ARTIGOS CIENTÍFICOS
Linguagem e conexões no ensino e aprendizagem de Matemática
Language and Connections in the Teaching and Learning Mathematics
Lenguaje y conexiones en la enseñanza y el aprendizaje de las matemáticas
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 19, núm. 4, e022049, 2022
Recepção: 21 Novembro 2021
Aprovação: 10 Março 2022
Publicado: 12 Agosto 2022
Resumo: Este artigo tem como base um diálogo entre duas dissertações de mestrado: Vallilo (2018) e Silva (2018), considerando os temas linguagem e conexões matemáticas. O objetivo deste artigo é evidenciar como a linguagem ajuda o aluno a expressar o que sabe e o que aprendeu, de forma que o professor proponha problemas que possibilitem conexões entre as áreas da Matemática. A compreensão da linguagem, matemática e materna, com as conexões entre as diferentes áreas da Matemática são itens de destaque neste estudo para análise do aprendizado do aluno. Essa união entre esses estudos, linguagem e conexões, é discutida neste artigo por meio de três atividades trabalhadas na educação básica, uma envolvendo fração, e duas envolvendo áreas e perímetro de figuras planas. Conclui-se que a Matemática existe por meio das uniões entre seus diferentes ramos Aritmética, Geometria e Álgebra, de forma que a linguagem possibilita a união desses tópicos.
Palavras-chave: Palavra 1, Palavra 2, Palavra 3, Palavra 4, Palavra 5.
Abstract: This article is based on a dialogue between two master's theses, Vallilo (2018) and Silva (2018), considering the themes of language and mathematical connections. The purpose of this article is to show how language helps students to express what they know and what they have learned, so that the teacher proposes problems that allow connections between the areas of Mathematics. The comprehension of mathematical and maternal language, with the connections between the different areas of Mathematics are highlighted items in this study for the analysis of student learning. This union between these studies, language and connections, are discussed in this article through three activities that was worked on elementary school, one them involving fraction, and two involving areas and perimeter of flat figures. It is concluded that Mathematics exists through the unions between its differences branches and the language has been joining these topics that we call Arithmetic, Geometry and Algebra.
Keywords: Mathematical language, Mathematical connections, Elementary School.
Resumen: Este artículo se basa en un diálogo entre dos tesis de maestría, Vallilo (2018) y Silva (2018), considerando los temas del lenguaje y las conexiones matemáticas. El propósito de este artículo es mostrar cómo el lenguaje ayuda a los estudiantes a expresar lo que saben y lo que han aprendido, para que el profesor proponga problemas que permitan conexiones entre las áreas de las Matemáticas. La comprensión del lenguaje matemático y materno, con las conexiones entre las diferentes áreas de la Matemática se destacan en este estudio para el análisis del aprendizaje de los estudiantes. La unión entre estos estudios, lenguaje y conexiones se discute en este artículo a través de tres actividades trabajadas en la escuela primaria, una de ellas involucrando fracciones, y dos involucrando áreas y perímetro de figuras planas. Se concluye que la Matemática existe a través de las uniones entre sus diferentes ramas y el lenguaje ha ido uniendo estos tópicos que llamamos Aritmética, Geometría y Álgebra.
Palabras clave: Lenguaje matemático, Conexiones matemáticas, Escuela primaria.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem origem na interação dos trabalhos de mestrados dos dois primeiros autores. Aqui propomos um diálogo entre as duas pesquisas e, para isso, buscamos elementos apresentados em ambas e que se complementam. Partindo desse diálogo apresentamos evidências sobre a importância da linguagem para a conexão dos conteúdos e o aprendizado em matemática. O trabalho de Vallilo (2018) evidencia que as linguagens vernácula e matemática devem ser trabalhadas conjuntamente em aulas de matemática, praticadas pelo professor e por seus alunos, de forma que a linguagem vernácula é a primeira linguagem aprendida pelas crianças e, por isso, deve dar suporte à aquisição da linguagem matemática, bem como a compreensão dos símbolos e conceitos que envolvem a área. A pesquisa de Silva (2018) traz como reflexão o ensino intradisciplinar, que é o ensino com conexões entre a Aritmética, a Álgebra e a Geometria, por meio do material manipulativo Algeblocks.
