PRÁTICAS AVALIATIVAS E A SALA DE AULA DE MATEMÁTICA
Análise da Produção Escrita em Matemática - um recurso à Avaliação como Prática de Investigação
Analysis of Written Production in Mathematics - a resource to Assessment as Research Practice
Análisis de la producción escrita en matemáticas: un recurso para la evaluación como práctica de investigación
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 19, núm. 3, e022033, 2022
Recepção: 21 Outubro 2021
Aprovação: 02 Dezembro 2021
Publicado: 10 Junho 2022
Resumo: Entre as formas possíveis de comunicação em aulas de matemática, a prova escrita parece ser uma das formas mais comuns, se constituindo, quase sempre, como principal recurso que os professores utilizam para que os alunos expressem o que sabem. A avaliação da aprendizagem escolar é entendida como um processo de realização contínua e prolongada, já que esse processo acompanha a formação enquanto e onde ela ocorre. Nessa perspectiva, o objetivo desse artigo é o de apresentar a análise da produção escrita como um recurso para o professor realizar uma avaliação como prática de investigação, apontando para a importância da escrita em Matemática e da Análise da Produção Escrita.
Palavras-chave: Educação Matemática, Avaliação como Prática de Investigação, Escrita em Matemática.
Abstract: Among the possible forms of communication in mathematics classes, written assessment seems to be one of the most common forms, constituting, almost always, the main resource that teachers use for students to express what they know.The assessment of school learning is understood as a process of continuous and prolonged achievement, since this process accompanies training while and wherever it takes place. In this perspective, the objective of this article is to present the analysis of written production as a resource for the teacher to carry out an assessment as a research practice, suggesting the importance of written production in Mathematics and the Analysis of Written Production.
Keywords: Mathematics Education, Assessment as Research Practice, Writing in Mathematics.
Resumen: Entre las posibles formas de comunicación en las clases de matemáticas, la prueba escrita parece ser una de las formas más habituales, constituyendo, casi siempre, el principal recurso que utilizan los profesores para que los alumnos expresen lo que saben. La evaluación del aprendizaje escolar se entiende como un proceso de logro continuo y prolongado, ya que este proceso acompaña a la formación mientras y donde se realiza. En esta perspectiva, el objetivo de este artículo es presentar el análisis de la producción escrita como recurso para que el docente realice una evaluación como práctica investigadora, apuntando a la importancia de la escritura en Matemáticas y el Análisis de la Producción Escrita.
Palabras clave: Educación Matemática, La Evaluación como Práctica Investigadora, Escribir en Matemáticas.
INTRODUÇÃO
O GEPEMA[3] – Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Matemática e Avaliação – tem se dedicado ao estudo e pesquisa de práticas de avaliação que envolvem o ensino e a aprendizagem de Matemática e, trabalhado em pesquisas que visam conceituar e operacionalizar a avaliação como prática de investigação e como oportunidade de aprendizagem. A escrita em matemática bem como a análise da produção escrita, é também objeto de pesquisa do grupo por apresentar características que se alinham à sua perspectiva de avaliação.
A avaliação escolar de rendimento ou de aprendizagem é um sistema complexo que envolve diversas variáveis, objetivos, intenções. A fim de respeitar essa complexidade, é necessário conhecimento sobre o que ela é, para que e como é realizada, sob quais perspectivas e concepções, para bem compreender seus resultados e gerar alguma intervenção. A avaliação da aprendizagem escolar é entendida como um processo de realização contínua e prolongada, já que esse processo acompanha a formação enquanto e onde ele ocorre.
Nessa perspectiva, o objetivo desse artigo é o de apresentar a análise da produção escrita como um recurso para o professor realizar uma avaliação como prática de investigação, apresentando alguns aspectos da importância da escrita em Matemática e da Análise da Produção Escrita.
