Artigo Científico
ACTIVIDADE FÍSICA E ESTADOS AFECTIVOS: HUMOR E EMOÇÕES
PHYSICAL ACTIVITY AND AFFECTIVE STATES: MOOD AND EMOTIONS
PsychTech & Health Journal
PSYCHTECH-PUB, Portugal
ISSN: 2184-1004
Periodicidade: Bianual
vol. 1, núm. 1, 2018
Autor correspondente: jvraposo@inesctec.pt
Resumo: O presente trabalho tem por objectivo apresentar uma síntese do conhecimento já acumulado sobre a relação entre exercício físico e estados de humor. Muito poucos estudos sobre actividade física e exercício físico têm examinado o humor ou a emoção na perspectiva de uma teoria contemporânea das emoções. Ainda estão por demonstrar, de forma inequívoca, que o exercício agudo do tipo praticado comummente, para lazer ou o fitness, altera as respostas emocionais. As razões pelas quais muitas pessoas decidem adoptar o exercício incluem a perda de peso e os benefícios para a saúde, incluindo estados de humor. A adopção de um estilo de vida saudável com base no exercício físico envolve tempo e um esforço considerável a curto prazo, e os resultados visíveis não ocorrem de imediato, mas sim após um longo período de tempo (meses). Os motivos avançados para as pessoas se exercitarem têm incluído o humor como um factor e, na realidade, o humor continua a ter um papel significativo, conceptualmente, como uma razão para as pessoas se exercitarem.
Palavras-chave: Actividade física, afecto, humor.
Abstract: The present paper aims to present a synthesis of the knowledge already accumulated on the relation between physical exercise and states of humor. Very few studies on physical activity and physical exercise have examined mood or emotion in the perspective of a contemporary theory of emotions. It has yet to be unequivocally demonstrated that acute exercise of the type commonly practiced for leisure or fitness alters emotional responses. The reasons why many people decide to adopt exercise include weight loss and health benefits, including changes in mood states. Adoption of a life healthy style based on physical exercise involves time and a considerable effort in the short term, and visible results do not occur immediately, but rather after a long period of time (months). Advanced motives for exercising have included humor as a factor and, in fact, humor continues to play a significant, conceptually meaningful role as a reason for people to exercise
Keywords: physical activity, affection, mood.
Introdução
As emoções, também referidas pelos psicólogos como afectos são elementos fundamentais para cada indivíduo viver enriquecido com o que sente, assim como com os significados que atribui a cada uma das situações que vive. No entanto, e por múltiplas razões, estes afectos são também aqueles que dão azo a alguns dos problemas psicológicos a que designamos de perturbações afectivas. Estas perturbações assumem várias intensidades e formas de manifestação dependendo dos sentimentos que são vivenciados e que podem oscilar entre depressão e euforia (mania).
As perturbações afectivas foram identificadas e descritas desde os primórdios da história da medicina. Hipócrates no sec. IV a.c. descreveu quer a depressão (melancolia) quer a mania. Por sua vez, Aretaeus, no sec. I d.c. descrevia que a depressão e a mania ocorriam simultaneamente no mesmo indivíduo constituindo-se como um perfil clínico diferenciado daqueles identificados como depressão ou mania.
Apesar destes problemas serem objecto de estudo vai para muito, acontece que ainda hoje continuamos a procurar por formas eficazes para tratar estas perturbações. A investigação mais recente evidencia que as propostas avançadas pelo modelo médico são eficazes nos casos bipolares mas o mesmo não acontece com a depressão, ansiedade, stresse, e outras das perturbações que se integram no âmbito das perturbações afectivas.
São múltiplas as propostas teóricas para explicar estas perturbações, assim como para as tratar. No entanto, mais recentemente, a redescoberta dos efeitos preventivos e terapêuticos do exercício físico têm levado a um aprofundamento do conhecimento que sustenta as diferentes intervenções terapêuticas que actualmente tendem a ser oferecidas. É com base nos estudos comparativos que o exercício físico se apresenta mais eficaz em alguns casos e igualmente eficaz como é o caso das psicoterapias normalmente oferecidas para o tratamento. No entanto, as vantagens do exercício físico têm sido evidenciadas graças à busca da fundamentação que articula variáveis bio-psico-socioculturais. Na literatura da especialidade há um crescente número de pesquisas que validam a tese que a actividade física tem um efeito positivo nas restantes manifestações afectivas e comportamentais dos sujeitos activos.
Face a estas evidências importa esclarecer como a participação em programas de actividade física contribuem para a melhoria dos estados de humor e, consequentemente, para a saúde mental em geral.
O presente trabalho tem por objectivo proporcionar informação, ao nível introdutório, sobre a relação entre actividade física e estados afectivos. Para o efeito, os conteúdos estão organizados da seguinte maneira: Em primeiro lugar apresentamos e definimos alguns conceitos, elementares para a compreensão da narrativa que se segue. Em segundo lugar, descrevemos alguns dos estudos que evidenciam a relação positiva entre actividade física e estados afectivos e de humor. Na última parte, apresentamos, sumariamente, os mecanismos ou processos que explicam as relações que a comunidade científica tem evidenciado.
DEFINIÇÕES DE CONCEITOS
Nas intervenções que visam destacar e promover os benefícios do exercício físico para a saúde mental, os educadores oriundos das áreas da educação física, ciências do desporto e do exercício manifestam alguma inconsistência no uso de uma linguagem que seja perceptível por outros profissionais que intervêm clinicamente na saúde mental. Assim, parece-nos da maior importância que se uniformizem léxicos. Nesse sentido, de seguida, apresentamos um conjunto de conceitos chave que tendem a facilitar a comunicação entre os clínicos.
Segundo Averill et al. (1994) os sentimentos são experiências subjectivas que podem ser evidentes ou dissimuladas. O estado do sentimento refere-se a uma sensação corporal, avaliação cognitiva, respostas instrumentais actuais ou potenciais, ou a combinação dessas respostas. Para Damasio et al. (2000) e Arrantes (2003) o termo sentimento refere-se à experiência mental privada de uma emoção. Em organismos superiores, como é o caso do ser humano, a consciência permite que tais emoções sejam “sentidas” e, portanto, sejam conhecidas, na forma de sentimentos.
Afecto, humor e emoção
O nosso vigor muscular será sempre necessário para fornecer uma base de sanidade mental, serenidade e alegria para a vida, para ultrapassar o mau humor, e fazer-nos sentir bem-humorados.
William James, o pai da psicologia americana, nos seus escritos já exaltava os benefícios do exercício para a promoção de estados de humor positivos, sabedoria que se prolonga até aos dias de hoje. Os benefícios mais comuns em jovens, adultos e aqueles com idade mais avançada, resultantes do exercício são o aumento do bem-estar e a redução de tensões.