O ensino de matemática na escola básica é feito pelo uso de diversas linguagens na sala de aula. As aulas fazem parte de um processo de comunicação entre pares, seja entre alunos e até mesmo entre professor e alunos. Tem-se que a linguagem é fundamental para a compreensão de mensagens transmitidas entre alunos e professor. A linguagem está inter-relacionada às diferentes áreas da Matemática e trabalhar um conteúdo aplicando-o em diferentes áreas da Matemática é fazer o uso de diferentes linguagens para que esse conteúdo possa ser aprendido pelo aluno.
A Matemática é uma ciência que possui diversos ramos extremamente interligados. Podemos citar a aritmética, a álgebra e a geometria como alguns deles. Para o processo de aprendizagem da Matemática, espera-se que o indivíduo consiga articular esses ramos de forma a encontrar relações entre eles. Assim, podemos concluir que ele domina a Matemática.
Porém, comumente o ensino de Matemática está relacionado com a memorização de regras e passos e a memorização de símbolos que o aluno desconhece o significado, o que acaba dificultando a compreensão desta ciência. A matemática conta com uma linguagem própria, rica de símbolos que expressam significados únicos. É indispensável que o processo de ensino e aprendizagem leve em consideração a alfabetização em linguagem matemática.
No artigo de Vallilo, Silva e Martins (2019), foram mostradas contribuições da linguagem para o ensino de matemática com conexões, evidenciando que a linguagem é uma importante ferramenta para o ensino de Matemática com conexões entre os ramos: Aritmética, Álgebra e Geometria. Pois, ensinar Matemática com conexões possibilita ao aluno encontrar caminhos para se expressar, aprender e entender as ligações entre os diferentes ramos da Matemática. Dessa forma, a linguagem permite que o aluno expresse, através da escrita ou outro registro, o que compreende ao resolver o problema, em linguagem vernácula ou linguagem matemática.
Para propiciar um processo de ensino em que a matemática é compreendida podemos considerar que a Resolução de Problemas permite que o professor explore a articulação da aritmética, álgebra e geometria. Isso pode ser evidenciado quando o professor trabalha com seus alunos em pequenos grupos nos quais os alunos são os protagonistas e construtores de seu conhecimento.
Este artigo tem como base um diálogo entre duas dissertações de mestrado, Vallilo (2018) e Silva (2018), seus enlaces, considerando os temas linguagem e conexões matemáticas, que propiciam uma discussão acerca da Resolução de Problemas como metodologia que engloba o ensino, a aprendizagem e a avaliação de Matemática. Indagamos o ato de relacionar expressões numéricas e simbólicas como ferramenta importante para o aprendizado sobre as operações aritméticas e o conceito de variável que os estudantes precisam utilizar continuamente durante seus anos de Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Nos primeiros anos da Educação Básica, o foco está no desenvolvimento de uma fundamentação forte em contagem e numeração. Porém, é negligenciado o conhecimento dos estudantes sobre número, operações e geometria. Poucas são as vezes que o trabalho com números é ponto de partida para desenvolver o conceito de variáveis.
Com este olhar, buscamos apresentar situações problemas trabalhadas em sala de aula com alunos do ensino fundamental, abordando o tema fração e área e perímetro de figuras planas expressos por polinômios. Essas situações são advindas dos trabalhos mencionados.
O objetivo deste artigo é evidenciar, com base no diálogo entre as dissertações, como a linguagem propicia ao aluno expressar o que sabe e o que aprendeu ao resolver um problema, de forma que o professor proponha problemas que possibilitem conexões entre as áreas da Matemática.
REVISÃO DE LITERATURA
O ensino de matemática na escola básica desenvolve-se pelo uso de diversas linguagens na sala de aula. As aulas fazem parte de um processo de comunicação entre pares, seja entre alunos e até mesmo entre professor e alunos.
Em geral, percebe-se que a linguagem é fundamental para a compreensão de mensagens transmitidas entre alunos e professor. Sobre isso, nos Estados Unidos, o documento Principles and Standards for school Mathematics, evidencia a comunicação na sala de aula afirmando que essa permite que o aluno expresse suas ideias em Matemática e entenda o que seu professor e colegas dizem a respeito dos conteúdos abordados em aula. O documento, ainda, afirma que os alunos que são incentivados a falar, escrever, ler e ouvir em aulas de Matemática desenvolvem a comunicação para aprender Matemática e se comunicar matematicamente (NCTM, 2000).
