ARTIGOS CIENTÍFICOS
A importância das concepções acerca da formação e prática docente por professores que ensinam matemática
The importance of conceptions about teacher training and practice by teachers who teach mathematics
La importancia de las concepciones sobre la formación y la práctica de los profesores que enseñan matemáticas
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 20, e023082, 2023
Recepção: 12 Maio 2022
Aprovação: 22 Dezembro 2022
Publicado: 01 Janeiro 2023
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo geral contribuir para a compreensão das concepções sobre formação e prática docente por professores que ensinam Matemática (licenciados em Matemática e em Pedagogia) como subsídio para discussões ao campo da Educação Matemática. Para tanto, elenca-se os seguintes objetivos específicos: (i) a compreensão de concepção e crença (ii) o que as pesquisas sobre a concepção de professores que ensinam Matemática revelam e (iii) como a compreensão da concepção de professores que ensinam Matemática sobre sua formação e prática docente podem oferecer subsídios para futuras discussões para o campo de pesquisa. De abordagem qualitativa e por meio de Análise do Conteúdo, busca-se alcançar os objetivos previstos. A partir do referencial teórico, apresenta-se como resultado a relevância em se compreender como pensam e em que acreditam os professores que ensinam Matemática e a possibilidade em se propor reflexões relacionadas ao que se ensina, como se ensina e a quem se ensina. Conhecer suas concepções permite entender de que maneira elas interferem no ensino e aprendizagem dos alunos, bem como possibilita trabalhar com o professor um (re)pensar sobre sua prática. Assim sendo, o estudo das concepções torna-se imprescindível a todos que, direta ou indiretamente, estão ligados ao processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Nesse contexto, examinar as concepções de professores é buscar seus entendimentos nessa relação de ensino e aprendizagem matemática com vistas a propor ações que garantam uma prática mais eficiente do ponto de vista dos conhecimentos e saberes relacionados à Matemática e seu ensino.
Palavras-chave: Concepções, Crenças, Professores que ensinam Matemática.
Abstract: The general objective of the present work is to contribute to the understanding of the conceptions about training and teaching practice by teachers who teach Mathematics (Mathematics and Pedagogy graduates) as a subsidy for discussions in the field of Mathematics Education. To this end, the following specific objectives are listed: (i) the understanding of conception and belief (ii) what research on the conception of teachers who teach Mathematics reveals and (iii) how the understanding of the conception of teachers who teach Mathematics about their training and teaching practice can offer subsidies for future discussions for the research field. From a qualitative approach and through Content Analysis, it is sought to achieve the intended objectives. Based on the theoretical framework, the result is the relevance of understanding how teachers who teach mathematics think and what they believe, and the possibility of proposing reflections related to what is taught, how it is taught and to whom it is taught. Knowing their conceptions allows us to understand how they interfere in the teaching and learning of students, as well as to work with teachers to (re)think about their practice. Therefore, the study of conceptions becomes essential to all those who, directly or indirectly, are involved in the process of teaching and learning mathematics. In this context, to examine the conceptions of teachers is to seek their understandings in this relationship of mathematics teaching and learning in order to propose actions that ensure a more efficient practice from the point of view of knowledge and know-how related to mathematics and its teaching.
Keywords: Conceptions, Beliefs, Teachers who teach Mathematics.
Resumen: El objetivo general del presente trabajo es contribuir a la comprensión de las concepciones sobre la formación y la práctica docente de los profesores que enseñan Matemática (licenciados en Matemática y Pedagogía) como subsidio para las discusiones en el campo de la Educación Matemática. Para ello, se enumeran los siguientes objetivos específicos: (i) la comprensión de la concepción y la creencia (ii) lo que revela la investigación sobre la concepción de los profesores que enseñan Matemáticas y (iii) cómo la comprensión de la concepción de los profesores que enseñan Matemáticas sobre su formación y práctica docente puede ofrecer subsidios para futuros debates para el campo de la investigación. De abordaje cualitativo y a través del Análisis de Contenido, se busca alcanzar los objetivos pretendidos. A partir del marco teórico, se presenta como resultado la relevancia de comprender cómo piensan y qué creen los profesores que enseñan Matemáticas y la posibilidad de proponer reflexiones relacionadas con qué se enseña, cómo se enseña y a quién se enseña. Conocer sus concepciones permite comprender cómo interfieren en la enseñanza y el aprendizaje de los alumnos, así como posibilita trabajar con el profesor una (re)reflexión sobre su práctica. Por ello, el estudio de las concepciones se hace imprescindible para todos aquellos que, directa o indirectamente, están vinculados al proceso de enseñanza y aprendizaje de las matemáticas. En este contexto, examinar las concepciones de los profesores es buscar sus comprensiones en esta relación de enseñanza y aprendizaje de las matemáticas para proponer acciones que aseguren una práctica más eficaz desde el punto de vista de los conocimientos y saberes relacionados con las matemáticas y su enseñanza.