Mudanças positivas com o exercício
O reconhecimento e a integração sistemática do exercício físico para a promoção e/ou restituição da saúde e bem-estar dos indivíduos data do século 18. Um dos pioneiros na área da saúde mental foi Pinet, reconhecido como sendo o pai da Psiquiatria. Outros dos pioneiros da psiquiatria quer na Europa quer nos Estados Unidos seguiram a mesma recomendação, daí que na concepção dos hospitais eram integradas grandes superfícies verdes por onde os doentes poderiam caminhar e contemplar a sua vida. A contemplação e a reflexão sobre os problemas que se viviam eram parte integrante do processo a que designavam por terapia moral. A actividade física associada às intervenções terapêuticas da altura deixaram claros os benefícios que desta advinham. Esta percepção mantém-se até hoje, só que agora está devidamente alicerçada em evidências científicas.
Já em pleno sec. XX, Morgan (1970) publica aquele que é reconhecido como o primeiro estudo experimental que comprova o efeito positivo que o exercício físico tem na redução dos sintomas de depressão. Seguiu-se o estudo clínico randomizado de Greist et al. (1979) que demonstrou que os indivíduos que participaram em um programa de corrida, com a duração de 12 semanas, apresentavam ganhos terapêuticos iguais ou superiores aos que foram acompanhados com base em intervenções psicoterapêuticas. Mais, foi ainda identificado que 9 em cada 10 indivíduos que integraram o grupo de exercício físico, continuavam activos e sem apresentarem sintomas de depressão. Os que foram intervencionados com o programa de psicoterapia apresentaram maiores índices de recorrência da depressão. Têm-se seguido múltiplos estudos randomizados e meta-análises que evidenciam os efeitos benéficos no exercício da saúde mental.
Hoje em dia, a actividade física é reconhecida como causa nas alterações afectivas, assim como estas também se fazem repercutir nas práticas comportamentais dos cidadãos e algumas das mudanças são descritas na literatura da especialidade afirmando que os praticantes sentem:
· Bem-estar, relaxados, eufóricos ou imaginativo;
· Sensação de realização e satisfação;
· Melhor da auto-estima;
· Uma sensação global de conforto;
· Melhorias na concentração;
· Experienciam como agradáveis as sensações físicas vivenciadas através dos exercícios físicos.
Afecto
Os afectos são constructos psicofísicos. Tal como a designação do processo informa os afectos estão associados à relação entre os processos mentais e os físicos. Estes tendem a ser vistos ou classificados em função em função de duas dimensões: valência e intensidade motivacional. A valência refere-se aos aspectos subjectivos que oscilam entre negativos ou positivos, algo que depende das experiências previamente acumuladas pelos indivíduos. A intensidade motivacional deve ser entendida nas suas duas expressões, motivação e intensidade. A componente motivação é expressa através da resposta primária para agir (impulso) que associado à intensidade se traduzirá na acção de confrontar (luta) ou fugir (fuga) da situação. Em circunstância alguma estes processos podem ser confundidos com o conceito de arousal.
O afecto, de acordo com Batson, Shaw e Oleson (1992), tem sido definido como a expressão do valor dado a um estado de sentimento. Wilhelm Wunt, em 1897, concluiu que o afecto tem três dimensões: 1- prazer; 2- tensão ou excitação; e 3- calma e pacificar.
As mais amplas e modernas concepções aceites sobre afecto dividem-no em duas categorias: experiências afectivas e emoções específicas. Experiências afectivas variam em duas dimensões ortogonais principais (independentes):
· Valência, ou tom hedónica, que pode variar de atracção e prazer à evasão e desprazer;
· Intensidade ou de activação, que pode variar de calma para despertar.
Emoções específicas podem ser descritas como um modelo circumplexo composto de variadas dimensões primárias de valência e intensidade. De acordo com este modelo as diferentes emoções enquadram-se em função das seguintes dimensões: actividade alta – baixa; valência positiva – negativa. Assim as que se englobam no quadrante de “actividade alta - valência positiva” são estados de híper estimulação, surpresa, encantamento, alegria, felicidade, e uma atitude favorável face ao que estão expostos. No caso de “actividade alta – valência negativa” encontraremos um sujeito em um estado de atiçado, medroso, tenso, furioso, aflito, irritado, ou frustrado. No quadrante de “actividade baixa- valência positiva” encontraremos alguém satisfeito, contente, sereno, calmo, confortável, relaxado e sonolento. No caso de “actividade baixa - valência negativa” teremos o mal-estar, deprimido, triste, melancólico, aborrecido, abatido e cansado.
Existem ainda outras visões, mas essas estão menos suportadas os pressupostos das duas dimensões: energia e tensão.
Temperamento
Temperamento refere-se, essencialmente, a uma componente estável da personalidade, que capacita as pessoas para uma resposta emocional e para as mudanças de humor. É comum descrever alguém que tem períodos de altos e baixos emocionais como indivíduos temperamentais. Ou, ainda, poderíamos descrever alguém que muitas vezes se apresenta num estado de irritação e outros de maior calma como uma pessoa com um temperamento inconsistente. O temperamento é baseado em factores biológicos (genéticos) e experiências vivenciadas pelo próprio.
Traços
Os traços são características mais estreitas de temperamento (e/ou personalidade) e indicam a tendência de resposta a um evento interno ou externo com um estado de humor específico. Por exemplo, alguém com um elevado índice de ansiedade provavelmente manifesta comporta-mentos que deixam transparecer essa sua característica. Por exemplo, quando uma pessoa está numa sala a aguardar para ser entrevistado poderá ser observado que esse indivíduo está mais agitado que outros que igualmente aguardam pela sua vez. Os traços são características relativamente consistentes ao longo do tempo, mas são mais fáceis de mudar do que o temperamento.
Emoções
Averil
As emoções são uma resposta breve a sentimentos negativos ou positivos, evocados por situações particulares, estas podem contribuir para a manifestação dos humores. É, também, possível que um estado de humor possa compor uma resposta emocional. As emoções podem influenciar a actividade do sistema nervoso autónomo. Uma resposta emocional consiste num comportamento e numa activação do sistema autónomo e hormonal. Assim, as emoções têm uma base fisiológica desprovida de qualquer influência do afecto (componente subjectiva da emoção). O que não quer dizer que não haja uma base biológica para a manifestação do afecto.
Richard Lazarus (2006) descreveu 5 maneiras em que as emoções são fundamentais na vida de uma pessoa:
1) Emoções e outros estado afectivos, tais como o humor, reflectem os novos valores pessoais e o quão bem ou mal nós estamos na nossa busca. Quando não conseguimos atingir os nossos objectivos, ou perceber a ameaça ou o dano, sentimos ansiedade, raiva, culpa, vergonha, inveja, e/ou ciúme. Quando estes objectivos são atingidos experienciamos alegria, orgulho, amor, ou a alegria de um desafio.