No Brasil, o documento Parâmetros Curriculares Nacionais ressalta a seguinte habilidade para ser desenvolvida em aulas de matemática:
Comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e apresentar resultados com precisão e argumentar sobre suas conjecturas, fazendo uso da linguagem oral e estabelecendo relações entre ela e diferentes representações matemáticas. (Brasil, 1997, p. 37)
Recentemente, em 2018, a Base Nacional Comum Curricular aponta que a escola deve incorporar diversas linguagens para possibilitar a comunicação, pensando na formação de alunos no século XXI.
É importante que a instituição escolar preserve seu compromisso de estimular a reflexão e a análise aprofundada e contribua para o desenvolvimento, no estudante, de uma atitude crítica em relação ao conteúdo e à multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais. Contudo, também é imprescindível que a escola compreenda e incorpore mais as novas linguagens e seus modos de funcionamento, desvendando possibilidades de comunicação (e também de manipulação), e que eduque para usos mais democráticos das tecnologias e para uma participação mais consciente na cultura digital. Ao aproveitar o potencial de comunicação do universo digital, a escola pode instituir novos modos de promover a aprendizagem, a interação e o compartilhamento de significados entre professores e estudantes. (BNCC, 2018, p. 61).
A escola desse século deve contribuir com a formação de um estudante crítico e que domine a linguagem tecnológica. A matemática e sua linguagem carregada de símbolos e significados podem colaborar com essa formação. Nota-se que é indicado que as aulas de matemática também incorporem a linguagem computacional e que o professor discuta com seus alunos a contribuição matemática no advento da computação e das tecnologias digitais tal como conhecemos hoje. Para isso, o domínio da linguagem matemática e a compreensão dessa área e suas conexões se fazem essenciais. O papel da matemática no ensino de tecnologias é o de fornecer ferramentas para a compreensão da linguagem computacional dotada de uma lógica e do uso de símbolos, assim como ocorre com o desenvolvimento da matemática.
Para Pimm (1987), a linguagem matemática está presente em todo tipo de comunicação que acontece em aulas de Matemática. Para que o aluno aprenda sobre conteúdos matemáticos e os significados dos símbolos, esse autor salienta a importância de “conversar consigo mesmo” para esclarecer as ideias e expor seus pensamentos de forma oral e escrita. Sendo assim, ele admite que a Matemática seja uma linguagem, pois possui características que permitem a comunicação, como significado, símbolos próprios e sintaxe.
Percebemos que desenvolver linguagens em aulas de matemática implica em mais do que apenas ensinar símbolos próprios da matemática. Isso porque o processo de comunicação se faz pelo uso da linguagem vernácula e da linguagem matemática. Sobre isso, debruçando sobre o ensino de matemática nos anos finais do ensino fundamental, o PCN apresenta:
Um aspecto muito peculiar a este ciclo é a forte relação entre a língua materna e a linguagem matemática. Se para a aprendizagem da escrita o suporte natural é a fala, que funciona como um elemento de mediação na passagem do pensamento para a escrita, na aprendizagem da Matemática a expressão oral também desempenha um papel fundamental. Falar sobre Matemática, escrever textos sobre conclusões, comunicar resultados, usando ao mesmo tempo elementos da língua materna e alguns símbolos matemáticos, são atividades importantes para que a linguagem matemática não funcione como um código indecifrável para os alunos. (BRASIL, 1997, p. 45)
Ainda, o domínio do letramento matemático pode ser desenvolvido através da exploração do uso das duas linguagens: a linguagem vernácula (ou língua materna; no Brasil, trata-se da língua portuguesa) e a linguagem matemática. Entretanto, nota-se que os alunos têm certa dificuldade em escrever os símbolos da Matemática e até mesmo algum texto que explique um conteúdo matemático de forma correta.
Podemos relacionar essa dificuldade com a falta de sincronia entre o ensino de matemática com o estudo de sua linguagem, visto que, muitas vezes, os símbolos matemáticos são apresentados aos alunos sem que se discuta seu significado ou os conceitos pertinentes a eles. Ainda, há uma certa distância entre o uso da língua materna e a linguagem matemática, ora é usada uma, ora é usada a outra, sem que uma contribua com a outra.
