Resumo: A acelerada urbanização do município do Rio de Janeiro acarretou diversas desigualdades socioeconômicas. Essas desigualdades, refletidas espacialmente através de indicadores variados, ressaltam as condições das favelas em comparação com outras áreas da cidade. Neste trabalho focou-se nas cinco favelas que foram associadas a Regiões Administrativas (RAs): Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, Complexo da Maré e Cidade de Deus. Segundo ALEM (2010), as RAs visam o planejamento urbano, com enfoque em especificidades locais, tendo como objetivo apoiar a administração de serviços como educação, lazer, assistência social e saúde, totalizando 33 RAs. O objetivo deste trabalho consiste em analisar espacialmente indicadores de saúde pública nessas cinco RAs. Foram realizadas análises quanto à velocidade de mudanças e à variância dos indicadores estudados no período de 2000 a 2017. Objetiva ainda comparar os resultados obtidos com indicadores à nível nacional e mundial de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Palavras-chave:Saúde Pública, Favelas, Regiões Administrativas, Sistema de Informações Geográficas, Análise Espacial.
Abstract: The accelerated urbanization of the city of Rio de Janeiro led to diverse socioeconomic inequalities. These inequalities, spatially reflected through varied indicators, highlight the conditions of the favelas compared to other areas of the city. This work focused on the five favelas that were associated with Administrative Regions (RAs): Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, Complexo da Maré and Cidade de Deus. According to ALEM (2010), the RAs aim at urban planning, focusing on local specificities, aiming to support the administration of services such as education, leisure, social assistance and health, totaling 33 RAs. The objective of this study is to analyze public health indicators in these five RAs. Analyses were carried out on the speed of changes and the variance of the indicators studied from 2000 to 2017. It also aims to compare the results obtained with indicators at the national and world level according to the parameters established by the United Nations.
Keywords: Public health, Shanty town, Administrative Regions, Geographic Information System, Spatial Analyst.
Résumé: La trop rapide urbanisation dans la ville de Rio de Janeiro a entraîné plusiers disparité socioéconomiques. Ces inégalités, reflétées spatialement par des indicateurs variés, mettent en évidence les conditions des favelas par rapport à d’autres quartiers de la ville. Ce travail a été axé sur les cinq favelas associées aux régions administratives (RA): Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, Complexo da Maré et Cidade de Deus. Selon ALEM (2010), les RAs ont pour objectif la planification urbaine, en se concentrant sur les spécificités locales, en vue de soutenir l'administration de services tels que l'éducation, les loisirs, l'assistance sociale et la santé, totalisant 33 autorités de réglementation. L’objectif de cette étude est d’analyser les indicateurs de santé publique dans ces cinq RA. Des analyses ont été effectuées sur la vitesse des changements et la variance des indicateurs étudiés de 2000 à 2017. Elle vise également à comparer les résultats obtenus avec des indicateurs aux niveaux national et mondial selon les paramètres établis par les Nations Unies.
Mots clés: Santé publique, Bidonville, Régions administratives, Système d’Information Géographique, Analyse Spatiale.
ARTIGOS
CARACTERIZAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DE INDICADORES DE SAÚDE PÚBLICA DOS PRINCIPAIS COMPLEXOS DE FAVELAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
Recepção: 20 Novembro 2019
Aprovação: 21 Dezembro 2020
Ao longo do século XX, a urbanização do município do Rio de Janeiro ocorreu de forma intensa e acelerada. A consequente expansão das áreas de ocupação urbana gerou diversas desigualdades socioeconômicas que refletem no espaço até os dias atuais. Esses fatores se somam às segregações socioespaciais que, segundo SOUZA (2001), foram ocasionadas pelas políticas de planejamento urbano empregadas ao longo da história do município. Tais desigualdades são refletidas na organização interna da cidade e na presença, como no caso do Rio de Janeiro, de favelas.
Essas áreas, com elevados índices de desigualdades socioeconômicas, sofrem com o déficit de serviços básicos e de infraestrutura. Frente a sua forte demanda por tais serviços e por infraestrutura, essas feições urbanas apontam indicadores diferenciados, como é o caso dos de saúde.