2) As emoções estão entre as características mais proeminentes das nossas relações sociais com os membros da família, amantes, amigos e mudanças de encontros, entre outros.
3) As emoções podem facilitar ou prejudicar essas relações interpessoais. Lidar eficazmente com as relações interpessoais é uma habilidade básica do coping emocional.
4) A origem e significado pessoal de uma emoção pode ser difícil de entender ou aceitar. Além disso, a expressão das emoções pode ser reveladora ou pode enganar os outros. Embora algumas pessoas demonstram as suas emoções, outros são relutantes em expor o seu “eu” interior pelo medo da rejeição social ou represália.
5) As emoções são, muitas vezes, difíceis de controlar quando elas são intensas. O autocontrolo das emoções é uma função básica do coping emocional.
Segundo Carver e Connor-Smith (2010), a avaliação de eventos pode levar a emoções e como elas dependem da proximidade de circunstâncias ou da evitação de comportamentos.
O desafio é uma situação que requer um maior esforço relativo às habilidades de uma pessoa, mas é visto como uma oportunidade de sucesso provável e/ou para ganhar algo valioso. Um desafio puro envolve o sistema de abordagem, mas não o sistema de evitação. As experiências afectivas de desafio incluem esperança, entusiasmo, ansiedade e alegria.
A expressão facial da emoção não é aprendida, mas herdada, e serve juntamente com a linguagem do corpo, para comunicar as nossas emoções para os outros e indicar a forma como estamos propensos a nos comportar. É necessário ter em atenção o cruzamento de culturas. Expressões faciais de alegria, surpresa, raiva, medo e nojo são reconhecidas em praticamente todas as culturas. Isto demonstra a possibilidade de cada emoção ser regulada por diferentes sistemas cerebrais e não apenas em categorias de emoções positivas ou negativas. É neste contexto que surge a questão de em que ponto o exercício exerce influência nas emoções? A biologia de exercício depende principalmente do tipo, intensidade e duração do exercício. É razoável que o exercício por si só possa alterar emoções específicas? Ou, pode exercer alterações em algum sistema neural comum aos humores positivos ou negativos?
Muitos dos ganhos que nos são dados a observar estão intimamente associados às funcionalidades do sistema límbico que compreende todas as estruturas cerebrais que estejam relacionadas, principalmente, com comportamentos emocionais e sexuais, aprendizagem, memória, motivação, mas também com algumas respostas homeostáticas.
A sua actividade tende a estar particularmente vocacionada para a integração de informações sensitivo-sensoriais com o estado psíquico interno do sujeito, e do qual emerge um conteúdo emocional e de significado para esses estímulos. Por outras palavras, a informação é registada e relacionada com as memórias preexistentes, o que leva à produção de uma resposta emocional adequada ou não, consciente e/ou vegetativa por parte do indivíduo.
OS FUNDAMENTOS
No século XIX James Lange, na sua teoria da emoção propôs que as respostas corporais, durante a emoção, são a fonte da experiência afectiva. O desafio de compreender o que é uma emoção ainda é actual. Os exemplos de James levantam a questão de saber se a visão moderna de que as respostas fisiológicas e comportamentais ocorrem apenas após a pessoa avaliar diferentes acontecimentos? A maneira natural de pensar sobre essas emoções padrão é que a percepção mental de algum facto activa o afecto a nível mental chamando para a acção a emoção, e que é este último estado que dá origem à expressão corporal. A tese de James em 1884 defende que as mudanças corporais à medida que ocorrem são a emoção. Para provar estas questões James usou um caso psiquiátrico. Walter Cannon apresentou uma proposta diferente defendendo que é ao nível do cérebro que se decide a resposta adequada a um estímulo e que a resposta fisiológica subsequente e a emoção ocorreram simultaneamente. Por sua vez, o psicólogo social Stanley Schachter, em 1960, com base na teoria cognitiva da emoção, argumentou que a resposta emocional é o resultado da interacção entre reacções fisiológicas não específicas e a interpretação cognitiva da excitação que foi percebida no contexto social. Pesquisas contemporâneas continuam a ser influenciadas por aspectos biológicos, genéticos, cognitivos e de desenvolvimento das emoções. Nenhuma única teoria tem sido comprovada para se realizar em todas as circunstâncias, e por isso é importante familiarizarmo-nos com a história das várias teorias.
Visões Contemporâneas de afecto e emoção
terminada por dois sistemas motivacionais básicos ligados a circuitos neurais anatómicos que geram comportamentos adaptativos defensivos para efeitos de sobrevivência.
A motivação tem uma organização bifásica intrínseca, isto é, abordagem de evitação ou inibição. O sistema de abordagem envolve os comportamentos de curiosidade, entusiasmo, orgulho, amor, etc.. Estes são conhecidos como os comportamentos de apetite e tendem a estar associados aos objectivos que orientam as pessoas nas suas buscas para melhorar, daí que estejam associadas às emoções positivas. Por sua vez, os comportamentos de evitamento ou inibição referem-se às acções que levam os indivíduos a se retirarem das situações percepcionadas como negativas, como, por exemplo, o medo e o repudio ou desagrado, ou seja tudo quanto possa ser entendido pelo sujeito como representando perigo.
Segundo Lang, a base motivacional de emoções através da "atenção selectiva natural", em que a atenção é determinada principalmente pela importância da sugestão, ou o seu significado motivacional intrínseco, e dos estados do accionamento preexistentes. A intensidade da resposta depende do nível de excitação. Por exemplo, se um ciclista pedalou vários quilómetros e não levou a sua garrafa de água, os seus níveis de “excitação” serão altos devido à sede. Se este visse uma banca de limonada o seu comportamento seria sorrir acompanhado de uma activação hormonal de modo a suportar o seu pedalar de forma a este satisfazer a sua necessidade.
Importa diferenciar uma experiência afectiva de uma emoção da expressão motora (comportamento) dessa emoção. Estas diferenças podem ter por base mecanismos neuronais regulatórios diferentes. Da observação que podemos realizar no dia-a-dia é possível constatar que uma pessoa deprimida pode estar letárgica e demonstrar pouca emoção, para além da tristeza. No entanto, uma pessoa deprimida e ansiosa, como regularmente acontece, poderá evidenciar agitação comportamental. Quer numa situação quer na outra o que nos é dado a observar são manifestações contraditórias entre a activação emocional e o comportamento observado.