Sobre isso, Machado (2011) afirma que há uma impregnação mútua entre a língua materna e a linguagem matemática e por isso o ensino de Matemática deve abordar algumas funções da língua materna como a escrita, por exemplo. Por isso, é importante introduzir a escrita em aulas de Matemática, pois essa prática possibilita a compreensão de conceitos e significados de símbolos.
Segundo Vallilo (2018), as duas linguagens citadas são inseparáveis para se aprender Matemática. Além disso, para a autora “adquirir domínio da linguagem Matemática exige a compreensão dos símbolos matemáticos bem como das palavras usadas para expressar um conceito” (Vallilo, 2018, p. 76). Essa ideia vai de encontro com a proposta do letramento matemático no ensino fundamental, que consiste no desenvolvimento das:
Competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas (BNCC, 2018, p. 266).
Logo, o professor de matemática deve estar atento a formação de seu aluno no âmbito das duas linguagens. Em especial sobre a linguagem matemática, a BNCC enfatiza o letramento matemático como um desafio para o ensino na escola básica.
É também o letramento matemático que assegura aos alunos reconhecer que os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e a atuação no mundo e perceber o caráter de jogo intelectual da matemática, como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, estimula a investigação e pode ser prazeroso (fruição). O desenvolvimento dessas habilidades está intrinsecamente relacionado a algumas formas de organização da aprendizagem matemática, com base na análise de situações da vida cotidiana, de outras áreas do conhecimento e da própria Matemática.
Os processos matemáticos de resolução de problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e da modelagem podem ser citados como formas privilegiadas da atividade matemática, motivo pelo qual são, ao mesmo tempo, objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo de todo o Ensino Fundamental. Esses processos de aprendizagem são potencialmente ricos para o desenvolvimento de competências fundamentais para o letramento matemático (raciocínio, representação, comunicação e argumentação) e para o desenvolvimento do pensamento computacional. (BNCC, 2018, p. 266)
O documento que fundamenta a BNCC considera a Resolução de Problemas como um processo de aprendizagem, que objetiva a aprendizagem de matemática através da compreensão dessa área em fatos cotidianos. Nós trabalharemos, aqui, com a Resolução de Problemas vista como uma metodologia que envolve os processos de ensino, aprendizagem e avaliação de matemática.
De posse a essas informações, acreditamos que o professor pode valorizar as formas de produção dos alunos em suas aulas de matemática. Escrever, desenhar e fazer esquemas são algumas formas de manifestar seu conhecimento por um determinado assunto. O professor de matemática deve aproveitar o conhecimento prévio dos alunos sobre o entendimento da simbologia matemática para poder apresentar-lhes o significado matemático de cada símbolo, contribuindo para o seu letramento matemático.
Este trabalho apresenta uma sugestão de atividade realizada com uma turma do sexto ano do ensino fundamental que envolve o conceito de fração, compreendida como uma relação entre a parte e seu todo. Veremos que, nessa atividade, os alunos utilizaram de diversas linguagens para apresentar seu raciocínio, desde escrita até representações geométricas. Essas apresentações enfatizam o conhecimento do aluno sobre os ramos da matemática: aritmética, álgebra e geometria.
Também serão apresentadas, neste trabalho, duas sugestões de atividades realizadas com uma turma de nono ano, envolvendo os conceitos de área e perímetro de figuras planas apresentadas por polinômios. A linguagem matemática também é trabalhada quando o aluno se propõe a desenvolver e compreender polinômios para expressar as medidas de figuras planas. É comum que o professor de matemática trabalhe o desenvolvimento de um polinômio que expressa áreas como uma “regra” a ser decorada. Apresentaremos uma proposta em que o produto notável é desenvolvido a partir da geometria, auxiliando na compreensão algébrica de sua definição, a qual é importante o domínio da linguagem matemática.
Além disso, enfatizamos que ao trabalhar com resolução de problemas, o professor tem a oportunidade de desenvolver o letramento matemático pois pode explorar os enunciados dos problemas, discutir os conceitos que são apresentados em uma leitura feita em grupos, praticando a língua portuguesa. Além disso, ao resolver problemas, os alunos desenvolvem a linguagem matemática pois usam símbolos para escrever a resolução.
