ARTIGOS CIENTÍFICOS
Importância da consideração dos processos cognitivos na didática da matemática
Importance of considering cognitive processes in mathematics didactics
Importancia de considerar los procesos cognitivos en la didáctica de las matemáticas
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 19, núm. 4, e022046, 2022
Recepção: 17 Novembro 2021
Aprovação: 10 Fevereiro 2022
Publicado: 12 Agosto 2022
Resumo: Este artigo apresenta um recorte de uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica que tem como material de estudo livros, artigos científicos, teses e dissertações, desenvolvida com o objetivo de compreender a importância conhecimento sobre os processos cognitivos para a fundamentação do aspecto metodológico da didática da matemática na contemporaneidade. No recorte apresentado elabora-se uma argumentação a favor da importância da consideração dos processos cognitivos na Educação Matemática, no âmbito escolar, justificada por descobertas da neurociência. Para a construção da base teórica os estudos foram direcionados às questões da neurociência cognitiva, da didática da matemática e da psicologia da educação matemática. Os resultados obtidos indicam que, quando a didática da matemática mobiliza adequadamente diferentes processos cognitivos, o ensino da matemática se torna mais eficaz perante as exigências que a sociedade impõe a cada dia.
Palavras-chave: Cognição, Didática da matemática, Aprendizagem.
Abstract: This article presents an excerpt of a qualitative research of the bibliographic type that has as its study material books, scientific articles, theses and dissertations, developed with the objective of understanding the importance of knowledge about cognitive processes for the foundation of the methodological aspect of mathematics didactics in contemporaneity. In the presented excerpt, an argument is made in favor of the importance of considering cognitive processes in Mathematics Education, in the school environment, justified by neuroscience discoveries. For the construction of the theoretical basis, the studies were directed to issues of cognitive neuroscience, mathematics didactics and the psychology of mathematics education. The results obtained indicate that when mathematics didactics adequately mobilizes different cognitive processes, mathematics teaching becomes more effective in the face of the demands that society imposes every day.
Keywords: Cognition, Didactics of Mathematics, Learning.
Resumen: Este artículo presenta un extracto de una investigación cualitativa de tipo bibliográfico que tiene como material de estudio libros, artículos científicos, tesis y disertaciones, desarrollada con el objetivo de comprender la importancia del conocimiento sobre los procesos cognitivos para la fundamentación del aspecto metodológico de la didáctica de las matemáticas en la contemporaneidad. En el recorte presentado, se argumenta a favor de la importancia de considerar los procesos cognitivos en la Educación Matemática, en el ámbito escolar, justificada por los descubrimientos de las neurociencias. Para la construcción de la base teórica, los estudios se dirigieron a temas de neurociencia cognitiva, didáctica de las matemáticas y psicología de la educación matemática. Los resultados obtenidos indican que cuando la didáctica de las matemáticas acciona adecuadamente diferentes procesos cognitivos, la enseñanza de las matemáticas se vuelve más eficaz frente a las exigencias que la sociedad impone día a día.
Palabras clave: Cognición, Didáctica de las Matemáticas, Aprendizaje.
INTRODUÇÃO
A cognição é um processo complexo influenciado por fatores diversos. Não são poucas as pesquisas, realizadas em diferentes áreas como a educação, a psicologia, a filosofia, a neurociência, que tratam dessa temática. No caso particular da cognição matemática os estudos começaram a ganhar força a partir da segunda metade do século XX e envolvem, além do conhecimento específico da matemática, aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais como apresentados nos estudos de Carvalho e Ponte (2015), D’Amore (2007), Radford (2011), Fonseca (2019), Souza e Matias (2020).
Em se tratando da aprendizagem matemática, há consenso entre teóricos da Educação Matemática, sobre o fato de que o importante não é a quantidade de informações ou de conteúdo que a escola, particularmente, o ensino de matemática, deve apresentar aos alunos, mas a otimização do conhecimento ensinado. É preciso que esse ensino desenvolva habilidades cognitivas diferentes daquelas exigidas na época da revolução industrial, pois o mundo mudou e continua a mudar velozmente, implicando necessidade de desenvolvimento de aptidões e a integração do conhecimento matemático ao conjunto de outros conhecimentos que cresce a cada dia.
Para Souza e Matias (2020, p. 1325), a aprendizagem matemática está vinculada à “[...] aquisição integrada de conhecimentos de âmbito específico, sistemas conceituais, princípios de caráter matemático e o desenvolvimento de habilidades cognitivas”. Provavelmente, o desconhecimento dessa premissa contribua, às vezes, para o descompasso entre o que se ensina ou como se ensina os objetos matemáticos na escola e o que é exigido na vida em sociedade. Fato perceptível na ação didática, no contexto do ensino de matemática, inclusive nos processos de formação de professores implicando em um ciclo vicioso onde a matemática é vista como desvinculada da realidade, um conhecimento cuja utilidade, para os alunos, se finda na resolução de exercícios teóricos que privilegiam a memória e pouco variam na mobilização de processos cognitivos.