Palabras clave: Concepciones, Creencias, Profesores que enseñan Matemáticas.
INTRODUÇÃO
A prática docente é resultado de um conjunto de relações estabelecidas, sobretudo, na formação inicial. É neste espaço que o futuro professor entrará em contato com conhecimentos que lhe possibilitarão estabelecer relações com a prática com vistas a tornar o ensino de Matemática mais atrativo.
Nos cursos de formação inicial de professores que ensinam Matemática, a reduzida carga horária destinada à prática docente, faz com que a formação de professores que ensinam Matemática seja insuficiente a ponto de tornar-se um problema crônico. Além disso, a forma como concebem a Matemática e seu ensino podem contribuir para um ambiente desafiador e, ao mesmo tempo dificultador, em específico quando tratamos da licenciatura em Pedagogia.
Com isso, o presente artigo, recorte da dissertação de mestrado intitulada “A formação inicial de professores que ensinam Matemática no Ensino Fundamental: desafios e possibilidades para a atuação de licenciados em Pedagogia e Matemática”, defendida em 2021, pelo Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Presidente Prudente, SP, pretende analisar com maior propriedade alguns aspectos que permeiam a prática docente e sua relação com o ensino de Matemática a partir das concepções dos professores. Para tal, foi realizada uma pesquisa de natureza qualitativa, baseada na análise de conteúdo (BARDIN, 2016), a partir dos estudos de Ponte (1992), Thompson (1992), Cury (1994), Gómez-Chacón (2003), Bisconsini e Pavanello (2004), Grossman, Wilson e Shulman (2005), Ponte, Carneiro e Passos (2014), Passos (2014), Martins e Curi (2020) a fim de contribuir com elementos que possibilitem uma melhor compreensão acerca importância de se compreender como professores que ensinam Matemática concebem sua formação e prática docente.
CONCEPÇÕES, CRENÇA E CONHECIMENTO: DISCUSSÕES CONCEITUAIS
Ponte (1992) considera que as concepções se inter-relacionam com três tipos de saberes/conhecimentos que contribuem para sua elaboração. São eles:
(i) o saber científico, que vê na racionalização uma forma de argumentação, de lógica, de verdadeiro, comprovado e de confronto com a realidade empírica;
(ii) o saber profissional, que se volta às experiências práticas de uma atividade profissional, quando este saber é relacionado com o saber científico, sua ação prática se torna muito mais eficaz;
(iii) o saber comum, construído nos processos de socialização através de interpretação das experiências pessoais e da observação do mundo; é o saber de natureza empírica.
Thompson (1992) compreende um conceito mais amplo que crenças, pois compreende também significados, proposições, regras, imagens mentais, preferências e gostos. Assim sendo, é muito comum que as concepções sejam consideradas com conhecimentos oriundos das experiências docente e social. Carneiro e Passos (2014, p. 1115) se apoiam em Thompson (1992) para distinguir concepções de conhecimentos:
[...] as concepções podem ser defendidas em diversos níveis de convicção, independem de sua validade e não são consensuais, ou seja, pessoas diferentes pensam de forma diferente; o conhecimento, porém, está associado à certeza e à veracidade.
Sobre este aspecto, Thompson (1992, p. 130), ainda explicita que o conhecimento é um “[...] consentimento geral sobre procedimentos para avaliar e julgar suas validades e deve ter critérios envolvendo princípios de evidência”, enquanto as concepções são “baseadas em justificativas por razões que não têm critérios e, portanto, são caracterizadas por falta de concordância pela qual elas devem ser avaliadas e julgadas”. Desse modo, o conjunto de concepções de um sujeito forma um sistema flexível que pode facilmente sofrer mudanças e adaptações a partir das experiências.
As concepções funcionam como um filtro e, segundo Ponte (1992, p.1)
[...] por um lado, são indispensáveis, pois estruturam o sentido que damos às coisas. Por outro lado, atuam como bloqueador em relação a novas realidades ou certos problemas, limitando nossas possibilidades de atuação e compreensão.