Segundo o World Health Statistics (2018), publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), menos da metade da população mundial tem acesso aos serviços básicos de saúde. No relatório consta que cerca de 13 milhões de pessoas morreram em 2016 por doenças respiratórias crônicas, cardiovasculares, câncer e diabetes, antes mesmo de atingir os 70 anos, e que 15 mil crianças morreram com menos de 5 anos. A maior parte é de países de média e baixa renda, como o Brasil. Além disso, o Brasil é o país das Américas que mais necessita de intervenções contra doenças tropicais negligenciadas, como dengue, leishmaniose, hanseníase, raiva e doença de Chagas.
De acordo com o relatório, em 2015 a taxa de mortalidade materna (a cada 100.000 nascidos vivos) foi de 14% nos Estados Unidos e, em média, entre 3 e 7% em países como Canadá, Grécia, Espanha, Itália e Japão. No Brasil esta taxa foi de 44% e na faixa de 50 a 65% na Colômbia, no Iraque e na Argentina. Em 2016, a taxa de mortalidade infantil (a cada 1.000 nascidos vivos) em países como Finlândia, Itália, Espanha, Portugal e Alemanha não chega a 4, e valores entre 4.9 e 6. no Canadá e nos Estados Unidos. No Brasil, a taxa foi de 15.1, bem como em outros países da América do Latina, como Paraguai e Equador, onde o índice alcança 20. Ambas estatísticas demonstram a relação entre países mais pobres e taxas maiores de mortalidade, ilustrando como os indicadores de saúde também podem ser utilizados como indicadores de desigualdade.
As favelas podem se tornar tão expressivas ao ponto de serem reconhecidas como bairros, tanto pela população quanto pelos órgãos públicos. Para além disso, existem casos em que as favelas podem se tornar Regiões Administrativas (RA). As Regiões Administrativas (RAs) do município do Rio de Janeiro foram criadas no contexto da criação do Estado da Guanabara (1960 a 1975), mais especificamente no governo de Carlos Lacerda. As RAs surgiram sob justificativa de “Coordenação dos Serviços Locais” que se fazia necessária perante a reorganização que a criação da cidade-estado exigia. Desta forma, foram criadas em caráter experimental, a partir do decreto 353 de 30 de janeiro de 1961, visando "uma maior eficiência no atendimento à população, tanto no âmbito dos serviços de educação, saúde, assistência social e recreação, quanto nos serviços do Departamento de Abastecimento da Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio" (ALEM, 2010, p.3).
As três primeiras RAs (São Conrado, Campo Grande e Lagoa) deram lugar às atuais 33 RAs, como mostram os mapas de evolução das RAs do município (Figura 1), dentre elas as favelas Rocinha (RA27), Jacarezinho (RA28), Complexo do Alemão (RA29), Complexo da Maré (RA30) e Cidade de Deus (RA33). As quatro primeiras foram criadas em 1986 (Decreto 6011) e delimitadas entre 1988 e 1993. A Cidade de Deus foi criada e delimitada posteriormente, em 1998 (Decreto 2652).
O objetivo principal deste trabalho é analisar espacialmente a situação dos indicadores de saúde pública nestas 5 RAs, elaborando cartogramas quanto à variação dos indicadores de saúde no tempo e no espaço. A análise dos dados obtidos comparou as RAs em questão, assim como a situação perante o entorno no qual cada uma está inserida para avaliar se há algum tipo de correlação entre as áreas/dados/resultados. Por fim, este trabalho visa comparar os indicadores de saúde a nível mundial, de acordo com o parâmetro definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Índice de Progresso Social (IPS), para uma melhor compreensão do contexto global no qual a população dessas regiões está inserida
O recorte de área de estudo, na escala de análise das Regiões Administrativas, foca nas favelas Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, Complexo da Maré e Cidade de Deus (Figura 2). As RAs Jacarezinho, Complexo do Alemão e Complexo da Maré estão localizadas na Zona Norte e na Área de Planejamento 3 (AP3), a RA Cidade de Deus se encontra na Zona Oeste e na AP4 e a RA Rocinha na Zona Sul e na AP2.