Nosso interesse pela temática decorre do entendimento de que para saber ensinar de modo eficaz não basta dominar determinado conteúdo, é imprescindível conhecer como se aprende. Isso é o que mostra estudos realizados por pesquisadores como Fonseca (2015), Sternberg (2010); Maturana e Varella (2001), Cosenza e Guerra (2011), Damásio (2012), Lent, Buchweitz e Mota (2017).
Nesse artigo, elaboramos uma argumentação com a intenção de contribuir com a resposta para o problema: na perspectiva da neurociência, qual a importância de a didática da matemática levar em consideração os processos cognitivos dos alunos no processo de ensino de matemática? A eleição desse problema se deu em função da hipótese de que quando a didática da matemática mobiliza adequadamente diferentes processos cognitivos o ensino de matemática se torna mais eficiente perante as exigências que a sociedade nos impõe a cada dia.
Ao longo do processo investigativo buscamos fundamentos teóricos na didática da matemática, na psicologia da educação matemática e na neurociência cognitiva entendida como o estudo da capacidade cognitiva do indivíduo, ou seja, a mobilização de processos cognitivos como a atenção, a memória, o raciocínio, a linguagem, na construção do conhecimento. Entendemos por processos cognitivos um conjunto de processos que nos permitem captar, reconhecer, organizar, compreender e armazenar as informações e os estímulos do ambiente permitindo-nos adaptação às transformações deste meio. (COSENZA; GUERRA, 2011; MATURANA; VARELA, 2001).
A busca por fundamentos teóricos na neurociência cognitiva se deu em função da compreensão que eles podem “colaborar para fundamentar práticas pedagógicas que já se realizam com sucesso e sugerir ideias para intervenções, demonstrando que as estratégias pedagógicas que respeitam a forma como o cérebro funciona tendem a ser mais eficientes” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 143).
Nesse sentido, nos esforçamos cognitivamente para sistematizarmos um entendimento sobre as informações bibliográficas obtidas visando contribuir com os processos de formação e com a prática de professores de matemática. A construção da base teórica se deu a partir dos estudos que realizamos no âmbito do Laboratório de Neurodidática e Formação de Professores[3] onde estudamos e discutimos a articulação e a integração dos conhecimentos relativos à cognição, a plasticidade do cérebro, a mobilização de processos cognitivos, a didática das ciências e possíveis implicações à formação de professores.
Metodologicamente, a pesquisa se caracteriza como qualitativa de acordo com as ideias de Creswell (2010) e Taquette e Borges (2020), do tipo bibliográfica onde o material selecionado para estudo foi delimitado a livros, artigos científicos, teses e dissertações. Assumimos a hermenêutica, na perspectiva apresentada por Ghedin e Franco (2011), para ampliar nossa reflexão epistemológica sobre as informações advindas das leituras realizadas e as relações que estabelecemos com o problema investigado, pois esta pode ser considerada a “[...] arte do anúncio, da tradução, da explicação e interpretação, que inclui naturalmente a arte da compreensão, que lhe serve de base, do sentido de algo que se acha obscuro e duvidoso” (GADAMER, 2002, p. 111).
No recorte que realizamos para apresentar neste texto, enfatizamos as reflexões acerca da estreita relação entre cognição e didática da matemática e sobre a mobilização dos processos cognitivos da memória e da linguagem dispostas ao longo das seções que compõem este artigo.
COGNIÇÃO E DIDÁTICA DA MATEMÁTICA
Há tempos pesquisas e dados de programas de avaliação em larga escala indicam que os resultados alcançados pelos alunos brasileiros, em relação ao desempenho em matemática, estão aquém do esperado (HOLANDA; FREITAS; RODRIGUES, 2020; JÜRGENSEN; SORDIIN, 2020; BRASIL, 2018;). Os resultados negativos são base para inferências sobre a “crise” instaurada no âmbito do ensino de matemática, particularmente na Educação Básica. São muitos os pontos indicados como elementos desencadeadores dessa crise, dentre eles estão a falta de significado às definições conceituais apresentadas, dissociação do conteúdo matemático do contexto social, econômico e cultural, os processos pedagógicos e didáticos utilizados. Parece-nos importante chamarmos atenção a um aspecto, ainda pouco discutido, que é “[...] o desconhecimento professoral acerca dos processos cognitivos da aprendizagem e de sua mobilização por meio da Didática” (SILVA, 2015, p. 212).
A didática, entendida de modo generalista, engloba os processos pedagógicos com vista a torná-los mais eficientes no âmbito escolar. O seu conhecimento influencia a ação docente e instiga reflexões sobre:
[...] para que ensinar? o que ensinar? quem ensina? para quem se ensina? Como se ensina? sob que condições se ensina? Estas perguntas definem os elementos constitutivos ou categorias da didática e formam, de fato, o seu conteúdo. Obviamente, o significado de cada um desses elementos, bem como a relação que se faz entre eles, dependem de concepções filosóficas, epistemológicas. (LIBÂNEO, 2009, p. 13).