As concepções estão associadas ao conceito de crenças. Gómez-Chacón (2003) concebe as crenças como fragmentos do conhecimento, de natureza cognitiva que se constitui por aspectos afetivos, avaliativos e sociais, que viabiliza o sujeito a organizar e filtrar informações obtidas. Assim, segundo a autora, as crenças compõem um esquema conceitual que filtra novas informações recebidas com apoio naquelas que já foram processadas anteriormente, efetivando as: (i) crenças sobre Matemática (o objeto) e o seu ensino; (ii) crenças sobre si próprio; (iii) crenças sobre o contexto em que a Matemática se insere (contexto social). Essa definição nos permite compreender que novas crenças são incorporadas entre as já existentes, e que influenciam a aprendizagem, uma vez que interferem diretamente na tomada de decisões e nas relações dos professores com os alunos.
Corroborando com o exposto acima, Martins e Curi (2020, p.7), indicam que
[...] as crenças dos professores definem suas práticas em sala de aula, e por sua vez, estes organizam seus sistemas de crenças. Estas crenças divergem uma das outras em intensidade e valores atribuídos a elas, mas que podem ser reconhecidas a partir dos significados que professores têm sobre à Matemática e o seu ensino.
Apesar das muitas discussões, o conceito de crença tem se mostrado polissêmico principalmente, pela dificuldade em distinguir crença de conhecimento. Esta distinção entre crença e o conhecimento, significa, como diz Thompson (1992), associar ao conhecimento, a certeza ou a verdade, e à crença, a contestabilidade. Esta associação corresponde considerar que o conhecimento promove um
“[...] acordo geral sobre os procedimentos para avaliar e ajuizar da sua validade, devendo preencher critérios que envolvem cânones de evidência, e que as crenças, pelo seu lado, [...] não preenchem esses critérios, sendo assim caracterizadas por ausência de acordo na forma como são avaliadas ou julgadas”. (Thompson, 1992, p. 130).
Thompson, no entanto, relativiza os conceitos de crença e conhecimento, alertando para a possibilidade de as regras com os quais o conhecimento é confrontado para ser aceite como tal, mudarem e, com essa evolução, uma crença poder vir a adquirir o estatuto de conhecimento ou inversamente. Guimarães (2010) apud Martins e Curi (2020, p.8)
[...] concepção é um termo complicado de se definir, uma vez que quando questionamos alguém sobre qual a concepção de algo, o que pretendemos saber é o que o indivíduo pensa sobre determinada coisa, qual é o seu real entendimento, qual é a maneira que ele vê ou assume, e que no fundo, desejamos compreender o modo que o indivíduo concebeu e o raciocínio que desenvolveu. Essa constatação revela-nos que a concepção pode caracterizar todo o modo de atividades mentais que se destinam sobre algo, na busca de significados.
Apesar de todas essas discussões, muitas crenças, concepções e mitos vem influenciando o processo de aprendizagem pelos estudantes e professores. Ainda sobre concepções, Cury (1999, p.30) chama a atenção para a polissemia dos termos concepção e crença:
Embora utilizados por vários pesquisadores sem maiores cuidados, os termos concepção e crença não têm aceitação unânime, e suas definições são, às vezes, conflitantes. Talvez por esse motivo, os textos mais recentes apresentam uma conceituação dos termos e as diferenças entre eles. Problemas de tradução têm, também, influenciado a forma como alguns autores se referem aos constructos.
Sobre o conceito de concepção, a autora continua,
Revisando os significados utilizados pelos diversos autores que trabalham os conceitos de concepções, crenças, opiniões e visões sobre a Matemática e as diversas definições encontradas em dicionários, optamos pela utilização do termo concepção, porque engloba toda a filosofia particular de um professor, quando ele concebe ideias e interpreta o mundo a partir dessas ideias. (CURY, 1999, p.37).
Assim sendo, as concepções envolvem aspectos que não podem ser facilmente observados e nem podem ser facilmente apreendidas. De qualquer forma, é notória a relação entre as concepções e a prática dos professores.
Neste sentido, os estudos de Grossman, Wilson e Shulman (2005) apontam que
[...] as crenças dos futuros professores sobre o conteúdo ensinado são tão poderosas e influentes quanto suas crenças sobre ensino e aprendizagem. Professores universitários devem, portanto, criar oportunidades para que esses futuros professores identifiquem e examinem as crenças que eles têm a respeito do que ensinam. Além do mais, precisamos ajudar os professores a reconhecer as influências que essas crenças têm no que eles aprendem e no que ensinam. (GROSSMAN; WILSON; SHULMAN, 2005, p.20 – tradução livre).