O Jacarezinho surge ao longo da década de 1920 por conta das indústrias que se fixaram próximas a Avenida Dom Hélder Câmara e que urbanizaram o Jacaré, ao mesmo tempo em que surgia a favela no bairro (THIAGO, 2003, p. 2). O crescimento da favela acompanhou o aumento na quantidade de indústrias do bairro, de forma que a maior parte dos moradores trabalhava em alguma dessas fábricas. Em 2010, segundo o DataRio, a área apresentava uma população de 37.839 habitantes, com crescimento de 3.79% em 10 anos.
A favela da Rocinha surge na década de 1930, com a fixação de espanholas cultivando pequenas roças (LEITÃO, 2007), nas proximidades da Avenida Niemeyer. Segundo o Armazém de Dados do Instituto Pereira Passos (DataRio), em 2010 a Rocinha possuía cerca de 69.352 habitantes considerando um crescimento populacional de 23% perante 2000. Todavia, a Associação de Moradores discorda deste dado demográfico e calcula a presença de mais de 200.000 moradores na favela.
O Complexo da Maré surge na década de 1940, mediante a construção da Avenida Brasil em 1946 (VAZ, 1994), com a industrialização da cidade e, como as áreas do subúrbio já contavam com a atuação da especulação imobiliária, a parcela pobre da população se alojou nas encostas e nas áreas alagadas próximas à Baía de Guanabara, como a Maré. Em 2010, de acordo com o DataRio, a favela abrigava 129.770 habitantes, expressando um crescimento de 14,03% quando comparada a 2000.
De acordo com o site, em 1951 o alemão Leonard Kaczmarkiewicz, conhecido e apelidado conforme sua nacionalidade, decide vender suas terras localizadas na Serra da Misericórdia em lotes, iniciando a ocupação do Complexo do Alemão (LOPES, 2016). Cerca de 60 anos depois, o Complexo possuía 69.141 habitantes, com crescimento de 6.33% em 10 anos segundo o DataRio.
De acordo com Zaluar (2007), a Cidade de Deus surge na década de 1960 quando, em 1966, eventos catastróficos de chuvas e consequentes enchentes no município antecipam a chegada das pessoas de baixa renda aos conjuntos habitacionais da Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara (COHAB – GB), similar ao recente programa Minha Casa Minha Vida. Segundo o DataRio, em 2010 a favela contava com 37.370 habitantes, apresentando um crescimento populacional de 5.56%.
A densidade domiciliar em todas as cinco RAs compreendidas neste estudo é mais elevada do que a média do município em 2000 (3,2 hab/km²) e 2010 (2,9 hab/km²), demonstrando que, em média, há mais pessoas por domicílio nessas RAs do que no restante do município. O rendimento nominal masculino em todas as RAs é menor que a metade da média do município em 2000 (R$ 589,36) e 2010 (R$ 1.264,38), assim como o rendimento nominal feminino nas RAs também é menor que a metade do município em 2000 (R$ 252,59) e 2010 (R$ 677,86), reafirmando a intensa desigualdade socioeconômica e sócio-espacial.
A metodologia do trabalho foi dividida em três partes, sendo o primeiro passo a aquisição de dados. A malha digital com os limites das RAs e dos bairros do Rio de Janeiro foi adquirida na plataforma eletrônica do Instituto Pereira Passos (IPP). No DataSUS foram obtidos os seguintes dados secundários de saúde: mortalidades materna e infantil, por doenças infecciosas, por desnutrição e por suicídio, compreendendo os anos entre 2000 e 2017. Seriam utilizados, também os dados, de mesmo recorte temporal, referentes à mortalidade por armas de fogo e mortalidade neonatal, contudo, ao longo da pesquisa, tais dados foram retirados do site. Por fim, através das plataformas eletrônicas da Organização das Nações Unidas (ONU) e do IPP, foram adquiridos dados, artigos e pesquisas referentes ao Índice de Progresso Social (IPS), que foi utilizado para obter um panorama comparativo entre as RAs estudadas e em relação aos níveis nacional e global.