Neuroanatomia do afecto e emoção
Durante muitas décadas realizaram-se debates filosóficos entre a primazia do cérebro ou do coração, como sendo a origem das emoções, e desde a antiguidade e estendendo-se até à Europa renascentista foram muitas as teorias formuladas por filósofos e biólogos. Contudo, segundo Buckworth et al. (2013), as evidencias acumuladas de estudos relativos ao cérebro em ambos os animais inferiores e humanos, demonstram que as emoções têm padrões de actividade em estruturas e circuitos no cérebro únicos, e às vezes compartilhados.
Em 1937, James Papez sugeriu que um conjunto de estruturas cerebrais interconectadas era responsável pela motivação e emoção. O circuito neural de Papez inclui o hipotálamo, corpos mamilares, tálamo anterior, a amígdala e o córtex cingulado e este propôs que a experiência da emoção era determinada pelo córtex cingulado que modela a actividade no hipocampo. O hipocampo projecta para o hipotálamo via um feixe de axónios chamado fornix em que os impulsos hipotalâmicos são retransmitidos para o tálamo anterior.
Mais tarde, Paul Mclean do National Institute of Mental Health foi creditado com a expansão do circuito de Papez para o actual nome de “Sistema Límbico” como sendo, a sede da emoção que inclui o córtex pré-frontal, o hipocampo, a amígdala e o septo, entre outros.
O cérebro e o comportamento emocional
Em estudos posteriores usando animais, nomeadamente ratos, para guiar teorias humanas, mostraram que existiam no cérebro dois circuitos neurais tidos como principais. Por sua vez estes, são responsáveis por activar as emoções e respostas comportamentais, sejam elas para abordar e aproximar ou evitar as situações com que defronta sejam elas recompensadoras ou ameaçadoras, conforme o sujeito as percepciona. A aproximação ou abordagem, ou a também chamada recompensa, foi um circuito identificado por James Olds e Peter Milner, em 1954. Este situa-se ao longo do feixe prosencefálico medial, e a evitação ou punição, diz respeito ao circuito identificado em 1962 por António Fernandez de Molina e Ralph Hansperger que incluíram o Sistema Periventricular.
Assim, as vias do feixe prosencefálico medial motivam as vontades (como por exemplo, impulsos, ânsias) e os comportamentos de abordagem (como servem de exemplo, alimentação, acasalamento, brincadeira), bem como os gostos (prazer e satisfação) que se fazem acompanhar de emoções positivas e agradáveis. E por isso, estas emoções compõem assim o Sistema Comportamental de Abordagem (SCA). Em contrapartida, as vias que incluem o sistema periventricular motivam os comportamentos de defesa ou de evitação, tais como a luta ou a fuga que acompanham emoções negativas e desagradáveis, formando assim, o sistema de luta ou fuga (SLF).
Em 1970, um psicólogo Jeffrey Gray, do Institute of Psychiatry em Londres, propôs o Sistema Comportamental de Inibição (SCI) como um terceiro sistema de emoção, além do sistema de luta ou fuga (para punições ou novidade) e o sistema de abordagem comportamental.
De acordo com Gray, o SCI é provocado por ameaças de punição ou fracasso, e pela novidade ou incerteza. A função primária do SCI é comparar os estímulos observados e esperados quando existe uma discrepância entre os estímulos reais e os esperados. Face a esses eventos o sistema é activado para concentrar a atenção sobre o meio ambiente e inibir o comportamento em curso. O SCI é adaptativo quando a melhor decisão é fazer nada (exemplo, animais fingem de mortos ou quando os humanos aceitam “o seu destino”). Nestas instâncias, fazer nada pode ser o ideal por que fazer alguma coisa pode piorar a situação, no entanto o SCI pode também ser negativo quanto ao comportamento seccionado como acção (comportamento mal-adaptativo), quando decidimos de forma errada que as nossas acções vão ser fúteis (como quando desistimos prematuramente) ou quando uma decisão não é rapidamente alcançada sobre se a melhor forma para agir é fugir ou lutar contra uma ameaça (por exemplo, pânico).
Segundo Carver e White, num artigo publicado no Journal of Personality and Social Psychology, os indivíduos geralmente podem ser caracterizados como tendo uma personalidade que é mais ou menos dominante em SCA ou SCI. Indivíduos com uma SCA dominante são mais sensíveis às recompensas e são susceptíveis de ser aventureiros, extrovertidos, confiantes e impulsivos. Indivíduos com um SCI dominante são mais sensíveis à punição, e mais susceptíveis de serem tímidos, reservados, envergonhados, apreensivos e cautelosos. Aplicações actuais destas ideias para os seres humanos, conceituaram o Sistema Comportamental de Abordagem (SCA) como tendo três componentes (agitação, busca por diversão [impulsividade] e recompensa ou sensibilidade para o incentivo. Por sua vez o SCI é tido como um sistema único de Inibição que regula as motivações aversivas para se afastar de algo desagradável. No extremo, a inibição de comportamentos emocionais pode, ao longo do tempo, levar a distúrbios de maus ajustes sociais e mentais, tais como problemas de depressão, ansiedade e controle da raiva que podem contribuir para doenças psicossomáticas como úlceras do estômago, tensão arterial elevada e possivelmente doenças cardíacas e cancro.
Neuroanatomia do SCA
Segundo Buckworth et al. (2013), não existe apenas um único centro de prazer no cérebro, mas sim um sistema neural que inclui circuitos entre áreas subcorticais ao longo do feixe prosencefálico medial (área tegmentar ventral, núcleo accumbens, circuito ventral de pallidium, o septo, partes do tálamo e a amígdala) e zonas corticais (córtex orbito-frontal e córtex cingulado anterior).
As vias no sistema periventricular estendem-se desde as partes mediais do hipotálamo (região supra-orbitária) ao longo do terceiro ventrículo para o tálamo e os neurónios motores somáticos e viscerais da medula do mesencéfalo que inclui os núcleos do leito da Estria Terminal, a amígdala e a matéria cinzenta periaquedutal).
Neuroanatomia do SCI
De acordo com os estudos de Gray, a ansiedade antecipada (principalmente evidenciada pelo comportamento congelante) reflectia um comportamento mediado pela activação do SCI do circuito neural do cérebro entre o hipocampo e o septo, onde se modelava, pela ascensão do sistema noradrenérgico a partir do locus coeruleus e que o córtex pré-frontal avaliava situações complexas e tinha o controlo para muitas respostas emocionais.
Mais tarde, o neurologista Jan Panksepp argumentou que actividades no sistema nervoso autónomo ascendente e do sistema de inibição comportamental de Gray privilegiam o cérebro pelas respostas emocionais, mas o circuito entre a amígdala e a substância cinzenta periaquedutal era o componente chave para estados emocionais de medo e ansiedade. Segundo Panksepp existem três lugares do cérebro onde a estimulação eléctrica vai provocar respostas únicas ao medo (por exemplo, a Fuga ou congelamento, o aumento da frequência cardíaca, vontade de urinar ou defecar): as áreas laterais e central da amígdala, o hipotálamo anterior e medial, e partes de substância cinzenta periaquedutal.