Na perspectiva da especificidade da matemática, a didática pode ser entendida, de acordo com D’Amore (2007), como uma epistemologia da aprendizagem matemática uma vez que a epistemologia é definida como um “ramo da Filosofia que estuda a maneira pela qual os conhecimentos científicos de certa área específica são constituídos, até mesmo para delimitar e caracterizar essa especificidade” (D’AMORE, 2007, p. 66). Desse modo, a didática da matemática trata do estudo e da divulgação, por meio do ensino, dos conhecimentos científicos da Matemática e, ao se ocupar dos processos de ensino e aprendizagem da matemática, dedica-se às relações que envolvem o aluno, o professor e o conhecimento matemático. Sua constituição não é disciplinar e está na interseção da Matemática com a Pedagogia e a Psicologia (BROSSEAU, 1981; D’AMORE, 2007).
Portanto, quando nos referimos ao modo como o ensino de matemática é realizado estamos falando da didática da matemática em ação o que inclui os meios, os métodos, as estratégias, os materiais selecionados para tal fim. No entanto, nem sempre o arcabouço utilizado pelo professor garante o resultado esperado, isto porque não podemos entender a didática da matemática apenas como um conjunto de técnicas metodológicas dissociadas de uma episteme.
A Didática não é mais aquilo que era no início do século passado, um conjunto de métodos de ensino da Matemática, mas procura compreender melhor e criar modelos dos processos de aprendizagem e de ensino, em seus aspectos específicos, das noções matemáticas em jogo; ela procura identificar as relações entre ensino e aprendizagem; leva em conta a dimensão epistemológica dos conceitos matemáticos e a transformação dos conteúdos do saber com objetivos de ensino; ela integra as características sociais ligadas a cada ensino, as regras implícitas que gerem as interações entre professores e aprendizes. (LABORDE, 2007, p. xiv).
A didática da matemática é uma mobilizadora da cognição matemática e nessa perspectiva, o professor, enquanto operador dessa mobilização, não pode compreendê-la apenas na perspectiva do pragmatismo, pois a aprendizagem não é uma questão apenas de métodos e exige de quem ensina o entendimento de que “[...] não é possível mobilizar de modo eficiente qualquer aprendizagem, sem conhecer minimamente como se aprende” (SILVA, 2015, p. 212).
Assim, as relações que nos propomos estabelecer entre fundamentos da neurociência cognitiva e da didática da matemática delineiam-se pela compreensão da cognição como um processo biológico influenciado por aspectos socioculturais. É válido lembrar de acordo com Bransford, Brown e Cocking (2007, p. 20), que “[...] toda aprendizagem acontece em cenários que apresentam conjuntos específicos de normas e expectativas culturais e sociais, e que esses cenários influenciam a aprendizagem e a transferência de maneira marcante”, consequentemente, não podemos dissociar a cognição matemática, em contexto escolar, das normas e processos mobilizados pela didática da matemática que podem ser influenciados por fatores biológicos, psicológicos e socioculturais.
A base dessa compreensão decorre da percepção de que não podemos “[...] tomar o fenômeno do conhecer como se houvesse ‘fatos’ ou objetos lá fora, que alguém capta e introduz na cabeça. A experiência de qualquer coisa lá fora é validada de uma maneira particular pela estrutura humana, que torna possível ‘a coisa’ que surge na descrição” (MATURANA; VARELA, 2001, p. 31). Pois, mesmo no âmbito da matemática, “[...] percebemos as coisas a partir do nosso olhar, ou seja, a nossa realidade é diferente da realidade do outro, dessa forma, nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo é um processo que se dá de maneira pessoal por meio de nossas estruturas cognitivas” (GHEDIN, 2021, p. 245), que no caso do ensino de matemática são mobilizadas pela didática da matemática que “tem como objeto delimitar e estudar os problemas que surgem durante os processos de organização, comunicação, transmissão, construção e valoração do conhecimento matemático” (ROMERO, 2007).
Decerto, não podemos desvincular as reflexões sobre o ato de ensinar das reflexões sobre a aprendizagem, sobre a cognição, pois esta entendida como ato de adquirir conhecimento, está diretamente relacionada à mobilização de processos cognitivos que apreendem informações do meio no qual estamos inseridos, as processam e as armazenam para posterior utilização. E é na mediação desenvolvida no ato de ensinar, na ação didática, que ocorre a mobilização dos processos cognitivos necessários à aprendizagem.
Atualmente não parece existir clichê mais popular do que a afirmação de que a cognição está relacionada à cultura. Explicar exatamente como aquela se relaciona com esta, permanece, entretanto, um problema aberto, não solucionado. De fato, mesmo que com o passar dos anos tenha havido uma crescente consciência acerca do papel representado pelos contextos social, político e cultural na forma como pensamos o mundo, não está claro ainda em que sentido exato nossos conceitos – tanto matemáticos quanto outros – são influenciados pela cultura. (RADFORD, 2011, p. 259).