O IPS é um parâmetro internacional criado pela ONU que adota 54 indicadores sociais, econômicos e ambientais, categorizados em Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos de Bem-Estar e Oportunidades. Contudo, a categoria Oportunidades não se encontra neste trabalho, visto que nenhum dos indicadores que a compõem o cálculo foram utilizados como parâmetros a serem analisados nesta etapa inicial da pesquisa.
Ressalta-se a dificuldade na aquisição de dados mais detalhados espacialmente no âmbito da saúde. A maioria dos dados disponíveis eram georreferenciados por município ou não seguiam uma sequência temporal abrangente, sendo insuficientes para uma análise espacial das favelas em questão. Com isso, somente no DataSUS foram encontrados dados secundários de saúde segmentados por bairros do município do Rio de Janeiro. Tais dados foram trabalhados fomentando as análises espaciais.
As etapas metodológicas empregadas neste trabalho são dispostas na Figura 3, apresentada a seguir, para melhor compreensão.
A análise da velocidade das mudanças dos indicadores é a taxa de crescimento dos dados em um dado recorte temporal, utilizado em trabalhos como de Hermuche, P. (2013). Através dessa taxa é possível observar o quanto a variável aumentou ou reduziu em um determinado recorte temporal. Sendo assim, o valor final é subtraído do valor inicial cujo resultado é dividido pelo período de tempo analisado em anos., como mostra a fórmula a seguir:
vel =X2 -x1 ___________ T
A análise de variância é uma medida que possibilita averiguar o comportamento dos dados e as mudanças ocorridas ao longo do recorte temporal, podendo-se observar quão dispersos estatisticamente estão os dados. Esta medida de dispersão é determinada a partir da soma dos quadrados dos desvios padrões de cada dado quando comparados à média, divididos pelo total de anos estudados, como mostra a fórmula a seguir:
Var = (x1 – x)² + (x2 – x)² + (x3 – x)² + ... + (xn – x)² _____________________________________________________ n
236 Continentes – Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia e do Departamento de Geociências 2317-8825 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Brasil continentes@gmail.com Revista Continentes 2019 Atribución (CC BY) 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ 236987007 ARTIGOS CARACTERIZAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DE INDICADORES DE SAÚDE PÚBLICA DOS PRINCIPAIS COMPLEXOS DE FAVELAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO Rita Maria Cupertino Bastos rita_cuper@hotmail.com Graduanda em Geografia Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Brasil Felipe Gonçalves Amaralf.g.amaral19@gmail.comDoutorando em Geografia Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Brasil Paula Maria Moura deAlmeidaalmeida.pmm@gmail.comPós-Doutoranda em Geografia Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Brasil Carla Bernadete MadureiraCruzcarlamad@gmail.comProfessora Dra. Titular do Departamento de Geografia Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Brasil 20 11 2019 21 12 2020 July-December 2019 8 15 131 158 A acelerada urbanização do município do Rio de Janeiro acarretou diversas desigualdades socioeconômicas. Essas desigualdades, refletidas espacialmente através de indicadores variados, ressaltam as condições das favelas em comparação com outras áreas da cidade. Neste trabalho focou-se nas cinco favelas que foram associadas a Regiões Administrativas (RAs): Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, Complexo da Maré e Cidade de Deus. Segundo ALEM (2010), as RAs visam o planejamento urbano, com enfoque em especificidades locais, tendo como objetivo apoiar a administração de serviços como educação, lazer, assistência social e saúde, totalizando 33 RAs. O objetivo deste trabalho consiste em analisar espacialmente indicadores de saúde pública nessas cinco RAs. Foram realizadas análises quanto à velocidade de mudanças e à variância dos indicadores estudados no período de 2000 a 2017. Objetiva ainda comparar os resultados obtidos com indicadores à nível nacional e mundial de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). The accelerated urbanization of the city of Rio de Janeiro led to diverse socioeconomic inequalities. These inequalities, spatially reflected through varied indicators, highlight the conditions