Da Avaliação como Prática de Investigação
É muito comum responsabilizar apenas o aluno pelo seu fracasso. Ouve-se com frequência que os alunos não querem aprender, que não estudam nem se esforçam e, que têm problemas familiares sérios, por isso vai mal. No entanto, na avaliação deve-se considerar não apenas os alunos, mas também as condições socioeconômicas: recursos de que dispõem, contexto e cenário em que realizam suas atividades etc. A avaliação é sempre um auxílio, mais uma oportunidade para aprender. Caso contrário, ela se tornará apenas um processo técnico, destituída das dimensões pedagógicas, sociopolíticas, morais.
Em conformidade com esse modo de pensar, a avaliação está sendo assumida aqui como uma prática de investigação, “um processo de buscar conhecer ou, pelo menos, obter esclarecimentos, informes sobre o desconhecido por meio de um conjunto de ações previamente projetadas e/ou planejadas que procura seguir os rastros, os vestígios, esquadrinhar, seguir a pista do que é observável, conhecido” (FERREIRA, 2009, p. 21).
Estudos desenvolvidos no GEPEMA e dedicados à avaliação da aprendizagem (GOMES, 2003; FERREIRA, 2009; PEDROCHI JUNIOR, 2012; TREVISAN, 2013; MENDES, 2014; PRESTES, 2015; FORSTER, 2016; PAIXÃO, 2016; BENEDITO, 2018; SILVA, F., 2018; SOUZA, 2018; INNOCENTI, 2020; SILVA, V., 2020; BURIASCO; FERREIRA; CIANI, 2009) bem como à análise da produção escrita de alunos (PEREGO, 2005, DALTO, 2007) têm apresentado indícios de que uma das grandes dificuldades dos estudantes ao lidar com questões de matemática é a interpretação dos enunciados das questões. Inicialmente, já barrados na leitura da tarefa proposta, muitos estudantes acabam por mostrar o que sabem a partir de suas resoluções, que quase nunca é o que o professor esperava. Uma das razões dessas dificuldades é que, apesar de documentos curriculares (BRASIL, 1998, 2010, 2018; PARANÁ, 2008; NCTM, 2000) pregarem perspectivas de ensino voltadas para a contextualização, o “ensino de matemática” ainda carrega muitas marcas de uma tradição alinhada à apropriação de regras e algoritmos, consolidada por uma perspectiva tecnicista, fruto da herança cultural do Movimento da Matemática Moderna, a qual vai de encontro às perspectivas da Educação Matemática.
A avaliação como prática de investigação (BURIASCO; FERREIRA; CIANI, 2009), entendida como um processo, pode favorecer tomadas de decisão, gerar oportunidades para intervenção e aprendizagem. Por ter objetivo pedagógico, caracteriza-se no campo da avaliação formativa (BARLOW, 2006). Basicamente, a avaliação formativa pode ser entendida como um conjunto de ações desenvolvidas por professores e alunos que produz informações para os processos de ensino e de aprendizagem.
Apesar de a expressão avaliação como prática de investigação não ser muito presente na literatura, é possível identificar características dela em alguns trabalhos, tais como: “avaliação reguladora” (ALLAL, 1986); “avaliação didática” (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996); “observação formativa” (PERRENOUD, 1998); “avaliação para a aprendizagem” (BLACK et al, 2003); “avaliação autêntica” (MORGAN, 2003); “avaliação formativa alternativa” (FERNANDES, 2005); “ato de comunicação” (BARLOW, 2006), que se alinham com a caracterização de avaliação como prática de investigação.
A avaliação escolar não tem sentido de ser se não for para promover a aprendizagem, fornecer informações, pistas dos processos de pensamento dos estudantes, para além dos seus resultados. Uma avaliação como prática de investigação busca indícios das dificuldades dos estudantes, na maioria das vezes na sua própria produção. Nessa perspectiva, a função “didática” da avaliação é a de maior escopo, pois visa integrar os processos de avaliação, de ensino e de aprendizagem e fornecer meios para regulação (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996).
Assumir a avaliação como prática de investigação pode ajudar a superar o mito da “medida de conhecimento”, porque, nessa perspectiva, ela não se restringe aos produtos gerados pelos estudantes, valorando-os, mas possibilita tomadas de decisão, reorientação do processo do qual participam não apenas os alunos, mas também professores.