No entanto, não podemos ignorar que os modos de ensinar vigentes em determinadas culturas mobilizam de maneiras próprias processos cognitivos, como por exemplo, a linguagem. Aqui não abordaremos as condutas culturais e suas relações com a cognição, mas as admitimos, pois “[...] o cultural é um fenômeno que se viabiliza como um caso particular de comportamento comunicativo” (MATURANA; VARELLA, 2001, p. 223), portanto intimamente vinculado ao processo cognitivo da linguagem. Destacamos que “entendemos por conduta cultural a estabilidade transgeracional de configurações comportamentais ontogeneticamente adquiridas na dinâmica comunicativa de um meio social” (MATURANA; VARELLA, 2001, p. 223, grifo do autor).
Em relação aos estudos direcionados à cognição centrados no funcionamento do cérebro, do sistema nervoso central (SNC), salientamos que, dada a longa jornada da Ciência, são relativamente recentes. Nas últimas duas décadas os estudos em torno da cognição matemática, avançaram e, hoje, nos permitem o entendimento de processos cognitivos que antes não eram considerados, por serem desconhecidos, quando discutíamos questões de aprendizagem. A ampliação do conhecimento sobre o SNC se deu em função dos avanços ocorridos na construção de conhecimentos nas fronteiras disciplinares evidenciando que a compreensão da cognição necessita transcender questões disciplinares “e congregar áreas bastantes distintas como a psicologia, as ciências sociais, econômicas, da informação, envolvendo de eletroquímica à filosofia, de processos intracelulares ao comportamento, de consumo à linguística, de antropologia à inteligência artificial” (TIEPPO, 2021, p. 43-44). Originando assim, “[...] uma nova ciência, bastante abrangente e interdisciplinar: a chamada neurociência” (TIEPPO, 2021, p. 43-44).
Particularmente, estudos realizados no campo da neurociência cognitiva, ampliaram nossa forma de pensar a ação didática objetiva. Embora essa ciência não se dedique diretamente ao processo pedagógico escolar, o conhecimento por ela produzido explica como o cérebro funciona e, a partir daí, é possível vislumbrarmos que quando a ação didática considera as descobertas da neurociência, o alcance e as limitações dos diferentes processos cognitivos, básicos e superiores, “[...] pode contribuir para a evolução das práticas pedagógicas que permitam desenvolver o indivíduo, aproximando-o da manifestação máxima de potenciais e tendo em vista crescentes demandas da idade contemporânea digital e virtual” (TIEPPO, 2014, p. 40).
A didática da matemática como ciência, recai nas epistemologias das investigações que dão fundamentos aos aspectos objetivados no melhoramento do ensino de matemática. De modo que, pesquisas no âmbito da didática da matemática são multi, inter e até transdisciplinares, pois a “[...] didática da matemática é um campo cujos domínios de referência e cujas atividades são caracterizadas por uma extrema complexidade” (D'AMORE, 2007, p. 98). Tal complexidade decorre do fato de que a educação no contexto escolar e, particularmente, o ensino de matemática, não é regulado “[...] apenas por leis físicas ou biológicas, mas também por aspectos humanos que incluem, entre outras, a sala de aula, a dinâmica do processo ensino-aprendizagem, a família, a comunidade e as políticas públicas” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 143).
Dada a complexidade do fenômeno da aprendizagem, nenhuma ciência isoladamente é capaz de dar todas as respostas e tampouco “prescrever” receitas infalíveis para o ato de ensinar e aprender. É necessário olharmos o fenômeno da aprendizagem por múltiplas lentes, estabelecermos diálogos, para compreendermos por que algumas ações pedagógicas são mais eficientes do que outras e por que alguns alunos se saem melhor nas aulas de matemática do que outros, mesmo compartilhando de condições físico-pedagógicas semelhantes.
A neurociência cognitiva e a didática da matemática possuem natureza e finalidades diferentes, porém ambas se intersectam quando tratam do fenômeno da cognição matemática e podem nos brindar com possíveis diálogos entre as explicações neurobiológicas e questões pedagógicas, particularmente, no âmbito da mobilização dos processos cognitivos necessários à aprendizagem matemática.
O ENSINO DE MATEMÁTICA E OS PROCESSOS COGNITIVOS
Um estudo sobre as possíveis relações entre processos cognitivos e ações da didática da matemática ganha relevância quando compreendemos como o cérebro processa a matemática para adequadamente pensarmos formas de mobilizar os processos cognitivos no âmbito do ensino de matemática. Isso torna-se mais importante quando consideramos uma sala de aula com dezenas de alunos, cada um com sua subjetividade, indivíduos dotados de interesses e habilidades diferentes.
Em se tratando da matemática, é perigoso o entendimento do seu ensino como uma replicação de definições, entes, objetos, formas e discursos sem a devida compreensão da cognição que requer a interconexão de múltiplas competências. A falta dessa compreensão, por vezes, tem implicações desastrosas no contexto escolar, pois de acordo com Fonseca (2015, p. 35), “a cognição não é certamente uma construção arquitetônica uniforme.