Brito (2013) salienta que ao trabalhar com a representação fracionária é necessário que o aluno compreenda, a partir da leitura do enunciado de um problema, o que se pede em língua portuguesa e o que se pede quanto à matemática. Para que haja essa compreensão, enfatizamos a importância do desenvolvimento da língua portuguesa e da linguagem matemática.
Tão importante quanto o desenvolvimento da linguagem matemática, é necessário refletir sobre as conexões existentes na área de matemática. É sobre isso que discutiremos a seguir.
O que é conexão no ensino de matemática? Quando se fala de adição de números inteiros, temos as leis que operam os números, de tal forma que essas operações podem ser representadas em uma reta numérica, por exemplo. E quando se fala de multiplicação de números, eles também podem fazer parte de um problema de geometria para encontrar áreas de figuras planas. Quanto vale duas vezes um terço ? Com o auxílio da geometria pode-se apresentar esta operação como a multiplicação de uma área equivalente a um terço.
E agora se apresenta a operação duas vezes um terço:
representado geometricamente
Elaborada pelos autores
representado
Elaborada pelos autoresAqui tem-se um exemplo da conexão entre a geometria e a aritmética.
Com o auxílio da representação de de uma figura plana pode-se visualizar operações como . Pode-se afirmar que a conexão matemática pode ser apresentada como "uma relação causal ou lógica" entre dois ramos da Matemática, tal conexão é abordada de diversas maneiras na literatura como: uma relação entre ideias matemáticas, uma relação que é construída pelo estudante e um processo que faz parte do fazer matemática, como é apresentado por Silva (2018). Da mesma forma, Lorenzato (2006, p.60) apresenta que o ensino de Matemática “pode ser reduzido sinteticamente, ao ensino integrado da Aritmética, Geometria e Álgebra”, em que o autor conceitualiza como ensino intradisciplinar.
O documento Principles and Standards for School Mathematics destaca que ver a Matemática como um todo mostra a necessidade de estudar e pensar sobre as conexões dentro da disciplina. Para enfatizar as conexões, os professores devem conhecer as necessidades de seus alunos, bem como a Matemática que os alunos estudaram nas séries anteriores e o que eles estudarão nas séries seguintes. (NCTM, 2000, p. 64).
Lorenzato (2006) ressalta a importância do ensino intradisciplinar e argumenta que o ensino de Matemática sem conexão entre suas ramificações é como conhecer apenas parte de um todo. Este autor exemplifica afirmando que quem já escutou isoladamente um ou diversos instrumentos musicais, mas que não os escutou juntos, em sintonia, não pode afirmar que conhece uma orquestra. O mesmo ocorre com alguém que estudou uma ou mais ramificações da Matemática separadamente, essa pessoa também não pode dizer que conhece a Matemática. Assim, após estudar Matemática sem conexão, os estudantes certamente ficam com a sensação de que aprenderam assuntos distintos, e que a Geometria, a Aritmética e a Álgebra não se interrelacionam.
Euclides Roxo, por volta de 1920, que foi Diretor do Externato do Colégio Pedro II, já se incomodava pelo ensino dissociado desses ramos da Matemática. Roxo estava mobilizado com as ideias difundidas, no início do século XX, por Félix Klein na Alemanha. Klein iniciou uma reforma propondo mudanças no ensino da Matemática por meio da interação entre as diferentes áreas da Matemática e entre a Matemática e outras áreas do conhecimento (VALENTE, 2004). Klein afirmou que as partições feitas na Matemática não devem ser obrigatoriamente fundidas, mas que não devem ser apresentadas nas escolas tão separadas (MIRANDA, 2003, p. 74).
Para Klein era natural que os ramos da Matemática estivessem relacionados, de modo que a Aritmética, a Geometria e a Álgebra não podiam ser vistas como áreas dissociadas. Com base nessas ideias, Euclides Roxo elaborou uma proposta de integrar as disciplinas Aritmética, Álgebra e Geometria em uma única: a de Matemática. Assim, essas disciplinas que seguiram separadas até 1929 foram unificadas, inicialmente no Colégio Pedro II e, com a reforma Francisco Campos em 1931, em todos os colégios de nível secundário do país (MIORIM, 1998). Assim, a junção dos ramos da Matemática em uma disciplina única passou a vigorar e perdura até os dias atuais. Contudo, isso não tem acontecido no formato intradisciplinar como sugere Lorenzato (2006).