Para Buckworth et al. (2013), a amígdala basolateral está envolvida na aprendizagem e memórias de reforço positivo, provavelmente pelas conexões com os sistemas de dopamina no estriado ventral e córtex orbito frontal. Segundo Garavan, Perdengrass, Ross, Stein e Risinger (2001) as evidências sugerem que a amígdala está activa durante a exposição a quaisquer cenas quer sejam agradáveis ou desagradáveis. Assim, acredita-se que a amígdala ajuda a modular o comportamento emocional em situações ambíguas que são percebidos como um tanto potencialmente gratificante e aversivo.
Microimagem humana e emoção
Várias meta-análises forma levadas a cabo com a intenção de determinar a actividade cerebral associada a cada uma das emoções. Um estudo realizado por Phan, Wager, Taylor e Liberzon (2002), numa revisão de 55 trabalhos que haviam recorrido a várias técnicas de registos para mapear 20 regiões do cérebro que respondiam, quer positiva quer negativamente, a manifestações afectivas específicas, nomeadamente a felicidade, medo, raiva, tristeza, e repúdio, após a apresentação de um estímulo (visual, auditivo ou imaginado). Apesar de identificada a actividade cerebral de várias regiões, os pesquisadores não puderam identificar, de forma clara, se existiam áreas específicas para diferenciar as emoções entre si. Num outro estudo (Murphy, Nimmo-Smoth, & Lawrence, 2003) constatou-se que durante o processo de activação, aquando da aproximação emocional, os registos de actividade cerebral ocorriam de forma simétrica sendo mais intensa no hemisfério esquerdo, quando associada a emoções de carácter negativo ou de abandono (withdrawal). Os diferentes resultados da pesquisa sugerem que há regiões específicas do cérebro que são activadas, mas esta é, ainda, uma área da pesquisa em que o conhecimento, apesar de crescer a ritmos acelerados, ainda é carente de evidências.
Davidson e Irwin narraram que nos primeiros resultados de investigação em Neurociências baseados na lesão, com avaliados através das medições electrofisiológicas e neuroimagem, usando a tomografia de emissão de positrões e a ressonância magnética funcional, foram identificadas várias regiões chave no cérebro que pareciam ser as mais envolvidas na experiência e expressão da emoção humana:
· O córtex pré-frontal, que contempla três áreas (dorsolateral, ventromedial e obitofrontal) trabalha como uma memória das consequências afectivas, permitindo uma emoção de ser sustentável o tempo suficiente para direccionar o comportamento de acordo com o objectivo apropriado para a emoção;
· O hipocampo parece processar as memórias do ambiente/contexto no qual a emoção ocorre;
· O corpo estriado, especialmente o núcleo accumbens, é parte do mesolímbico, via neurónios dopaminérgicos da área tegmentar ventral que expressam receptores opióides, encefalina e dinorfina que são a chave do que é conhecido como comportamento recompensado ou motivado;
· O córtex cingulado anterior é parte do córtex primitivo comum em espécies de evolução inferior aos humanos. Parece ajudar a regular a atenção durante o processo de valência de uma emoção.
· O córtex insular recebe inputs sensoriais do sistema nervoso autónomo, especialmente respostas cardiovasculares, e envia sinais para a amígdala central e o hipotálamo que regula cada resposta cardíaca e endócrina durante o stress;
· A amígdala desempenha um papel chave na integração das respostas comportamentais, autonómicas e hormonais durante o stresse e a emoção. Também o seu nível tónico de actividade é sensível ao humor negativo. Por exemplo, a actividade na amígdala é elevada entre pacientes diagnosticados com depressão e perturbações de ansiedade.
Assimetria hemisférica
A função dos circuitos neurais do afecto difere entre o hemisfério esquerdo e direito. Esta diferença é chamada de assimetria hemisférica. Segundo Davidson e Irwin (1999), as pessoas que têm uma lesão no córtex pré-frontal, especialmente na área dorsolateral esquerda, têm um aumento no risco de desenvolver depressão.
A primeira teoria moderna da função do lobo frontal, proposta por David Ferrier nos anos 70, foi em parte baseada no caso de Phineas Gage que sobreviveu a uma lesão massiva no seu córtex frontal esquerdo e que sofreu uma perda irreparável da função mental (Buckworth et al. 2013). No entanto, a reconstrução moderna da lesão cerebral baseada nas medições do crânio de Gage e na neuroimagem indicaram que a lesão de Gage ocorreu em ambas regiões pré-frontais esquerda e direita e que estão envolvidas na cognição e na emoção. Esta nova argumentação é consistentes com os relatos da personalidade e temperamento alterados. A assimetria na activação dos hemisférios do córtex frontal, em indivíduos sem perturbações clínicas, pode ser medida pelo electroencefalograma (EEG) durante a exposição a imagens que desencadeiam afectos positivos ou negativos. Foi com base nesta metodologia que se verificou que a actividade cerebral era alterada em função do tipo de estímulo. Foi com base nesta metodologia que se constatou que o hemisfério esquerdo, durante a visualização de imagens positivas, apresentava uma actividade mais alta do que o hemisfério direito, cuja actividade se diferenciava da do esquerdo, por ser mais intensa, quando a visualização era de imagens negativas.
Estilo afectivo
Segundo Buckworth et al. (2013), o estilo afectivo pode ser definido tendo em consideração vários aspectos, entre eles o facto de a actividade cerebral ser mais alta no hemisfério esquerdo durante a visualização de imagens positivas, e mais alta no hemisfério direito durante a visualização de imagens negativas. Um outro aspecto destacado é que há evidências que alguns indivíduos parecem ter um estilo afectivo, ou disposição, que os diferencia nas respostas que dão origem a respostas emocionais quer seja de forma positiva ou negativa. Na verdade as respostas estão, de alguma forma, condicionadas pela história de vida de cada um.
Segundo Davidson (2000) aqueles que têm, caracteristicamente, uma dominância na activação do lado esquerdo do córtex frontal, tendem a percepcionar os acontecimentos emocionais de forma mais positiva, ao passo que aqueles que têm dominância da activação do lado direito do córtex frontal experienciam os acontecimentos de uma forma mais negativa. Alguns estudos recentes sugerem que o estilo afectivo dos indivíduos também influencia a velocidade de resposta no processo de recuperação da vivência de emoções negativas ou durante o tempo em que estes conseguem saborear as emoções positivas.
Todas as manifestações afectivas nos humanos têm uma forte componente cultural, daí que em qualquer processo de avaliação importa ter presente o contexto sociocultural.