E concluem:
Se nós falharmos ao não fazer com que esses alunos prestem atenção em suas crenças sobre os conteúdos que ensinam, a influência dessas crenças permanecerá como se fosse uma poderosíssima peneira pela qual os novos professores filtrarão novas informações (GROSSMAN; WILSON; SHULMAN, 2005, p.20 – tradução livre).
A RELAÇÃO ENTRE AS CONCEPÇÕES E O ENSINO DE MATEMÁTICA
Os autores que fundamentam o presente estudo permitem considerar que as concepções se formam em um processo individual e social e se constituem pelas experiências e história de vida dos sujeitos nas suas relações com outras pessoas. Nessa perspectiva, as concepções sobre a Matemática podem ser influenciadas por nossas experiências e representações sociais dominantes conforme aponta Ponte (1992, p.1)
Assim, as nossas concepções sobre a Matemática são influenciadas pelas experiências que nos habituámos a reconhecer como tal e também pelas representações sociais dominantes. A Matemática é um assunto acerca do qual é difícil não ter concepções. É uma ciência muito antiga, que faz parte do conjunto das matérias escolares desde há séculos, é ensinada com carácter obrigatório durante largos anos de escolaridade e tem sido chamada a um importante papel de selecção social. Possui, por tudo isso, uma imagem forte, suscitando medos e admirações.
Portanto, a relação que estabelecemos com os professores de Matemática ainda na Educação Básica podem influenciar positiva ou negativamente nossa prática, tendo em vista que a relação estabelecida com esses docentes incutiu em nós a concepção de que Matemática é uma disciplina complexa e difícil ou atraente e fácil. Partindo do exposto por Ponte et.al (2014, p.4) indicam que
as concepções e a prática retroalimentam-se, em um movimento de ida e vinda, de forma a umas adequarem-se às outras. As concepções influenciam as práticas, no sentido de apontar caminhos e embasar as decisões. E as práticas geram concepções que sejam compatíveis com elas e que as possam fundamentar conceitualmente.
Sobre a Matemática, Gómez-Chacón (2003) apresenta três tipos de concepções:
(i) Matemática como caixa de ferramentas (concepção utilitarista) – se caracteriza pela criação de instrumentos para o desenvolvimento matemático;
(ii) Matemática como um corpo estático e unificado de conhecimentos (concepção platônica) – caracterizado pela descoberta e não criação;
(iii) Matemática como um campo de criação humana (concepção de resolução de problemas) – caracterizado pela geração de modelos e procedimentos abertos à revisão.
Partindo do exposto, é compreensível que as concepções sobre formação e prática por professores que ensinam Matemática, em geral, são caracterizadas pelo modelo platônico e utilitarista. Platônico pelo fato de compreenderem que a Matemática é uma ciência pronta e exata e utilitarista, pela necessidade de criar procedimentos que permitam a apreensão e ensino de conceitos matemáticos de forma mais eficiente, sem que se recorra à procedimentos técnicos e pragmáticos.
Sobre o modelo platônico e utilitarista, Ponte (1992) indica que relacionar a Matemática a cálculos seria reduzi-la a uma ciência sem valor e significado, pois, diferente dos computadores e calculadoras que, em geral, podem realizar cálculos precisos, a Matemática é formal e rigorosa. Ou seja, “[...] a prática da Matemática, como produto humano, está sujeita às imperfeições naturais da nossa espécie. Nela há margem para se desenvolverem diversos estilos ou se tomarem diferentes opções” (PONTE, 1992, p. 16). Assim, é difícil não ter concepções sobre a Matemática e seu ensino, principalmente, por ser uma disciplina obrigatória da Educação Básica e por estar há muito tempo no currículo escolar, com grande carga horária, em todas as etapas de ensino.
Compreendendo o interesse de vários autores pelo estudo das concepções dos professores que ensinam Matemática sobre sua prática, selecionamos aqueles que corroboram as discussões do presente artigo, a saber: Martins (2012), Suleiman (2016) e Oliveira (2021), com vistas a estabelecer algumas convergências entre as considerações feitas pelos autores que possam contribuir para as reflexões propostas neste artigo.
Martins (2012) realizou um estudo investigativo com 35 professores de cursos de licenciaturas em Matemática no estado de Alagoas. Para compreender as concepções desses docentes, o autor focou em questões relacionadas à formação inicial, prática docente, concepções relacionadas à natureza da Matemática e seu ensino. Além disso, o autor destaca a importância e influência das concepções desses formadores para futuros professores de Matemática.