De acordo com Pereira, Ribeiro e Cavalcanti (2010), o currículo da disciplina Matemática contempla o ensino da Aritmética, da Álgebra e da Geometria, contudo, de forma segmentada em compartimentos. Eles apontam alguns obstáculos que podem impedir que a intradisciplinaridade ocorra, como “a organização linear do currículo, a veiculação de livros didáticos nesta perspectiva e a formação do professor continuada e inicial por vezes deficiente” (PEREIRA; RIBEIRO; CAVALCANTI, 2010, p. 5). Os autores afirmam que há obstáculos que contribuem para a disseminação da ideia de que é mais simples e até mais eficiente ensinar separadamente Álgebra, Aritmética e Geometria. E mais, apontam que o ensino dissociado tem contribuído para que algumas escolas deixem a Geometria à margem das demais áreas da Matemática.
Segundo os autores, algumas dessas escolas chegam até criar uma disciplina específica com os conteúdos que classificam como geométricos. Como possível alternativa para desenvolver de forma integrada o ensino de Aritmética, Álgebra e Geometria, os autores Pereira, Ribeiro e Cavalcanti (2010) apontam a intervenção docente, pois o professor é o responsável pela gestão do currículo.
METODOLOGIA
A Resolução de Problemas apresenta como pressuposto um ensino pautado na aprendizagem do aluno, no qual o professor de matemática é visto como mediador do conhecimento. De acordo com Onuchic (1999), a resolução de problemas se torna o foco do ensino de matemática escolar a partir de 1980, data em que o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM) publicou An agenda for Action: Recommendations for School Mathematics of the 1980’s, documento que visava orientar o ensino de matemática na década.
Desde então, a resolução de problemas começa a ser estudada como metodologia de ensino e praticada em aulas de matemática, visto que possibilita que os alunos sejam protagonistas de seu aprendizado. No Brasil, a Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas se tornou objeto de estudo e de prática na sala de aula, conduzido pelo GTERP.
Neste artigo, enxergamos que a linguagem está presente em aulas de Matemática tanto em textos produzidos por alunos e professores, como nas falas dos sujeitos e nos símbolos utilizados por eles. Junto a isso, apresentamos como o ensino de Matemática pode ser pautado nas conexões existentes entre a Aritmética, a Álgebra e a Geometria. Nesse panorama, enfatizamos que a resolução de problemas possibilita um aprendizado de matemática, colocando o aluno como protagonista da construção de seu conhecimento e o professor mediador desse processo.
Com foco nos anos finais do Ensino Fundamental, propomos algumas atividades para se trabalhar com resolução de problemas, envolvendo os conteúdos de números racionais e polinômios em uma perspectiva que pode conciliar os ramos da álgebra, aritmética e geometria no ensino de Matemática.
Dadas essas considerações, a seguir são apresentados alguns resultados provenientes dos trabalhos desenvolvidos por Vallilo (2018) e Silva (2018) com alunos do Ensino Fundamental. Esses trabalhos foram desenvolvidos utilizando a Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas e são apresentados como possibilidades para o professor.
RESULTADOS
Primeiramente, trazemos os resultados de um problema trabalhado em uma turma de sexto ano de uma escola pública do estado de São Paulo, onde os alunos foram divididos em pequenos grupos de 4 a 5 alunos para o professor trabalhar a metodologia de ensino-aprendizagem-avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas. A cada aluno foi entregue uma folha com a cópia do problema.
Esse problema evidencia a fração como uma relação entre a parte e o todo, de forma que o aluno deve identificar o todo a ser trabalhado em cada parte do problema. A seguir são apresentadas algumas resoluções deste problema, feitas por grupos de alunos, como mostrado nas figuras 3, 4, 5 e 6.
Nota-se que na Figura 3, por exemplo, o grupo de alunos resolveu o problema utilizando representações geométricas em que exploram o conceito de fração e, ao mesmo tempo, utilizam de cálculos aritméticos para saber a quantidade que uma parte do todo representa. Percebemos que os alunos desse grupo possuem uma noção sobre geometria e a usam para realizar cálculos algébricos. Além disso, utilizam da linguagem pictórica para fazer seus registros e depois os transcrevem com símbolos específicos da matemática, como a fração, por exemplo, em que se escrevem números separados por uma barra. Nas Figura 4 e 5 percebemos que os grupos de alunos utilizaram apenas de cálculos aritméticos para resolver o problema.