of the favelas compared to other areas of the city. This work focused on the five favelas that were associated with Administrative Regions (RAs): Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, Complexo da Maré and Cidade de Deus. According to ALEM (2010), the RAs aim at urban planning, focusing on local specificities, aiming to support the administration of services such as education, leisure, social assistance and health, totaling 33 RAs. The objective of this study is to analyze public health indicators in these five RAs. Analyses were carried out on the speed of changes and the variance of the indicators studied from 2000 to 2017. It also aims to compare the results obtained with indicators at the national and world level according to the parameters established by the United Nations. La trop rapide urbanisation dans la ville de Rio de Janeiro a entraîné plusiers disparité socioéconomiques. Ces inégalités, reflétées spatialement par des indicateurs variés, mettent en évidence les conditions des favelas par rapport à d’autres quartiers de la ville. Ce travail a été axé sur les cinq favelas associées aux régions administratives (RA): Rocinha, Jacarezinho, Complexo do Alemão, Complexo da Maré et Cidade de Deus. Selon ALEM (2010), les RAs ont pour objectif la planification urbaine, en se concentrant sur les spécificités locales, en vue de soutenir l'administration de services tels que l'éducation, les loisirs, l'assistance sociale et la santé, totalisant 33 autorités de réglementation. L’objectif de cette étude est d’analyser les indicateurs de santé publique dans ces cinq RA. Des analyses ont été effectuées sur la vitesse des changements et la variance des indicateurs étudiés de 2000 à 2017. Elle vise également à comparer les résultats obtenus avec des indicateurs aux niveaux national et mondial selon les paramètres établis par les Nations Unies. Saúde Pública Favelas Regiões Administrativas Sistema de Informações Geográficas Análise Espacial Public health Shanty town Administrative Regions Geographic Information System Spatial Analyst Santé publique Bidonville Régions administratives Système d’Information Géographique Analyse Spatiale Introdução Ao longo do século XX, a urbanização do município do Rio de Janeiro ocorreu de forma intensa e acelerada. A consequente expansão das áreas de ocupação urbana gerou diversas desigualdades socioeconômicas que refletem no espaço até os dias atuais. Esses fatores se somam às segregações socioespaciais que, segundo SOUZA (2001), foram ocasionadas pelas políticas de planejamento urbano empregadas ao longo da história do município. Tais desigualdades são refletidas na organização interna da cidade e na presença, como no caso do Rio de Janeiro, de favelas. Essas áreas, com elevados índices de desigualdades socioeconômicas, sofrem com o déficit de serviços básicos e de infraestrutura. Frente a sua forte demanda por tais serviços e por infraestrutura, essas feições urbanas apontam indicadores diferenciados, como é o caso dos de saúde. Segundo o World Health Statistics (2018), publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), menos da metade da população mundial tem acesso aos serviços básicos de saúde. No relatório consta que cerca de 13 milhões de pessoas morreram em 2016 por doenças respiratórias crônicas, cardiovasculares, câncer e diabetes, antes mesmo de atingir os 70 anos, e que 15 mil crianças morreram com menos de 5 anos. A maior parte é de países de média e baixa renda, como o Brasil. Além disso, o Brasil é o país das Américas que mais necessita de intervenções contra doenças tropicais negligenciadas, como dengue, leishmaniose, hanseníase, raiva e doença de Chagas. De acordo com o relatório, em 2015 a taxa de mortalidade materna (a cada 100.000 nascidos vivos) foi de 14% nos Estados Unidos e, em média, entre 3 e 7% em países como Canadá, Grécia, Espanha, Itália e Japão. No Brasil esta taxa foi de 44% e na faixa de 50 a 65% na Colômbia, no Iraque e na Argentina. Em 2016, a taxa de mortalidade infantil (a cada 1.000 nascidos vivos) em países como Finlândia, Itália, Espanha, Portugal e Alemanha não chega a 4, e valores entre 4.9 e 6. no Canadá e nos Estados Unidos. No Brasil, a taxa foi de 15.1, bem como em outros países da América do Latina, como Paraguai e Equador, onde o índice alcança 20. Ambas estatísticas demonstram a