O fato de as produções dos estudantes, nessa perspectiva de avaliação, não serem finalísticas (terem fim em si mesmas) favorece um ambiente no qual o aluno tem liberdade para se expressar de forma responsável, assumindo a autoria de suas resoluções, o que pode gerar autonomia, fazendo-o confiar em suas respostas, arriscar, argumentar, refletir, dizer o que pensa para além do que acha que o professor deseja saber. Busca-se, assim, o desenvolvimento de uma atitude autônoma de pensamento, valorizando a multiplicidade e originalidade das ações.
Ao fazer da avaliação da aprendizagem uma prática de investigação, o professor tem o “dever de informar o aluno sobre a qualidade de seus trabalhos e de lhe proporcionar os meios de otimizá-los” (BARLOW, 2006, p. 73). Nesta perspectiva, a função de avaliador é complementada pela função de professor, pois a avaliação não termina com o estabelecimento de uma nota. Da mesma forma que o processo de avaliação está mergulhada no processo de aprendizagem, ao se tratar da aprendizagem escolar, não deveria ser possível dissociar as funções de professor das de avaliador. Além disso, a função de avaliar não precisa ser apenas responsabilidade do professor. É importante, também, que os alunos se sintam responsáveis e tenham autonomia para avaliar suas tarefas e desenvolver um espírito autocrítico, até porque “não se pode afirmar que ele (o professor) seja sempre a pessoa mais indicada para engrenar esse trabalho de diagnóstico e solução, pois há casos em que a coavaliação e autoavaliação podem ser mais eficazes para regular a aprendizagem” (BARLOW, 2006, p. 73).
A seguir, o Quadro 1 apresenta um cotejo de algumas características da avaliação como prática de investigação e da avaliação classificatória, tradicionalmente utilizada, pois, apesar de haver esforços de educadores matemáticos para superá-la, ainda é possível reconhecer suas marcas nas práticas de sala de aula.
Avaliação tradicional/ classificatória | Avaliação como prática de investigação |
A avaliação como processo de classificação está limitada por ter em sua raiz a homogeneidade (ESTEBAN, 2003). | Configura-se uma perspectiva de heterogeneidade, abrindo espaço para que o múltiplo e o desconhecido ganhem visibilidade (ESTEBAN, 2003). |
É considerada como uma componente que “pertence” ao processo educativo. O “pertence” é no sentido de “uma parte de”, como se fosse possível separá-la (a avaliação) do processo todo. | É considerada uma prática necessária e indissociável do processo educativo. “A avaliação é vista como um componente integral dos processos de ensino e de aprendizagem, no qual o professor tenta obter um quadro com informações do aluno o mais completo possível, por meio de todos os tipos de estratégias de avaliação” (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996, p. 101, tradução nossa). |
Valoriza a função classificatória. | Preocupa-se com a função reguladora. |
Limita-se à observação. | Requer intervenção. |
Possui respostas predeterminadas. Segundo Van den Heuvel-Panhuizen (1996), uma avaliação que conta apenas com respostas corretas ou incorretas pouco contribui para os processos de ensino e de aprendizagem. | Respostas em constante construção, desconstrução e reconstrução, que passam a configurar o início de novos questionamentos, sejam elas corretas ou incorretas (ESTEBAN, 2003). De acordo com Santos, L. (2003, p. 1), a avaliação “não se restringe a uma recolha de informação, mas incluindo-a, pressupõe igualmente uma interpretação desses mesmos dados, uma acção orientada por essa interpretação e assim uma produção de valores”. |
Valoriza respostas únicas e objetivas. Limita-se ao que é diretamente observável. | Interroga o caráter subjetivo das respostas. Busca indícios do não observável para além do observável. |
Recolhe informações e classifica-as/ qualifica-as/ quantifica-as. | Recolhe informações e as interpreta. |
A avaliação, conduzida pelo professor, é investida de um caráter sacramental, não questionável e o que se espera é a reprodução exata do conteúdo “ministrado”. | A avaliação como prática de investigação, praticada por professores e alunos subsidia-se na crença de que ela pode contribuir para uma prática escolar menos excludente, que não silencie as pessoas, que valorize e aceite as diferenças (BURIASCO, 2008). |