Para Almeida e Justino (2020, p. 159) é “desnecessário frisar a importância das competências tanto de leitura como matemáticas no aprendizado. Contudo, seu substrato neurológico ainda é pouco conhecido e pesquisas nessa direção são de valor inestimável para a pedagogia”. Os estudos sobre como o cérebro processa a matemática são recentes, estão em pleno desenvolvimento e indicam que “embora leitura e matemática sejam encaradas como competências distintas, elas compartilham diversos processos cognitivos, tais como: codificação de estímulos visuais, verbalização e memória de trabalho” (ALMEIDA; JUSTINO, 2020, p. 159). Nessa direção, estudos como os de Arsalidou e Taylor (2011) admitem que a ativação das redes cerebrais compartilhadas depende da tarefa a ser executada. Por exemplo, “[...] são mais ativadas se necessário recuperarem fatos (e.g., durante a adição de números pequenos) do que quando executam cálculos baseados em procedimentos (algoritmos)” (ALMEIDA; JUSTINO, 2020, p. 159).
É importante lembrarmos que não há um caminho único para a aprendizagem e que esta ocorre por diferentes vias, consequentemente, nenhuma teoria, isoladamente, é suficiente para dar conta da complexidade implícita no processo de aprender. Daí a importância de conhecermos e estabelecermos diálogos entre teorias diferentes para entendermos melhor sobre os processos cognitivos e suas possíveis mobilizações no contexto do processo de ensino e aprendizagem da matemática.
A mobilização dos processos cognitivos, funções mentais pelas quais apreendemos informações do ambiente, processamo-las, as armazenamos e posteriormente as comunicamos tem grande influência no desenvolvimento do pensamento, na cognição, particularmente no processo de aprendizagem matemática e suas dificuldades. De acordo com Fonseca (2015, p. 33): “[...] ao contrário da hereditariedade, da idade ou do esqueleto, a cognição pode mudar e apresentar um elevado potencial de plasticidade e flexibilidade”, pois esta tem como lócus de processamento o cérebro que é dotado de plasticidade, capaz de processos adaptativos que reorganizam suas funções e estruturas diante de algum impedimento ou trauma.
Cosenza e Guerra (2011, p. 39) destacam que plasticidade é a grande capacidade que o cérebro tem “de fazer e desfazer ligações entre as células nervosas como consequência das interações permanentes com o ambiente externo e interno do organismo. A plasticidade é maior nos primeiros anos de vida, mas permanece, ainda que diminuída, por toda existência”. Como consequência dessa plasticidade podemos dizer que é possível aprendermos sempre, em especial matemática, e quanto mais cedo e adequadamente os processos cognitivos forem mobilizados, melhor. Isso inclui a ação docente que tem a função de “[...] facilitar o processo, mas, em última análise, a aprendizagem é um fenômeno individual e privado e vai obedecer às circunstâncias históricas de cada um de nós” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 39).
A mobilização de diferentes processos cognitivos, como a atenção e a memória, não ocorre de forma isolada; ela é possibilitada de acordo com Kandel et al. (2014) pela
[...] interligação de regiões encefálicas determinadas que realizam o processamento serial e paralelo, cada uma delas tendo funções específicas. [...]Acredita-se agora que todas as capacidades cognitivas resultem da interação de muitos mecanismos de processamento distribuídos em diversas regiões do encéfalo. Regiões encefálicas específicas não são responsáveis por faculdades mentais específicas, mas são unidades elementares de processamento. (KANDEL et al., 2014, p. 15, itálico do autor).
Consequentemente, o conhecimento sobre o processamento dessas unidades elementares e suas implicações à cognição podem contribuir para refletirmos sobre os processos e mecanismos de ensino tradicionalmente presentes nas aulas de matemática e ao fazê-lo percebermos que podemos melhorá-los quando entendemos que aquilo que fazemos na sala de aula, mobiliza, ou não, os adequados processos cognitivos de forma intencional com vistas à aprendizagem. Para tanto, “conhecer as formas como o sujeito articula seus conhecimentos, ou seja, como seus processos cognitivos (re)significam a informação, parece ser o ponto mais relevante no processo didático, sendo, esta uma tarefa difícil, mas não impossível” (FIGUEIREDO, 2012, p. 25).
Há processos cognitivos básicos e superiores. Os básicos: percepção, atenção e memória, são as funções mentais imediatamente mais acessíveis que alicerçam a cognição humana, pois nos permitem a captação e o armazenamento das informações que formarão uma base a partir da qual os processos cognitivos superiores poderão ser executados. (KANDEL et al. 2014; STERNBERG, 2010). Os processos cognitivos superiores são muitos e integram em nível elevado as informações captadas viabilizando a comunicação e a aprendizagem. Para Kandel (2014, p. 356):
Muito daquilo que se faz na vida diária depende da capacidade de lembrar e de atuar intencionalmente. Intenções podem ser simples ou compostas; podem compreender ações específicas ou planos gerais, um pouco de aritmética mental ou um plano de carreira. Os processos mentais subjacentes ao controle executivo do comportamento são tão diversos que parece improvável que possam ser função de uma área do encéfalo. Ainda assim, é notável que uma única e grande região do hemisfério cerebral, o córtex pré-frontal, esteja implicada em muitas formas de controle executivo.