Após analisar os dados coletados, o autor conclui:
De fato, entendemos que as concepções mobilizadas pelo professor de matemática estão relacionadas a sua história de vida, sua experiência profissional e ao contexto sócio-histórico. Sua formação inicial, suas experiências profissionais e sua carreira docente, contribuem para a construção de filtros e/ou concepções, onde esse professor formador desenvolve seu modo de pensar e agir. (MARTINS, 2012, p.110).
Suleiman (2016) realizou um estudo com 12 professores que ensinam Matemática no interior do estado de São Paulo a fim de compreender as concepções desses docentes acerca de como os professores concebem a Matemática, o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos, a relação deles com a disciplina, como avaliam sua prática pedagógica, a percepção sobre o sistema de ensino e de que forma indicam e enumeram as dificuldades que os alunos apresentam para aprender seus componentes. Os resultados indicam que:
· todos os participantes se consideram bons professores de Matemática, gostam de sua disciplina e gostam de ser professor. Aparentemente existe um consenso entre licenciados em Matemática quando tratamos do sentimento em relação à Matemática, uma vez que, em geral, é quase unânime gostarem de Matemática e gostarem de ensinarem Matemática;
· os docentes indicam a importância de algumas ferramentas para aprender Matemática. Para eles, algumas ferramentas incluem o uso de fórmulas e aplicação de conteúdos em problemas;
· os participantes indicaram a necessidade de um ensino da Matemática fundamentado em contextualizações, aplicações ao cotidiano do aluno. Mesmo compreendendo a necessidade de se trabalhar Matemática no campo da abstração, os professores compreendem a necessidade de contextualizar. Essa fala vai ao encontro dos licenciados em Pedagogia que, em geral, recorrem à contextualização de conceitos matemáticos com maior frequência;
· os resultados demonstraram destaque para a concepção sobre as causas das dificuldades que os alunos enfrentam na aprendizagem matemática, fazendo referência às ‘falhas na alfabetização’ nas séries iniciais. Aqui percebemos uma crítica implícita à forma como a Matemática é tratada nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Neste sentido, há de se concordar com o fato de que a fala de licenciados em Matemática seja carregada de alegações relacionadas às possíveis deficiências na prática dos licenciados em Pedagogia e que podem, segundo eles, acarretar dificuldades maiores por parte dos alunos;
· os professores também indicam que os alunos apresentam apatia e desinteresse gerados pela falta de motivação e incentivo dos pais e dos próprios professores;
· os professores indicam a necessidade de um trabalho em conjunto entre os dois segmentos: anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.
Sobre esses pontos, a autora conclui:
As concepções diferenciam-se a partir da origem (formação inicial, específica e pedagógica), pelo contexto social e pelas vivências pessoais de cada professor, sendo também dinâmicas e resultantes temporárias de suas experiências docentes, das aulas que ministram e da inserção com a escola/gestão em que atuam. (SULEIMAN, 2016, p.395).
Deste modo, as concepções dos docentes investigados pela autora são influenciadas pelas experiências das pessoas que passam a reconhecê-las como Matemática. Isso faz com que as concepções sobre a Matemática estejam sempre em mudança. As instituições de ensino proporcionam algumas experiências e a construção dos conhecimentos matemáticos pelos alunos a partir de diferentes concepções de Matemática e seu ensino, ou seja, as concepções dos alunos se embasam nas concepções dos professores. Portanto, entende-se que, se cada indivíduo enquanto aluno constrói seus conhecimentos e concepções sobre a Matemática, então, o profissional que os ensina, também ensina com base nas suas concepções e conhecimentos matemáticos.
Os estudos de Oliveira (2021) acerca dos dilemas e desafios da prática docente de professores que ensinam Matemática (licenciados em Matemática e licenciados em Pedagogia) tomou como base as concepções desses professores. O estudo envolveu 48 docentes de um município do interior de São Paulo (2019 – 2021). Abaixo listamos algumas concepções mais comuns aos dois grupos.
