tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades demassa. São Paulo: Forense Universitária, 2014.

PEREZ, Clotilde. Signos da Marca: Expressividade e sensorialidade. São Paulo: Thomson, 2004.

PUTINI, Rafaela. Projeto social em uma das maiores favelas de SP vira escola de moda certificada pela USP. G1, São Paulo, 23 abr. 2018. Disponível em: . Acesso em 02 mar. 2019.

QUINTANEIRO, Tania. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

SANTOS, Alex. Agente Comunitário de Cultura – 2ª edição: “Periferia Inventando Moda”. SP Cultura, 2016. Disponível em Acesso em 09 Mar. 2019.

UNIVERSO DOS LEITORES, Bonequinha de Luxo, Universo dos Leitores, São Paulo, 21 Jan. 2014, Disponível em: Acesso em 03 Jul. 2020.

Notas

1 Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Centro Universitário Belas Artes. Desenvolve pesquisas na área de economia criativa e mídias. E-mail: andersongurgel@hotmail.com; Lattes: http://lattes.cnpq.br/6757992803142366; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9796-277X.
2 Possui graduação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente trabalha com planejamento e estratégia de comunicação na agência de publicidade McCann Health. E-mail: mouradanilos82@gmail.com; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1960499430278828; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6853-6483.
3 O endereço é: https://www.youtube.com/watch?v=MpgDIq_veLE. Acesso em 13 abr. 2019.
4 LEWGOY, Júlia. Periferias Brasileiras devem girar mais de R$ 7 bilhões só neste ano. Valor Investe, São Paulo, SP. Disponível em: < https://valorinveste.globo.com/objetivo/empreenda-se/noticia/2019/08/28/periferias-brasileiras-devem-girar-mais-de-r-7-bilhoes-so-este-ano.ghtml>. Acesso em: 29 Jun. 2020.
5 Para ver reportagem completa: https://meuestilo.r7.com/moda/moda-da-quebrada-as-roupas-que-dominam-os-jovens-da-periferia-02032018. Acesso em 01 nov. 2020.
6 Para acesso a esta (e outras imagens do projeto): https://www.instagram.com/p/BEbKgpKiGY8/. Acessado em 20 de agosto de 2020.
7 Reportagem fala das ações emergenciais do projeto Periferia Inventando Moda na pandemia de covid 19: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/projeto-da-propria-favela-distribui-mascaras-em-paraisopolis-em-sao-paulo.shtml. Acesso em 22 jun. 2020.
8 A reportagem foi publicada pelo jornalista Roberto de Oliveira (apud FOLHA DE S.PAULO), no caderno Cotidiano, em 21 de maio de 2020. Ver link no Portal UOL: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/projeto-da-propria-favela-distribui-mascaras-em-paraisopolis-em-sao-paulo.shtml.
9 Artigo revisado pelo Prof. Dr. Edson Correia de Oliveira, licenciado em Letras e Pedagogia, é especialistas, mestre e doutor (2010) em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5362500308756910. E-mail: edson.oliveira@belasartes.br.
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R