As diferenças entre alunos na sala de aula não são bem-vistas e devem ser superadas, já que o que se busca é uma sala homogênea. Para isso, devem ser trabalhadas e incorporadas nessa busca. | As diferenças entre alunos na sala de aula provocam e contribuem para a interação entre alunos e entre alunos e professor. Então a sala homogênea não é uma meta, na verdade nem é considerada. Até porque o aluno é o autor de sua aprendizagem. |
Encoraja e fortalece a prática da memorização, a reprodução. | Encoraja e fortalece a reflexão e o diálogo. |
O erro é visto como obstáculo, indício do “não saber”, de “falta” e deve ser evitado e combatido. | O erro passa a representar um indício, entre muitos outros, do processo de construção de conhecimento. O erro traz aspectos significativos para o processo de investigação ao sinalizar que o aluno está seguindo trajetos diferentes (originais, criativos, novos, impossíveis?) dos propostos e esperados pelo professor (ESTEBAN, 2003). |
Limita-se a indicar o que o aluno não sabe. | Torna o que ainda não se sabe em indício da necessidade e da possibilidade de ampliação do conhecimento já consolidado (ESTEBAN, 2002). |
É possível colocar a avaliação a favor da investigação em diferentes momentos, situações, ambientes. A análise da produção escrita de alunos é considerada como apenas um dos recursos para que a avaliação escolar seja implementada como prática de investigação. Para que as produções escritas sejam passíveis de análise, as tarefas propostas devem valorizar a resolução de problemas, a investigação, a escrita matemática, a reflexão, o pensamento crítico.
Além da finalidade comunicativa, educadores têm argumentado que a escrita (entendida como a ação “de escrever” e “refletir”) é importante para promover aprendizagem (write to learn) (EMIG, 1977; JOHNSON, 1983; STEMPIEN; BORASI, 1985; BELL; BELL, 1985; DAVISON; PEARCE, 1988; BORASI; ROSE, 1989; VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996; ISHII, 2003). Assumindo a importância da escrita no contexto escolar de todos os níveis, tem-se por um lado, que é no encontro da palavra com a ideia que surge a unidade expressiva da linguagem (ECO, 1984) e, por outro lado, a escrita como forma de favorecer a reflexão, parece ser utilizada para “concretizar” as ideias.
Leitura e escrita fazem parte do cotidiano escolar em todos os níveis de escolaridade e em todas as áreas, e grande parte dos instrumentos utilizados para a avaliação da aprendizagem envolve a expressão escrita, fazendo emergir seu papel de ferramenta de aprendizagem. Uma das características da linguagem escrita é sua natureza processual e social, sujeita a intervenções.
Segundo Johnson (1983), a escrita nas aulas de matemática, além de ser um valioso objeto de investigação para o professor, pode contribuir para a aprendizagem, pois propicia aos estudantes pensar e organizar seus pensamentos antes de escrever; atribuir significado aos conceitos estudados; desenvolver, por meio da experiência, a habilidade para expressar seus pensamentos; pensar criativamente.
Em estudo realizado, Borasi e Rose (1989) destacam alguns benefícios da escrita para a aprendizagem e argumentam como e porque essa prática deve ser incorporada nas aulas de matemática. Nesse estudo, as autoras concluíram que a escrita
· teve um efeito terapêutico sobre os componentes emocionais da aprendizagem da matemática pelo fato de os estudantes se expressarem e refletirem a respeito de seus sentimentos, do curso, da matemática e da escolaridade;
· proporcionou maior acessibilidade aos conteúdos matemáticos, porque ao ser necessário escrever sobre um determinado conteúdo, os alunos necessitavam de um entendimento melhor e mais pessoal do assunto tratado, provocando, portanto, a investigação;
· apresentou um progresso na aprendizagem e na resolução de problemas por resultar de articulação e reflexão a respeito do processo de fazer matemática.