Coping emocional
A personalidade ou temperamento dos indivíduos influencia e ajuda a explicar a resposta dos sujeitos quando expostos a circunstâncias de aproximação ou de inibição e que proporcionam a necessidade de uma resposta. O tipo de resposta depende do tipo de personalidade, ou seja se o indivíduo tende a ser extrovertido ou introvertido; se são emocionalmente estáveis, se os seus comportamentos evidenciam alguma forma de neuroticismo e se a situação é uma de exposição a algo que pode ser percepcionado pelo sujeito como proporcionador de uma sensação de recompensa ou de punição. Por isso, é necessário entender como é que os indivíduos se diferenciam na forma como avaliam o significado dos acontecimentos emocionalmente stressantes, e como lidam com eles ou os enfrentam.
As respostas dependem em parte dos esquemas cognitivos de cada um e podem ser de dois tipos: adaptativas e mal-adaptativas. No extremo das respostas mal-adaptativas o pensamento “malformado” (por exemplo, extremista, rígido, irrealista, ilógico, e ponderações de com base em absolutismos) pode resultar em encontros emocionais autodestrutivos que levam a auto culpa, autopiedade, e raiva cínica (Ellis, 1957), e no extremo adaptativo a confrontação é efectiva. Assim, o coping traduz-se num conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objectivo de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de stresse e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo seus recursos.
Existem dois grandes tipos de coping, os focados no problema e os focados na emoção. O coping focado no problema usa uma aproximação analítica para prevenir ou planear contra as circunstâncias que são percebidas como prejudiciais, ameaçadoras ou desafiadoras. Uma vez o problema identificado, os indivíduos vão tomar em consideração os aspectos que para eles representam os custos e os benefícios das tácticas alternativas para resolver o desafio com que se deparam. O coping focado na emoção tenta reduzir a angústia evitando, minimizando, tolerando, distanciando, ou a controlar as circunstâncias, percepcionadas como uma ameaça ou um desafio. Este estilo de lidar com as situações (tipo de coping), através da reavaliação cognitiva, permite à pessoa mudar o significado da situação com que se depara, mas em nada altera essa mesma situação. Esta capacidade difere de pessoa para a pessoa. Por exemplo, o indivíduo através da selectividade entre enfrentamento ou evitamento de uma situação emocionalmente stressante pode suspender a resposta, mas não transformar a situação (Buckworth et al. 2013).
O coping focado no problema e na emoção pode ter um efeito reciproco. Efectivamente, o coping focado no problema, diminui o medo, mas em consequência também a angústia gerada pelo mesmo, enquanto o coping focado na emoção diminui a angústia, aflição, facilitando o processo de o sujeito poder considerar o problema o mais calmamente possível. Por esta razão, segundo Lazarus (2006) o coping focado no problema e na emoção complementam-se um ao outro.
A personalidade descreve e determina de alguma forma como os indivíduos avaliam e enfrentam as experiências emocionais a que são expostos (Buckworth et al. 2013).
Os modelos biológicos da personalidade incluem os temperamentos de aproximação e de evitação, assim como os factores de extroversão, neuroticismo, agradabilidade, consciencialização e a abertura à experiência (estes são cinco factores de personalidade). Sugere-se, por isso, que os sistemas de aproximação e de evitação são, em parte, suportados por distintas áreas cerebrais e pela sensibilidade de cada sistema (o que varia entre pessoas) e que influencia o comportamento em resposta ao meio, sinalizando uma recompensa ou um ameaça iminente.
Uma meta-análise concluiu que o optimismo, a consciencialização e a abertura predizem um coping mais ajustado; o neuroticismo prediz um coping mais desajustado, assim como o optimismo, consciencialização e agradabilidade.
Psicologia positiva
A psicologia positiva, enquanto prática científica privilegia os aspectos positivos da vida humana, como felicidade, o bem-estar e a prosperidade. Nas palavras de Martin Seligman, ela define-se por procurar promover o melhor desempenho humano possível e para isso identifica e promove os factores facilitadores para que quer indivíduos que comunidades possa prosperar.
Entre os principais factores a serem desenvolvidos os proponentes da psicologia positiva apresentam as seguintes seis factores, ou forças de carácter: sabedoria ou conhecimento, coragem, humildade, justiça, temperança e transcendência. Inerente a cada uma delas há uma série de subfactores que na tradição judaico-cristã se reorganizam sete virtudes da tradição cristã: temperança (modéstia, autocontrolo); justiça (clareza e cidadania); coragem (força de alma e bravura); sabedoria prática e humanidade (caridade) e transcendência (esperança, fé) (Cloninger, 2005).
Até à data este momento, a investigação com base nesta perspectiva continua envolta em debates sobre vaiados aspectos. De qualquer forma a sua aplicação em estudos que visam promoção de estilos de vida saudável com base no exercício físico continuam a emergir na literatura de forma crescente.
Factores que influenciam os efeitos do exercício no afecto
O afecto varia em função de duas dimensões: 1- valência, que se refere ao significado que cada um atribui ao que sente, podendo ser interpretado como conforto ou desconforto em determinada situação; e a outra dimensão refere-se ao tom hedónico, isto é, a forma como o indivíduo sente a exposição afectiva vivenciada. Importa ter em consideração a intensidade de ambas, tal como vividas pelo sujeito. Estas duas dimensões são influenciadas por uma variedade de factores endógenos e exógenos Ramos e Bueno, 2012). Por exemplo, os sistemas de memória emocionais contêm conexões recíprocas, permitindo, assim, que as emoções possam activar memórias ou pensamentos, relativos a vivências passadas que podem activar respostas emocionais armazenadas. O que determina o afecto é diferente do que determina o humor e a emoção. Os factores tidos como os mais importantes para influenciar o humor, foram organizados em quatro tipos principais:
· Factores exógenos - podem ser condições transitórias no ambiente, tais como uma série de dias chuvosos ou nova música em uma aula de aeróbica;
· Ritmos endógenos - incluem processos biológicos inatos que estão associados com um período natural no estado de espírito, tais como o ciclo menstrual;
· Características e temperamento - referem-se à tendência geral que as pessoas têm para experimentar estados de humor positivos ou negativos em níveis específicos de intensidade;
· Características de variabilidade – descrevem as diferenças de estabilidade individual na magnitude das flutuações de humor.
O Humor pode ser alterado por emoções intensas e repetidas numa elevada frequência ao longo do tempo, como por exemplo uma chamada surpresa de um colega antigo, seguindo-se uma melhoria significativa no humor negativo como resultado de uma longa conversa com esse amigo. Os estados de humores são também alterados por mudanças psicológicas, comportamentais e como resultados dos efeitos de droga, falta de sono e prática de exercício físico. Por exemplo, Gauvin, Rejeski e Reboussin (2000) constataram a existência de alterações nos estados afectivos das mulheres ao longo do dia, nomeadamente ao nível da revitalização e sentimentos de tranquilidade. Face a estes resultados os autores concluíram que a actividade física influencia a variação diurna dos estados afectivos.