Na perspectiva da neurociência cognitiva, estudiosos como Soler (2020), Cosenza (2016) e Sternberg (2010) indicam que o pensamento, a linguagem, a inteligência, a consciência, a criatividade, a intuição, o inconsciente, a imaginação e a resolução de problemas são processos cognitivos superiores, processos mentais que atuam na (re)significação das informações. É a coordenação entre os processos cognitivos básicos e superiores que possibilita o processamento, a interligação e a integração de informações imediatas com o arcabouço informacional existente na nossa estrutura cognitiva.
Embora no contexto da cognição matemática todos sejam essenciais, aqui refletimos sobre aspectos da mobilização, pela didática da matemática, apenas de dois processos cognitivos, um básico: a memória; e um superior: a linguagem.
MEMÓRIA E LINGUAGEM
A memória é o processo cognitivo, provavelmente, mais mobilizado pela didática da matemática efetivada nos moldes “tradicionais”, porém nem sempre de modo adequado, pois não se trata de um fenômeno isolado determinado por imposição externa. “Na realidade, existem diferentes tipos de memória que comportam subdivisões, das quais se encarregam sistemas e estruturas cerebrais diferentes” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 51).
Na tradicional cultura escolar que conhecemos, a memorização da tabuada é tida como condição fundamental para os alunos progredirem em aritmética e a dinâmica das aulas pauta-se, geralmente, pela apresentação de definições, resolução de exemplos e a atribuição de muitos exercícios a serem resolvidos basicamente por um processo de replicação de exemplos apresentados. A justificativa para as longas listas de exercícios é que é preciso exercitar para aprender. Certamente, a repetição pode levar à memorização, mas nem sempre a memorização alcançada é duradoura. Pois, “já sabemos que uma informação relevante, para se tornar consciente, tem que ultrapassar inicialmente o filtro da atenção. [...] Se a informação for considerada relevante, poderá ser mantida; do contrário será descartada” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 52).
Ora, então não basta exigir que o aluno repita a aplicação de uma fórmula ou de um algoritmo dezenas de vezes em situações similares, é preciso a adequada mobilização de recursos cognitivos e o estabelecimento de relações para permitir que a informação seja conscientemente mantida por mais tempo na estrutura cognitiva do aluno. Isto porque, “o sistema de repetição tem capacidade limitada quanto ao número de itens que podem ser mantidos em processamento, e admite-se que esse número é o que pode ser repetido dentro de um intervalo de 2 segundos” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 52-54).
A memória não é um evento isolado, ela se integra aos demais processos cognitivos servindo-lhes de base referencial. Imaginemos o que ocorre quando propomos a resolução de uma equação a um aluno. Ele necessita codificar a informação expressa na questão para daí mobilizar informações recentes (explicação das etapas de resolução apresentadas pelo professor), recuperar informações armazenadas (símbolos e regras operatórias referentes ao tipo de números e ao grau presentes na equação) e estabelecer relações adequadas para poder operar e chegar a um resultado aceitável. Nesse processo, as informações matemáticas armazenadas na memória ao mesmo tempo em que são usadas como parâmetros sofrem modificações e ampliações de acordo com as informações recentes mobilizadas, desde que a dinâmica de ensino provoque o estabelecimento de conexões coerentes. Para tanto, de acordo com Costa (2012, p. 45), o processo de ensino precisa ser pensado de modo a operacionalizar adequadamente o processo cognitivo da memória em três etapas sequenciais e conexas: “[...]a codificação que compreende a transformação dos dados sensoriais em representações mentais, o armazenamento que permite a manutenção das informações codificadas na memória e a recuperação que possibilita o acesso ou uso das informações armazenadas”.
Em se tratando da ação didática, particularmente no ensino da matemática, é importante termos clareza que não existe apenas um tipo de memória, consequentemente, não será um único e repetitivo meio que desencadeará a memorização desejada para posterior utilização, pois de acordo com Cosenza e Guerra (2011) somos dotados de tipos diferentes de memórias e que a nossa memória não se manifesta da mesma forma a respeito de tudo. É fácil percebermos que mobilizamos a memória de forma explícita – consciente, intencional – e, de forma implícita – inconscientemente.