Nas aulas de matemática a leitura e a escrita oportunizam a comunicação ao possibilitarem que os estudantes revelem suas dificuldades de compreensão. Parece que as tarefas matemáticas se resumem muitas vezes na leitura e interpretação de um enunciado de contexto matemático, ou, mesmo que envolva outras informações não matemáticas, a resolução quase sempre é orientada para uma produção “puramente” matemática, com números, símbolos, algoritmos. Com isso, a produção de texto em matemática é quase suprimida, quando deveria ser estimulada por se tratar de uma ação que pode desenvolver a criatividade, o espírito interpretativo e crítico.
Para Johnson (1983), a escrita como uma ferramenta analítica é frequentemente utilizada nos cursos de literatura e ciências sociais, mas, nas aulas de matemática, aos alunos “quase nunca” é dada a oportunidade de produzir escrita significativa. O autor argumenta que professores de matemática precisam reconhecer que a escrita pode ser uma ferramenta valiosa de aprendizado e de avaliação e que “se os alunos podem escrever com clareza sobre os conceitos matemáticos, então é evidente que eles os entendem” (1983, p. 117, tradução nossa).
A análise da produção escrita é uma prática que serve à avaliação como prática de investigação e pode ser considerada tanto na formação do professor como em sua rotina letiva.
Ao incentivar os alunos a se explicarem em prosa clara e coerente, a exposição permite que eles se tornem mais conscientes de seus processos de pensamento e mais cônscios das escolhas que fazem ao realizar cálculos e análises envolvidos na resolução de problemas de matemática (BELL; BELL, 1985, p. 220, tradução nossa).
De acordo com Santos, E. (2014), a “análise da produção escrita é uma forma de materializar uma avaliação a serviço dos processos de ensino de aprendizagem em matemática e as informações advindas dela podem realimentar o processo pedagógico” (SANTOS, E., 2014, p. 69)
Quanto aos benefícios relativos à leitura das produções escritas dos estudantes, Borasi e Rose (1989) concluem a partir de sua pesquisa que, em comparação às avaliações realizadas, anteriormente, com o mesmo grupo, houve uma melhoria na avaliação e na “remediação” individual dos alunos; que foi possível obter um feedback homogêneo dos aspectos do curso em si; um feedback imediato do desempenho do professor no decorrer do curso.
Bell e Bell (1985) argumentam que, se os estudantes esclarecem seus modos de lidar em suas produções escritas, o professor pode fornecer feedback imediato e individual respondendo com sugestões que podem tornar claros os processos desenvolvidos pelos alunos.
Segundo Santos, E. (2008), analisando produção escrita dos estudantes, interpretando as informações presentes nas produções dos estudantes, os professores podem também “identificar possíveis dificuldades, analisar os erros encontrados e obter indícios do que pode ter levado esses estudantes a errarem e, a partir de tais informações e de conversas com eles, planejar novas ações de modo que estas possam contribuir com a aprendizagem dos envolvidos” (SANTOS, E., 2008, p. 23)
Para Van Den Heuvel-Panhuizen (1996) não existe diferença entre tarefas de sala de aula e as de avaliação, nem há obrigatoriamente, um momento específico para que a avaliação ocorra. Contudo, mesmo que se utilizem instrumentos para avaliação, a análise da produção escrita continua possibilitando acesso à informação servindo para, entre outros
· detectar erros frequentes, recorrentes, dificuldades;
· simular formas de pensar, tipos de raciocínio;
· investigar causas de erros, obstáculos didáticos, obstáculos epistemológicos;
· investigar acertos casuais;
· obter argumentos para questionar e reorientar a prática;
· produzir e emitir feedback;
· dar suporte para a reelaboração do próprio instrumento de avaliação utilizado.
Analisar produções escritas serve também para mostrar que é desejável que professores utilizem diferentes tipos de tarefas escritas para oportunizar que os estudantes reflitam sobre suas atividades matemáticas.