Os efeitos do exercício no humor podem ser influenciados por variáveis pessoais, situacionais e da tarefa, como são o tipo de exercício e a intensidade do mesmo. Também o afecto, o humor e a emoção são sensíveis à variedade de factores de ordem pessoal, como a saúde (afectos negativos por doença ou alergias), hormonas e percepções
Existem evidências que a auto-eficácia relativamente ao exercício físico tem efeitos positivos no estado de humor, argumentando-se que uma elevada auto-eficácia tende a estar associada a um estado de humor positivo quer antes, quer durante e mesmo depois da sessão de prática de exercício físico.
A prática do exercício físico é outra variável pessoal que tem sido sugerida como um factor moderador nos efeitos do exercício sobre o afecto, bem como na importância da regulação do humor como um agente motivador para a prática do exercício físico. A literatura relata que as pessoas que se exercitam mais vezes tendem a ser as que pontuam mais alto quanto ao melhoramento do humor, em comparação aos que não pratica ou que só o começaram a fazer muito recentemente.
Os factores situacionais que influenciam o afecto incluem as variáveis do ambiente físico e do ambiente social. Estudos em condições laboratoriais podem contribuir para melhor controlar os efeitos situacionais que confundem a compreensão relativamente à influência do exercício sobre o humor. Ambientes sociais podem interagir através de uma diversidade de variáveis pessoais e de tarefas que influencia as respostas afectivas e o humor.
As características do exercício que podem influenciar a resposta afectiva incluem a intensidade, a duração e o modo. O exercício físico em si mesmo aumenta a excitação com níveis crescentes de intensidade, consequentemente resultando num aumento do afecto (Valência, ou hedónica). A duração do exercício também pode influenciar o humor, porém esta variável, e outras, não têm sido sistematicamente investigadas. A duração dos efeitos devem ser avaliados em função dos diferentes modos de exercitar, e os níveis de intensidade a que as amostras são expostas. Quer o modo como a intensidade do exercício são variáveis que influenciam o humor.
MECANISMOS
Berger e Molt (2000) propuseram que para optimizar um melhoramento do humor depois do exercício físico, esta deve ser agradável, de carácter aeróbico e não competitiva e deve ser realizada regularmente em ambiente fechado, sendo este previsível em espaço e em tempo, com intensidades moderadas durante pelo menos 20 minutos. No entanto, poucos estudos sobre os seres humanos têm manipulado tomando em consideração os factores sociais, psicológicos ou biológicos, para determinar os mecanismos que poderiam explicar os efeitos do exercício físico ou do exercício nas alterações de humor. A maior parte dos estudos em seres humanos, bem como os realizados em animais, para testar os mecanismos plausíveis, têm sido dirigidos para a compreensão dos efeitos dos humores específicos de ansiedade e da depressão.
Biológico
Em linhas gerais, a hipótese termogénica leva em consideração a elevação da temperatura corporal como um dos mecanismos envolvidos na melhoria do estado de humor, mas os efeitos são diferentes de pessoas para pessoas e há pouco apoio para que isto seja visto como um mecanismo válido. Craft e Perna (2004), recorrendo ao trabalho de DeVries em 1980, explicam, que os aumentos ligeiros de temperatura em regiões específicas do cérebro, tais como o tronco cerebral, podem levar a sentimentos de tranquilidade e ao relaxamento.
Segundo Dietrich (2003), a hipótese de hipo-frontalidade transitória especula que durante o exercício submáximo, a actividade neural é regulada negativamente nas áreas cerebrais não directamente envolvidas no controlo motor, como o córtex pré-frontal.
Werneck e colegas relataram que os estudos que relacionam os níveis de endorfina com as alterações psicológicas demonstraram resultados contraditórios. De 19 estudos analisados pelos autores, somente sete mostraram uma relação positiva entre o nível de endorfina e a melhoria do humor, sendo que quatro utilizaram a mensuração directa da endorfina; e três indirectamente pela naloxona (antagonista de receptores opióides). Até à data não se conseguiu demonstrar, de forma consistente, que o exercício físico tem um efeito inibidor na produção de catecolaminas. Estes resultados também levantam algumas reservas quanto às explicações de carácter biológico para o efeito terapêutico que o exercício tem nos casos de ansiedade.
Psicossocial
Apesar de existir mais apoio para explicações psicossociais quanto ao impacto do exercício físico na melhoria do humor, os efeitos são provavelmente gerados por uma interacção entre influências fisiológicas e psicológicas que são alterados como consequência do exercício.
A teoria de auto-eficácia propõe que a confiança de um indivíduo para se exercitar está fortemente relacionada com a sua capacidade para desempenhar essa tarefa. Quando assim é, o desempenho bem-sucedido do sujeito, na prática do exercício físico, pode levar a melhorias da auto-eficácia, e esta tende a estar inversamente associada à percepção do esforço, o que, favorece a melhoria do humor, através de uma maior percepção de autocontrolo. A longo prazo, estes ganhos também se fazem repercutir na melhoria do autoconceito.
Ainda no âmbito das teorias, a hipótese da distracção preconiza que esta ou a interrupção de um estímulo stressante como, por exemplo, a vida quotidiana seria o factor responsável pela melhoria do humor, e não necessariamente o exercício em si (Werneck, Filho, & Ribeiro, 2005). Por outras palavras, os autores propuseram que as melhorias no humor observadas em estudos anteriores não são o resultado das mudanças fisiológicas provocadas pelo exercício físico, mas sim o resultado da dimensão recreativa implícita na prática do exercício físico, em que a actividade física serviria de distracção das preocupações e problemas de vida diária vivenciada pelos participantes. Independentemente da teorização, o que se constata, na prática é que efectivamente o exercício físico tem um impacto terapêutico positivo no tratamento e no desencadear de emoções e na promoção de estados de humor positivos.
Em suma, as evidências acumuladas permitem estabelecer como benefícios psicológicos, resultantes do exercício físico, os seguintes:
· Maior estabilidade emocional e auto-suficiência;
· Aumento da sensação de bem-estar, euforia com aprimorado sentido de si, e maior valorização do mundo à sua volta;
· Diminuição da consciência dos sentimentos de medo, tensão, e irritabilidade;
· Distracção de preocupações e desânimo;
· Um efeito de combate na fadiga, depressão e confusão (Buckworth et al. 2013).
Perigos do exercício?
No que se refere à relação entre exercício físico e saúde, nem tudo é abonatório no que se refere à relação entre exercício físico e estados de humor, ou até de saúde em geral.