relação entre países mais pobres e taxas maiores de mortalidade, ilustrando como os indicadores de saúde também podem ser utilizados como indicadores de desigualdade. As favelas podem se tornar tão expressivas ao ponto de serem reconhecidas como bairros, tanto pela população quanto pelos órgãos públicos. Para além disso, existem casos em que as favelas podem se tornar Regiões Administrativas (RA). As Regiões Administrativas (RAs) do município do Rio de Janeiro foram criadas no contexto da criação do Estado da Guanabara (1960 a 1975), mais especificamente no governo de Carlos Lacerda. As RAs surgiram sob justificativa de “Coordenação dos Serviços Locais” que se fazia necessária perante a reorganização que a criação da cidade-estado exigia. Desta forma, foram criadas em caráter experimental, a partir do decreto 353 de 30 de janeiro de 1961, visando "uma maior eficiência no atendimento à população, tanto no âmbito dos serviços de educação, saúde, assistência social e recreação, quanto nos serviços do Departamento de Abastecimento da Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio" (ALEM, 2010, p.3). As três primeiras RAs (São Conrado, Campo Grande e Lagoa) deram lugar às atuais 33 RAs, como mostram os mapas de evolução das RAs do município (Figura 1), dentre elas as favelas Rocinha (RA27), Jacarezinho (RA28), Complexo do Alemão (RA29), Complexo da Maré (RA30) e Cidade de Deus (RA33). As quatro primeiras foram criadas em 1986 (Decreto 6011) e delimitadas entre 1988 e 1993. A Cidade de Deus foi criada e delimitada posteriormente, em 1998 (Decreto 2652). O objetivo principal deste trabalho é analisar espacialmente a situação dos indicadores de saúde pública nestas 5 RAs, elaborando cartogramas quanto à variação dos indicadores de saúde no tempo e no espaço. A análise dos dados obtidos comparou as RAs em questão, assim como a situação perante o entorno no qual cada uma está inserida para avaliar se há algum tipo de correlação entre as áreas/dados/resultados. Por fim, este trabalho visa comparar os indicadores de saúde a nível mundial, de acordo com o parâmetro definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Índice de Progresso Social (IPS), para uma melhor compreensão do contexto global no qual a população dessas regiões está inserida
Nesta segunda etapa do trabalho, o uso do programa Excel fez-se necessário para o cálculo das variáveis a serem analisadas espacialmente com base temporal e para a organização dos dados obtidos. O programa ArcGIS 10.3 foi usado para fazer a relação entre as tabelas de atributos com a base territorial de bairros e de RAs através da ferramenta “dissolve” (agrupamento), visto que o recorte espacial adotado neste trabalho é RA e os dados obtidos através do DataSUS estavam segmentados em bairros.
Os 5 mapas de variância foram categorizados somente por indicadores de saúde. A análise da velocidade de mudanças gerou, ao todo, 85 mapas, num período de 17 anos, o que tornou inviável a análise de todos os mapas individualmente, sendo necessária a sintetização das informações. Desta forma, os mapas foram divididos por indicador de saúde e por período de tempo, sendo agrupados em períodos de cinco anos (2000-2005, 2005-2010 e 2010-2015). Gerou-se, ainda, um quarto grupo referente ao período temporal 2015-2017, visando um panorama mais atual sobre os indicadores de saúde.
Gráficos foram gerados com base em uma estimativa da população utilizando dados do Censo Demográfico do IBGE (2000 e 2010), como mostra a fórmula abaixo:
(Valor Absoluto da mortalidade x 100.000 hab) ___________________________________________ População Estimada
O cálculo foi aplicado aos cinco indicadores utilizados, visando uma melhor representação visual dos resultados bem como uma forma de apresentar os valores absolutos das RAs analisadas. Contudo, objetivando uma melhor visualização e comparação, os dados foram trabalhados em médias trienais por 100.000 habitantes (2000-2002, 2003-2005, 2006-2008, 2009-2011, 2012-2014, 2015-2017).
No que tange aos resultados, os mapas de velocidade e de variância trabalharam com os indicadores mortalidade por desnutrição, mortalidade por doenças infecciosas, mortalidade infantil, mortalidade materna e mortalidade por suicídio. Tais mapeamentos possibilitaram uma melhor visualização espacial das variáveis ao longo dos recortes temporais analisados.