Contudo, o grupo da Figura 4 optou por representar sua resolução utilizando apenas símbolos matemáticos, enquanto o outro grupo, representado na resposta da Figura 5, optou por escrever um texto explicando os passos de sua resolução. Mesmo que tenha prevalecido o uso da língua materna, a resolução do grupo 5 evidencia o conhecimento aritmético que envolve o conceito de fração, pois realizaram cálculos acerca do conceito de parte de um todo.
Na Figura 6, os alunos utilizam da linguagem materna e apresentam cálculos aritméticos e alguns símbolos. Através desse texto explicando a resolução do problema, nota-se que os alunos já possuem raciocínio algébrico, embora nunca tenham estudado álgebra, visto que estavam no sexto ano. Esse pensamento é evidenciado quando os alunos discorrem sobre uma quantidade desconhecida que deve ser calculada. Além da aritmética, reconhecem o conceito de fração como parte de um todo. O professor pode explorar este raciocínio para a construção do conceito de variável e possibilitar que a Matemática seja aprendida a partir da conexão entre Aritmética, Álgebra e Geometria.
Serão apresentadas, a seguir, duas atividades utilizando os Algeblocks, que foram realizadas com uma turma de 8º ano, de uma escola estadual de Rio Claro-SP.
Na dissertação de Silva (2018) foi utilizado o material manipulativo Algeblocks para trabalhar o ensino interdisciplinar de matemática. Algeblocks é um conjunto de blocos que representam termos e operações aritméticas e algébricas. Os blocos, de diferentes cores e dimensões, representam a unidade, os termos variáveis x e y, e os termos x², y², xy, x³, y³, x²y e xy², totalizando dez tipos de blocos. É possível representar diferentes operações algébricas utilizando esses blocos para representar os termos algébricos.
A primeira atividade consiste na proposta de, utilizando os blocos Algeblocks, reproduzir as figuras apresentadas a seguir. Para cada uma delas, era preciso mostrar o perímetro e a área.
As representações feitas pelos estudantes são apresentadas nas Figuras 8 e 9. Esse problema exigia que o aluno conhecesse as definições de área e perímetro de figuras planas.
Nesse caso, foram disponibilizadas aos alunos, figuras retangulares. As figuras planas possuem áreas que podem ser representadas pelos polinômios e respectivamente.
Notamos que esse grupo de alunos, cuja resolução é apresentada na Figura 8, usou os blocos do material Algeblocks para auxiliá-lo na composição das figuras, representadas por uma linguagem pictórica. Isso evidencia que eles possuem conhecimento de geometria ao interpretar os retângulos, bem como conhecimento de álgebra pois devem interpretar a variável que representa cada lado e usar o bloco correspondente.
Na Figura 9, os estudantes observaram a diferença de x que é representado linearmente e x² que é representado no plano. Com ajuda dos blocos eles apresentaram de forma algébrica o valor da área e o perímetro de cada figura de forma escrita, utilizando da linguagem matemática com símbolos específicos da área. Quando eles encontraram o valor do perímetro, perceberam que esse era apenas a soma das medidas do contorno da figura enquanto a área era a expressão da quantidade que preenchia a figura. Percebe-se que o grupo possui conhecimento sobre álgebra pois identificaram as variáveis referentes a cada lado.
A segunda atividade é uma proposta em que os alunos deveriam representar uma figura, utilizando os blocos do Algeblocks, de forma que sua área fosse igual a 3xy+2x² e seu perímetro igual a 10x+2y. A Figura 10 apresenta como um grupo de alunos resolveu o problema.
Na resolução apresentada, percebe-se que o aluno faz uso da geometria para estudar os conceitos de perímetro e área a partir dos polinômios que são apresentados.
Vale ressaltar que o domínio da linguagem vernácula e da linguagem matemática foram imprescindíveis para que os alunos se expressassem na resolução deste problema, além de proporcionar a conexão da Matemática e a compreensão do conceito de fração como relação entre a parte e o todo, bem como na compreensão dos conceitos de área e perímetro de figuras planas.