A memória explícita implica duas formas de armazenamento: uma transitória, conhecida como memória operacional ou memória de trabalho composta por uma memória sensorial e um sistema de repetição, e, outra permanente. A memória de trabalho, embora transitória, “dispõe de um processo adicional que vai permitir a conservação da informação por mais tempo”. A durabilidade dessa conservação depende da relevância da informação e resulta da mobilização dessa memória transitória que tem “a função não só de reter a informação, mas é capaz também de processar seu conteúdo modificando-o” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 54). Então, ao voltarmos ao tema das listas de exercícios, nas aulas de matemática, não é a quantidade, mas a relevância das questões, as relações estabelecidas e as articulações exigidas que definirão a durabilidade da informação na memória. Pois:
A memória de curto prazo permite a retenção das informações durante o seu tratamento. Sua capacidade é limitada em média a sete itens, podendo variar entre cinco e nove itens. Por exemplo, consideremos a simples adição “2+3”, para a efetuarmos necessitamos manter mentalmente “2”, na memória curto prazo, antes dele ser incrementado por “3”, para obtermos o resultado final “5”. Sem a memória de trabalho, de curto prazo, isso seria impossível. (ALMEIDA; JUSTINO, 2020, p. 146).
Para que ocorra a aprendizagem é necessário que o tratamento cognitivo dado à informação pela memória operacional viabilize seu armazenamento por um período maior, ou seja, faz-se necessário a ativação da memória de longo prazo que pode ser explícita ou implícita e depende do estabelecimento de novas sinapses e de um trabalho adicional que, além da repetição, requer elaboração para que haja consolidação da informação adquirida para posterior evocação. (COSENZA; GUERA, 2011; KANDEL et al, 2014). Importante destacar que “a memória explícita é altamente flexível, permitindo a associação de múltiplos fragmentos de informação sob diferentes circunstâncias. A memória implícita, por outro lado, permanece fortemente dependente das condições originais sob as quais se deu o aprendizado” (KANDEL et al, 2014, p. 1261).
A partir de estudos como os realizados por Arsalidou e Taylor (2011) e Dorneles e Haase (2017), podemos dizer que a consolidação da aprendizagem matemática não acontece apenas pela repetição de um mesmo algoritmo; é um processo muito mais complexo que requer o ativamento de relações entre diferentes partes do córtex cerebral, necessita de descanso (sono) e requer procedimentos diferentes no trato da informação matemática o que nos leva ao fato de que a simples memorização de uma técnica não garante sua compreensão e aprendizagem no sentido conceitual. Então, saber a tabuada de “cor e salteado” não indica que o aluno aprendeu a multiplicar, por isso a didática usada no ensino da matemática necessita ter consciência dessa complexidade.
De acordo com Kandel et al (2014, p. 1261), a memória explícita, intencional, aquela que tanto evocamos nas aulas de matemática, também pode ser classificada em “episódica (memória da experiência pessoal ou memória autobiográfica) e semântica (memória para fatos e conceitos). [...] A memória semântica é utilizada para se apreender o significado de novas palavras ou conceitos”. Impossível negar a estreita ligação entre memória semântica e linguagem, particularmente, linguagem matemática que possui uma estrutura peculiar que necessita de uma boa consolidação e de uma adequada evocação nas atividades matemáticas.
Entendemos a linguagem como um processo cognitivo, pois independentemente do contexto, é um dos meios pelo quais captamos informações do ambiente que são confrontadas com nossas vivências, processadas e transformadas em aprendizagens. Importante destacar que o domínio de uma linguagem verbal, escrita e até gestual, não é apenas o resultado de um processo pedagógico, é antes de tudo, um processo neurobiológico. (FARIAS; COSTA, 2020, p. 155).
A fluência e a proficiência da linguagem dependem da maturação de áreas do nosso cérebro e no contexto escolar, “independente das possíveis conceituações da relação entre pensamento e linguagem, que é o âmago de muitas reflexões didáticas atuais, podemos ver uma marcada tendência de considerar a linguagem e o discurso como produtores do conhecimento e ideias” (RADFORD, 2011, p. 157). Nessa direção, a linguagem matemática mobilizada pela didática da matemática é capaz de acionar o sistema neural ativando o pensamento, influenciando-o e retroalimentando-o por meio de suas diferentes representações: natural, pictórica, simbólica, gráfica. Mas, é importante atentarmos para o fato de que a linguagem não é um processo cognitivo neutro, asséptico, pois “a palavra que proferimos e o objeto ao qual se refere estão inevitavelmente ligados a uma prática social historicamente constituída” (RADFORD, 2011, p. 158), mesmo no âmbito da cognição matemática.
Para Sternberg (2010, p. 303), “a linguagem é o uso de um meio organizado de combinação de palavras a fim de criar comunicação”. No contexto do ensino da matemática, essa comunicação decorre de uma linguagem imbuída de uma sensatez lógica que contém dentro de si outras linguagens “[...] que usam símbolos específicos para indicar relações e operações próprias como o são a linguagem algébrica e a geométrica” (FARIAS; COSTA, 2020, p. 156).
Cuidado especial devemos ter ao colocarmos em prática a didática da matemática e seus atos comunicativos, pois não basta a apresentação de um conjunto de símbolos, palavras ou imagens, faz-se necessário uma construção lógica, culturalmente situada para que a mensagem emitida seja captada e faça sentido para quem a recebe. Para tanto, a justaposição de palavras e símbolos nem sempre bastam, é preciso o conhecimento das regras da linguagem na qual estão expressos, porque uma palavra expressa na língua natural pode ter sentido diferente na linguagem matemática e isso tem a ver com os aspectos conceituais vinculados às palavras; por exemplo, a palavra “mais”, não pode ser vinculada apenas à operação de juntar objetos, é necessário a compreensão do conjunto de situações em que está sendo enunciada. Isto por que as palavras e mesmo os símbolos matemáticos não são as coisas em si, eles são uma abstração das coisas como nos lembra Chevallard (1996).