Licenciados em Pedagogia
Os docentes apresentam clareza das suas dificuldades com a Matemática desde a formação inicial e, em alguns casos, anterior a ela e tomam isso como importante para a consecução de uma concepção que gera deficiências na prática. Entre as maiores dificuldades para esse grupo, encontramos aquelas relacionadas a alguns conceitos específicos da Matemática. Os professores apontam que a ausência de discussões acerca da construção de conceitos matemáticos nos cursos de formação, faz com que se tornem meros reprodutores das suas vivências em sala de aula oriundos da educação básica. Outro elemento importante na fala desses docentes, é o fato de o currículo de formação inicial apresentar, de forma demasiada, elementos epistemológicos da Educação, restando pouco ou quase nenhum tempo para discussões mais específicas ao ensino de Matemática, Língua Portuguesa, Ciências, Geografia e História. Em se tratando da Matemática, disciplina concebida como difícil, abstrata e superior, os docentes compreendem as dificuldades que encontram e aceitam o fato de não serem experts se comparados com os docentes com formação específica.
Licenciados em Matemática
Quando analisamos as falas dos docentes licenciados em Matemática, temos a impressão de que esses docentes se encaram como superiores em relação aos licenciados em Pedagogia. Essa constatação se dá desde a formação inicial e é garantida pelo senso comum que faz com que muitas pessoas, inclusive os licenciados em Pedagogia, aceitem que os licenciados em Matemática têm mais conhecimento por serem oriundos de um curso mais teórico e mais aprofundado em conhecimentos matemáticos. Entre os desafios enfrentados por esses docentes, as falas deles compreendem elementos que não são diretamente ligados ao seu grupo. Dizemos isso pois as falas desses docentes indicam que as maiores dificuldades por eles encontradas se devem às “falhas” dos licenciados em Pedagogia, ou seja, a ausência de elementos de Matemática na formação do pedagogo gera deficiências na formação matemática dos alunos nos anos iniciais e perpassam os anos finais do Ensino Fundamental. Ainda em relação às dificuldades, percebemos que os docentes apresentam, mesmo que em entrelinhas, elementos que permitem inferir que eles atuam sozinhos, se comparados com licenciados em Pedagogia. Enquanto os docentes no outro grupo se apoiam no outro, criam uma rede colaborativa e reflexiva, os licenciados em Matemática, em geral, atuam de forma isolada sem a necessidade de recorrer a um grupo que possa auxiliá-los em possíveis dificuldades.
De modo geral, o estudo das concepções nos permite compreender o processo educativo, conforme explicita Bisconsini e Pavanello (2004, p. 3):
[...] estudam-se as concepções de quem estuda, de quem ensina, de quem pensa o que ensinar, de quem pensa no desenvolvimento da matemática enquanto ciência. Enfim, são visões construídas em contextos sociais, diante das necessidades, dos desafios, nas tomadas de decisões. É a partir desta visão social que os indivíduos tomam decisões, reagem, produzem, desprezam ou aderem à matemática.
De acordo com as autoras, o estudo das concepções acerca da Matemática e seu ensino, pode fornecer subsídios que nos permitem entender alguns comportamentos dos docentes. Além disso, essa compreensão possibilita reflexões para o próprio professor de Matemática e mudanças no exercício docente visando melhorar o ensino e elevar o retorno do que é ensinado. Assim sendo, “[...] o estudo das concepções de matemática torna-se imprescindível a todos que, direta ou indiretamente, estão ligados ao processo de ensino-aprendizagem da Matemática” (BISCONSINI; PAVANELLO, 2004, p. 3).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É muito relevante compreender como pensam e em que acreditam os professores que ensinam matemática, pois por meio dessa ação, será possível propor reflexões relacionadas ao que se ensina, como se ensina e a quem se ensina. Conhecer suas concepções, enquanto um conjunto de conhecimentos construídos ao longo da vida, permite entender de que maneira estas têm interferido no ensino-aprendizagem dos alunos. Além disso, possibilita trabalhar com o professor um repensar sobre sua prática de ensino.
Assim sendo, a formação inicial tem o papel de atuar a partir das concepções desses docentes para compreender sua constituição, possibilitar ações de reflexão que visem à melhor constituição da identidade e prática docente que compreenda os elementos básicos para a atuação da educação básica. Além disso, não se pode desvincular da formação inicial aspectos que envolvem o meio em que o professor se insere e todos os elementos que o envolve.
Sobre esses aspectos, há a necessidade em se revisar os programas de formação de professores, com vistas a promover nos licenciandos a capacidade de reflexão e compreensão das suas concepções acerca do que seja Matemática e seu ensino. Digo compreensão das suas concepções para expressar a necessidade de, a partir das concepções, (re)pensar metodologias e conhecimentos que visem ao aprimoramento de habilidades que contribuam para a constituição da identidade docente.
REFERÊNCIAS
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Ligação alternative
https://www.revistasbemsp.com.br/index.php/REMat-SP/article/view/26 (pdf)