Os gráficos de média trienal possibilitaram compreender a oscilação das mudanças, sendo crescentes ou decrescentes, ao longo dos períodos temporais analisados. Não obstante, a partir de estudos referentes ao IPS, tendo como base de dados o IPP e a ONU, foram realizadas ainda comparações visando uma análise em escalas local, nacional e mundial.
Os mapas de velocidade permitiram observar o crescimento dos indicadores de saúde no período temporal em que foram agrupados, além de possibilitar a comparação entre as cinco RAs em questão e com o entorno no qual as mesmas estão inseridas. Nos mapas, a legenda indica em tons de verde a redução do indicador analisado (onde tons mais escuros indicam uma redução maior), enquanto que os tons de rosa representam um aumento do indicador (inversamente, os tons mais escuros refletem um aumento maior).
Considerando o indicador mortalidade por desnutrição pode-se observar que no período 2000-2005, todas as RAs apresentaram um pequeno aumento, bem como o seu entorno, com exceção da Cidade de Deus que apresentou uma pequena redução. Contudo, no período 2010-2015, todas as RAs apresentaram um aumento elevado, exceto o Jacarezinho que obteve um leve aumento. No período mais recente (2015-2017), o quadro de crescimento se inverte constando uma pequena redução em todas as RAs, com exceção da Rocinha que demonstra um leve aumento. Jacarezinho e Maré apresentaram um comportamento similar de crescimento da taxa até 2015, quando apresentam uma pequena redução. Vale ressaltar que a Rocinha foi a única dentre as demais que manteve um mesmo padrão de comportamento ao longo de todos os períodos analisados, com o aumento da mortalidade por desnutrição.
O mapa apresentado na Figura 4 mostra a distribuição espacial da mortalidade por desnutrição no recorte adotado para este estudo (as cinco RAs de favela e seus respectivos entornos).
Para o indicador mortalidade por doenças infecciosas, Rocinha e Jacarezinho apresentam redução no primeiro período de análise (2000-2005). No período 2005-2010, somente a Rocinha apresenta uma redução enquanto o Complexo do Alemão, o Complexo da Maré e a Cidade de Deus apresentam um aumento elevado da mortalidade. O Complexo do Alemão e o Complexo da Maré ilustram quadros semelhantes ao indicarem crescimento deste indicador até 2015, quando, então, apresentam uma baixa redução até 2017. Além disso, no período 2015-2017, somente a Rocinha apresenta um baixo aumento (Figura 5).
Para a mortalidade infantil, no período 2000-2005, todas as RAs apresentam crescimento, sendo Rocinha, Complexo do Alemão e Cidade de Deus com um elevado aumento. O Complexo do Alemão e o Complexo da Maré demonstram, novamente, um quadro similar ao apontarem o crescimento do indicador até 2015, quando apresentam uma baixa redução e uma redução elevada, respectivamente. Enquanto isso, a Cidade de Deus e a Rocinha apontam um comportamento semelhante entre si porém inverso ao dos Complexos, no qual apresentam um aumento elevado inicialmente, no período 2000-2005, e nos períodos seguintes demonstram uma redução até 2015, quando ambas voltam a apresentar um crescimento na taxa de mortalidade infantil, como mostram os mapas da Figura 6.
Da mesma forma observada em indicadores anteriores, com relação a mortalidade materna, os Complexos do Alemão e da Maré apresentaram caráter semelhante neste indicador, no qual apontam crescimento da mortalidade até 2015 e redução no período 2015-2017. Da mesma forma que o indicador anterior, a Cidade de Deus se opõe a este comportamento dos Complexos, ilustrando um quadro de redução do indicador até 2015, quando apresenta um baixo aumento no período 2015-2017. Com relação ao entorno, nos períodos 2005-2010 e 2010-2015, observa-se um quadro majoritário de baixa redução da mortalidade infantil (Figura 7).