Buriasco (2004) argumenta que a produção escrita dos alunos se mostra uma alternativa para interrogar-se a respeito dos processos de ensino e aprendizagem matemática. Além da análise de que, a produção escrita contribui para um pensar na produção individual do estudante, ela pode servir também para um olhar mais amplo a respeito de um conjunto de produções que apresentam características comuns.
Em pesquisas qualitativas, o estudo da produção escrita tem sido utilizado, entre outros, para trazer informações dos processos de ensino e de aprendizagem. A análise dessas informações pode ser utilizada como instrumento de avaliação, tanto do conhecimento do aluno, como da prática docente, de aula ou de pesquisa (DALTO, 2007; VIOLA DOS SANTOS, 2007; SANTOS, E. 2008; FERREIRA, 2009; PIRES, 2013; MENDES, 2014; PRESTES, 2015; PAIXÃO 2016).
A escrita pode ser utilizada, de um lado como um recurso para declarar conhecimento e, de outro como um meio de conhecimento. Na relação que se pode estabelecer entre esses dois lados, ela pode ser utilizada como uma oportunidade de cada sujeito analisar seu próprio processo de pensamento, os significados construídos, as formas de raciocínio matemático presentes nessa mesma escrita.
A análise da produção escrita é uma prática que cabe tanto ao professor quanto ao aluno. Propor tarefas nas quais os alunos possam, também, realizar a análise de suas produções escritas e a de seus pares pode ajudá-los no sentido de aperfeiçoar suas próprias produções, perceberem seus erros.
Entretanto, é preciso reconhecer que a análise da produção escrita por si só não dá conta de todos os processos. A sugestão é que ela venha acompanhada de alternativas como entrevistas, discussões e explorações coletivas, em sala de aula, de uma ou mais produções.
Não existe um momento específico para realizar a análise da produção escrita. É uma prática que permeia praticamente todo o processo de avaliação de aprendizagem, desde a seleção/elaboração dos instrumentos de avaliação, das tarefas matemáticas que comporão as provas escritas, relatórios, trabalhos. Realizar uma previsão da produção que é almejada dos estudantes também é um trabalho que cabe à análise da produção escrita. Contudo, para que a informação desejada seja provocada, é necessário que o estudante se envolva em tarefas que despertem seu interesse.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A escrita na sala de aula de matemática, tomada como uma das formas de registrar processos de pensamento vem sendo utilizada como um veículo importante na compreensão dos processos de ensino e de aprendizagem. A produção escrita não deixa de ser uma forma de comunicação e, como tal, deve receber atenção especial por parte dos professores, pois, muitas vezes, essa é a única forma de “diálogo” existente entre professores e estudantes. Segundo Buriasco (2004), ao analisar uma produção escrita, é possível discorrer sobre as respostas dadas, indagar-se sobre sua configuração, procurar encontrar quais relações as constituem. Assim, a partir do estudo dos trabalhos que o GEPEMA vem desenvolvendo por meio a análise da produção escrita, concluímos que no contexto da avaliação escolar a análise da produção escrita como uma prática de investigação incita
· tomar decisão a respeito de ações que possibilitam inferir formas de os estudantes procederem na execução das estratégias adotadas/elaboradas;
· reconhecer possíveis dificuldades enfrentadas pelos alunos;
· identificar como utilizam conteúdos matemáticos;
· inferir sobre as interpretações feitas;
· obter indícios do que os estudantes mostram saber;
· identificar relações que os estudantes estabelecem com as informações do enunciado;
· conhecer de que forma lidam com questões de matemática, sejam elas rotineiras ou não.
A avaliação enquanto prática de investigação e oportunidade de aprendizagem, mostra-se uma perspectiva favorável à prática de uma mudança de atitude em face como a avaliação escolar vem sendo ainda empregada. Portanto, tomar a avaliação como prática de investigação surge como uma oportunidade de constituir um referencial para uma avaliação escolar que oportunize a aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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Notas
Ligação alternative
https://www.revistasbemsp.com.br/index.php/REMat-SP/article/view/54 (pdf)