Neste trabalho, temos incidido sobre o afecto positivo e as melhorias do humor associados à prática de exercício físico. Uma excepção para os benefícios do exercício físico é o risco de humor perturbado, por vezes visto entre os atletas de endurance em regime de treino intenso ou de alta competição. Estes estados tendem a resultar de situações de treino muito intenso e por períodos prolongados sem o adequado repouso em que os eventuais ganhos do treino se tornaram nulos ou contraditórios ao desejado, graças à sobrecarga de treino. O exercício físico é nefasto sempre que aplicado em regime de treino que se mantém superior a um volume físico e psicológico ideal e nas intensidades adequadas aos objectivos temporalmente preestabelecidos para o desenvolvimento da época competitiva.
O exercício físico compulsivo, o atletismo compulsivo e a dependência de exercício são alguns dos termos que tendem a ser utilizados em conexão com uma rotina de exercícios que assume maior prioridade do que o trabalho, família, amigos, e funções sociais. Estes desvios ocorrem quando, por exemplo, a pessoa continua a exercitar-se apesar de estar lesionada e sempre que não se exercita vivencia/sente sérios sintomas de abstinência, tais como distúrbios de humor, ansiedade, culpa e depressão.
A vigorexia é outra classificação tem emergido na literatura e que já considerada como uma classificação ou diagnóstico no âmbito da saúde mental.
CONCLUSÃO
Como verificado ao longo do trabalho, o exercício físico proporciona vários benefícios, como por exemplo, a melhoria do humor e da auto-estima, o aumento da concentração, e dos quais resulta uma sensação geral de bem-estar. Contudo, é necessário ter em atenção a frequência e a intensidade do exercício, pois encontramos na literatura relatos que atletas de elite tendem a estar mais propensos para desenvolver estados depressivos do que os não praticantes. Também as características do meio envolvente (local, temperatura, etc. …) estão intimamente ligadas com as alterações do humor, pelo que será necessário tê-las em conta, na medição dos estados afectivos.
A maior parte dos estudos relatam melhorias nos estados afectivos como resultado da prática de exercício físico. No entanto, também se analisou durante a revisão do estudo que, os instrumentos utilizados, por vezes podem adoptar medidas pouco sensíveis para determinadas populações e/ou terem características (formação do questionário) que permitem uma menor sensibilidade em detectar estados de humor fidedignos. Em populações com algum transtorno alimentar, por exemplo, a melhoria do humor em decorrência do exercício físico, poderá estar associado com uma diminuição ou aumento do índice de massa corporal, o que leva a crer que as mudanças dos estados afectivos nem sempre são apenas associadas às mudanças fisiológicas e comportamentais, pós-exercício.
Referências
Arrantes, V. (2003). Afetividade na escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo, Brasil: Summus. Obtido em 03 de Março de 2015.
In The nature of emotions: Fundamental questions
Batson, C., Shaw, L., & Oleson, K. (1992). Differentiating affect, mood, and emotion: toward functionally based conceptual distinctions (pp 224-326). In M. Clark Emotion: Review of personality and Social Psychology, 13, Newberry Park, CA: Sage.
Berger, B., & Motl, R. (2000) Exercise and mood: A selective review and synthesis of research employing the profile of mood states, Journal of Applied Sport Psychology, 12(1), 69-2. DOI: 10.1080/104132000084 04214.
Buckworth, J., Dishman, R. K., O'connor, P., & Tomporowski, P. D. (2013). Exercise Psychology (2ª ed.). Illianois. Human Kinetics.
Carver, C., & Connor-Smith, J. (2010). Personality and coping. Annual Review of Psychology, 61, 679-704. Doi: 10.1146/annurev.psych.093008.100352.
Cloninger, C. (2005). Character strengths and virtues: A handbook and classification. American Journal of Psychiatry. 162(4), 820-821. Doi: 10.1176/appi.ajp. 162.4.820-a.
Craft, L., & Perna, F. (2004). The benefits of exercise for the clinically depressed. Primary Care Companion Journal Clinical Psychiatry, 6(3): 104–111. Dói: 10.4088/PCC.v06n0301.
Damasio, A, Grabowski, T., Bechara, A., Ponto, L., Parvizi, J., & Hichwa, R. (2000). Subcortical and cortical brain activity the feeling of self-generated emotions. Nat. Neurosci, 19, 1049-1056. Doi: 10.1038/79871.
Davidson, R. (2000). Cognitive neuroscience needs affective neuroscience (and vice versa). Brain and Cognition 42(1), 89-92. Doi: 10.1006/brcg. 1999.1170.
Dietrich, A. (2003). Functional neuroanatomy of altered states of consciousness: The transient hypofrontality hypopthesis. Consciusness and Cognition, 12, 231-256. Doi: 10.1016/S1053-8100(02)00046-6.
Garavan, H., Perdengrass, T., Ross, T., Stein, E. & Risinger, R. (2001). Amygdala response to both positively and negativily valences stimuli. Neuroreport, 12(2), 2779-2783. Doi: 10.1097/00001756-200108280-00036
Gauvin, L., Rejeski, W., & Reboussin, B. (2000). Contributions of acute bouts of vigourous physical activity to explain diurnal variations in feeling states in activie, middle-ages women. Health Psychology. 19(4), 365-375. Doi: 10.1037/0278-6133.19.4.365.
Lazarus, R. (2006). Emotions and interpersonal relationships: toward a person-centered conceptualization of emotions and coping. Journal of Personality, 74(1), 9-46. Doi: 10.1111/j.1467-6494. 2005.00368.x.
Murphy, F., Nimmo-Smith, I., & Lawrence, A. (2003). Functional anatomy of emotions: A meta-analysis. Cogn Affect Behav Neutroscienc. 33(3), 207-233. PMID: 14672157.
Phan, K., Wager, T., Taylor, S., & Liberzon, J. (2002). Functional neuroanatomy of emotion: A meta-analysis of emotion activiationstudies in PET and fMRI. Neuroimage, 16(2): 331-348. Doi: 10.1006/nimg.2002.1087.
Ramos, D. & Bueno, J. (2012). Emoções de uma escuta musical afetam a percepção subjetiva de tempo. Psicologia: Reflexão e Crítica, 25(2), 286-292. Doi: 10.1590/S0102-79722012000200010.
Werneck, F., Filho, M., & Ribeiro, L. (2005). Mecanismos de Melhoria do Humor após o Exercício: Revisitando a Hipótese das Endorfinas. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 13(2): 135-144.
Autor notes
José Vasconcelos-Raposo. Dep. Educação e Psicologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Q.ta de Prados, 5001-801 Vila Real, Portugal. E-mail: jvraposo@inesctec.pt