Por fim, para mortalidade por suicídio, no período 2000-2005, todas as RAs apresentam um quadro de redução enquanto a Rocinha, ao contrário, demonstra um aumento elevado. Já no período 2010-2015, este indicador apresentou um leve aumento em todas as RAs, com exceção da Rocinha que apresentou uma baixa redução após dois períodos seguidos de aumento elevado. No período 2015-2017, apenas o Complexo da Maré demonstra uma redução na taxa de suicídio. A Cidade de Deus e o Jacarezinho apresentaram um comportamento semelhante em que nos dois primeiros períodos ocorre uma redução no indicador e nos dois últimos períodos um aumento (Figura 8).
A Rocinha, além de apresentar crescimento da mortalidade por desnutrição em todos os períodos analisados, demonstrou quadros de crescimento de todos os índices de mortalidade nos períodos 2000-2005 e 2015-2017. Sendo assim, foi a única RA que apresentou tais quadros em ambos os períodos citados.
Os Complexos do Alemão e da Maré apresentaram um comportamento bastante semelhante. No recorte 2000-2005, ambos demonstraram crescimentos em todas as taxas, com exceção da mortalidade por suicídio. No período 2010-2015 todos os indicadores aumentaram. No recorte 2005-2010, todos os indicadores se elevaram exceto a mortalidade por desnutrição no Complexo do Alemão, que apresentou uma baixa redução. De 2015 para 2017, a redução permaneceu em todos os indicadores, à exceção da mortalidade por suicídio que continuou com o aumento no Complexo do Alemão.
O Complexo da Maré revelou comportamentos diferenciados. Dessa forma, foi a única RA que obteve um período temporal apenas com aumentos elevados (2005-2010) e que apresentou dois períodos consecutivos de crescimento de todas as mortalidades (2005-2010 e 2010-2015). Além disso, no que se refere ao período 2015-2017, todos os indicadores reduzem, sendo assim a única RA a atingir esse comportamento de redução dos cinco indicadores em um mesmo recorte temporal.
Com relação à Cidade de Deus, no período 2000-2005 somente mortalidade infantil não reduziu. No período 2005-2010, apenas a mortalidade por doenças infecciosas não apresentou uma redução. Todavia, essa RA foi a que mais apresentou reduções elevadas, somando cinco reduções elevadas. Em contrapartida, o Complexo da Maré foi a que demonstrou a maior quantidade de aumentos elevados, totalizando dez aumentos elevados.
A mortalidade por desnutrição apresentou um aumento elevado em todas as RAs no período 2010-2015 enquanto que a mortalidade infantil apresentou o mesmo quadro, porém no período 2000-2005. Além disso, em um contexto geral de análise do entorno das RAs, ambas taxas aumentam em todos os períodos examinados.
Os gráficos de média trienal possibilitaram uma melhor comparação temporal em relação aos mapas de velocidade, visto que possuem um menor agrupamento dos anos analisados. Além disso, auxiliou na percepção de padrões de comportamento entre e intra RAs, como crescimento, decréscimo e estabilidade dos indicadores de saúde utilizados.
Os valores presentes no gráfico (Figura 9) possibilitam observar que Jacarezinho e Cidade de Deus possuem comportamento oposto de 2003-2005 até o final. Os Complexos da Maré e do Alemão começam com 0 mortalidades e, ao final, todas as favelas possuem praticamente a mesma taxa de mortalidade.
De acordo com o gráfico (Figura 10), Maré e Alemão começam em 2000-2002 com os menores valores (próximos de 0) e aumentam gradativamente até 2015-2017, quando atingem entre 10 e 15 mortalidades, à exceção entre 2009-2011 e 2012-2014 em que o Alemão apresenta uma redução. Entre 2000-2002 e 2003-2005, Rocinha e Jacarezinho iniciam de forma estável e reduzindo, respectivamente. Contudo, até 2015-2017, apresentam comportamentos opostos, mas que, culminam num mesmo valor final de 15 mortalidades. Com relação à Cidade de Deus, tanto no início da análise quanto no final, apresenta o maior valor dentre as demais, além de, apesar de oscilações, terminar em torno de 35 mortalidades, mesmo valor do início.