Contemplando o objetivo em contribuir para a aprendizagem do aluno através da linguagem e fazendo as conexões entre os diferentes ramos da Matemática, o trabalho do professor, como apontam Pereira, Ribeiro e Cavalcanti (2010), também foi significativo para que os alunos pudessem expressar o que aprenderam e fazer as conexões mesmo sem perceber.
É evidente o domínio da linguagem matemática dos alunos ao escreverem e interpretarem os polinômios. Nota-se o conhecimento geométrico que o aluno possui ao calcular a área e o perímetro das figuras propostas, bem como o conhecimento algébrico ao interpretar um polinômio, reconhecendo que a soma dos termos corresponde às somas das áreas que compõem a figura. Ainda, em meio a esses problemas, é evidenciado o conhecimento aritmético na realização das operações de adição, multiplicação e potenciação.
A partir das resoluções apresentadas por cada grupo de alunos, podemos perceber as conexões que eles fazem entre as áreas de matemática a partir da linguagem que escolhe para expor seu conhecimento. Assim, o professor pode destacar as conexões das resoluções entre seus alunos. Nessa situação, o professor de matemática propõe problemas que evidenciam uma conexão ou destaca a conexão das resoluções propostas pelos alunos, através do uso de linguagens como a vernácula ou a matemática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao dialogar com as dissertações de Vallilo (2018) e Silva (2018) para a análise da importância da linguagem para o ensino de matemática, nota-se que há um complemento entre as duas pesquisas. Pois a Matemática existe por meio das uniões entre os diferentes ramos que há e a linguagem vem unindo esses ramos que chamamos de Aritmética, Geometria e Álgebra. Para cada tipo de problema há muitas maneiras de resolvê-lo quando se conhece os diferentes ramos da matemática com suas respectivas linguagens.
O trabalho de Vallilo (2018) evidencia que as linguagens vernácula e matemática devem ser trabalhadas conjuntamente em aulas de matemática, praticadas pelo professor e por seus alunos, de forma que a linguagem vernácula é a primeira linguagem aprendida pelas crianças e, por isso, deve dar suporte à aquisição da linguagem matemática, bem como a compreensão dos símbolos e conceitos que envolvem a área.
A dissertação de Silva (2018) teve como objetivo investigar o material manipulativo Algeblocks e o Ensino Intradisciplinar. O ensino intradisciplinar é o ensino de matemática com conexões entre a Aritmética, a Álgebra e a Geometria. Quando se oferece mais de uma opção de aplicação de um conceito matemático ao aluno, essa ação contribui para que ele possa criar mais conexões para explorar e expressar as resoluções de problemas futuros. Essas conexões são criadas quando é mostrado a ele essas diferentes linguagens que há na matemática.
A partir da linguagem utilizada pelo aluno, o professor pode identificar os conhecimentos matemáticos que ele possui, bem como contribuir para a realização de conexões entre os ramos da matemática. Como foi apresentado neste trabalho, por exemplo, na resolução do problema do salário e de área e perímetro, houve alunos que utilizaram palavras, outros aritmética e outros utilizaram a geometria para se expressar. E a resolução de problemas e utilizada para enriquecer a aprendizagem quando é feita o compartilhamento das respostas. Quando um aluno apresenta seu ponto de vista, outros alunos aproveitam para ampliar suas estratégias de resolução e exercerem seu pensamento crítico.
Nesse momento, como o professor é o mediador, ele pode complementar as respostas apresentando algumas formalidades matemáticas e definições de objetos matemáticos apresentados pelos alunos. Assim, fica a cargo do professor investigar através da linguagem quais as conexões/ramos que o aluno está fazendo ao responder uma atividade. Em concordância com Pereira, Ribeiro e Cavalcanti (2010), o professor pode colaborar e estimular os alunos a fazerem outras conexões e, consequentemente, ampliar o repertório dos alunos para compreender e resolver novos problemas.
Por isso a conversa entre essas dissertações se fez necessário, pois o uso da linguagem e das conexões se fazem presentes em todo o processo de ensino e aprendizagem matemática. Ficou evidenciado que cada grupo de alunos utiliza de uma linguagem, relacionada a um ramo da Matemática para expressar seus conhecimentos através das resoluções dos problemas aqui explorados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. (Terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental). Brasília: MEC, 1998.
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