No âmbito da linguagem matemática, a palavra “mais” pode conduzir o aluno a um entendimento equivocado da mensagem quando ele não é capaz de realizar a diferenciação conceitual, a codificação apropriada de acordo com o contexto em que ela está inserida. Daí a necessidade de a didática da matemática mobilizar adequadamente os processos cognitivos, particularmente a linguagem, pois sua aprendizagem adquire sentido e significado em campos diferentes e, se tratando da linguagem matemática “[...] determinados conceitos construídos em um campo não são suficientes em outros, podendo, às vezes, serem até contraditórios” (FARIAS; COSTA, 2020, p. 160) como mostra Vergnaud (2009, 1998) com a teoria dos campos conceituais. Tal teoria considera que a essência da cognição é a construção de conceitos, os quais adquirem validade em determinados campos não podendo ser simplesmente transportados para outros sem as devidas ampliações e/ou ressignificações.
A linguagem é o processo cognitivo mais diretamente vinculado à forma como representamos e comunicamos os fenômenos físicos e naturais, reais e imaginários, do mundo em que vivemos. Em particular, a linguagem matemática é parte dessa linguagem geral que o indivíduo usa para se comunicar e influenciar pensamentos, ela “[...] não serve somente ao estudo de ideias e propriedades ‘dentro’ da própria matemática”, mas também como um meio de compreensão e de comunicação no mundo no qual estamos inseridos incluindo-se o contexto escolar e a aula de matemática (MORA; GOMEZ, 2006, p. 11, tradução nossa).
A aprendizagem matemática não ocorre simplesmente por memorização. É necessário uma ativação e ampliação da estrutura cognitiva do indivíduo o que mobiliza todos os processos cognitivos que lhes possibilitam o desenvolvimento da habilidade de compreensão de equivalências lógicas tão necessárias ao desenvolvimento do pensamento matemático. Nessa direção destacamos a importância do desenvolvimento de práticas didáticas que levem em relação o estreito vínculo entre a matemática, a linguagem e o pensamento para o desenvolvimento da aprendizagem matemática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo buscamos construir uma argumentação, fundamentada nas descobertas da neurociência, a favor da importância de a didática da matemática levar em consideração os processos cognitivos dos alunos no processo de ensino de matemática. Pois, é inegável que qualquer ação didática tem como fim a aprendizagem do indivíduo. E, no âmbito das questões da cognição matemática, essa ação necessita de uma abordagem apropriada e planejada de modo a favorecer a mobilização dos processos cognitivos adequados ao que ação didática objetiva.
Para responder o problema de pesquisa que elencamos, recorremos ao diálogo entre diferentes perspectivas teóricas que nos permitem entender que a aprendizagem matemática não é determinada unicamente por aquilo que o professor ensina, pois, a cognição é um processo complexo, biológico e cultural que requer a articulação entre aspectos racionais, emocionais e sociais cuja mediação é feita pelo cérebro. Tal articulação para ser desencadeada necessita da adequada mobilização de processos cognitivos básicos e superiores, pois ainda que nosso cérebro esteja biologicamente programado para lidar com números, quantidades e formas, o sentido e o significado dado possui estreita relação com a realidade na qual o indivíduo vive.
A prática diária do professor, no processo de ensino de matemática, evidencia a didática da matemática em ação por meio dos recursos didáticos, da postura docente, das estratégias metodológicas e de uma linguagem própria que envolve o uso de símbolos e palavras que adquirem significado dentro de um campo conceitual e que deve proporcionar uma apropriação coletiva do conteúdo apresentado e a construção e/ou desenvolvimento individual do conhecimento matemático.
Embora a matemática seja investida de uma linguagem própria e no contexto escolar seja priorizado a formalização, a sensatez lógica e seu sistema de regras particular, sua aprendizagem requer a mobilização, entre outros, do processo cognitivo da memória que ativa situações que envolvem emoções e histórias as quais não podem ser ignoradas no processo de ensino, pois a cognição, inicialmente, está vinculada aos processos de reconhecimento e representação que podem estar estruturados por outras lógicas.
Ressaltamos que a partir das leituras sobre as descobertas da neurociência e de reflexões sobre processos cognitivos e didática da matemática podemos dizer que o êxito da prática didática precisa ser intencional, ou seja, não podemos esperar que o processo de ensino de matemática atinja seu objetivo: a aprendizagem matemática do aluno, sem que o professor tenha conhecimento de como as pessoas aprendem.
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Notas
Ligação alternative
https://www.revistasbemsp.com.br/index.php/REMat-SP/article/view/35 (pdf)